Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5730/22.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO DEPENDENTE DE ACORDO
Nº do Documento: RP202212145730/232.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 640º, nº 2, al. b), do CPC, o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve indicar com precisão as passagens em concreto da gravação dos depoimentos, que impliquem decisão diversa, não preenchendo tal requisitos a indicação do início e fim do depoimento, na sua globalidade, ainda que transcreva as partes que entende relevantes.
II - A indicação do período de duração do trabalho no contrato de trabalho, não se confunde com a fixação individualizada do horário de trabalho, pelo que, na ausência de outra prova, não se pode concluir pela impossibilidade de o empregador alterar unilateralmente o horário de trabalho do trabalhador.
III - Nada obsta a que a “blindagem” do horário de trabalho, exigindo-se que a sua alteração seja feita por acordo, seja estipulada na pendência da execução do contrato de trabalho, nomeadamente em transacção efectuada em acção judicial em que são partes empregadora e trabalhadora.
IV - Deve proceder a providência de suspensão de novo contrato de trabalho, fixado unilateralmente, quando se provou que a trabalhadora requerente fez acordo com a empregadora, nos termos do qual o horário deveria ser alterado por acordo, e esta conhecia que a mesma desenvolve a sua actividade profissional noutros locais e para outros empregadores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5730/22.3T8PRT.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., Porto, patrocinada por mandatário judicial, intentou, o presente procedimento cautelar comum contra o Centro Hospitalar ..., E.P.E., com sede na Rua ..., Santa Maria da Feira.
Formula os seguintes pedidos:
A) Deve ser declarada a nulidade do nº 2, do art. 13º do contrato individual de trabalho celebrado entre a Requerente e a Requerida, na medida em que afasta parte do nº 1 do art. 14º do Cód. Processo do Trabalho;
B) Deve a Requerida ser condenada a suspender de imediato a ordem de alteração do horário de trabalho e de funções, por ser evidente a ilegalidade e o prejuízo elevado e irreparável para a Requerente;
C) Deve a Requerida ser condenada a suspender de imediato a ordem de alteração do período normal de trabalho diário, por ser evidente a ilegalidade e prejuízo elevado e irreparável para a Requerente;
D) Deve a Requerida ser condenada a abster-se da prática de atos ilegais no que diz respeito à alteração unilateral do horário de trabalho da Requerente, funções e alteração do período normal de trabalho diário da Requerente;
E) Deve a presente providência ser decretada sem audiência do Requerido, devido ao risco sério quanto ao fim e da eficácia da providência atenta a data da produção de efeitos da decisão de alteração do novo horário de trabalho nos termos do disposto no art. 366º nº 6 do Cód. Processo Civil.;
F) Assim não se entendendo deve o requerido ser citado seguindo-se os ulteriores termos até final;
G) Deve ser fixada uma sanção pecuniária compulsória no montante não inferior a € 500,00 por dia de forma eficaz a execução da decisão deste Tribunal e a tutela do direito da Requerente.
Alega em síntese: A Requerente exerce a atividade profissional de Assistente Hospitalar Graduada de Oftalmologia, escalão 1, na Requerida, sob a autoridade e direção desta; Tendo sido admitida em 26 de março de 2001, com a categoria de Assistente Hospitalar de Oftalmologia, escalão 1, por contrato de trabalho por tempo indeterminado; a Requerente intentou uma ação judicial em 2020, contra a mesma Requerida, que correu termos no Juiz 2, do Juízo do Trabalho do Porto, neste Tribunal, que cessou por transação homologada por sentença e já transitada em julgado, nos seguintes termos: I A Autora declara que nos dias 16 de Julho, 20 e 27 de Agosto de 2018, por motivos pessoais inadiáveis então comunicados ao superior hierárquico, não efectuou o trabalho suplementar que mesmo assim lhe foi solicitado, sem que tivesse sido substituída por Colega, não querendo com tal prejudicar o serviço e os utentes, lamentando qualquer possível inconveniente que tenha ocorrido. II Em face do referido pela Autora no item anterior, a Ré CH... transige e aceita anular a sanção disciplinar de repreensão que foi aplicada à Autora por via desses factos, existindo inutilidade superveniente para o prosseguimento da lide. III A Ré diligenciará pela reapreciação em termos de secção/unidade, do horário (por acordo) e actividade, após o que será comunicado por escrito pela Ré à Autora o respectivo resultado fundamentado. IV A Autora declara que face a esta transacção e para sanar todos os atritos comunicará junto das entidades às quais apresentou queixa, pelos factos aqui em causa, que existiu transacção judicial nestes autos. V A comunicação a realizar pela Autora referida no item anterior tem que ser efectuada no prazo máximo de 8 dias posterior ao recebimento da comunicação referida no item 3º a remeter para a Autora pelo CH.... VI Autora e Ré acordam que as custas serão divididas em partes iguais, prescindindo ambas de custas de parte; Entretanto, a Requerida foi interpelada pela Requerente para cumprimento do acordado; não tendo a Requerida cumprido o acordado naquela ação, foi dada entrada da respetiva ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 2, sob o nº 160/20.4T8PRT.1; a Requerente e Requerida não lograram chegar a acordo, há anos, quanto à alteração do horário de trabalho daquela; na sequência da citação da Ré, aqui Requerida; a Requerida enviou à Requerente carta na qual a Requerida falou da circular informativa nº 21/AIERH/2011 de 13 /5/201; Na mesma missiva a Requerida referia havia 3 períodos de consulta no Hospital ... e 1 de consulta no hospital 1... e que foi tirado o período de 12 horas e 2 manhã de atividade 2 tardes de atividade, conforme a Requerente queria; Mais era acrescentado nessa carta que devia realizar o serviço de urgência nas segundas-feiras à tarde, por ausência de elemento espelho; A Requerente contrapropôs hipóteses de horário; Sucede que, no dia 16 de março de 2022 a Requerente recebeu por mail uma mensagem do seu Diretor Clínico com a seguinte informação: “Em face da alteração do horário a entrar em vigor em abril venho inquirir se no dia atribuído á urgência, segunda-feira, se prefere fazer o turno da manhã ou o da tarde.”; Entretanto no dia 18 de março de 2022, a Requerente recebeu nova missiva datada do dia 14 de março de 2022, com o horário de trabalho da A; A requerente respondeu: “Não aceito o horário de trabalho proposto. Não aceito igualmente a alteração do período normal de trabalho diário, que não se confunde com o horário de trabalho. A proposta apresentada viola de forma clamorosa não só o acordo judicial, pois o horário de trabalho tem de ser acordado entre as duas partes, como a Lei, pois procedem à alteração do período normal de trabalho diário, o qual apenas pode ser executado por acordo das partes.”; O horário de trabalho proposto a entrar em vigor em 1 de abril de 2022 é diferente do atualmente praticado pela Requerente e não foi acertado por acordo entre as partes; a Requerente além de exercer atividade na Requerida, exerce igualmente atividade no Hospital Privado X..., na Hospital Privado X1..., consultório privado, Clínica ...; Acresce que tem a sua Mãe, viúva desde 2020, a qual vive sozinha e a quem presta assistência, deslocando-se à sua habitação sita no Porto, para aí lhe fazer companhia, tomar algumas refeições com a mesma, garantir que tem uma vida ativa na medida do possível e das suas capacidades físicas e prestar ainda os cuidados que sejam necessários, sendo essas deslocações regulares; Por outro lado, verificar-se-á uma lesão séria e irreparável dos direitos da Requerente, não só pela impossibilidade de manter as suas ocupações noutras entidades a quem presta serviços, não cumprindo por sua vez os compromissos que assumiu com essas entidades com as quais tem, igualmente um acordo que deve honrar, bem como na assistência à sua mãe, nos termos descritos e ainda a diminuição dos tempos de descanso e diminuição considerável de rendimentos o que configura uma grave lesão dos seus direitos e de forma irreparável, pois não haverá forma de voltar atrás e repor o que se deixar de ter ou fazer seja em termos profissionais, familiares ou outros.
Citada a requerida, veio deduzir oposição, alegando, em síntese: A requerente pretende impor o seu horário e a sua vontade deturpando o que se passou naqueles autos que foi uma tentativa de fazer um horário por acordo, tendo em conta os condicionalismos do serviço e dos demais colega e que pudesse, dentro do possível, compreender algumas das pretensões da, à data, Autora; No caso de não se chegar a um consenso, como é óbvio e evidente o CH..., no interesse do serviço, dos utentes e dos demais colegas de trabalho tinha que fixar um horário que satisfizesse, dentro do possível, todos estes interesses em jogo; Foi só isto que aconteceu, e não as inverdades que resultam do articulado da requerente.
Procedeu-se à realização das diligências de prova, tendo sido a final proferida decisão com o seguinte teor: “No âmbito da presente Providência Cautelar a Requerente tinha como seu ónus a demonstração indiciária do seu direito e a demonstração também do prejuízo causado com a conduta da entidade empregadora, e no caso concreto pelos motivos que acima deixamos expostos, entende-se que não tendo demonstrado, de forma indiciária, o direito que aqui invocou traduzido na ilicitude do horário que lhe foi imposto ou comunicado pelo Requerido, nem a validade dos prejuízos que veio também invocar, não resta ao Tribunal senão julgar a presente Providência Cautelar improcedente por não provada, quer quanto à suspensão deste horário de trabalho, quer quanto aos demais pedidos da mesma dependentes.”
Fixou-se à providência o valor de € 30.000,01.
Inconformada interpôs a requerente o presente recurso de apelação, concluindo:
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43. Decorre do exposto que deve ser alterada a matéria dada como provada, reapreciando-se a prova gravada e alterada a Decisão recorrida, decretando-se a suspensão da ordem de alteração do horário de trabalho.
A requerida alegou concluindo:
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10. Em conclusão, a sentença proferida decidiu a matéria de facto de forma correcta e de acordo com toda a prova produzida e aplicou o direito, de acordo com as normais legais vigentes, não merecendo qualquer censura.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal apôs vista nos autos.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões em discussão:
I. Nulidade da decisão
II. Alteração da decisão relativa à matéria de facto;
III. Da procedência da providência.

II. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida considerou-se como indiciariamente demonstrada a seguinte matéria de facto [introduziu-se a identificação dos factos por alíneas]:
a) A Requerente exerce a atividade profissional de Assistente Hospitalar Graduada de Oftalmologia, escalão 1, na Requerida, sob a autoridade e direção desta, no estabelecimento da mesma, sito na Rua ..., ... em Santa Maria da Feira;
b) Tendo sido admitida em 26 de março de 2001, pelo Hospital ..., criado pelo Decreto-Lei nº 218/96, de 20 de novembro, com a categoria de Assistente Hospitalar de Oftalmologia, escalão 1, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, o qual se junta sob o nº 1 e se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) Pelo Decreto-Lei nº 27/2009, de 27 de janeiro, foi criado o Hospital de Entre o Douro e Vouga, E.P.E., o qual integrou o Hospital ... E.P.E, o Hospital 1... e o Hospital 2... (cfr art. 1º nº 1 e 3 do citado diploma), sucedendo em todos os direitos e obrigações às unidade de saúde que lhe deu origem (cfr. art. 2º do DL nº 27/2009), nomeadamente ao Hospital ....
d) A Requerente intentou uma ação judicial em 2020, contra a mesma Requerida, que correu termos no Juiz 2, do Juízo do Trabalho do Porto neste Tribunal;
e) A referida ação judicial cessou por transação homologada por sentença e já transitada em julgado (cfr Doc 2), na qual foi acordado:
I A Autora declara que nos dias 16 de Julho, 20 e 27 de Agosto de 2018, por motivos pessoais inadiáveis então comunicados ao superior hierárquico, não efectuou o trabalho suplementar que mesmo assim lhe foi solicitado, sem que tivesse sido substituída por Colega, não querendo com tal prejudicar o serviço e os utentes, lamentando qualquer possível inconveniente que tenha ocorrido.
II Em face do referido pela Autora no item anterior, a Ré CH... transige e aceita anular a sanção disciplinar de repreensão que foi aplicada à Autora por via desses factos, existindo inutilidade superveniente para o prosseguimento da lide.
III A Ré diligenciará pela reapreciação em termos de secção/unidade, do horário (por acordo) e actividade, após o que será comunicado por escrito pela Ré à Autora o respectivo resultado fundamentado.
IV A Autora declara que face a esta transacção e para sanar todos os atritos comunicará junto das entidades às quais apresentou queixa, pelos factos aqui em causa, que existiu transacção judicial nestes autos.
V A comunicação a realizar pela Autora referida no item anterior tem que ser efectuada no prazo máximo de 8 dias posterior ao recebimento da comunicação referida no item 3º a remeter para a Autora pelo CH....
VI Autora e Ré acordam que as custas serão divididas em partes iguais, prescindindo ambas de custas de parte.
f) Entretanto, a Requerida foi interpelada pela Requerente para cumprimento do acordado, conforme documento que se junta com o nº 3, recebida no dia 4 de fevereiro de 2022, conforme Doc nº 4 após várias interpelações frustradas efetuadas pela mandatária da Requerente.
g) Foi dada entrada da respetiva ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 2, sob o nº 160/20.4T8PRT.1;
h) A Requerida enviou à Requerente a carta que se junta como documento 8, recebida no dia 15 de fevereiro (conforme documento que se junta com o nº 9), na qual a Requerida falou da circular informativa nº 21/AIERH/2011 de 13 /5/201;
i) A Requerente respondeu, por sua vez à Requerida, por mail, que enviou igualmente por carta registada datada do dia 18 de fevereiro, conforme documentos que se juntam com o nº 10, 11 e 12, em 22 e 23 de fevereiro de 2022, respetivamente.
j) A Requerente contrapropôs as seguintes hipóteses de horário:
“1ª hipótese - Manutenção do horário actual, com mudança do dia de SU e ajustamento das minhas actividades:
2ª feira 8-18.30 h (consulta)
3ª feira 8-20 h (SU/Consulta);
5ª feira 8-14.30 h (consulta Hospital ...);
6ª feira 8-14 h {bloco - hospital 1... ou Hospital ...)
De referir que a proposta apresentada parece-me ser a hipótese possível mais justa, porquanto não implica a alteração do horário de trabalho de ninguém, não prejudica ninguém e muito menos o serviço. Acresce que tanto a Dra BB como a Dra CC, actualmente com bloco à 6ª f em hospital 1... e Hospital ..., respectivamente, têm horário na 3ª f das 8-20 h e podem assegurar o meu actual bloco de hospital 1... de 3ª f à tarde; o SU de 3ª feira actualmente não tem especialista do quadro alocado, estando a ser feito por uma interna do 4º ano que pode transitar para outro dia, além de que a Dra. BB apesar de no momento não ter actividade de SU, e de ser mais nova do que eu, pode passar a fazer o SU e tem horário das 8-20 h tanto à 2ª f, como à 3ª feira.
2ª hipótese (não sendo possível a 1ª)- Alteração mínima do meu horário de saída em 2 dias; (2ª/3ª f); mudança de bloco para a 6ª f de manhã no hospital 1... ou no Hospital ...:
2ª feira 8-20 h (SU/ consulta Hospital ...;
3ª-feira 8-18.30 h (consulta);
5ª feira 8-14.30 h (consulta Hospital ...);
6ª feira 8-14 h (Bloco hospital 1... ou Hospital ...}
Relativamente a esta segunda proposta, tanto a Dra BB como a Dra CC, actualmente com bloco à 6ª f em hospital 1... e Hospital ..., respectivamente 1 têm horário na 3ª f das 8-20 h e podendo assegurar o bloco de hospital 1... de 3ª f à tarde executado por mim, sem qualquer prejuízo pessoal.
3ª hipótese (não sendo possível a 1ª e a 2ª propostas apresentadas) com alteração mínima do horário de saída em 2 dias {2ª/3ª f); mudança de bloco para a 3ª f de manhã no Hospital ...
2ª feira 8-20 h (SU/ consulta Hospital ...};
3ª feira 8-18.30 h (manhã Bloco Hospital .../ tarde consulta Hospital ...);
5ª feira 8-14.30 h (consulta Hospital ...);
6ª feira 8-14 h (consulta hospital 1...)
Relativamente esta terceira proposta, tanto a Dra. DD como o Dr. EE têm horário à 3!! feira das 8-20 h assegurando a mudança para o bloco de 3ª feira à tarde no hospital 1..., sem qualquer prejuízo pessoal.
Para finalizar, creio que seria mais profícua a marcação de uma reunião com os respetivos advogados presentes, a fim de ser dada andamento célere a esta questão.”.
k) Sucede que, no dia 16 de março de 2022 a Requerente recebeu por mail uma mensagem do seu Diretor Clínico com a seguinte informação: “Em face da alteração do horário a entrar em vigor em abril venho inquirir se no dia atribuído á urgência, segunda-feira, se prefere fazer o turno da manha ou o da tarde. Cumprimentos.”, conforme documento que se junta com o nº 13;
l) A Requerente respondeu por mail àquele Diretor, que “Desconheço qual é o horário que refere ir ser implantado a partir de Abril, pois apenas houve uma proposta por carta registada que não foi por mim aceite. Confesso a minha surpresa. A mudança de horário que já deveria ter sido realizada, tem que ser feita por acordo; assim, solicito um esclarecimento de qual é a proposta de alteração.” conforme mesmo documento junto com o nº 13;
m) Por mail de 17 de Março de 2022 a Requerente enviou um mail e uma carta com o mesmo teor, onde afirmou: “Exmos Senhores, Dr. FF e Dr. GG que no dia 15 de fevereiro de 2022, por carta registada, recebi uma missiva, conforme anexo I, com uma proposta relativamente ao meu horário. Respondi à mesma, com uma contraproposta a que aguardo resposta, desde então (Anexo II). Pelo que, e nos termos do acordo estabelecido com o hospital e na expectativa de que o mesmo viesse a ser cumprido aguardava uma resposta à minha última carta e não um comunicado perentório da parte do Diretor de Serviço sobre o "horário a entrar em vigor em abril", que recebi no dia 16 de março de 2022 por mail (Anexo III). Posto isto, e não obstante ter sempre demonstrado disponibilidade para se chegar a um entendimento, tal apenas pode ter duas interpretações: a) o Sr. Dr. GG está mal informado; ou b) o Hospital decidiu incumprir o acordado no âmbito da ação judicial. Fico a aguardar o respetivo esclarecimento escrito que se impõe. Informo que este missiva segue por carta registada com aviso de receção”, conforme documento que se junta com o doc nº 14.";
n) Entretanto no dia 18 de março de 2022, a Requerente recebeu nova missiva datada do dia 14 de março de 2022, dizendo que a partir do dia 1 de abril de 2022 o horário de trabalho da A passa a ser: Tal como está no artigo cujo teor se dá integralmente por reproduzido. conforme documento que se junta como documento nº 15;
o) A Requerente respondeu que: “1. Não aceito o horário de trabalho proposto; 2. Não aceito igualmente a alteração do período normal de trabalho diário, que não se confunde com o horário de trabalho. 3. A proposta apresentada viola de forma clamorosa não só o acordo judicial, pois o horário de trabalho tem de ser acordado entre as duas partes, como a Lei, pois procedem à alteração do período normal de trabalho diário, o qual apenas pode ser executado por acordo das partes. Aproveito para lembrar que o meu horário era e é um horário individualmente acordado; que nos termos do meu contrato de trabalho não tenho atividade exclusiva com esse Centro Hospitalar; que me é aplicável o regime do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009 e que sempre foi do conhecimento de V. Exas as minhas atividades, o que provarei sem qualquer sombra de dúvida.”, conforme documento que se junta sob o nº 16.";
p) A Requerente atualmente executa o seguinte horário de trabalho:
2ª feira (8-18.30 h) 8.15 h - 9 h - reunião serviço (Hospital ...) 9-13.30 h SU 13.30-14 h – almoço 14-18.30 h – consulta
3ª feira (8-20 h) 8.15 h - 9 h - reunião serviço (Hospital ...) 9-15h-13.30 h - Consulta hospital 1... 13.30 -14 h – almoço 14-20 h - Bloco operatório hospital 1...
5ª feira (8-14.30 h) 8- 13.30 - Consulta Hospital ... 13.30 - 14 h almoço 14.14.30 h não assistencial – relatórios
6ª feira (8-14 h) 8-13.30 h - Consulta hospital 1... 13.30 h-14 h – almoço
q) Comparando os dois horários, são as seguintes as diferenças: Gráfico que está no artigo cujo o teor se dá integralmente por reproduzido.
Horário para 1 de abril 2022
Segunda - 12 horas de trabalho
Terça - 6 horas
Quarta - 5,30 horas
Quinta - 5,30 horas
Sexta - 6 horas
Horário atual
Atualmente o período normal de trabalho é:
Segunda - 9,45 horas
Terça - 5,35 horas
Quarta - 0 horas
Quinta - 6, 30 horas, sendo 30 minutos de intervalo de almoço
Sexta - 6 horas
r) A Requerente além de exercer atividade na Requerida, exerce igualmente atividade no Hospital Privado X..., na Hospital Privado X1..., consultório privado, Clínica ...;
s) A Requerente não está impedida de acumular funções na Requerida e outras entidades nem sujeita a pedir autorização para tal;
t) Sempre o seu horário era elaborado tendo em contas as necessidades do serviço e dos colegas e, sempre que possível, arranjar forma de o compatibilizar com as solicitações da requerida;
u) Tendo em contas as necessidades do serviço de oftalmologia, a saúde dos utentes e as necessidades e interesses dos colegas, que tinham também que ser tidos em conta na elaboração de horários e férias.
Como não provados consideraram-se os factos descritos nos seguintes artigos:
1. Acresce que tem a sua Mãe, viúva desde 2020, a qual vive sozinha e a quem presta assistência, deslocando-se à sua habitação sita no Porto, para aí lhe fazer companhia, tomar algumas refeições com a mesma, garantir que tem uma vida ativa na medida do possível e das suas capacidades físicas e prestar ainda os cuidados que sejam necessários, sendo essas deslocações regulares;
2. Por outro lado, verificar-se-á uma lesão séria e irreparável dos direitos da Requerente, não só pela impossibilidade de manter as suas ocupações noutras entidades a quem presta serviços, não cumprindo por sua vez os compromissos que assumiu com essas entidades com as quais tem, igualmente um acordo que deve honrar, bem como na assistência à sua mãe, nos termos descritos e ainda a diminuição dos tempos de descanso e diminuição considerável de rendimentos o que configura uma grave lesão dos seus direitos e de forma irreparável, pois não haverá forma de voltar atrás e repor o que se deixar de ter ou fazer seja em termos profissionais, familiares ou outros;
3. Acresce que, quando exerce atividade nas outras entidades fica a cerca de 10 minutos da habitação da sua Mãe, podendo rapidamente deslocar-se para a mesma em caso de necessidade;
4. A Requerida pretende, sim agastar a Requerente e vencê-la pelo cansaço, pelo esgotamento, frustração, criando o ambiente mais desagradável possível em que se pode trabalhar.

