Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA | ||
| Descritores: | DIREITO AO RECURSO GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO | ||
| Nº do Documento: | RP20220308427/20.1PBMAI-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/08/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Quando o segundo recurso foi interposto pela nova mandatária do arguido, o mesmo era atempado e admissível. Uma garantia efectiva do direito ao recurso, previsto no artigo 32º, n.º 1, da CRP pressupõe que ao arguido seja dado conhecimento do conteúdo da decisão que foi tomada com o objectivo de o arguido ter oportunidade de organizar a sua defesa. II - Com a inutilização do primeiro recurso que não sendo aceite pelo arguido passa a ser uma excrescência, teria de se considerar irrelevante a notificação pessoal do arguido prevista na lei, com o objectivo claro de dar a conhecer o conteúdo da decisão e de o arguido inteirado desse conhecimento poder ponderar os termos da sua defesa, nomeadamente, o recurso e a oportunidade real de apresentar as suas próprias razões. | ||
| Reclamações: | Reclamação n.º 427/20.1PBMAI-A.P1 1ª secção criminal do TRP I.- 1.- Nos autos de processo abreviado n.º 427/20.1PBMAI, Comarca do Porto, Juízo local criminal da Maia, Juiz 1, após prolação de sentença condenatória a 04.02.2021, o arguido AA apresentou recurso, que não foi admitido no seguinte despacho, datado de 26.01.2022, referência citius n.º 432387093. «O arguido tinha como mandatário defensor o Dr. BB que no âmbito do mandato que lhe foi conferido pelo arguido interpôs recurso da sentença proferida nos autos no pretérito dia 04.02.2021 (cfr. fls. 117). Tal recurso foi admitido por despacho de 11.03.2021. O Ministério apresentou resposta ao recurso a 20.04.2021. O Dr. BB substabeleceu, sem reserva os poderes que lhe foram conferidos pelo mandato outorgado pelo arguido, em 03.04.2021 à Dra. CC (cfr. fls. 139). O arguido foi notificado da sentença proferida nos autos no dia 07.12.2021. A nova mandatária do arguido veio interpor um novo recurso da sentença recorrida em 12.01.2022. Ora quando a nova mandatária aceitou o substabelecimento do mandato aceitou o processo no estado/fase em que o mesmo se encontrava, já com um recurso interposto pelo mandatário em representação do arguido, estando esgotada a possibilidade de apresentar novo recurso. Assim, nos termos e fundamentos expostos, porque o recurso de 12.01.2021 não é admissível, acordo com o disposto no art. 414º, n°2, do Código de Processo Penal, não o admito e determino o seu desentranhamento dos autos. Notifique. Cumpra o disposto no art. 413°/3 do CPP relativamente ao recurso de 04.2.2021 e oportunamente remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto para conhecimento do recurso interposto pelo arguido.» * 2.- É deste despacho que o arguido/reclamante vem reclamar, com os seguintes fundamentos:«O reclamante foi notificado em 7 de dezembro de 2021, do teor da sentença proferida nos presentes autos. Referindo expressamente, a notificação que lhe foi efectuada: De que tem o prazo de 30 dias, a contar da presente notificação, para exercer o direito de recurso da referida sentença, devendo para o efeito contactar com o seu mandatário/defensor. Assim o reclamante interpôs o competente recurso em 12 de Janeiro de 2022. Aliás se não fosse esse “no fundo” o entendimento do Tribunal a quo, por que razão o recurso não subiu quando admitido e aguardou a notificação do reclamante. Decisão diversa viola claramente o direito o direito de defesas do arguido, previsto no art. 32°, n° 1 da CRP e, ainda, o princípio da boa-fé processual da arguida. Termina pedindo o deferimento da reclamação, com todas as consequências legais.» * II. ApreciandoDecorre dos autos: O arguido esteve ausente da audiência de julgamento e não se procedeu a leitura pública da sentença, como resulta da ata de audiência de 01 de fevereiro de 2021 e da declaração de depósito de 04.02.2021 a que acresce as notificações ao MP e os ofícios para notificação quer do arguido quer do seu defensor à data, o Drº BB. A sentença foi notificada ao arguido em 07 de dezembro 2021, conforme fls. 54 da certidão enviada neste incidente de reclamação. Do pedido de notificação do arguido