III. Fundamentação de direito
1. Nulidade da decisão
1.1. Nulidade por omissão de pronúncia
Alega a recorrente:
“A Recorrente no requerimento inicial da Providência cautelar, bem como na primeira sessão da Audiência final, requereu que “a Requerida juntasse aos autos as atas do Conselho de Administração, quanto à discussão das propostas apresentadas pela requerente e propostas apresentadas pela requerida e que de tal omissão, fossem extraídas as consequências legais, nos termos do artigo 417º nº 2, ex vi do art. 430º do Cód. de Processo Civil.
A Meritíssima Juíza, notificou a Recorrida na primeira sessão, para juntar os referidos documentos (11:26 h da primeira sessão da Audiência Final).
A Segunda sessão da Audiência final ocorreu no dia 19 de abril de 2020, não tendo a Recorrida junto os requeridos documentos.
Estabelece a 1ª parte da al. d), do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...);”, sendo que nos termos do disposto no nº 3 do art. 613º do Código de Processo Civil “O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.
Os referidos documentos eram importantes para aferir da existência de discussão ou não no seio do Conselho de Administração da Recorrida das propostas apresentadas pela Recorrente, a única proposta apresentada pela Recorrida e da decisão de ordenar a alteração do horário de trabalho da Recorrente, ou coisa nenhuma.
Não tendo a Meritíssima Juíza pronunciando-se sobre a não junção dos documentos em causa, não retirou as necessárias consequências probatórias da recusa da junção daqueles documentos e que nos termos do disposto nos artigos 417º nº 2 ex vi art. 430º do Cód de Processo Civil, deveriam ser a de que não houve qualquer conversa, discussão, apresentação do problema ou vontade de cumprir o acordo homologado no Conselho de Administração da Recorrida, bem como a respeito da inversão do ónus da prova que se impunha.
Atento o exposto, ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando, como in casu “(...) não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções (...).” (sic. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/12/2005, disponível em www.dgsi.pt).
Deve, pelo Exposto ser julgada por provada a invocada nulidade, com as legais consequências.”
Respondeu a recorrida: “Como resulta do CPT, nomeadamente dos arts. 77 e ss do CPT a alegação de quaisquer nulidades ou outras questões preliminares tinha que ser realizada pela recorrente em requerimento separado, (o que não foi realizado), pelo que mais não fosse por este motivo tem que ser indeferido o requerido e não ser aceite o recuso interposto, por violação dessa regra.”
Esse era, efectivamente, o entendimento da jurisprudência na interpretação do art. 77º, nº 1, do CPT, com a redacção anterior à introduzida pela Lei nº 107/2019, de 9 de Setembro, que era a seguinte: “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.” Sucede que, a redacção do artigo foi alterada pela referida Lei, passando a ser a seguinte: “À arguição de nulidades da sentença é aplicável o regime previsto nos artigos 615.º e 617.º do Código de Processo Civil.”
Assim, desaparecendo aquela exigência, passou a ser admissível a arguição das nulidades no corpo das alegações, ou nas conclusões.
Quanto à invocada nulidade, pronuncia-se a recorrida pela inexistência de “qualquer nulidade ou omissão de pronuncia na sentença proferida.” Acrescentando: “Não existiu qualquer omissão de pronúncia e não existe qualquer nulidade da sentença proferida, como alega a recorrente há mingua de mais elementares e sólidos argumentos. A requerida não juntou pela simples razão de já estarem nos autos os documentos bastantes e ter sido presencialmente prestado depoimento de parte pelo Sr. Presidente do CA do recorrido. A Senhora Juíza ao contrário do que se alega extraiu todas as consequências, todas, mas tendo em conta todos os elementos de prova, todos. Não existiam actas nem isso era relevante para o que se estava a discutir no processo.”
Importa começar por distinguir as nulidades da sentença, que derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença, das nulidades processuais, que resultam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença.
Nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, a sentença é nula quando a mesma deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art. 608º, nº 2, do CPC). É a violação deste preceito que aqui é cominada com nulidade da sentença (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 142). Já não existirá nulidade se for omitida a consideração de linhas de fundamentação jurídica invocada pelas partes, diferente da que foi seguida na sentença (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, pág. 670).
No caso, a nulidade invocada prende-se com a eventual falta de pronúncia relativamente a requerimento apresentado pela recorrente para que a recorrida fosse notificada para juntar as actas das reuniões do seu Conselho de Administração.
Não se trata, como é óbvio, de matéria que devesse ser conhecida na decisão final, mas antes dela, uma vez que a junção da tais documentos se prende com a discussão da matéria, sujeita a contraditório, logo, tendo que ser apreciada antes do encerramento da audiência de produção de prova, sem prejuízo de eventuais consequências que se possam extrair na decisão final, como as previstas no art. 417º, nº 2, do CPC, por remissão do art. 430º do mesmo Código.
Mas, nesse caso, de não extracção de consequências da condutada da recorrida na apreciação da prova, estaremos já numa situação de eventual erro de julgamento e não de nulidade por omissão de pronúncia. conforme se refere no acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2017, processo 1204/12.9TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.” No mesmo sentido o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 3 de Outubro de 2017, processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1, ainda acessível em www.dgsi.pt.
Resta apreciar se ocorreu alguma nulidade processual, que importe conhecer.
Consta do requerimento inicial da recorrente: “2) Documentos em poder da Ré: Requer nos termos do disposto no art. 429º do Cód. Processo Civil, aplicável ex vi do art. 1 nº 2 do Cód. Processo Trabalho, e sob cominação prevista no art. 417º, nº 2, ex vi do art. 430º, do Cód. Processo Civil, que a Ré seja notificada para juntar aos autos, no prazo que vier a ser designado: As atas do Conselho de Administração quanto à discussão das propostas apresentadas pela Requerente e propostas apresentadas pela Requerida;”
Consta da acta da primeira diligência de prova:
“Após, pelo Ilustre Mandatário da Requerente foi pedida a palavra e, tendo-lhe esta sido concedida, no seu uso, disse:
A final do seu requerimento inicial, a Requerente requereu que a Requerida juntasse aos autos as actas do Conselho de Administração quanto à discussão das propostas apresentadas pela Requerente e propostas apresentadas pela Requerida. Com a oposição que no anterior requerimento se referiu – a Requerente teve conhecimento há momentos – não foram juntas as referida actas. Atento ao exposto requer-se que da tal omissão sejam extraídas as consequências legais, nos termos do disposto no art. 417, nº 2, do CPC, aplicável ex-vi do art. 430 do CPC.
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Requerida, o mesmo disse:
Em face do requerimento, temos a dizer o seguinte: como é evidente, não se podem extrair quaisquer conclusões, porque basta compulsar a notificação que foi feita ao Centro Hospitalar para se verificar de forma linear, que não foi feita qualquer notificação para juntar qualquer um dos documentos referidos. Foi unicamente notificado o dia e não diz sequer que tenha que deduzir oposição. Portanto, o Centro Hospitalar não juntou documentos porque não foi notificado expressamente pelo Tribunal para os juntar.
DESPACHO
Dado o adiantado da hora e atenta a impossibilidade de inquirir todas as testemunhas presentes, para a continuação da presente audiência, em consonância com as agendas dos Ilustres Mandatários presentes, designa-se o próximo dia 19-04-2022, pelas 09:30 horas, com a possibilidade de prosseguir pelas 14:00 horas. Mais se defere a junção aos autos dos documentos acima indicados, concedendo-se à parte 10 dias para o efeito.”
Os documento em questão não foram juntos aos autos e, analisada a acta da segunda e última sessão de audiência de produção da prova, nenhum requerimento foi formulado sobre o assunto, nem foi proferido qualquer despacho sobre o mesmo. Na mesma diligência foi proferida a decisão sob recurso.
Como se pode verificar, não ocorreu qualquer omissão de pronúncia sobre a questão em causa, ou seja, a junção dos documentos por parte de requerida/recorrida, porquanto foi proferido o despacho transcrito acima, notificando a parte a juntar os documentos em discussão.
É certo que, não tendo a requerida juntado os documentos, nada foi ordenado ou referido sobre o assunto, pela Mma. Juíza “a quo”. Mas também a ora recorrente não requereu o que quer que fosse sobre tal questão, deixando que se encerrasse a produção da prova, com alegações sobre a matéria de facto, sem que voltasse a abordar a mesma.
De todo o modo, a ocorrer alguma nulidade, tratar-se-ia de uma nulidade processual do art. 195º, nº 1, do CPC (omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, que possa influir no exame ou na decisão da causa), e a mesma teria que ser arguida na última audiência de produção de prova, antes das alegações finais, nos termos do disposto no art. 199º, nº 1, do CPC. Assim, não tendo sido arguida oportunamente, qualquer eventual nulidade encontra-se sanada.
Improcede, pois, a arguição em causa.

1.2. Nulidade por falta de fundamentação
Alega a recorrente:
“No caso dos presentes autos a Meritíssima juíza “limitou-se”, com o devido respeito, a dizer que baseou a sua convicção nos documentos juntos aos autos, enumerando, “nomeadamente” o contrato de trabalho da Requerente e do Requerido, doc. 1, comunicações trocadas entre os intervenientes juntos com o Requerimento Inicial, tendo por objecto o horário de trabalho a exercer ao executado pela Requerente, nos documentos relativos aos autos com o nº 160/20.4T8PRT do J2 do mesmo Tribunal e ainda quanto às declarações subscritas pelos responsáveis que atestam a prestação de funções profissionais desempenhadas noutros locais pela Recorrente).
Tal descrição é manifestamente insuficiente de tal forma que não se percebe as razões de facto que subjazem e justificam a Decisão alcançada!
Com efeito, estamos convencidos que o referido não consiste da descrição ou explicitação dos pressupostos de facto que conduziram ao sentido decisório da sentença, não se sabendo qual o concreto documento ou concreto depoimento em que a Meritíssima Juíza se baseou para julgar provados e não provados os factos que julgou como julgou ou porque ignorou outros factos alegados, não os dando sequer como não provados.
Com efeito, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto (e de direito) que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, e que por outro lado seja possível ao tribunal superior controlar tais argumentos, em função do recurso interposto.
Não se sabe por exemplo em que prova se estribam os factos julgados pela Meritíssima Juíza provados nas alíneas t) e u) da Sentença correspondente aos pontos 3 e 4 da Oposição da Recorrida, tendo em conta a prova existente nos autos de que o horário da Recorrente apenas mudou uma vez na vida e que foi com a ordem ilegal de que foi alvo, conforme depoimento do Dr. GG, depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 10:19:19 e término em 11:26:45, no ficheiro áudio 20220419101917_16156619_2871473, gravado no dia 19 de abril de 2022.
O mesmo se diga a respeito dos factos não provados nas alíneas v), x) e z) da Sentença, os quais não obstante terem sido julgados não provados há prova gravada suficiente, de forma indiciária para que os mesmos fossem julgados provados, nomeadamente o depoimento da Própria Recorrente com depoimento e declarações gravadas no ficheiro audio 20220419151750 _16156619_2871473 no sistema integrado de gravação digital com início a 15:17:52 e término em 15:39:37, o testemunho do Professor HH com depoimento gravado no ficheiro audio 20220405115810_16156619_2871473 gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal entre as 12:00h às 12:26h. e Professor II com depoimento gravado no ficheiro audio 20220419112756 _16156619_2871473 no sistema integrado de gravação digital com início a 11:27:59 e término em 11:42:27.
E bem assim, nada foi referido quando aos artigos que a Recorrente considera que deveriam ter sido julgados provados, mas que não constam dos factos provados nem dos factos não provados, havendo igualmente prova suficiente nos autos para que merecessem atenção diferente e tivessem sido julgados provados, conforme infra se demonstrará.
Resulta do exposto que a Sentença padece nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. b), do C. P. Civil porquanto a fundamentação é gravemente insuficiente, o que se peticiona que seja declarado por violação do nº 3 e 4 do art. 607º, do C.P. Civil.”
Respondeu a recorrida: “Não existe qualquer falta de fundamentação da sentença no caso concreto. A Mma. Juíza de forma simples, sintética, mas substancial refere expressamente na sentença, os meios de prova documental e testemunhal que fundamentou a sua decisão. A recorrente entendeu perfeitamente as razões de facto que subjazem e justificaram a decisão, nesta, repetimos, decisão em procedimento cautelar na pendência de execução e embargos à execução.”
A propósito da questão, e na sequência do já referido no ponto anterior, considerou-se no acórdão do STJ de 3 de Março de 2021, processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt:
“De acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C. “é nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (…)”.
A nulidade contemplada nesse preceito ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento.
Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Como já afirmava o Prof. Alberto os Reis, ob. citada, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.
No mesmo sentido constitui jurisprudência pacifica e reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça, sufragada, entre outros, nos acórdãos de 9.10.2019, Proc. nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15.5.2019, Proc nº 835/15.0T8LRA.C3.S1 e 2.6.2016, Proc. nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1, que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente.
A insuficiência da fundamentação invocada pela recorrente, sustentada na mera discordância relativamente ao decidido que evidencia, não integra a causa de nulidade da decisão prevista no artigo 615º, nº 1, al. b) do C.P.C.”
No caso, consta da decisão sob recurso:
“O Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junto aos autos nomeadamente no contrato de trabalho da Requerente e do Requerido junto com o doc. 1, nas comunicações trocadas entre os intervenientes também juntos com o Requerimento Inicial, tendo por objecto o horário de trabalho a exercer ao executado pela Requerente, nos documentos relativos aos autos com o nº 160/20.4T8PRT do J2 deste mesmo Tribunal e ainda quanto às declarações subscritas pelos responsáveis que atestam a prestação de funções profissionais desempenhadas noutros locais pela aqui Requerente.
O Tribunal considerou ainda os depoimentos das testemunhas arroladas por ambos Requerente e Requerido, salientando-se desde logo que à excepção de factos secundários estes depoimentos foram na sua quase totalidade consistentes e unânimes quanto às circunstâncias que determinaram, por um lado o acordo atingido pelas partes no âmbito dos autos acima indicados, como nos acontecimentos que se lhe sucederam relativamente à alteração do horário de trabalho que constituiu o objecto da presente lide.
Todos estes depoimentos das testemunhas inquiridas mereceram credibilidade por parte do Tribunal sem que tivessem evidenciado qualquer tentativa de causar prejuízo à parte contrária ou de deturpar a verdade dos acontecimentos. O mesmo se diga quanto aos depoimentos de parte e declarações das mesmas, os quais apesar da evidente crispação que transpareceu entre a Requerente, o diretor de serviços e o legal representante do Requerido, a mesma não demonstrou ter contribuído para que fosse transmitido ao Tribunal qualquer facto que não tivesse correspondência com os documentos e com os depoimentos das testemunhas inquiridas.”
Como se pode verificar, a decisão relativa à matéria de facto encontra-se fundamentada, se essa fundamentação é deficiente, a questão situa-se já ao nível do erro de julgamento e não da nulidade por falta de fundamentação.
Aplicando os princípios expostos supra, teremos que concluir pela inexistência de invocada nulidade, sem prejuízo do disposto no art. 662º, nº 2, al. d), do CPC.

2. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
2.1. Questão prévia: rectificação de erros materiais:
Alega a recorrente:
“Razão pela qual se anunciam questões prévias ao recurso que se interpõe, cuja correção decorrente da matéria dada como provada e requerimento oportunamente apresentado pela Requerente, com a referência 41844666, de 4 de abril de 2022, não mereceu despacho da Meritíssima Juíza, para que o “texto” da sentença expresse de forma fiel o que foi dado como provado tendo por base os documentos em que se suporta e que foram dados como aceites ou não impugnados e provados.
Com efeito, no referido requerimento foi solicitado que fossem relevados os lapsos de escrita constantes do requerimento do procedimento cautelar e fossem retificados os mesmos nos termos do artigo 249º do Código Civil, ficando com a seguinte redação:
1. artigo 57º do requerimento inicial da Providência cautelar: onde está escrito diretor clínico deve considerar-se escrito diretor de serviço, aliás conforme o Documento nº 13 que a Meritíssima Juíza considerou no facto provado, ficando com a seguinte redação: “Sucede que, no dia 16 de março de 2022 a Requerente recebeu por mail uma mensagem do seu diretor de serviço com seguinte informação: “Em face de alteração do horário entrar em vigor em abril vigor em abril venho inquirir se no dia atribuído à urgência, segunda-feira, se prefere fazer o turno da manhã ou o da tarde. Cumprimentos.”;
2. artigo 64º do requerimento inicial da Providência cautelar: onde está escrito: “Horário atual Atualmente o período normal de trabalho é: Onde está escrito Segunda - 9.45 horas deve considerar-se escrito Segunda - 10. 30 horas; Onde está escrito Terça - 5. 35 horas deve considerar-se escrito Teça - 12 horas; conforme documentos 8 e 15, juntos no requerimento inicial da Providência Cautelar, da lavra da Recorrida, os quais foram considerados pela Meritíssima Juíza relativamente aos factos constantes dos mesmos e que foram julgados provados, integrando o respetivo elenco;
3. artigo 87º alínea a) do requerimento inicial da Providência cautelar: Onde está escrito diretor clínico deve considerar-se escrito director de serviço, ficando com a seguinte redacão: “a) a Requerente, intentou uma ação judicial contra a Requerida em 2020, na qual pediu a anulação de sanção disciplinar de que foi alvo, por se tratar de sanção abusiva (alínea d), do nº 1, do art. 331º do Cód. Trabalho), porquanto a mesma foi motivada pelo exercício de direitos da Requerente – o de reclamar um tratamento não discriminatório em relação aos seus colegas e de ser objeto de assédio pelo Director de Serviço e Hospital, pois este tinha conhecimento de tais atos;”
Acresce que os referidos lapsos de escrita são patentes e notórios, tendo em conta os documentos em que tais factos se estribam e estão documentos 8 e 15, juntos no requerimento inicial da Providência Cautelar, da lavra da Recorrida), documentos esses aceites e considerados pela Meritíssima Juíza na apreciação do litígio e na sua Decisão.
Pelo que, em conformidade requer-se que os referidos lapsos de escrita sejam relevados e corrigidos em conformidade.”
A recorrida alegou: “Quanto ao mais alegado e ditos “lapsos” apesar de a recorrente alegar que era óbvio e evidente o certo é que a própria recorrente, tão assertiva na crítica e análise de tudo o que era referido pelo recorrido e suas testemunhas, vem agora referir que foi por lapso!!. Ora indubitavelmente não se sabe se tal corresponde agora ao então pretendido pois foram referidos indistintamente nos autos o Director de Serviço e o Director Clínico e a recorrente comunicou com os dois. Pelo que, entendemos que se encontra esgotado o poder jurisdicional do Tribunal recorrido que decidiu de acordo com o alegado pelas partes e com o que se passou na audiência de julgamento.”
A Mma. Juíza não se pronunciou sobre a questão. Porém, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no art. 662º, nº 1, do CPC, passa-se a conhecer da mesma.
1. artigo 57º do requerimento inicial (al. k) da matéria de facto provada)
Pretende a recorrente que se altere “Diretor Clínico” por “diretor de serviço”. Efectivamente, do documento em causa consta “diretor de serviço” e não “Diretor Clínico”, pelo que, por se tratar de lapso manifesto, se altera a redacção da aludida al. k) da matéria de facto provada, passando a ter a seguinte redacção: “No dia 16 de março de 2022 a Requerente recebeu por mail uma mensagem do seu Diretor de Serviço com a seguinte informação: “Em face da alteração do horário a entrar em vigor em abril venho inquirir se no dia atribuído á urgência, segunda-feira, se prefere fazer o turno da manha ou o da tarde. Cumprimentos.”, conforme documento junto com o nº 13”.
2. artigo 64º do requerimento inicial (al. q) da matéria de facto provada)
pretende a recorrente que da al. q) passe a constar “Segunda - 10. 30 horas” (em vez de 9,45 horas), e “Onde está escrito Terça - 5. 35 horas deve considerar-se escrito Teça - 12 horas”.
Esta parte da al. q) da matéria de facto provada é conclusão do que já consta da al. p), da mesma resultando que “Atualmente o período normal de trabalho é: Segunda - 10 horas (2ª feira (8-18.30 h) ... 13.30-14 h – almoço”) e “Terça - 11,30 horas” e não 12 horas como pretende a recorrente (“3ª feira (8-20 h) ... 13.30 -14 h – almoço”).
Assim, altera-se a redacção da al. q) em conformidade.
3. artigo 87º alínea a) do requerimento inicial (al. d) da matéria de facto provada)
A matéria em questão não foi reproduzida na matéria de facto provada, e só esta pode e deve ser alterada ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, sendo certo que a ser necessário consignar o que consta da aludida acção, o deverá ser nos termos que constem da certidão respectiva.
Assim, indefere-se o requerido quanto a este ponto.

2.2. Da admissibilidade da impugnação
A recorrente vem impugnar a decisão relativa à matéria de facto, pretendendo que se altere a matéria que constava dos arts. 49º, 50º, 66º, 67º e 72º do requerimento inicial, cuja redacção na matéria de facto provada entende dever ser diversa, quanto a toda a matéria julgada não provada, que entende dever ser considerada como provada, tal como a dos arts. 76º e 86º do requerimento inicial, e as duas últimas als. da matéria de facto provada, que entende dever ser julgada como não provada.
Alega a recorrida: “É, na nossa opinião, e com o devido respeito por opinião contrária, o recurso interposto absolutamente contrario ás regras em vigor e, por isso, violador do art. 640 nº 1 do CPC. Por isso, o recurso, em matéria de facto interposto pela recorrente não pode ser admitido, quer pelo referido em relação ao dispositivo dessas alegações quer em referência às conclusões que apresenta, pelo que se pugna e requer pela sua não admissão.”
Nos termos do art. 640º, nº 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescenta-se no nº 2 do mesmo artigo: No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Impõe-se aqui um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2006, pág. 170).
A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação, pelo que não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada (Acórdão do STJ de 1 de Julho de 2004, processo nº 04B2307, acessível em www.dgsi.pt).
Importa, ainda, considerar que, se por um lado, sendo objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deve indicar nas conclusões quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda e o sentido das respostas que pretende (conforme acórdão do STJ de 7 de Julho de 2016, processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt), já a fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, poderá ela ter lugar em sede de alegações, conforme o acórdão do STJ de 20 de Dezembro de 2017, processo 2994/13.2TTVRL.G1.S2, ainda acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão do mesmo STJ de 12 de Julho de 2017, processo 167/11.2TTTVD.L1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, a indicação e análise da prova que justifica decisão distinta da proferida em primeira instância tem que ser feita individualmente para cada facto e não para toda a matéria de facto que se pretende impugnar ou em grupos de factos. Nesse sentido se tem pronunciado o STJ, nomeadamente no acórdão de 5 de Setembro de 2018, processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, ainda acessível em www.dgsi.pt, do qual consta: “não tendo o recorrente concretizado os meios de prova que em relação a cada um dos factos impugnados impõem uma decisão diversa, temos de concluir que não cumpriu os ónus impostos pelo mencionado preceito.” Veja-se igualmente o acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2018, processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2012, processo 434/09.5TTVFR.P1, acessível em bdjur.almedina.net.
Segundo Lopes do Rego, “A expressão ‘ponto da matéria de facto’ procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 640º: na verdade, o alegado ‘erro de julgamento’ normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo ‘facto’, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente” (Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2004, pág. 608).
Veja-se ainda António Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126-127 e 129, concluindo: “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
O art. 640º do CPC é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação. Conforme se refere no sumário do mencionado acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2018, “Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.”
Analisando a impugnação da recorrente verifica-se que a mesma enuncia os factos em relação aos quais entende que a decisão está errada, bem como a decisão que pretende ver considerada, e enuncia, relativamente a cada facto (excepção feita à matéria de facto julgada não provada), os meios de prova que considera justificar a procedência da sua impugnação.
Porém, quanto a estes, e relativamente à prova pessoal, gravada, a recorrente invoca a totalidade da gravação da mesma, e não as especificas, concretas, passagens da gravação que justificam a alteração pretendida. É certo que transcreve as passagens que entende relevantes, mas essa transcrição não pode colmatar a falta de indicação das concretas passagens da gravação transcritas. Assim, não cumpriu a recorrente o ónus referido na al. b) do nº 2 do art. 640º do CPC. Excepção a essa falta encontramos apenas quanto ao depoimento de GG (quanto ao 49º), quando se refere “Mandatária da Requerente: (17.14) …” e o depoimento de parte de FF (arts. 67º e 72º do requerimento inicial), quando se cita a “assentada” resultante do mesmo.
Nestes termos, conhece-se da impugnação, mas não será considerada a prova pessoal indicada, com excepção das duas situações referidas.

2.3. Al. g) da matéria de facto provada
Alega a recorrente: “Não ficou provado a parte que a seguir se coloca a negrito e que consta daquele artigo 49º, cuja redacção ficaria: “Ora, não tendo a Requerida cumprido o acordado naquela ação (…) Ora, não obstante, se imaginar que tal facto tenha sido dado como não provado, provavelmente por se ter entendido tratar-se de parte conclusiva, tal afirmação não deixa de constituir um facto-pressuposto relevante, na medida que em que tal expressão, considerada no seu todo e tendo por referência a sentença do Processo Comum com o nº 160/20.4T8PRT e que se encontra como facto provado na alínea e) (pag 7, 8 e 9 das Alegações), apenas pode significar que a Recorrida: - não alterou o horário de trabalho por acordo, - não anulou a sanção disciplinar de repreensão que foi aplicada à Autora por via desses factos, (...) - não procedeu à reapreciação em termos de secção/unidade, do horário (por acordo) e actividade da Requerente, após o que será comunicado por escrito a Requerente o respectivo resultado fundamentado.”
Tal como a recorrente alega, entende-se que a instauração da acção executiva faz presumir que a recorrente, ali exequente, entende que a recorrida/executada, não deu cumprimento ao acordo em questão. Mas daí não se pode concluir que efectivamente assim seja, mas apenas que assim o entende a recorrente. Quanto a pretender que se fez prova de tal incumprimento, vale a impossibilidade de consignação na fundamentação de facto de matéria conclusiva, conforme referido pela própria recorrente.
Assim, embora aqui a recorrente tenha dado parcialmente cumprimento ao disposto na al. b) do nº 1 do art. 640º do CPC, improcede a impugnação.

2.4. Art. 50º do requerimento inicial
Alega a recorrente:
“Não ficou igualmente provado o alegado no art. 50º do requerimento inicial da Providência cautelar, o qual tinha a seguinte redação: “Abre-se aqui um parêntesis para explicar que a Requerente e Requerida não lograram chegar a acordo, há anos, quanto à alteração do horário de trabalho daquela, a qual reclamava tal alteração, pois era a única médica a quem era imposta a prestação de trabalho suplementar, aquando das faltas da colega Dra. CC, com evidente discriminação perante os seus pares, os quais não só estavam ao serviço como podiam cumular as respetivas funções que estavam a exercer dentro do respetivo horário de trabalho, com as funções de substituição da Dra. CC, sem necessidade de prestação de trabalho suplementar por parte da Requerente.”
Ora, como resulta da Nota de Culpa elaborada pela Recorrida, respeitante ao primeiro processo disciplinar de que a Recorrente foi alvo e cuja sanção disciplinar foi impugnada, dando causa ao Processo nº 160/20.4T8PRT, no Juiz 2 do Juízo de Trabalho no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a Recorrente foi acusada de ter abandonado o serviço de urgência por 3 vezes, quando a Dra. CC faltou e foi ordenado trabalho suplementar à Recorrente para substituir a colega faltosa.
Tal Nota de Culpa consta daquele processo como Documento nº 1 junto com a Contestação da Recorrida, sendo da lavra da mesma.
Aproveita-se aqui para relembrar que no acordo homologado por douta Sentença foi acordado anular a sanção disciplinar da Recorrente.
Em contrapartida, a Recorrente teria de retirar as queixas que fez por assédio moral no local de trabalho contra o Diretor de serviço à ACT e ERS entre outras entidades.
Releva ainda este respeito o depoimento do Dr. GG, depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal no ficheiro áudio 20220419101917_16156619_2871473, com início a 10:19:19 e término em 11:26:45, no qual confirma o que consta daquele artigo 50º, afirmando: (...)
E ainda o depoimento da Professora JJ que ficou gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 11:43:40 e término em 12:13:35, no ficheiro áudio 20220419114338 _16156619_2871473, gravados no dia 19 de abril de 2022, na segunda sessão da Audiência final: (...)”
Respondeu a recorrida: “não pode ser dado como provado o referido nos item 49º e 50º da PI, por tal não resultar da matéria de facto em conjunto e da prova em conjunto documental e testemunhal destes autos.”
A única matéria que se pode retirar da prova na parte transcrita pela recorrente é que não existiu acordo entre as partes relativamente ao seu novo horário de trabalho. Porém, essa prova não pode ser atendida nos termos supra referidos.
Quanto ao resto, o que se pretende ver alterado é o que já resulta da restante matéria de facto provada e que fundamenta a presente providência. O mais, que a recorrente coloca entre parêntesis não foi objecto de prova, ou pelo menos ela não foi invocada, e não se mostra relevante para a decisão.
Assim, também aqui improcede a impugnação.