constava: «Solicito a V. Exa, se digne providenciar pela notificação da(s) pessoa(s) abaixo indicada(s), nos termos e para os efeitos a seguir mencionados: De todo o conteúdo da sentença proferida, cuja cópia se junta para lhe(s) ser entregue neste ato. De que tem o prazo de 30 dias, a contar da presente notificação, para exercer o direito de recurso da referida sentença, devendo para o efeito contactar com o seu mandatário/defensor.» O arguido à data da audiência tinha como mandatário defensor o Dr. BB que interpôs recurso da sentença proferida nos autos no pretérito dia 04.02.2021 (cfr. fls. 117). Tal recurso foi admitido por despacho de 11.03.2021. O Ministério apresentou resposta ao recurso a 20.04.2021. O Dr. BB substabeleceu, sem reserva os poderes que lhe foram conferidos pelo mandato outorgado pelo arguido, em 03.04.2021 à Dra. CC (cfr. fls. 139). O arguido foi notificado da sentença proferida nos autos no dia 07.12.2021. A nova mandatária do arguido veio interpor um novo recurso da sentença recorrida em 12.01.2022. Vejamos. Em matéria de recursos, prescreve o artigo 411.º, n.º 1, do CPP que o prazo para a sua interposição é de 30 dias. No caso concreto, o arguido esteve ausente à audiência de julgamento. Nesta situação dispõe o artigo 333º, n.ºs 5 e 6 do CPP, que estatui: “5.- No caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença. 6 - Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.» Por sua vez o artigo 113º n.º 10, dispõe que: «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar. Tendo em atenção a mencionadas disposições legais verificando-se que a sentença foi notificada ao arguido em 07.12.2021, muito depois da notificação ao seu primeiro mandatário é a partir desta data que se conta o prazo de recurso de 30 dias, o prazo normal de interposição de recurso, o qual terminava em 19.01.2022, dada a interposição das férias judiciais de Natal e a suspensão do curso do prazo nesse período entre 22.12.2021 a 03.01.2022 ambos inclusive; sendo que com pagamento de multa o ato ainda podia ser praticado num dos três dias úteis seguintes, nos termos do artigo 107º, n.º 5, 107ºA. do CPP e 139º do CPC. Assim, quando o segundo recurso foi interposto pela nova mandatária do arguido em 12.01.2022, o mesmo era atempado e admissível. Em favor desta interpretação os seguintes argumentos: Uma garantia efectiva do direito ao recurso, previsto no artigo 32º, n.º 1, da CRP pressupõe que ao arguido seja dado conhecimento do conteúdo da decisão que foi tomada com o objectivo de o arguido ter oportunidade de organizar a sua defesa. O princípio das garantias de defesa é violado toda a vez que ao arguido se não assegura, de modo efectivo, a possibilidade de organizar a sua defesa. Dizendo de outro modo: sempre que se lhe não dá oportunidade de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta[1]. Do exposto concluímos que para que o segundo recurso interposto não fosse admissível, bem seguro com a inutilização do primeiro recurso que não sendo aceite pelo arguido passa a ser uma excrescência, teria de se considerar irrelevante a notificação pessoal do arguido prevista na lei, com o objectivo claro de dar a conhecer o conteúdo da decisão e de o arguido inteirado desse conhecimento poder ponderar os termos da sua defesa, nomeadamente, o recurso e a oportunidade real de apresentar as suas próprias razões. Pelo exposto, temos por claro que o segundo recurso apresentado é tempestivo e admissível e a decisão reclamada é para ser substituída por outro que admita o recurso. * III.Pelo exposto, defere-se a reclamação apresentada pelo arguido/reclamante, com a consequente admissibilidade do recurso interposto em segundo lugar, que deve ser admitido, ficando sem efeito ou ordenado o desentranhamento do primeiramente interposto. * Sem custas.* Notifique.* Porto, 08 de março, 2022.Maria Dolores da Silva e Sousa [Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto] _______________ [1] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 476/2004, e jurisprudência do Tribunal Constitucional aí citada, e especialmente o voto de vencido do Exmo. Conselheiro Benjamim Rodrigues. acedido aqui: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040476.html | ||
| Decisão Texto Integral: |