2.5. Art. 66º do requerimento inicial
Alega a recorrente: “No que diz respeito aos factos constantes do artigo 66º do teor dos documentos juntos sob os números juntos 3, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16 e 17 – as missivas trocadas entre as partes – com a Providência cautelar e não impugnados da respetiva prova resulta a encenada alteração do horário de trabalho da Recorrente –, bem como o depoimento transcrito acima do Dr. GG, que aqui se dá por reproduzido para que seja considerado provado que “O horário de trabalho proposto a entrar em vigor em 1 de abril de 2022 é diferente do atualmente praticado pela Requerente e não foi acertado por acordo entre as partes; o que se peticiona”.
Como se referiu, a prova pessoal indicada não pode ser aproveitada para alterar a decisão relativa à matéria de facto. De todo o modo, a matéria em causa é mera conclusão do que já consta das als. q) e h) a p) da matéria de facto provada, pelo que improcede a impugnação.

2.6. Art. 67º do requerimento inicial
Alega a recorrente:
“No que diz respeito aos factos constantes do artigo 67º do teor dos documentos juntos sob os números juntos 3, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16 e 17 - 17 – as missivas trocadas entre as partes – com a Providência cautelar e não impugnados da respetiva prova resulta a encenada alteração do horário de trabalho da Recorrente –, bem como o depoimento transcrito acima do Dr GG, que aqui se dá por reproduzido para que seja considerado provado que “Também o período normal de trabalho diário é alterado substancialmente, passando a executar trabalho todos os dias da semana, o que igualmente não foi acordado entre as partes”, o que se peticiona que seja declarado.
De relevar ainda o que consta da confissão constante da assentada do Dr. FF, Presidente do Conselho de Administração da Recorrida, ouvido na primeira sessão da Audiência final, de 5 de abril, que afirmou que “o serviço em causa tem 13 médicos em efectividade de funções e que sucede, por vezes, haver necessidade de introduzir alterações nos seus horários de trabalho, o que tem sido sempre feito por mútuo acordo.”
Igualmente importante é o depoimento do Professor HH a este respeito o qual se encontra gravado entre as 12:00h e as 12:26 na primeira sessão da audiência final, no ficheiro áudio 20220405115810_16156619_2871473, depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal no ficheiro áudio, entre 12.00h às 12.26h, gravado no dia 5 de abril de 2022 em que afirma: (…)
Importa igualmente a este respeito o depoimento do Professor II, gravado no sistema integrado de gravação digital disponível neste Tribunal, na segunda sessão com início a 11:27:59 e término em 11:42:27, no ficheiro audio 20220419112756 _16156619_2871473 no qual diz: (…)
No mesmo sentido, há ainda o depoimento da Professora JJ, cujo depoimento ficou gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 11:43:40 e término em 12:13:35, no ficheiro áudio 20220419114338 _16156619_2871473, gravado no dia 19 de abril de 2022., que afirma: (…)”
Respondeu a recorrida: “Igualmente não pode ser dado como provada matéria referida no item 67º dado que ao contrário do que alega a recorrente não existiu qualquer encenação de alteração de horário, a ter existido é sim uma encenação por parte da recorrente de querer uma alteração de horário por acordo quando afinal queria sim o seu horário e mais nenhum lhe servia, não interessando os horários dos demais 12 colegas e as suas necessidades ou do serviço do Hospital.”
Face à resposta da recorrida, importa salientar que o Tribunal apenas se limita a apreciar se se justifica a alteração proposta pela recorrente. Quanto a esta, mais uma vez, a matéria em causa é mera conclusão do que já consta das als. q) e h) a p) da matéria de facto provada, pelo que igualmente aqui improcede a impugnação.

2.7. Art. 72º do requerimento inicial
Alega a recorrente:
“No que diz respeito ao artigo 72º do requerimento inicial da providência cautelar, devia o mesmo ter sido dado como provado, tendo em conta os documentos existentes no processo, os documentos juntos com os números 3, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16 e 17 – as missivas trocadas entre as partes – com a Providência cautelar e não impugnados da respetiva dos quais resulta a prova da encenada alteração do horário de trabalho da Recorrente, bem como os depoimentos das testemunhas, pelo menos em parte:
“Ora, a comunicação da alteração do horário de trabalho da Requerente é, de facto, uma alteração unilateral do horário de trabalho, acaba por se reconduzir à primeira e única proposta apresentada pela Requerida, não obstante a Requerente ter apresentado três propostas alternativas”.
Tendo por base, o depoimento do Dr GG o qual afirma que lhe coube a tarefa de redigir o horário da Dra. AA e que não teve em conta os interesses da mesma, conforme supra transcrito, constante do depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal no ficheiro áudio 20220419101917_16156619_2871473, com início a 10:19:19 e término em 11:26:45, gravado no dia 19 de abril de.
Ou o que consta da assentada do Dr. FF, Presidente do Conselho de Administração da Recorrida, ouvido na primeira sessão da Audiência final, 2022 constante da ata da primeira sessão da Audiência final do dia 5 de abril de 2022, o qual afirmou que “o serviço em causa tem 13 médicos em efectividade de funções e que sucede, por vezes, haver necessidade de introduzir alterações nos seus horários de trabalho, o que tem sido sempre feito por mútuo acordo.”
Igualmente importante é o depoimento do Professor HH, no ficheiro áudio 20220405115810_16156619_2871473, depoimento gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal no ficheiro áudio, entre 12.00h às 12.26h, gravado no dia 5 de abril de 2022, a este respeito gravado na primeira sessão da audiência final, em que afirma: (...)”
Respondeu a recorrida: “O art. 72 do pi aplicam-se mutatis mutantis o supra alegado pois tenta-se outra vez com partes parcelares dos depoimentos fazer crer que a recorrente tinha contrato com horário expressamente determinado o que não é verdade (basta analisar o contrato individual de trabalho) e que não existiu qualquer contacto tendo em vista a composição (se possível) de horários, o que é falso pois existiu e esta não aceitou o proposto.”
Consta do art. 72º do requerimento inicial da presente providência: “o horário da Requerente foi individualmente acordado entre a Requerente e o então Professor HH, que exercia as funções de Diretor de Serviço de Oftalmologia na Requerida à altura e exerceu até 2013, bem se sabendo no Hospital que a Requerente exercia e sempre exerceu outras atividades, pois não tinha exclusividade com a Requerida.”
A parte transcrita do depoimento da testemunha HH, poderia apontar no sentido de o horário inicial da recorrente ter sido fixado depois desta ser consultada e com o acordo da mesma. Porém, como já se referiu, esse depoimento não pode ser aproveitado como fundamento da impugnação. Por outro lado, quanto ao resto, trata-se de matéria conclusiva do que já consta da matéria de facto provada, nomeadamente das als. f) a p).
Assim, também aqui improcede a impugnação.

2.8. Facto 1. julgado como não provado
Alega a recorrente:
Não obstante terem sido julgados não provados há prova gravada suficiente, de forma indiciária para que os factos (...) fossem julgados provados, tendo em conta: (i) o depoimento da Própria Recorrente cujas declarações estão gravadas no ficheiro audio 20220419151750 _16156619_2871473 no sistema integrado de gravação digital com início a 15:17:52 e término em 15:39:37, “Também outras coisas de ordem pessoal, filhos, casa e a minha mãe. Que são prejudicados também. Porque fim da tarde para mim é uma altura em que eu faço muita coisa, não é?”; (ii) o testemunho do Professor HH com depoimento gravado no ficheiro audio 20220405115810_16156619_2871473 gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal entre as 12:00h às 12:26h. (…)
Respondeu a recorrida: “Quanto á mãe desconhece-se e não foi demostrado quem cuidava da mesma, quanto eram os familiares e que tipo de apoio é que dava, que existia funcionaria a tratar da mesma, se estava em alguma instituição, etc., nunca olvidando a alegação da A. de uma actividade intensa.”
A reapreciação da decisão dependia da consideração de prova pessoal produzida em audiência, sobretudo as declarações de parte da recorrente, a qual não pode ser atendida, nos termos já expostos, pelo que também aqui se rejeita a impugnação.

2.9. Facto 2. julgado como não provado
Alega a recorrente:
“No que se refere ao artigo 76º do requerimento inicial da Providência cautelar devia o mesmo ter sido julgado provado, em conformidade aliás com os factos julgados provados constantes do art. 68º nos termos do qual a Recorrente exerce atividade privada em várias entidades, nomeadamente, Hospital Privado X..., na Hospital Privado X1..., consultório privado, Clínica ....
Aliás, decorre das regras da experiência e da Lógica, que sendo alterado o horário da Recorrente, esta não poderá exercer a atividade privada que exercia.
Não exercendo a atividade privada que exercia, da qual retirava rendimentos, rendimentos esses provados pelos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa, nomeadamente a declaração de IRS quanto aos rendimentos profissionais da Recorrente, enquanto profissional independente e a declaração de rendimentos pagos pela Oftline, juntos com a referencia 41844666 no dia 4 de abril, há de facto uma lesão séria e irreparável dos seus direitos; o direito a trabalhar (em qualquer entidade naturalmente) o direito a conciliar a vida profissional com a vida familiar (pois passará a sair três por semana às 20.00h).
A este respeito temos ainda as próprias declarações de parte da Recorrente, gravadas no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 15:17:52 e término em 15:39:37, no ficheiro áudio 20220419151750 _16156619_2871473, a qual afirma perentoriamente que propôs numa primeira opção um horário que funcionou até 2018; que a alteração do horário só procura o seu prejuízo pessoal, no serviço e fora do serviço, qualquer troca de horário é consensual; compromissos profissionais ficam prejudicados bem como pessoais, filhos, casa a minha mãe que também são prejudicados nesse aspecto.”
Respondeu a recorrida: “A recorrente com o devido respeito usa um silogismo sem qualquer sentido e abusivo, pois usa premissas para chegar a conclusão que pode não ter qualquer correspondência com a realidade. Isto é vem dizer para além do Hospital onde sou médica com contrato de trabalho, como me é permitida a acumulação trabalho noutras clínicas em regime de clinica privada. Como o Hospital altera o horário num dia da recorrente esta não pode exercer a actividade privada que exercia. Esta conclusão é absolutamente absurda e desprivada da realidade basta atentar no mínimo nas regras da experiência comum.”
O que a recorrente pretende ver como provado é que o horário fixado pela recorrida a vai impedir de exercer a sua actividade nos outros locais onde o faz e prestar assistência a sua mãe. Como fundamento de tal pretensão invoca apenas as suas próprias declarações. Ora, estas não podem ser consideradas.
Assim, rejeita-se aqui a impugnação.

2.10. Facto 4. julgado como não provado
A recorrente não faz referência ao ponto 3. da matéria de facto não provada, pelo que se considera que não impugna a decisão relativamente ao mesmo.
Mais alega a recorrente:
“Já quanto aos factos alegados no art. 86º que foram dados como não provados, e que consistem em “A Requerida pretende, sim agastar a Requerente e vencê-la pelo cansaço, pelo esgotamento, frustração, criando o ambiente mais desagradável possível em que se pode trabalhar.”, fazemos uso dos depoimentos do Dr GG, Professor II e Professora JJ, cuja reapreciação da prova gravada impunha outro resultado.
Releva ainda este respeito o depoimento do Dr. GG, no ficheiro áudio 20220419101917_16156619_2871473 gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 10:19:19 e término em 11:26:45. (…)
Quanto ao depoimento do Professor II, no ficheiro áudio 20220419112756 _16156619_2871473 gravado no sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal, com início a 11:27:59 e término em 11:42:27, no qual diz: (…)
Mais esclarecedor é o depoimento da Professora JJ, no ficheiro audio 20220419114338 _16156619_2871473 gravado no sistema integrado de gravação digital disponível neste Tribunal, com início a 11:43:40 e término em 12:13:35, no dia 19 de abril: (…)
Respondeu a recorrida: “O que resulta dos depoimentos alegados tem que ser enquadrado em toda a demais prova produzida e reafirma-mos com enquadramento nas regras da experiencia comum, pelo que bem decido se encontra.”
Mais uma vez, os depoimentos invocados não podem ser considerados, pelo que se rejeita a impugnação quanto a este aspecto.

2.11. Als. t) e u) dos factos provados
Alega a recorrente:
“Tal não é verdade nem tem qualquer suporte em qualquer depoimento, nomeadamente o do Dr. GG, o qual estava apenas incumbido de redigir o horário da recorrente e confessadamente não teve em conta os interesses da recorrente na elaboração do horário desta.
Mais, a simples frase “sempre que o seu horário era elaborado” é desconforme com a verdade, tanto mais que a única vez que o seu horário foi alterado após a sua admissão no Hospital foi com a Ordem de alteração do horário de trabalho que deu origem à presente Providência cautelar.
(...)
Ou seja, o Tribunal teve em consideração tudo, não se ficando a saber em concreto que depoimento ou qual o documento em que estribou a sua convicção, nomeadamente no que diz respeito aos factos provados que a Recorrente entende que não deviam ter sido julgados provados, tendo em conta que foi feita prova contrária, nomeadamente através dos depoimentos do Dr. GG, Dr KK e Professora JJ.”
Alega a recorrida:
“Não tem qualquer sentido e viola as regras da experiência comum o alegado pela recorrente para “atacar” a decisão de 1ª instancia. Resulta à evidencia dos autos que existiu proposta da Dr. AA e contra proposta do recorrido.
Dando até alternativas de trabalho de manhã ou de tarde á segunda feira, pelo facto de adequar os horários de colegas que tem interesse como a recorrente e que trabalham também no privada. Como é que se pode afirmar que uma chefia de um serviço com 13 médico não tem que articular e compatibilizar os horários dos profissionais por forma a que o serviço funcione e sirva os utentes, dias de consulta, dia de urgência, dia de cirurgias e coordenar com outros serviços o dia de utilização de blocos operatórios.
Sinceramente, parece ao recorrido que a recorrente não conhece como funciona o serviço onde trabalha há tantos anos. Ou a recorrente também não sabe das necessidades momentâneas e inesperadas que urge resolver relacionadas com baixas prolongadas por doença ou outra situação legal, ou situações súbitas e inesperadas. Como foi explicado pelo Chefe de serviço e só não vê quem não quer a necessidade absoluta de compatibilizar as solicitações de todos e as necessidades do serviço, que tem de estar em plano superior aos interesses privados profissionais de clínica privada dos médicos.
E é inequívoco que alterações ao horário da recorrente tem que compatibilizado com os demais interesses em jogo.”
Consta da decisão sob recurso:
“O Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junto aos autos nomeadamente no contrato de trabalho da Requerente e do Requerido junto com o doc. 1, nas comunicações trocadas entre os intervenientes também juntos com o Requerimento Inicial, tendo por objecto o horário de trabalho a exercer ao executado pela Requerente, nos documentos relativos aos autos com o nº 160/20.4T8PRT do J2 deste mesmo Tribunal e ainda quanto às declarações subscritas pelos responsáveis que atestam a prestação de funções profissionais desempenhadas noutros locais pela aqui Requerente.
O Tribunal considerou ainda os depoimentos das testemunhas arroladas por ambos Requerente e Requerido, salientando-se desde logo que à excepção de factos secundários estes depoimentos foram na sua quase totalidade consistentes e unânimes quanto às circunstâncias que determinaram, por um lado o acordo atingido pelas partes no âmbito dos autos acima indicados, como nos acontecimentos que se lhe sucederam relativamente à alteração do horário de trabalho que constituiu o objecto da presente lide.
Todos estes depoimentos das testemunhas inquiridas mereceram credibilidade por parte do Tribunal sem que tivessem evidenciado qualquer tentativa de causar prejuízo à parte contrária ou de deturpar a verdade dos acontecimentos. O mesmo se diga quanto aos depoimentos de parte e declarações das mesmas, os quais apesar da evidente crispação que transpareceu entre a Requerente, o diretor de serviços e o legal representante do Requerido, a mesma não demonstrou ter contribuído para que fosse transmitido ao Tribunal qualquer facto que não tivesse correspondência com os documentos e com os depoimentos das testemunhas inquiridas.”
É a seguinte a matéria em causa:
t) Sempre o seu horário era elaborado tendo em contas as necessidades do serviço e dos colegas e, sempre que possível, arranjar forma de o compatibilizar com as solicitações da requerida;
u) Tendo em contas as necessidades do serviço de oftalmologia, a saúde dos utentes e as necessidades e interesses dos colegas, que tinham também que ser tidos em conta na elaboração de horários e férias.
A recorrente limita-se a fazer referência a contraprova de tal matéria, sem porém a identificar a mesma, como lhe competia. Quanto ao mais, a prova pessoal invocada não pode ser considerada.
Assim, rejeita-se aqui a impugnação.

3. Enquadramento legal
Conforme resulta expresso das alegações (veja-se a conclusão 43), que delimitam o objecto do recurso, a única questão em apreciação prende-se com o pedido formulado sob a al. B), “Deve a Requerida ser condenada a suspender de imediato a ordem de alteração do horário de trabalho e de funções”.
3.1. Foi exarado na decisão sob recurso o seguinte:
“Neste Procedimento Cautelar, o Tribunal é chamado a analisar o pedido apresentado pela Requerente e relativo ao seu horário de trabalho no sentido deste ser imediatamente suspenso por causar prejuízo elevado e irreparável à Requerente.
Ora, o horário de trabalho que aqui importa apreciar e a respetiva alteração deve ser estabelecido de acordo com o que dispõe o artigo 200º do CT que o define, respeitando os interesses tanto da entidade empregadora como do próprio trabalhador tal como se preceitua no artigo 212º do mesmo diploma legal.
No caso dos autos a Requerente invoca 3 ordens de razões pelas quais considera que a alteração do seu horário de trabalho é ilícita e que vêm descritas no artigo 71º do Requerimento Inicial. Quanto à primeira razão de violação do acordado na transação celebrada entre partes na ação acima indicada, entende-se que efetivamente esta alteração no seu horário de trabalho não foi determinada por acordo com a Requerente. Foi transversal a todos os depoimentos das testemunhas inquiridas e consta expressamente dos docs. que estão juntos aos autos que a Requerente não deu efetivamente o seu consentimento para a alteração do seu horário de trabalho. Mas, esta falta de acordo não determina, no nosso entender, a violação daquela transação já que recorrendo-se de critério de interpretação de texto deste acordo, o que ficou ali estipulado na cláusula 3ª do mesmo é de que a Ré diligenciará pela reapreciação do horário por acordo e atividade após o que será comunicado por escrito pela Ré à Autora o respetivo resultado fundamental, ou seja, a ali demandada obrigou-se a diligenciar pelo acordo e este acordo foi, em nossa opinião, tentado, apesar de não ter sido efetivamente atingido.
O segundo argumento apresentado pela Requerente é de que esta alteração do horário é ilegal por violação do nº 4 do artigo 217º do CT, por estarmos perante o horário individualmente acordado. Ora, de acordo com o que têm entendido unanimemente a jurisprudência, para se considerar que um horário foi individualmente acordado com o trabalhador era necessário que houvesse uma disposição convencionada entre as partes, ou seja, que o contrato de trabalho celebrado entre as aqui intervenientes tivesse previsto um horário de trabalho específico para aqui Requerente, o que no caso presente não sucede. Tal como preceitua o artigo 205º do CT, o empregador e o trabalhador podem por acordo definir o período normal de trabalho mas este acordo tem que prever um horário específico para aquele trabalhador, o que no caso presente se considera que inexiste dado que o horário de trabalho constante do contrato individual em apreço apenas indicava a carga máxima semanal e os dias da semana a que a Requerente se obrigou a ter disponibilidade para o prestar.
Neste sentido cita-se por paradigmático o acórdão do STJ de 24-02-2010 no processo 248/08.0TTBRG.S1 e o acórdão da Relação do Porto de 19-04-2021 no processo 14789/20.7T8PRT.P1. A jurisprudência é assim unânime em considerar que a regra relativa à alteração do contrato de trabalho é de que se traduz numa faculdade inserida no poder de direção da entidade empregadora e só assim não acontece quando em contrário existe disposição legal por via de contrato coletivo de trabalho eventualmente, ou convencional, ou por fim se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para laborar em determinado horário.
A alteração unilateral do horário de trabalho sofre apenas as limitações impostas pela lei ordinária e até mesmo pela Constituição da República relativamente às responsabilidades familiares dos trabalhadores nos termos dos artigos 59º e 67º da CRP. E aqui chegados ao terceiro argumento da questão invocada pela Requerente quanto ao prejuízo causado com esta alteração.
Os motivos de ordem familiar invocados pela Requerente não foram, em nosso entender, demonstrados restando-nos apenas os motivos profissionais que a mesma invoca, mas estes não têm em nossa opinião salvaguarda legal, não se sobrepõe os interesses profissionais do trabalhador ao poder de direção da entidade empregadora. Não se duvida que a entidade patronal deve auscultar o trabalhador e tentar obter um consenso quanto ao seu horário de trabalho, mas o que aqui se defende é que em caso de litígio entre estes dois interesses prevalece o da entidade empregadora não tendo a Requerente demonstrado que esta alteração impedisse os motivos que vêm descritos como se disse no Código de Trabalho e até mesmo na Constituição, quer de ordem familiar quer de formação técnica ou profissional.
Finalmente, entende-se ainda que a Requerente não demonstrou que esta alteração no seu horário de trabalho constituísse um abuso de direito por parte do Requerido ou a violação do princípio da boa fé contratual, não tendo evidenciado que o Requerido tivesse sido movido por interesses que não fossem os de gestão da instituição hospitalar em causa, com toda a complexidade que a mesma reveste e que resultou claro dos depoimentos prestados mesmo pelas testemunhas arroladas pela Requerente, estando assente, estamos perante um centro hospitalar com um equipa atualmente neste serviço de 15 membros em 3 locais distintos que serve uma população de 3 concelhos também distintos como tal importa a conjugação de inúmeros factores que têm de ser atendidos para o bom funcionamento desta instituição hospitalar.
No âmbito da presente Providência Cautelar a Requerente tinha como seu ónus a demonstração indiciária do seu direito e a demonstração também do prejuízo causado com a conduta da entidade empregadora, e no caso concreto pelos motivos que acima deixamos expostos, entende-se que não tendo demonstrado, de forma indiciária, o direito que aqui invocou traduzido na ilicitude do horário que lhe foi imposto ou comunicado pelo Requerido, nem a validade dos prejuízos que veio também invocar, não resta ao Tribunal senão julgar a presente Providência Cautelar improcedente por não provada, quer quanto à suspensão deste horário de trabalho, quer quanto aos demais pedidos da mesma dependentes.”
Insurge-se a recorrente alegando:
“(…) há um manifesto abuso de direito por parte da Recorrida que se aproveita de uma transação, no sentido de as partes chegaram a um acordo quanto ao horário de trabalho da Recorrente, pondo fim a um litígio cuja publicidade não interessava à Recorrida por se tratar de um caso de assédio, criando a convicção de que a Recorrida tudo faria para haver um entendimento.
Com efeito, não obstante o acordo obrigar a Recorrida a diligenciar reapreciar o horário da Recorrente por acordo, esta ao invés, após enviar uma proposta com um horário manifestamente despropositado e desconsiderando as hipóteses apresentadas pela Recorrente em resposta, comunica uma alteração de horário de trabalho drástica, substancial e ilegal, violando a sentença, bem sabendo que a prejudicava tanto na sua vida profissional como familiar.
O acordo homologado não respeita a acordar em fazer diligências, mas sim em fazer diligências tendo em vista a alteração do horário de trabalho por acordo.
A Recorrida violou assim o princípio da boa fé contratual, tendo excedido os limites impostos pela boa fé.
Com efeito, estamos a falar da alteração de um horário de trabalho de forma unilateral, que prejudica a Recorrente, num serviço dum hospital em que todos os horários apenas são alterados por acordo, pelo que não é expectável que a Recorrente e ou a Recorrida interpretasse o acordo como uma prenda da Recorrente que lhe permitisse alterar o horário de trabalho desta da forma que entendesse e pela pessoa que a Recorrente acusa de a assediar há anos.
E nenhum motivo ou interesse ponderoso existia para tal mudança, da parte da Recorrida, ou teria de admitir que desde que o Diretor de serviço da Recorrida dirige aquele serviço nunca os interesses do hospital, dos colegas e dos utentes foram satisfeitos.
(...)
Note-se que não decorre da transação homologada que o horário era alterado ou tinha de ser alterado; decorre sim que seria feita a reapreciação do horário por acordo, pelo que a única conclusão possível a retirar é a de que não havendo acordo tudo se manteria, então, como estava.
Pelo que se torna incompreensível o entendimento vertido pela Meritíssima Juíza segundo a qual a “ali demandada obrigou-se a diligenciar pelo acordo e este acordo foi, em nossa opinião, tentado, apesar de não ter sido efetivamente atingido.”, como se daí pudesse resultar um horário diferente, novo ou absolutamente irascível como com o que aconteceu.”
E acrescenta:
“Com enorme relevância fatual e jurídica para o caso, deve ser dado enfâse a que o contrato de trabalho da Recorrente não se reduz ao papel que foi subscrito pela mesma.
O contrato de trabalho enquanto negócio entra duas partes cujas vontades convergem num determinado sentido é um contrato dinâmico, que vai sendo ajustado ao longo dos tempos, por força da lei, por força da vontade das partes ou por força de necessidades prementes da empresa, ou por força de pandemias que obrigam a horários desfasados, ou no caso da Recorrente a ser obrigada a executar tarefas na “ala Covid” que nada tinha a ver com a sua atividade, ou seja vai sofrendo alterações por força das vicissitudes da vida a que ambas ou uma das partes se têm ou quer(em) sujeitar.
Ora o contrato de trabalho da Recorrente não se reduz ao papel que foi assinado, pois a Recorrente foi convidada pelo Prof HH para trabalhar no hospital, a quem incumbia, por decisão do Conselho de Administração, a tarefa de contratar os profissionais do serviço de oftalmologia e exercia as funções de Diretor de Serviço de Oftalmologia na Executada à altura e exerceu até 2013.
Na sequência desse convite, foi discutido e acordado entre ambos, Professor HH e a Recorrente, como resulta de forma clara do depoimento daquele, horário esse que se não tivesse sido acordado nos termos que o foi, a Exequente não teria aceite trabalhar naquele hospital.
Tal horário foi, pois, acordado tendo em conta que a Recorrente exercia, e sempre exerceu outras atividades, pois não tinha exclusividade com a Requerida, tendo ficado acertado que teria o dia de quarta-feira livre e as tardes de quinta e sextas livres, o qual apenas foi alterado quase trinta anos de atividade depois à Recorrente.
(...)
É verdade, que o contrato de trabalho de papel, refere o número de horas de trabalho de segunda a domingo, e acrescenta que o horário será elaborado e afixado pelo primeiro outorgante dentro dos limites legais, de acordo com a organização, esquema e escala de funcionamento do serviço em que o Segundo Outorgante irá prestar a sua atividade.
Trata-se de uma cláusula tipo, daquelas que diz tudo mas não diz nada e está lá porque tem de estar, aplicando-se assim o regime das cláusulas contratuais gerais (DL 466/85, de 25 de outubro), sendo que um dos pontos principais deste regime é a proibição de cláusulas abusivas (arts.12º a 23º, do DL nº 446/85) de forma a que o empregador não preveja cláusulas desproporcionalmente favoráveis à sua posição em detrimento da posição do trabalhador.
Mais um motivo para que se dê relevância factual e jurídica ao facto de a Recorrente ter sido contratada especificamente para laborar em determinado horário, sob pena de não querer exercer atividade naquele hospital, cabendo assim na hipótese prevista no citado Acórdão do STJ, que concebe que um horário individualmente acordado só possa ser alterado por acordo, se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para laborar em determinado horário.
E refere ainda:
(...) a Recorrente entende que fazendo-se a reapreciação da prova gravada e alterando-se a matéria que foi dada como provada e não provada, será possível concluir que:
A Recorrente tem o direito a trabalhar e a trabalhar em vários locais para várias entidades, direito esse protegido pela Lei;
A alteração de um horário de trabalho que impeça a Recorrente do exercício de outras atividades deve ser proporcional, ponderado e razoável de forma a que não a impeça de exercer tais atividades, como é seu direito.
Passando a sair três vezes por semana às 20.00horas seguido de deslocação para a sua habitação é elementar que os tempos que dispunha nesses dias para outras tarefas deixam de existir, fosse para cuidar dos filhos, da casa, da mãe ou trabalhar noutros locais;
Não é verdade que os motivos profissionais não sejam protegidos pela Lei, tanto mais que podem ser invocados como motivo atendível para a não prestação de trabalho suplementar, está ainda prevista com a pluralidade de empregadores bem como a possibilidade de exercício de outra atividade, como decorre do art. 247º do Cód trabalho).
É que parece que se confundiu uma exigência legal quanto à elaboração do horário de trabalho – conciliação da vida profissional com a vida familiar –, com um dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar – prejuízo grave.
Com efeito, existe de facto, de acordo com a prova produzida e a interpretação certa que se fizer do acordo homologado por sentença a probabilidade séria da existência do direito da Recorrente a ver o seu horário de trabalho alterado apenas por acordo;
Há um receio fundado que a ordem de alteração do horário de trabalho cause lesão dificilmente reparável, pois as cirurgias e consultas que a recorrente deixar de fazer serão realizadas por terceiros em sua substituição e faltando no horário novo que considera ilegal, tais faltas serão consideradas injustificadas e passiveis de ação disciplinar;
A suspensão da ordem de alteração do horário de trabalho era a medida adequada e razoável até ser decidida a questão principal quanto ao reconhecimento do direito da Recorrente.
Mantendo-se o horário da Recorrente tal como estava e era possível, pois até à sua alteração era o horário que praticava, não haveria nenhum prejuízo para a Recorrida a não a ser receber emails da Recorrente a queixar-se.
Ora, é incontornável que a alteração do horário de trabalho da Recorrente é realizada de forma drástica e substancial impedindo-a de exercer outras atividades e de facto a ordem de alteração do horário de trabalho cria prejuízos sérios, pessoais, familiares e profissionais, os quais foram indiciariamente provados.
Acresce que o facto de não ter sido feito uma prova forte e cabal quanto à necessidade de assistir à sua mãe, a não ser através de testemunho indirecto e declarações da própria Recorrente, não deixa de ter sido feita uma prova indiciária desta, pelo que estes factos e esta prova menos forte, não é manifestamente suficiente para que a providência não seja decretada e que daqui se possa concluir que não ficou provado um prejuízo sério.
É que no prejuízo sério cabe a organização da sua vida familiar, mas também, pessoal e profissional, com impacto considerável a nível remuneratório, os quais ficaram mais do que indiciariamente provados.”
Respondeu a recorrida:
“Em face do demais não existindo contratualmente horário fixado especifico, como resulta do contrato que as partes celebraram e não venha a recorrente quando lhe interessa dizer que o contrato é importante e quando não convém dizer que o contrato não se reduz a um papel.
É este o cerne, o alicerce, a essência desta relação laboral e repete-se e as partes bem sabem o que assinaram e o conteúdo desse contrato. Não ficou estipulado quaisquer dias livres ou não livres. A recorrente estará a querer por forma enviesada querer alterar em seu favor o contrato que celebrou e que não previa quaisquer especificidades para além do cumprimento do horário semanal.
Assim, bem aplicou a Senhora Juíza os normativos legais adequados e correctos. Não existindo qualquer ilegalidade na atribuição do horário nem a violação de qualquer possibilidade de acordo que foi tentado mas não conseguido.
O absurdo do recurso e da opinião da recorrente, com o devido respeito é que esta fala de acordo, como foi referido uma tentativa das partes de chegarem a acordo de alteração de horário, mas na impossibilidade de acordo imputável ás partes, o que vigora o que a recorrente pretende ou o que está contratualmente escrito e aceite pelas partes?!
É óbvio que a recorrente nesta sua tese nunca quereria qualquer acordo e compatibilização com os demais interesses do serviço e dos direitos dos colega, dado que a sua tese é que eu quero um horário X, para compatibilizar com a medica privada que faça em acumulação com a medicina realizada no Hospital público, pois eu tenho esse direito absoluto.”
Nos termos do disposto no art. 362º, nº 1, do CPC, sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
Em consequência de tal norma, enuncia António Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, págs. 81-82, os seguintes requisitos para a procedência da providência cautelar não especificada “a) Probabilidade séria da existência do direito invocado; b) fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave ou dificilmente reparável a tal direito; c) Adequação da providência à situação de lesão iminente; d) Não existência de providência específica que acautele aquele direito.”

3.2. Do horário de trabalho:
3.2.1. Quanto ao primeiro requisito invoca a recorrente a ilicitude da alteração do horário de trabalho, nomeadamente argumentando: “o contrato de trabalho da Recorrente não se reduz ao papel que foi assinado, (...) foi discutido e acordado (...), horário esse que se não tivesse sido acordado nos termos que o foi, a Exequente não teria aceite trabalhar naquele hospital.”
Nos termos do art. 212º, nº 1, do Código do Trabalho, compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável. Sendo certo, porém, que, conforme determina o nº 2 do mesmo preceito, na elaboração do horário de trabalho, o empregador deve: a) Ter em consideração prioritariamente as exigências de protecção da segurança e saúde do trabalhador; b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar; c) Facilitar ao trabalhador a frequência de curso escolar, bem como de formação técnica ou profissional.
Conforme se elucida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Dezembro de 2013, processo 1037/12.2TTLSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt (relatado pelo aqui primeiro adjunto), “Segundo a noção legal, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal (art.º 200.º/1 do CT). Numa explicação mais elaborada, Monteiro Fernandes escreve o seguinte: - “O horário de trabalho é um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do período normal de trabalho – número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar – ao longo do dia e da semana: horas de entrada e de saída, intervalos de descanso, dia de descanso semanal” [Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 352]. A lei confere ao empregador o poder de estabelecer o horário de trabalho, dentro dos limites legais (art.º212.º /1 do CT), e com observância na sua elaboração de determinados deveres, expressos na lei (n.º 2 do mesmo artigo), entre eles, e para o que aqui releva, “facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”. A atribuição deste direito ao empregador inscreve-se no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece (art.º 97/CT). Contudo, como elucida Monteiro Fernandes, “Nada impede que os horários de trabalho sejam objecto de acordo no âmbito do contrato individual de trabalho, o que se traduzirá, obviamente, em restrição daqueles poderes; e nada obsta, também, a que os horários de trabalho sejam objecto de negociação e acordo a nível colectivo, (..) com o significado de uma renúncia da entidade empregadora a uma parte das suas prerrogativas de organização e gestão da empresa” [Op. cit., pp. 352]. O artigo 217.º do CT regula as situações em que um trabalhador tem um determinado horário de trabalho, que configura no tempo a sua prestação de trabalho e em função do qual este organiza a sua vida, pretendendo o empregador alterar essa situação por necessidades organizativas da empresa.
Os mesmos princípios que enformam a fixação do horário de trabalho aplicam-se igualmente aos casos de necessidade de alteração do horário de trabalho, conforme estipulado no art. 217º, nº 1, do mesmo Código.
A propósito refere Diogo Vaz Marecos, no Código do Trabalho Anotado, Coimbra; Coimbra Editora, 2010, pág. 533:
“3. De acordo com o nº 4, quando o horário de trabalho constar do contrato de trabalho, não pode ser alterado unilateralmente, mas apenas ser alterado com base em acordo das partes, ou seja, empregador e trabalhador. Ainda que o horário de trabalho conste do contrato individual de trabalho, e sendo por isso necessário o acordo do trabalhador para proceder à sua alteração, pode esse acordo ser tácito, se o trabalhador cumprir o novo horário sem reclamar. Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de janeiro de 1998, processo 97S187, documento SJ199801210001874, sumários em www.dgsi.pt. A jurisprudência tem entendido que ao empregador não é admissível modificar unilateralmente o horário de trabalho, nos casos em que este tenha constituído um elemento essencial do contrato, em termos tais que o trabalhador não o teria celebrado não fosse aquele horário específico (nesta situação o horário de trabalho faz parte do objecto do contrato), ou quando o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável proíba que o horário seja alterado sem o acordo do trabalhador, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de janeiro de 1990, e de 29 de setembro de 1993, respectivamente em Acórdãos Doutrinais, 342, pág. 863 e Colectânea de Jurisprudência, 111, ág.276; Acórdão da relação de Coimbra, de 18 de janeiro de 1990, Colectânea de Jurisprudência, tomo 4, pág. 116; Acórdão da relação do Porto, de 16 de janeiro de 1989, Colectânea de Jurisprudência, tomo 1, pág.224, etc. Em ordem ao estabelecido no nº 1 do artigo 242º do Código Civil, o ónus da prova da essencialidade do horário de trabalho, aquando da contratação, incumbe ao trabalhador. (…)
4. Se o horário de trabalho não constar do contrato de trabalho, e se a empresa não tiver assumido alguma conduta positiva que tenha levado um trabalhador a confiar que o horário por si cumprido por determinação do empregador, não mais seria alterado sem o seu acordo, então o horário de trabalho pode ser alterado unilateralmente pelo empregador. Neste sentido, o Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 17 de setembro de 2009, processo 08s3844, documento sj200909170038444, sumários em www.dgsi.pt, entendeu que: Na falta de disposição legal ou convencional em contrário, o direito que ao empregador assiste de fixar o horário de trabalho dos seus trabalhadores não se restringe à fixação inicial, mas abrange as posteriores alterações do mesmo, salvo se o trabalhador tiver sido contratado especificamente para trabalhar mediante determinado horário.
5. Não obstante o que ficou referido nas anotações anteriores, há jurisprudência que entende que o horário só não pode ser modificado unilateralmente pelo empregador quando a mudança cause prejuízo sério ou perturbação visível na vida do trabalhador, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de outubro de 2008, processo 0843391, documento RP200810200843391, sumários em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de junho de 2006, processo 0543923, documento RP200606190543923, sumários em www.dgsi.pt. De acordo com este entendimento, não basta a verificação de alguns incómodos ou transtornos, dado que as modificações na vida pessoal, familiar e laboral do trabalhador sempre hão-de surgir por força da alteração, exigindo-se antes um prejuízo sério, para que o empregador não deva unilateralmente proceder à alteração do horário de trabalho. O ónus da prova do prejuízo sério da alteração do horário, ou a perturbação visível da alteração da vida do trabalhador, impende sobre o trabalhador, cfr. nº 1 do artigo 342º do Código Civil.”
Pretende a recorrente que, tendo acordado o seu horário de trabalho inicial, o mesmo não pode ser alterado sem o seu acordo.
A propósito considera Luís Miguel Monteiro, no Código do Trabalho Anotado, Coord. Pedro Romano Matinez, 9ª edição, Coimbra: Almedina, 2013, págs. 522-523, “Sempre que a fixação de horário tenha sido contratualizada entre trabalhador e empregador, a sua alteração carece do acordo de ambos. (...) A indicação do horário no contrato de trabalho, nomeadamente no texto do acordo reduzido a estrito, não significa necessariamente, que tenha sido negociado pelas partes no momento da celebração do contrato, o que obrigaria a novo acordo para a sua alteração. A inscrição do horário no contrato pode cumprir objectivos de informação do trabalhador, caso em que o empregador mantém intacto o poder de o modificar unilateralmente, apesar de ele constar do contrato e mesmo sem necessidade de atualizar o texto contratual. Também da circunstância do trabalhador desempenhar funções no mesmo horário, durante longo período de tempo, não se pode inferir a existência de acordo quanto à fixação do horário, nem de direito do trabalhador a manter o horário que pratica.”
Daqui resulta que, face à matéria de facto provada, da qual não transparece qualquer fixação do horário de trabalho por acordo, não se pode concluir pela impossibilidade de alteração posterior do mesmo unilateralmente pelo empregador.
Alega a recorrente que a prova da fixação inicial, por acordo, do seu contrato de trabalho, e da sua não aceitação da celebração do contrato, com horário diverso, não exige que o mesmo conste do documento do contrato de trabalho escrito, podendo ser feita, nomeadamente por prova testemunhal, citando para o efeito Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do trabalho, volume 1, Relações Individuais de Trabalho, págs. 664 e 671. Em contrário pronuncia-se Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 720-721, referindo “só quando o horário constar do próprio contrato, individualizando-se para aquele trabalhador, é que o acordo carece do mútuo consenso para ser modificado”.
De todo o modo, como se deixou expresso acima, a recorrente não logrou fazer prova das circunstâncias que alega, sendo certo que sobre ela impendia o respectivo ónus, assim improcedendo tal fundamento. Conforme se refere no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Outubro de 2008, processo 084339, acessível em www.dgsi.pt, “não tendo o trabalhador provado a essencialidade de tal elemento na contratação, o mesmo não tem direito a opor-se a tal decisão do empregador.”
Como salienta Francisco Liberal Fernandes, em O trabalho e o tempo: comentário ao Código do Trabalho, Universidade do Porto, 2012, pág. 254, em anotação ao art. 217º, “não obstante o elemento literal, julga-se que a blindagem prevista naquele preceito apenas se deverá impor nos casos em que as partes confiram ao horário convencionado um carácter essencial no quadro da constituição e manutenção do vínculo laboral.”
Assim, nessa medida improcede a fundamentação do recurso.

3.2.2. Mais alega a recorrente que foi violado o acordo, homologado por sentença, que impunha que o horário teria que ser alterado por acordo.
Provou-se na al. e) da matéria de facto provada que do acordo celebrado na acção ali referida, homologado por sentença, consta “III A Ré diligenciará pela reapreciação em termos de secção/unidade, do horário (por acordo) e actividade, após o que será comunicado por escrito pela Ré à Autora o respectivo resultado fundamentado.”
Considerou-se na sentença sob recurso: “recorrendo-se de critério de interpretação de texto deste acordo, o que ficou ali estipulado na cláusula 3ª do mesmo é de que a Ré diligenciará pela reapreciação do horário por acordo e atividade após o que será comunicado por escrito pela Ré à Autora o respetivo resultado fundamental, ou seja, a ali demandada obrigou-se a diligenciar pelo acordo e este acordo foi, em nossa opinião, tentado, apesar de não ter sido efetivamente atingido.”
Discordamos do entendimento expresso na decisão.
A interpretação do acordo deve fazer-se segundo a chamada a teoria da impressão do destinatário, consagrada no art. 236´, nº 1, do Código Civil. Daí que não se entenda razoável que se possa considerar que tal acordo expressa apenas que “a ali demandada [ora recorrida] obrigou-se a diligenciar pelo acordo”, uma vez que essa obrigação já se encontra plasmada na própria lei.
De facto, de acordo com o art. 217.º, n.º 2, do CT, o empregador deve consultar, previamente, os trabalhadores sempre que pretenda alterar o horário de trabalho dos mesmos. Pelo que não se pode confundir tal consulta com a exigência de um acordo, que, em nosso entender, foi consagrado na transacção em causa.
Ainda Francisco Liberal Fernandes, ob. cit., pág. 253, refere “É no contexto de semelhante conflito de interesses — e da correspondente necessidade de avalizar uma solução de equilíbrio ou de compromisso — que, em nossa opinião, deve ser enquadrada a liberdade de modificação do horário de trabalho prevista no art. 217º, nº 1, do CT, no pressuposto de que essa faculdade conferida ao empregador não pode anular a eficácia dos direitos de natureza constitucional implicados na distribuição do tempo de trabalho. Ou seja, a tutela jurídica destes valores interfere necessariamente com aquela competência, cujo exercício deverá, por isso mesmo, reflectir os limites decorrentes da exigência de concordância entre a garantia desses interesses, por um lado, e a tutela da liberdade de iniciativa económica, materializada na exigência de flexibilidade da organização do tempo de trabalho, por outro. Ora, esse princípio de harmonização jurídica opõe-se a um regime em que seja permitido ao empregador modificar unilateralmente o horário de trabalho em termos que afectem de forma substancial o equilíbrio contratual pré-estabelecido e, nessa medida, que sejam susceptíveis de implicar mudanças significativas na esfera do trabalhador, pondo em risco a própria segurança do emprego. Para este efeito, e ressalvadas as alterações decorrentes dos regimes legais de flexibilidade do tempo de trabalho, constituem modificações substanciais do horário de trabalho, por exemplo, deslocar o horário limitado a um dos períodos do dia (manhã ou tarde) para o outro período, alterar em termos relevantes a hora de início ou do termo do trabalho, transformar o horário normal em horário por turnos ou o horário diurno em nocturno. É, pois, em relação ao reconhecimento ao empregador de uma faculdade ilimitada de alteração do horário de trabalho que, pelas razões atrás invocadas, contrapomos uma interpretação restritiva do art. 217º, nº 1.”
Ou seja, acrescentamos nós, a interpretação do acordo dos autos deverá reflectir este entendimento, pelo que deverá ser efectuada por forma a assegurar tal restrição do direito do empregador de modificação unilateral do horário de trabalho.
Ora, resulta igualmente da doutrina supra exposta que nada obsta a que se possa estabelecer já durante a execução do contrato de trabalho, que o horário de trabalho só possa ser alterado por acordo entre trabalhador e empregador, assim se “blindando” o mesmo, como entendemos ter ocorrido no caso dos autos.
Desta transacção resulta que ambas as partes reconhecem a necessidade de alteração do horário de trabalho da recorrente, mas igualmente aceitaram “blindar” o horário de trabalho então em vigor, uma vez que expressamente estipulam que a alteração terá que ser feita por acordo.
É certo que a própria recorrente parece pretender uma alteração do seu horário de trabalho, ao pretender “executar” a transacção. Mas isso não invalida que o horário só possa ser alterado por acordo, o que implica que, na falta desse acordo, o horário inicial deve ser mantido, assim sendo ilegal qualquer alteração unilateral do mesmo, como pretende fazer a recorrida.
Pelo exposto, verifica-se o primeiro dos apontados requisitos para a procedência da providência, “probabilidade séria da existência do direito invocado”.

3.3. Da verificação do prejuízo e do periculum in mora
Relativamente ao segundo requisito (“fundado receio de que [a recorrida] cause lesão grave ou dificilmente reparável a tal direito”), ele resulta da matéria de facto provada na al. r), da qual consta que “A Requerente [recorrente] além de exercer atividade na Requerida [recorrida], exerce igualmente atividade no Hospital Privado X..., na Hospital Privado X1..., consultório privado, Clínica ...”.
Provou-se que a alteração do horário (facto provado sob a al. p)) vai ter repercussão na actividade desenvolvida nas restantes instituições, uma vez que, embora não resultando da matéria de facto provada que a recorrente ficasse impedida de desenvolver a sua actividade nas mesmas, teria que reprogramar toda a sua actividade, com a possibilidade de o tribunal vir a reverter a decisão da recorrida, com prejuízos, nomeadamente financeiros, que essas alterações implicariam.
Como se aduz no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de Março de 2020, processo 19035/17.8T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, “a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador”. Veja-se igualmente o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Janeiro de 2010, processo 125/08.4TTMAI.P1, igualmente em www.dgsi.pt, (“Considera-se prejuízo sério uma mudança na vida do trabalhador que se traduza numa alteração substancial das suas condições de vida, que se não restringe a prejuízos patrimoniais, podendo reflectir-se em aspectos de natureza pessoal, profissional, familiar e económica”).
Quanto ao do periculum in mora, refere António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 84, “o juiz deve convencer-se da seriedade da situação provocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo dos danos futuros. A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado”. Mais acrescentando na pág. 222, “Em regra, as desvantagens de ordem que ocorram do lado do requerido devem ceder perante interesses de natureza não patrimonial prosseguidos pelo requerente e que sejam considerados relevantes para motivar o deferimento de uma medida cautelar. (...) Para qualquer situação, uma vez provado o perigo de lesão séria de diretos do requerente, só com considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa de providência.”
Ora, a matéria de facto provada é suficiente para fundamentar a conclusão da existência do aludido periculum in mora, pelo que, verificando-se os demais requisitos para o deferimento da providência, deve proceder o recurso.
Conforme acentua Francisco Liberal Fernandes, ob. cit., pág. 255, ainda em anotação ao art. 217º, “o CT não contém normas específicas sobre o pluriemprego. Ora, pode suceder que a alteração do horário de trabalho, promovida unilateralmente pela entidade empregadora, seja de molde a inviabilizar o cumprimento de outro contrato em o mesmo trabalhador é parte. Quanto a esta situação, parece-nos que a liberdade conferida pela lei ao empregador deverá ser objecto de uma interpretação restritiva, de modo a garantir-se eficácia ao direito à segurança no emprego e à liberdade de trabalho, e ao princípio da boa-fé contratual. Se, com efeito, ao celebrar o contrato de trabalho tiver conhecimento de que o mesmo trabalhador já exerce outra actividade subordinada, o empregador está a autolimitar o seu poder de direcção relativamente à organização do tempo de trabalho, pelo que, nessas condições, não poderá modificar de modo unilateral o horário de trabalho se isso puser em causa o cumprimento do(s) vínculo(s) já firmado(s) pelo trabalhador, mas apenas exercer aquela faculdade dentro dos limites permitidos pela disponibilidade laboral do trabalhador.”
Assim, procedendo o recurso, deve revogar-se a decisão da primeira instância, e substituir-se a mesma pelo presente acórdão, deferindo a providência requerida de suspensão do horário de trabalho unilateralmente alterado pela recorrida.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão deferindo a providência requerida, determinando-se a suspensão de imediato da ordem de alteração do horário de trabalho e de funções, da recorrente, identificada nos autos.
Custas pela recorrida.

Porto, 14 de Dezembro de 2022
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes