Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | DOMINGOS MORAIS | ||
Descritores: | LOCAL DE TRABALHO DESOBEDIÊNCIA DESPEDIMENTO ILÍCITO OPOSIÇÃO À REINTEGRAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2020033118604/18.3T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/31/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA NA PARTE RECORRIDA | ||
Área Temática: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Legislação Nacional: | . | ||
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Sumário: | I - O local de trabalho, para efeitos do artigo 193.º do CT/2009, são as instalações do empregador, sitas em determinada morada, e não cada uma das suas divisões, como a Sala Jardim ou a Sala E.... II - Mesmo que se considere um acto desobediente, a comparência da trabalhadora na Sala E..., e não na Sala Jardim, como lhe fora determinado, está fortemente atenuado na sua gravidade e culpa, dada a inércia do empregador na atribuição de funções inerentes ao espaço do Jardim - infantil, a partir das 10h15, horário não impugnado. III - Cabe ao tribunal judicial apreciar do fundamento invocado pelo empregador para efeito de exclusão da reintegração, mediante a prova de factos, em audiência de julgamento, que permitam concluir pela grave perturbação e prejuízo potencialmente resultantes da reintegração do trabalhador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 18604/2018.3T8PRT.P1 Origem: Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho J2. Relator - Domingos Morais – Registo 848 Adjuntos – Paula Leal de Carvalho Rui Penha Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. - B… apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT), na Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho-J2. I – Relatório C… do Centro Regional da Segurança Social D…, frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado motivador do despedimento com justa causa, alegando, em resumo, que: O réu é uma associação sem fins lucrativos que visa não só o aproveitamento dos tempos livres dos sócios e familiares, mas também prestar apoio geral, que no âmbito das suas capacidades, seja capaz de garantir aos seus associados. Assim assume finalidades amplas e polivalentes tocando áreas de natureza cultural, desportiva, recreativa, económica e social. O carácter social do C… do Centro Regional da Segurança Social D… levou à criação de estruturas próprias de atendimento à infância e terceira idade, tendo ainda estabelecido acordos de cooperação e gestão com o Centro Distrital da Segurança Social D…. Foi nesta última valência que a Autora foi admitida para trabalhar sob as ordens e direção do C… do Centro Regional da Segurança Social D…, a 8 de Outubro de 1984, mediante contrato de trabalho a prazo (Doc. 1). O período normal de trabalho semanal é de cinco dias, com um total global de trinta e seis horas semanais, tendo o período diário de trabalho um intervalo para almoço de sessenta minutos. O local de trabalho é o Centro E… da entidade empregadora sito na sede daquela, na Rua …, n.º …. na cidade do …. Ficou ainda estipulado no contrato assinado por ambas as partes que caso a Entidade Empregadora tivesse de mudar as instalações daquele estabelecimento ou, necessitasse de assegurar a prestação de funções idênticas para as quais a Trabalhadora havia sido contratada, poderia descolar a mesma para outro posto de trabalho. A Trabalhadora foi contratada para o cargo de Auxiliar do E…, cabendo-lhe as seguintes funções: Ajudar nas tarefas de alimentação, cuidados de higiene e conforto; Proceder ao acompanhamento das crianças dentro e fora do estabelecimento; Participar na ocupação dos tempos livres das crianças, conduzindo-as e orientando-as nas atividades socioeducativas; Apoiar as crianças nos trabalhos em que participem; Proceder à receção, arrumação e distribuição de todo o material destinado às crianças; Assegurar a ordem, limpeza e higiene dos respectivos serviços; Manter em bom estado de conservação o material a seu cargo; Assegurar o desempenho das tarefas complementares que se enquadrem no âmbito da sua categoria. Por informação de serviço datada de 26 de Junho de 2018, foi a Direção do C… informada pela Diretora do Jardim Infantil de E1… e do E… que a Trabalhadora B…, após o cumprimento de sanção disciplinar de suspensão por 30 dias – cumprida entre 17 de maio a 15 de junho de 2018 – continuava a não cumprir com o horário de trabalho fixado das 8h15 às 16h30, insistindo em fazer um horário das 10h15 às 18h30, não se apresentava no local de trabalho determinado, recusando ainda executar as tarefas que a Entidade Empregadora lhe havia determinado, com todas as consequências inerentes a esse incumprimento. Tal informação originou o respectivo procedimento disciplinar, que desde já se junta e aqui se dá por reproduzido (Doc. 2), e que por sua vez culminou com a aplicação da sanção de despedimento com justa causa. Terminou, concluindo: “Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V. Exa. se digne julgar o despedimento da Trabalhadora B… lícito e regular e, consequentemente absolver a Entidade Empregadora do pedido ou, se assim não o entender, o que apenas por mera hipótese se admite, caso seja declarado ilícito o despedimento, excluir o direito da Trabalhadora à reintegração no seu posto de trabalho.”. 2. - Notificada, a autora apresentou contestação/reconvenção, impugnando, na quase totalidade, os factos alegados pelo réu, e pedindo que: “1. Deve ser declarada a ilicitude do despedimento, por inexistência de justa causa. 2. Deve, em consequência, condenar-se a Ré: a. a reconhecer a subsistência e a plena vigência do contrato de trabalho com a Autora; b. a reintegrar a Autora nas suas funções e local de trabalho, com todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, da categoria e antiguidade, c. ou, em alternativa, se essa for a opção da Autora até à sentença, a pagar-lhe uma compensação correspondente a 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade; d. a pagar à Autora: i. 2.287,92€, de retribuições já vencidas (até novembro de 2018); ii. as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado; iii. 467,25€, a título de indemnização por falta de formação profissional; iv. os juros moratórios sobre as quantias pedidas, calculados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada retribuição mensal e desde a notificação da reconvenção quanto às demais prestações pecuniárias pedidas, até ao respetivo pagamento; e. a suportar as custas.”. 3. – O réu respondeu, concluindo: “deve a presente Resposta à Contestação/Reconvenção ser admitida e, em consequência julgar-se totalmente improcedentes, por não provadas, a Contestação ea Reconvenção apresentadas pela Autora, concluindo-se como no Articulado Motivador, tudo com as legais consequências.”. 4. - No despacho saneador, a Mma Juiz admitiu a reconvenção deduzida pela autora, determinou o objecto do litígio e fixou os temas de prova. 5. – Realizada a audiência de discussão e julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o articulado de motivação do despedimento apresentado pela Ré/Empregadora C…, e em consequência, declara-se lícito o despedimento da Trabalhadora B…, absolvendo-se dos pedidos por esta formulados sob os pontos 1), 2 a), b) e c) e di e dii, a Ré. Vai a Entidade Empregadora C… condenada a pagar à Trabalhadora B…, a quantia mensal de €467,25 de formação não proporcionada, vencendo-se, sobre tal quantia juros contados, à taxa legal, desde o seu vencimento e até efetivo e integral pagamento. Custas por Autora e Entidade Empregadora, fixando-se as mesmas na proporção do decaimento. Fixo à ação o valor de €467,25.”. 6. – A autora, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo: ……………………………………. ……………………………………. ……………………………………. 7. – O réu contra-alegou, concluindo: ……………………………………. ……………………………………. ……………………………………. II. - Fundamentação de facto 1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto: “Com relevo para a decisão ficaram apurados os seguintes factos: 1.A Entidade Empregadora é uma associação sem fins lucrativos que visa não só o aproveitamento dos tempos livres dos sócios e familiares, mas também prestar apoio geral, que no âmbito das suas capacidades, seja capaz de garantir aos seus associados. Assim assume finalidades amplas e polivalentes tocando áreas de natureza cultural, desportiva, recreativa, económica e social. 2.O carácter social do C… do Centro Regional da Segurança Social D… levou à criação de estruturas próprias de atendimento à infância e terceira idade, tendo ainda estabelecido acordos de cooperação e gestão com o Centro Distrital da Segurança Social D…. 3.B… foi admitida ao serviço da C…, a 8 de outubro de 1984 para, sob as ordens, direção e fiscalização desta exercer as funções de nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 67 e 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 4.Acordaram as partes um período normal de trabalho semanal de cinco dias, com um total global de trinta e seis horas semanais, tendo o período diário de trabalho um intervalo para almoço de sessenta minutos. 5.O local de trabalho é o Centro E… da entidade empregadora, sito na sede daquela, na Rua …, n.º …. na cidade do …. Alterado, nos termos infra expostos, para: “5. A autora desempenhava as funções de Auxiliar no Centro E… da entidade empregadora, sito na sede daquela, na Rua …, n.º …. na cidade do ….”. 6.Acordaram ainda as partes que caso a Entidade Empregadora tivesse de mudar as instalações daquele estabelecimento ou, necessitasse imperiosamente de assegurar a prestação de funções idênticas para as quais a Trabalhadora havia sido contratada, poderia descolar a mesma para outro posto de trabalho dentro do âmbito do C…. 7.A Trabalhadora foi contratada para o cargo de Auxiliar do Centro E…, cabendo-lhe as seguintes funções: a) ajudar nas tarefas de alimentação, cuidados de higiene e conforto; b) proceder ao acompanhamento das crianças dentro e fora do estabelecimento; c) participar na ocupação dos tempos livres das crianças, conduzindo-as e orientando-as nas atividades socioeducativas; d) apoiar as crianças nos trabalhos em que participem; e) proceder à receção, arrumação e distribuição de todo o material destinado às crianças; f) assegurar a ordem, limpeza e higiene dos respectivos serviços; g) manter em bom estado de conservação o material a seu cargo; h) assegurar o desempenho das tarefas complementares que se enquadrem no âmbito da sua categoria. 8. No início do ano letivo de 2017/2018 e para esse ano letivo foram elaborados os horários de equipas de trabalho, documento afixado no local de trabalho, tendo sido fixado à trabalhadora-arguida o horário de trabalho das 10h15 às 18h30, com uma hora de almoço, conforme documento junto aos autos a fls. 104 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 9. A Entidade Empregadora alterou aquele horário, a partir de 12 de março de 2018, tendo sido fixado à trabalhadora-arguida o horário de trabalho das 8h15 às 16h30, com uma hora de almoço, conforme documento junto aos autos a fls. 66, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 10. Trabalhadora esteve a cumprir sanção disciplinar de suspensão, por 30 dias, entre 17 de maio e 15 de junho de 2018. 11.Durante o ano de 2018, a trabalhadora-arguida apresentou-se para exercer funções nos seguintes períodos: nos dias 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29 de Junho de 2018 e 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11,12 e 13 de Julho de 2018 das 10h15 às 18h30. 12.Foi ainda fixado à trabalhadora-arguida que o seu local de trabalho era a Sala do Jardim de Infância E1…, conforme mapa das equipas de trabalho do ano lectivo de 2017/2018. Alterado, nos termos infra expostos, para: “A trabalhadora-arguida foi informada que deveria apresentar-se na Sala do Jardim de Infância E1…, conforme mapa das equipas de trabalho do ano letivo de 2017/2018”. 13.Foi ordenado à funcionária-trabalhadora para desempenhar funções no local indicado, uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolar. Alterado, nos termos infra expostos, para: “A trabalhadora-arguida foi informada que deveria apresentar-se na Sala do Jardim, uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolar”. 14.Nos dias 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29 de junho e 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11,12 e 13 de julho de 2018, a trabalhadora-arguida apresentou-se ao serviço no E…, e não no local de trabalho indicado pela entidade patronal. Alterado, nos termos infra expostos, para: “nos dias 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29 de junho e 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11,12 e 13 de julho de 2018, a trabalhadora arguida apresentou-se ao serviço na Sala E…, e não na Sala Jardim”. 15.A Entidade Empregadora remeteu à Trabalhadora a carta datada de 18 de junho de 2018, junta aos autos a fls. 54, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido 16.A arguida não cumpre o horário das 8h15 às 16h30 e não se apresenta no local de trabalho determinado, nem executa as referidas tarefas que lhe foram ordenadas pela entidade patronal. Alterado, nos termos infra expostos, para: “A arguida não cumpre o horário das 8h15 às 16h30 e não se apresenta na Sala Jardim, nem executa as tarefas descritas no ponto 13.” - Alterado. 17.À Direção do C… foi remetida informação de serviço datada de 26 de junho de 2018, junta aos autos a fls. 69 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 18.Tal informação originou o respectivo procedimento disciplinar. 19.No dia 16 de julho de 2018 a Entidade Empregadora remeteu à Trabalhadora a Nota de Culpa de fls. 49 a 50, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 20.A Trabalhadora apresentou a resposta rececionada em 31 de julho de 2018 e junta aos autos a fls. 45 vº e 46, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 21.Concluída a instrução, inquiridas as testemunhas arroladas quer pela Trabalhadora, quer pela Entidade Empregadora, e analisada toda a prova documental foi elaborada a decisão final de fls. 73 a 85, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 22.Tal decisão foi proferida no dia 20 de agosto de 2018 pela Entidade Empregadora tendo remetido aquela à Trabalhadora por correio registado com aviso de recepção. 23.A 15 de março de 2018, a Entidade Empregadora instaurara procedimento disciplinar à Trabalhadora, tendo sido proferida a decisão de fls. 56 a 65, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sendo-lhe aplicada sanção disciplinar de suspensão pelo período de 30 dias, com perda de remuneração e antiguidade. 24.A conduta da Trabalhadora sobrecarregou as suas colegas com tarefas que esta recusava realizar. 25.Cumprida a suspensão, aquando do regresso ao trabalho, a Trabalhadora manteve o mesmo comportamento. 26.A Autora reside na freguesia de …, concelho de …. 27.A Direção da Ré acordou com a Autora que esta não seria responsável, em regra, pela abertura e/ou fecho do E…, em virtude do tempo que esta demorava a deslocar-se para o seu local de trabalho. 28.A Autora sempre recorreu aos transportes públicos para se deslocar para Rua …, gastando, em média, em deslocações, 3h00 por dia efetivo de trabalho. 29.A Autora, admitiu com a Direção, no acordo que celebraram relativo ao horário de trabalho, que faria, quando necessário, a abertura ou o fecho do E…, no período de férias escolares, que decorria no natal, na páscoa e nas “férias grandes” (meados de junho a final de agosto). 30.Este acordo de há anos foi cumprido pela Autora, tendo esta praticado o seguinte horário: das 8h45 às 17h45, sendo a hora de almoço das 14h às 15h45 (horário que a Autora praticou na maior parte da sua relação laboral) e o horário de fecho durante os já referidos períodos de férias, sendo que este último era alterado conforme as necessidades da Ré. 31.Com a mudança da Direção, que ocorreu em setembro de 2016, foi proposto à Autora uma nova alteração de horário, passando este a ser das 10h15 às 18h30, com a hora de almoço fixada entre as 14h e as 15h, que a Autora aceitou. 32.Para o ano letivo de 2017/2018, foi afixado no local de trabalho os horários de cada uma das trabalhadoras, tendo a Autora o horário que vinha a cumprir e acima indicado – 10h15 às 18h30, exceto à sexta-feira, uma vez que a Autora saia às 18h15, em virtude do número de horas mensais que tinha de cumprir. 33.Em meados de outubro de 2017, foi discutido, numa reunião que a Autora esteve presente, a transferência de local de trabalho da colega auxiliar F… e quem a iria substituir. 34.A Autora adoeceu e esteve incapaz para trabalhar desde 30 de outubro de 2017 até 11 de março de 2018. 35.Até 30 de outubro de 2017, a Autora cumpriu o horário das 10h15 às 18h30. 36. A Ré nada notificou à Autora até esta ter voltado a estar apta para o trabalho, em 12 de março de 2018. 37.A Autora regressou ao trabalho a 12 de março de 2018. 38.Tendo sido remetida à Autora a carta junta aos autos a fls. 108 vº e 109, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 39.A Autora recusou o horário e as funções no infantário. Alterado, nos termos infra expostos, para: “A Autora recusou o horário, e não executou as funções no infantário, nos termos que decorrem dos nºs 14 e 16 dos factos provados”. 40.No infantário a Autora passaria, a auxiliar as educadoras de infância a fazer as camas das crianças mais novas, a acompanhá-las no sono, a dar-lhes comida à boca, mudar fraldas. 41.O jardim Infantil E1…, situa-se no mesmo edifício do E…. 42.A Autora respondeu à carta referida em 38), com a carta de fls. 109 vº e 110, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 43.A Ré sabe que a Autora mora longe. 44.Com o novo horário, a Autora teria de se levantar por volta das 5h30 para recorrer ao comboio das 6h42, que chega ao Porto às 7h30, o único que lhe permitiria estar às 8h15 no seu local de trabalho. 45.A Autora ficaria impossibilitada de usufruir de um mínimo de horas de sono, se fosse obrigada a cumprir aquele horário. 46.A Ré possui outros estabelecimentos; 47.A Autora nunca teve qualquer diferendo com as Colegas e/ou superiores hierárquicos, tendo rejeitado a alteração de horário e de funções. 48.A Autora tinha a categoria de Ajudante de Acção Educativa de 1ª e tinha como salário base €589,00, a que acresciam 5 diuturnidades no valor de €105, o subsídio de alimentação de €3,12 por cada dia de trabalho efetivo. 49.Desde 20 de agosto de 2018), a Ré deixou de pagar retribuições à Autora. 50.A Ré não proporcionou à Autora formação profissional. 51.A Diretora do Estabelecimento E… determina e fixa os horários de trabalho de acordo com as necessidades daquele equipamento. 52.Em outubro de 2017, existiam duas auxiliares no E…, a Autora e a funcionária F…. 53.Atendendo ao local de residência de ambas as funcionárias, e tendo em consideração os interesses de cada uma, ficou determinado que a funcionária F… iria para o equipamento de E2…, e a Autora permaneceria no E… na Rua …. 54.A Autora iniciou um período de baixa médica a 30 de outubro de 2017, tendo a Ré contratado outras funcionárias para a substituírem naquele horário de abertura do estabelecimento e recepção das crianças, durante o seu tempo de baixa. 55.As funções a serem exercidas pela Autora seriam alargadas às duas valências, pré-escolar e E…, uma vez que o número de crianças era reduzido. 56.Durante o período de aulas, em que as crianças do E… se encontravam na escola, ausentes do E…, a Autora mantinha-se sozinha, sem ter o que fazer no E…, não prestando auxílio às suas Colegas e às crianças do pré-escolar. Alterado, nos termos infra expostos, para: “Durante o período de aulas, em que as crianças do E… se encontravam na escola, ausentes do E…, a A. não prestava auxílio às suas Colegas e às crianças do pré-escolar”. Factos não provados: a) que no início do ano letivo de 2017/2018 e para esse ano letivo foram elaborados os horários de equipas de trabalho, documento afixado no local de trabalho, tendo sido fixado à trabalhadora-arguida o horário de trabalho das 8h15 às 16h30, com uma hora de almoço; b) que o referido horário foi comunicado à trabalhadora-arguida pela entidade patronal, nomeadamente em reunião ocorrida com a mesma em outubro de 2017; c) que foram várias as tentativas realizadas por parte da Entidade Empregadora para fazer a Trabalhadora compreender não apenas os prejuízos patrimoniais que estava a causa àquela, mas também o mau ambiente gerado no local de trabalho, ao sobrecarregar as suas colegas com tarefas que esta recusava realizar; d) que na reunião ocorrida em meados de outubro de 2017, não foi tomada qualquer decisão final; e) que a Autora passaria a desempenhar as suas funções exclusivamente no infantário, deixando de ajudar as crianças a realizar os seus trabalhos de casa, ou a explicar qualquer matéria que estes tivessem mais dificuldade, a fazer trabalhos temáticos, a preparar jogos com as crianças; f) que a Autora ficou a conhecer em novembro de 2017, pelas colegas, da intenção da Ré a transferir para o infantário; g) que a Ré pretendia que a Autora deixasse de desempenhar funções no E… e passasse a prestar, exclusivamente, as suas funções no Jardim de Infância; h) que a Ré tinha e tem pessoas a cumprir o horário que a Autora praticava; i) que a Ré bem sabe que a Autora coabita com os pais de avançada idade, prestando à noite os cuidados necessários e que durante o dia são assegurados pela irmã; j) que a alteração do horário causava à Autora grande transtorno, uma vez que não conseguia assegurar os cuidados noturnos aos pais; l) que a Ré também sabe, que a Autora necessita de tomar diariamente antidepressivos, benzodiazepinas (sedativos) e relaxantes musculares e que tal carga medicamentosa, que a Autora tem de tomar diariamente, lhe afeta os ciclos de sono, pelo que dificultaria o cumprimento do novo horário da Autora; m) que com a alteração do horário permanente, a Autora ficaria impossibilitada de prestar os cuidados e auxílio aos seus pais, com quem vive, e ao mesmo tempo veria a sua saúde mental ainda mais degradada; n) que o mínimo de horas de sono em virtude da carga medicamentosa prescrita vai além das 9h; o) que a Autora teria perda de performance, decorrente dos efeitos que aqueles medicamentos têm sobre quem os toma; p) que na reunião de outubro de 2017 ficou assente que a Autora assumiria o horário praticado pela sua Colega F… até então, das 8h15 às 16h30, tudo com efeitos em novembro seguinte; q) que a alteração de horário não só era do conhecimento da Autora desde a reunião de outubro de 2017, como teve a anuência desta a partir do momento que assumiu o horário da trabalhadora que viria a ser transferida para outro equipamento; r) que a Autora, quando recebeu a alta, informou, por SMS, no dia 5 de março de 2018, a Dr. G… que voltaria a trabalhar a 12 de março de 2018.”. III. – Fundamentação de direito 1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, supra transcritas. Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. 2. - Objecto do recurso: - Da modificabilidade da decisão de facto - Da (i)licitude do despedimento da autora - Dos créditos laborais peticionados pela autora. 3. - Questões prévias: - As nulidades da sentença. - O trânsito parcial da sentença recorrida. 4. - Das nulidades da sentença. 4.1. - A autora/recorrente invocou a nulidade da sentença, nos termos infra consignados. Na data da apresentação do recurso vigorava o artigo 77.º, n.º 1 do CPT, na redacção anterior à dada pela Lei n.º 107/2019, de 09.09. Nos termos desse artigo 77.º, a recorrente estava obrigada a invocar a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso, sob pena de tal arguição ser extemporânea, o que fez. No entanto, atento o disposto no artigo 5.º, n.º 1, da referida Lei n.º 107/2019 – “as disposições da presente lei são imediatamente aplicáveis às acções, aos procedimentos e aos incidentes pendentes na data da sua entrada em vigor”… -, a arguida nulidade também era de conhecer, face à nova redacção dada ao artigo 77.º do CPT – “À arguição de nulidade da sentença é aplicável o regime previsto nos artigos 615º e 617º do Código de Processo Civil”. 4.2. - A autora arguiu a nulidade da sentença, nos seguintes termos: “Sempre com o devido respeito, o Tribunal a quo produziu uma decisão com objeto diverso daquele discutido nos autos. A Trabalhadora e Recorrente não foi transferida de forma definitiva ou parcial para um novo local de trabalho, não viu as suas funções alteradas e nem sequer deixou de praticar as funções para a qual foi contratada. Conforme consta dos factos provados, a Trabalhadora foi ordenada a “desempenhar funções no local indicado [jardim de infância], uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolas” (facto provado n.º 13). Consta ainda dos factos provados (n.º 55) que as funções “seriam alargadas às duas valências, pré-escolar e E…”. Não resulta dos autos, dos factos provados ou até de qualquer prova produzida, que a Trabalhadora passaria a desempenhar funções no jardim-infantil em período diferente do compreendido entre as 8h15 e 10h15, sendo a alteração feita apenas devido à necessidade de estar a prestar auxílio ao Jardim de Infância naquele horário, uma vez que passaria a fazer a abertura. Conforme consta do facto 13, o seu local de trabalho era a Sala do Jardim de Infância “uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala pré-escolar”. Ora, o Douto Tribunal decidiu que a Trabalhadora tinha recebido uma ordem ilegítima, uma vez que o seu horário não podia ser alterado da forma que foi. Todavia, decidiu como lícito o despedimento de que a Trabalhadora foi vítima com base na desobediência de apresentação no Jardim de Infância, separando de forma surpreendente a ordem, tornando-a em duas diferentes. Não consta sequer do articulado motivador do despedimento a recusa da Trabalhadora em cumprir ordens (excepto o horário, naturalmente) ou quaisquer tarefas especificadas. Resulta do art.º 3 n.º 3 do CPC que o direito ao contraditório é uma constante que deve ser assegurada ao longo de todo o processo, traduzindo-se numa “garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. Conforme refere José lebre de Freitas, “[o]escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo”. O desrespeito por este princípio, traduzido na prolação de uma decisão que não esteja prevista nem tivesse sido configurada pelas partes, constitui uma decisão-surpresa, na medida em que não foi dada a oportunidade às partes de se pronunciarem. Conforme tem sido sustentado pela jurisprudência, a prolação de uma decisão surpresa nestes termos, com desrespeito pelo princípio do contraditório constitui uma nulidade processual, que aqui se argui para todos os efeitos legais. Mesmo que se entenda que não há violação do princípio do contraditório, sempre estaremos perante uma nulidade prevista no art.º 615 n.º 1, e) do CPC, em virtude de tal decisão, salvo o devido respeito, resultar de uma interpretação enviesada dos factos apresentados, assente numa desobediência que não foi sequer alegada. O Tribunal acaba por apresentar uma decisão fundada numa análise jurídica que nem sequer foi suscitada durante o decurso do processo. Tal decisão acaba por ter um objeto diverso do pedido, uma vez que a Trabalhadora foi despedida por não cumprir o horário novo que lhe foi imposto e foi isto que requereu ao Tribunal para apreciar, balizando desta forma a instância. Esta nunca se pronunciou acerca dessa “acusação”, pelo que sempre estaríamos perante uma sentença nula, nos termos do art.º 615 n.º 1, e).”. 4.3. - É consabido que as nulidades podem ser processuais, se derivarem de actos ou omissões que forem praticados antes ou durante a prolação da sentença, ou da sentença, se derivarem de actos ou omissões praticados pelo juiz na própria sentença. As nulidades processuais, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, ele pode ser impugnado através de recurso de apelação. As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo juiz, podem ser invocadas e fundamentadas nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do CPT, na redacção dada pela Lei n.º 107/2019, de 09.09. Apreciemos. 4.3.1. - “A. Da nulidade por violação do princípio do contraditório”. A nulidade por violação do princípio do contraditório, invocada pela autora/recorrente, é uma das nulidades processuais previstas no artigo 195.º do CPC, dado que a sua omissão – o incumprimento do dever do juiz, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC - pode influir no exame e decisão da causa. O regime e o prazo de arguição das nulidades processuais constam dos artigos 196.º a 202,º do CPC. Como escreve Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, pág. 507, “se há despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação dos respectivo despacho pela interposição do recurso competente ... dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. (negrito nosso). No entanto, dado que o acto afectado pela alegada nulidade se encontra coberto pela decisão recorrida, tal nulidade podia ser objecto do recurso em apreço, como foi, nada impedindo, pois, que seja apreciada por este Tribunal da Relação [neste sentido, cf., por exemplo, o acórdão do STJ de 05.11.2008, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27.01.2015, ambos in www.dgsi.pt]. A recorrente alega que “o Douto Tribunal decidiu que a Trabalhadora tinha recebido uma ordem ilegítima, uma vez que o seu horário não podia ser alterado da forma que foi. Todavia, decidiu como lícito o despedimento de que a Trabalhadora foi vítima com base na desobediência de apresentação no Jardim de Infância, separando de forma surpreendente a ordem, tornando-a em duas diferentes. Não consta sequer do articulado motivador do despedimento a recusa da Trabalhadora em cumprir ordens (excepto o horário, naturalmente) ou quaisquer tarefas especificadas.”. A essência do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, é evitar decisões-surpresa, isto é, decisões ao arrepio do teor dos articulados apresentados pelas partes, em particular, da causa de pedir descrita na petição inicial, e não retirar ao tribunal a plena liberdade de dizer o direito com a independência que constitui o seu designo constitucional – cf. artigo 203.º da CRP. Ora, a questão do “incumprimento de tarefas”, só seria surpresa para a autora, se não tivesse lido o teor da nota de culpa – cf. artigos 8.º, 10.º e 12.º da nota de culpa – e dos artigos 8.º - segmento final - e 11.º, alínea k) – último segmento -, do articulado motivador do despedimento. Como os leu, a avaliar pela resposta à nota de culpa, pelo teor da sua contestação, e posteriores actos processuais, como a audiência de julgamento, não constitui qualquer decisão-surpresa a apreciação do “incumprimento de tarefas” pela decisão recorrida. Se a apreciação jurídica dessa questão foi ou não consentânea com as regras legais sobre a elaboração da nota de culpa em procedimento disciplinar laboral, poderá constituir erro de julgamento, mas não a invocada nulidade da sentença. Inexiste, pois, a alegada nulidade processual. 4.3.2. – “B. Da nulidade pela condenação em objecto diverso do pedido”. O artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, dispõe: “É nula a sentença quando: O juiz condene (…) em objeto diverso do pedido.”. A nulidade prevista na 2.ª parte da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º está directamente relacionada com o estabelecido no artigo 609.º, n.º 1.º, do CPC (anterior 661.º, n.º 1), segundo o qual “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.” Sobre a regra da proibição da condenação ultra/extra petitum, consagrada no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, a jurisprudência do STJ vem entendendo que “há-de ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela - cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/2/1993, BMJ 424º-669 e Anotação de Vaz Serra ao acórdão do STJ, de 15/10/1971, na RLJ, ano 105, página 234.” [cf., entre outros, o acórdão do STJ, de 18.11.2004, in www.dgsi.pt.]. A autora/recorrente arguiu a “nulidade prevista no art.º 615 n.º 1, e) do CPC, em virtude de tal decisão, salvo o devido respeito, resultar de uma interpretação enviesada dos factos apresentados, assente numa desobediência que não foi sequer alegada. O Tribunal acaba por apresentar uma decisão fundada numa análise jurídica que nem sequer foi suscitada durante o decurso do processo.”. Como referido no ponto anterior, a questão do “incumprimento de tarefas”, por parte da autora, consta da nota de culpa junta aos autos (nos termos infra consignados), e do articulado motivador do despedimento. Se a “análise jurídica” dessa questão foi ou não consentânea com as regras legais sobre a elaboração da nota de culpa em procedimento disciplinar laboral, poderá constituir, sim, erro de julgamento, mas não a invocada nulidade da sentença. Deste modo, consideramos que não se verificam as nulidades da sentença arguidas pela autora/recorrente. 5. - Do trânsito parcial da sentença recorrida. 5.1. - A sentença recorrida pronunciou-se sobre a (i)licitude do despedimento da autora, nos seguintes termos: “Veio a Ré imputar à Autora a não observância e, por isso o desrespeito, a duas ordens por si emanadas, a saber, do novo horário fixado e ainda do novo local de trabalho/funções determinadas. (…). Acautelou assim, o legislador laboral a situação do trabalhador que, numa situação análoga à dos autos, possa ver unilateralmente alterado o seu horário de trabalho, com repercussões ao nível da sua situação familiar e pessoal. Ora, revertendo ao caso concreto, apesar de do contrato de trabalho assinado não resultar um concreto horário de trabalho, a verdade é que, inicialmente a Autora praticou o horário das 8h45 às 17h45, sendo a hora de almoço das 14h às 15h45. Com a mudança da Direção, que ocorreu em setembro de 2016, foi proposto à Autora uma nova alteração de horário, passando este a ser das 10h15 às 18h30, com a hora de almoço fixada entre as 14h e as 15h, que a Autora aceitou. Para o ano letivo de 2017/2018, foi afixado no local de trabalho os horários de cada uma das trabalhadoras, tendo a Autora o horário que vinha a cumprir e acima indicado – 10h15 às 18h30, exceto à sexta-feira, uma vez que a Autora saia às 18h15, em virtude do número de horas mensais que tinha de cumprir, horário que cumpriu até 30 de outubro de 2017. Apurado ficou ainda que a Autora adoeceu e esteve incapaz para trabalhar desde 30 de outubro de 2017 até 11 de março de 2018. Quando recebeu alta, a Autora informou, por SMS, no dia 5 de março de 2018, a Dr. G… que voltaria a trabalhar a 12 de março de 2018, sendo que a Entidade Empregadora alterou o horário da Autora, a partir do seu regresso, a 12 de março de 2018, das 8h15 às 16h30, com uma hora para almoço. Ora, incumbia à Entidade Empregadora demonstrar que consultara, previamente à alteração introduzida a 12 de março de 2018, a sua Trabalhadora, a aqui Autora, o que não fez, resultando dos autos que esta foi confrontada, nesta data, com a alteração unilateral do seu horário de trabalho. (…). Ou seja, porquanto a alteração do horário da Autora, não foi precedida da sua consulta, não teve em conta as especiais necessidades da mesma e, a ser cumprido, comprometeria a vida pessoal da mesma, designadamente, não lhe permitindo o gozo do direito ao descanso e lazer, entendo como inválida aquela alteração e a assim ser não suscetível de ser acolhida pela Trabalhadora. Nestes termos e quanto ao não respeito pelo novo horário de trabalho, entendemos não se verificar qualquer violação do dever de respeito por parte da Autora e assim ser, nesta parte, julgo não verificada a invocada justa causa de despedimento. (…). Imputa ainda a Entidade Empregadora, ora Ré à sua Trabalhadora, ora Autora a desobediência a uma ordem legítima traduzida no facto de a mesma fixar àquela como local de trabalho a Sala do Jardim de Infância E1…, conforme mapa das equipas de trabalho do ano lectivo de 2017/2018, para desempenhar funções no local indicado, uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolar. Dos autos resultou apurado que em meados de outubro de 2017, foi discutido, numa reunião que a Autora esteve presente, a transferência de local de trabalho da colega auxiliar F… e quem a iria substituir. À data existiam duas auxiliares no E…, a Autora e a funcionária F… e atendendo ao local de residência de ambas as funcionárias, e tendo em consideração os interesses de cada uma, ficou determinado que a funcionária F… iria para o equipamento de E2…, e a Autora permaneceria no E… na Rua …. A Autora adoeceu e esteve incapaz para trabalhar desde 30 de outubro de 2017 até 11 de março de 2018, sendo que durante o mês de novembro, a Autora ficou a conhecer, pelas colegas, da intenção da Ré a transferir para o infantário que se situa no mesmo edifício do E…. As funções a serem exercidas pela Autora seriam alargadas às duas valências, pré-escolar e E…, uma vez que o número de crianças era reduzido. A Autora recusou as funções no infantário, no qual passaria, a auxiliar as educadoras de infância a fazer as camas das crianças mais novas, a acompanhá-las no sono, a dar-lhes comida à boca. Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, as funções exigidas pela Entidade Empregadora à Trabalhadora, no infantário, a saber, a auxiliar as educadoras de infância a fazer as camas das crianças mais novas, a acompanhá-las no sono, a dar-lhes comida à boca, cabem no âmbito das funções par que foi contratada e que resultam das alíneas a), b), c) e d) da cláusula 5ª do contrato de fls. 35 e 36, a saber, a)ajudar nas tarefas de alimentação, cuidados de higiene e conforto; b)proceder ao acompanhamento das crianças dentro e fora do estabelecimento; c)participar na ocupação dos tempos livres das crianças, conduzindo-as e orientando-as nas atividades socioeducativas; d)apoiar as crianças nos trabalhos em que participem. Entendemos pois não se vislumbrar qualquer alteração das funções para que foi contratada, sendo que as funções exigidas no âmbito do infantário tem acolhimento no contrato celebrado, não sendo sequer de lançar mão à mobilidade funcional referida no artº 120º do Código do Trabalho. Ora, a recusa reiterada da Autora a exercer funções que cabem no âmbito das funções para que foi contratada traduzem-se na violação de uma ordem legítima emanada da Ré, sua entidade empregadora sendo certo que, conforme ficou apurado, sobrecarregou as suas colegas com tarefas que se recusava realizar. Este comportamento é, sem a mínima dúvida, censurável, culposo e ilícito e consubstanciador de justa causa de despedimento nomeadamente nos termos previstos na alínea a) do nº 2 do artº 351º do Código do Trabalho. Apurada a ilicitude da conduta da Autora/Trabalhadora, resta determinar se este comportamentos culposos revestem de uma gravidade tal que, em consonância com a decisão da Empregadora, torne imediatamente impossível a subsistência da relação laboral. Por conseguinte, neste caso concreto, não subsiste a mínima dúvida de que o despedimento da Autora/Trabalhadora teve por base fundamentos que integram o conceito legal de justa causa, sendo, por isso, lícito. Atenta a licitude do despedimento da Trabalhadora, improcedem os pedidos por este formulados na contestação diretamente relacionados com a invocada ilicitude do despedimento.”. Em síntese: sobre o “novo horário fixado” (das 8h15 às 16h30, com uma hora para almoço), a sentença recorrida entendeu “não se verificar qualquer violação do dever de respeito por parte da Autora” – “ao cumprir o horário das 10h15 às 18h30,”, acordado pelas partes - e, nessa parte, “julgou não verificada a invocada justa causa de despedimento.”. Dado que a questão do “novo horário fixado” não foi objecto de recurso pelo réu (parte vencida), consideramos que a sentença transitou em julgado nessa parte, ou seja, que o horário a cumprir pela autora era das “10h15 às 18h30, exceto à sexta-feira, uma vez que a Autora saia às 18h15”. Resta, pois, como objecto substantivo do recurso, a apreciação da segunda das “duas ordens emanadas”: “o desrespeito do novo local de trabalho/funções determinadas.”. 6. - A modificabilidade da decisão de facto. 6.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”. 6.2. – Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, a autora/recorrente “impugna os factos constantes nos pontos 12, 13, 14, 16, 24, 25, 39 e 56 que devem ser eliminados da matéria de facto provada,” indicando como prova, para a respectiva alteração, o depoimento de parte da legal representante do réu, H…, e as testemunhas G…, I…. E pretende que sejam aditados aos factos assentes, os factos presentes nos pontos I) e O) dos não provados, indicando como prova, para essa alteração, o depoimento de parte da autora e da testemunha, Dr. J…, médico da recorrente. Assim, nada obsta ao seu conhecimento. 6.3. – Ouvida toda a prova pessoal gravada, mormente, os depoimentos testemunhais indicados pela recorrente, e analisados os documentos juntos aos autos, importa precisar alguma da terminologia usada na decisão de facto impugnada. 6.4. – Dos pontos 12.º, 13.º, 14.º e 16.º, dos factos provados. 6.4.1. - Nesta parte da matéria de facto, estão em causa as seguintes expressões: - “(o) local de trabalho era a Sala do Jardim de Infância E1…” – ponto 12.º. P… - “no local indicado” – ponto 13.º - “a trabalhadora-arguida apresentou-se ao serviço no E…, e não no local de trabalho indicado pela entidade patronal”. – ponto 14.º - “não se apresenta no local de trabalho determinado” – ponto 16.º. 6.4.2. – Nos termos do “Contrato de Trabalho a Prazo”, subscrito pelo réu e pela autora, a 8 de outubro de 1984, “A Segunda Contratante desempenhará as suas funções nas instalações do Primeiro Outorgante, localizadas no Centro Infantil E1…, sito na Rua …, n.º …. na cidade ….” [cf. o artigo 3.º do articulado motivador do réu; o ponto 5.º dos factos provados e o despacho de motivação da decisão de facto: “c) quanto aos factos vertidos sob os nºs 3, 4, 5, 6 e 7, teve o Tribunal por base o documento junto aos autos a fls. 35 e 26, designado de “contrato de trabalho a prazo” subscrito pela Ré e pela Trabalhadora a 8 de outubro de 1984 e que não foi impugnado nem posto em causa pelas partes.”]. E a legal representante da ré, H…, perguntada pela Mma Juiz, na audiência de julgamento, “se, aquando do regresso da autora (da baixa por doença), houve alguma alteração relativamente ao local onde ela se devia apresentar”, respondeu: “O local de trabalho é o mesmo, há é uma sala e outra sala.”. Ou seja, o Centro Infantil E1…, sito na Rua …, n.º …., Porto, é composto por várias divisões, como a Sala Jardim, do Jardim de Infância, e a Sala E…, do Centro E…, mas o local de trabalho, para efeitos do artigo 193.º do CT/2009, são as instalações do réu - Centro Infantil E1… -, sitas na Rua …, n.º …., Porto. 6.4.3. - Assim, os pontos 12.º, 13.º, 14.º e 16.º dos factos provados passam a ter a seguinte redacção: - Ponto 12.º: “A trabalhadora-arguida foi informada que deveria apresentar-se na Sala do Jardim de Infância E1…, conforme mapa das equipas de trabalho do ano letivo de 2017/2018”. - Ponto 13.º: “A trabalhadora-arguida foi informada que deveria apresentar-se na Sala do Jardim, uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolar”. - Ponto 14.º: “nos dias 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29 de junho e 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11,12 e 13 de julho de 2018, a trabalhadora arguida apresentou-se ao serviço na Sala E…, e não na Sala Jardim”. - Ponto 16.º: “A arguida não cumpre o horário das 8h15 às 16h30 e não se apresenta na Sala Jardim, nem executa as tarefas descritas no ponto 13. - Alterado.”. Atento o supra exposto, e para evitar eventuais contradições/confusões com a expressão “local de trabalho”, o ponto 5.º dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: “5. A autora desempenhava as funções de Auxiliar no Centro E… da entidade empregadora, sito na sede daquela, na Rua …, n.º …. na cidade do Porto.”. 6.5. - Dos pontos 24.º e 25.º dos factos provados. O ponto 24.º tem a seguinte redacção: “A conduta da Trabalhadora sobrecarregou as suas colegas com tarefas que esta recusava realizar”. Sobre este ponto, a autora limitou-se a alegar no corpo das alegações de recurso: “Salvo o devido respeito por melhor opinião, o ponto 24 não possui qualquer facto, não passando de uma mera conclusão. Não está presente na matéria (alegada) qualquer prejuízo para as funcionárias ou aumento das suas tarefas. Estando o ponto escrito em forma de conclusão, não pode o mesmo constar da matéria de facto assente.”. Ora, “A conduta da Trabalhadora” é a referida nos pontos 14.º e 16.º dos factos provados. Além disso, não só a “sobrecarga das suas colegas” consta do artigo 14.º da nota de culpa - “se socorrer de trabalho de outras trabalhadoras” -, como as “tarefas que se recusava realizar” eram as referidas no ponto 13.º dos factos provados. Se as devia realizar, ou não, é outra questão, a apreciar em sede de fundamentação jurídica e não no âmbito da impugnação da decisão de facto, dado que a questão principal subjacente é a da hora do seu cumprimento, ou seja, o cumprimento dessas tarefas era a partir das 08h45 ou das 10h15? A resposta cabe na fundamentação jurídica do acórdão. O ponto 25.º tem a seguinte redacção: “Cumprida a suspensão, aquando do regresso ao trabalho, a Trabalhadora manteve o mesmo comportamento”. Sobre este ponto, a autora limitou-se a alegar no corpo das alegações de recurso: “Este facto não apresenta qualquer interligação com os pontos anteriores, não havendo uma descrição mesmo que sucinta acerca do comportamento da Trabalhadora, apresentando-se completamente fora do contexto nem possuindo sequer qualquer interligação com os factos atrás transcritos. Assim sendo, deve ser retirado da matéria de facto provada.”. Também neste ponto não assiste razão à autora, dado que “o mesmo comportamento” é o descrito nos pontos 14.º e 16.º dos factos provados. Deste modo, improcede, nesta parte, a alteração pretendida pela autora. 6.6. – Dos pontos 39.º e 56.º dos factos provados. O ponto 39.º tem a seguinte redacção: “A Autora recusou o horário e as funções no infantário”. Sobre este ponto, a autora concluiu no corpo das alegações de recurso: “A alteração que levou ao procedimento disciplinar e que se discute nestes autos e que é clarividente na prova produzida é aquela que diz respeito ao horário. Não existe, repete-se quaisquer funções que a Trabalhadora tenha recusado e sequer esteja acusada ou presente na matéria de facto alegada. A expressão “e as funções no infantário” resulta de uma conclusão feita com base na recusa do horário, conclusão que não pode estar nos factos assentes como provados.”. Daqui resulta que a única questão controvertida, em relação ao ponto 39.º, é da “recusa das funções no infantário”, já que a “recusa do horário” (o horário das 08h15) é aceite pela autora. E sendo aceite, a expressão “recusa do horário” é factual e não conclusiva. Quanto à “recusa das funções no infantário”, já consta dos n.ºs 14 e 16.º dos factos provados. Assim, a redacção do ponto 39.º passa a ser a seguinte: “A Autora recusou o horário, e não executou as funções no infantário, nos termos que decorrem dos nºs 14 e 16 dos factos provados”. O ponto 56.º tem a seguinte redacção: “durante o período de aulas, em que as crianças do E… se encontravam na escola, ausentes do E…, a Autora mantinha-se sozinha, sem ter o que fazer no E…, não prestando auxílio às suas Colegas e às crianças do pré-escolar”. No despacho de motivação, a Mma Juiz não fundamentou este ponto da matéria de facto, no entanto, decorre dos pontos 14.º, 16.º, 24.º e 39.º dos factos provados, que a autora não se apresentava na Sala Jardim e não executava as funções no infantário, nos termos descritos nos referidos pontos dos factos provados. Assim, a redacção do ponto 56.º passa a ser a seguinte: “Durante o período de aulas, em que as crianças do E… se encontravam na escola, ausentes do E…, a A. não prestava auxílio às suas Colegas e às crianças do pré-escolar”. 6.7. - Das alíneas i) e o) dos factos não provados. Tais alíneas têm a seguinte redacção: “i) que a Ré bem sabe que a Autora coabita com os pais de avançada idade, prestando à noite os cuidados necessários e que durante o dia são assegurados pela irmã; o) que a Autora teria perda de performance, decorrente dos efeitos que aqueles medicamentos têm sobre quem os toma;”. A prova por nós ouvida, em particular a indicada pela recorrente, - o depoimento de parte da autora e da testemunha, Dr. J…, médico da recorrente - é insuficiente para se poder dar como provado que “a ré sabia da situação familiar da autora” e que “a autora teria perda de performance”, razão pela qual improcede, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 7. - Da (i)licitude do despedimento da autora. 7.1. - O réu enquadrou o comportamento da autora, imputado na nota de culpa, nas alíneas a), d) e e) do n.º 2 do artigo 351.º do CT. 7.2. - A sentença recorrida concluiu que “a recusa reiterada da Autora a exercer funções que cabem no âmbito das funções para que foi contratada traduzem-se na violação de uma ordem legítima emanada da Ré, sua entidade empregadora sendo certo que, conforme ficou apurado, sobrecarregou as suas colegas com tarefas que se recusava realizar. Este comportamento é, sem a mínima dúvida, censurável, culposo e ilícito e consubstanciador de justa causa de despedimento nomeadamente nos termos previstos na alínea a) do nº 2 do artº 351º do Código do Trabalho.”. 7.3. – A autora alegou nos pontos 34.º a 37.º das conclusões de recurso que: “34. Como resulta dos factos provados 9 e 12, a Recorrente tinha de se apresentar num novo horário de trabalho, das 8h15 às 16h30, sendo que tal apresentação teria de ser feita no jardim de infância, uma vez que, tal como resulta do facto 13, “é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolar”. 35. Resulta da leitura destes e dos demais factos que a ordem que a Trabalhadora recebera não se centrava na mudança de funções do E… para o jardim de infância, mas sim no horário de trabalho, uma vez que aquela modificação era feita para rececionar as crianças utentes do jardim-infantil, pelas 8h15 e leva-las à escola pelas 8h45. 36. A Trabalhadora, conforme resulta dos autos, continuaria a desempenhar as suas funções no E… (vd. facto 55), no restante período diário. 37. O Tribunal a quo inquina a decisão, decidindo, através de uma desassociação que nunca existiu, que a Recorrente “recusou as funções no infantário, no qual passaria, a auxiliar as educadoras de infância”. 7.4. – Quid iuris? 7.4.1. - Decorre dos elementos carreados para os autos que o conflito entre as partes surgiu quando o réu alterou a hora de entrada ao serviço da autora, das 10h15h , na Sala E…, para as 08h15 , na Sala Jardim. Essa alteração do horário de trabalho tinha associado o exercício das funções mencionadas no ponto 13.º dos factos provados: “A trabalhadora-arguida foi informada que deveria apresentar-se na Sala do Jardim, uma vez que, entre outras tarefas, é necessário receber as crianças utentes do Jardim-infantil pelas 8h15, vigiar as mesmas, levar as crianças do E… à escola pelas 8h45 e dar apoio na sala do pré-escolar”. Como supra referido, a questão do horário de trabalho está resolvida pelo trânsito em julgado, nessa parte, da sentença recorrida, que considerou que o horário a cumprir pela autora era o das “10h15h às 18h30, com uma hora de almoço”, restando, pois, a apreciação da segunda das “duas ordens emanadas”: “o desrespeito do novo local de trabalho/funções determinadas.”. 7.4.2. - No que reporta ao novo local de trabalho, escrevemos supra: “consta do “Contrato de Trabalho a Prazo”, subscrito pelo réu e pela autora, a 8 de outubro de 1984: “A Segunda Contratante desempenhará as suas funções nas instalações do Primeiro Outorgante, localizadas no Centro Infantil E1…, sito na Rua …, n.º …. na cidade do ….” E apesar do Centro Infantil E1…, sito na Rua …, n.º …., …, ser composto por várias divisões, como a Sala Jardim, do Jardim de Infância, e a Sala E…, do Centro E…, o local de trabalho, contratualmente determinado, para efeitos do artigo 193.º do CT/2009, são as instalações do réu - Centro Infantil E1… -, sitas na Rua …, n.º …., ….” Tal constatação permite afirmar que a distribuição dos trabalhadores pelo espaço/salas do Centro Infantil E1… dependia das concretas funções contratualizadas com cada um deles, ou funções afins - cf. artigo 118.º do CT e cláusula 1.ª, n.º 2, do “Contrato de Trabalho a Prazo”, subscrito pelo réu e pela autora, a 8 de outubro de 1984: “(…) deverá realizar outras tarefas para as quais tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional” -. Assim, o facto de a autora se apresentar na Sala E…, a partir das 10h15, e não na Sala Jardim, não constitui, só por si, uma violação do dever do trabalhador em comparecer no seu local de trabalho. Na verdade, a autora comparecia no seu local de trabalho (o Centro Infantil E1…, sito na Rua …, n.º …., …), às 10h15h, a hora reconhecida na sentença recorrida, como a hora do início do seu horário de trabalho. É certo que dos nºs 12 e 13 dos factos provados decorre que a autora foi informada de que se deveria apresentar na Sala do Jardim de Infância para, além das demais tarefas referidas no nº 13 e cuja execução teria lugar antes das 10h15, dar também apoio na sala do pré-escolar. E ainda que não tivesse, como não tinha, que prestar a sua actividade entre as 8h15 e as 10h15, poderia e deveria ter-se apresentado na referida Sala (do Jardim de Infância) para aí executar as tarefas de apoio de que fosse incumbida ou, ao menos, perguntar onde deveria exercer a sua actividade, se aí ou na Sala do E…. Assim o impunha o dever de obediência e a boa-fé na execução do contrato de trabalho. Não obstante, e também tendo em conta o aludido princípio da boa-fé, não andou bem o réu. Com efeito, em tal contexto, nada impedia o réu de ir ter com a autora à Sala E… e determinar-lhe as funções a exercer na Sala Jardim, a partir dessa hora, dentro dos condicionalismos previstos no artigo 118.º do CT e da cláusula 1.ª, n.º 2, do “Contrato de Trabalho a Prazo”, supra citada, tanto mais que está provado que “As funções a serem exercidas pela Autora seriam alargadas às duas valências, pré-escolar e E…, uma vez que o número de crianças era reduzido.” – cf. o ponto 55.º dos factos provados, não impugnado pela autora. Era o que se impunha ao réu, dentro dos seus poderes determinativos e conformativos da prestação laboral e tendo em conta o aludido princípio da boa-fé na execução da relação jurídico-laboral e do normal desenvolvimento da mesma. E, isso, tanto mais que autora não tinha, como aliás já decidido com trânsito em julgado, que cumprir a ordem que lhe havia sido dada no que toca ao período até às 10h15. Ora, não consta da factualidade provada (e da própria nota de culpa) que o réu, quando a autora, a partir das 10h15, se apresentava na sala do E… e enquanto aí se encontrava, lhe tenha determinado que fosse cumprir as funções inerentes ao espaço do Jardim-infantil, e que ela tenha recusado esse cumprimento. E essa alegação e prova competiam ao réu, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do C. Civil. Deste modo, mesmo que se considere um acto desobediente, a comparência da autora na Sala E…, e não na Sala Jardim, ele está fortemente atenuado na sua gravidade e culpa, dada a inércia do réu na atribuição de funções inerentes ao espaço do Jardim-infantil, a partir das 10h15. Acresce que, pelo menos em grande medida, o cerne do conflito entre as partes era a hora do início da actividade da autora e não, propriamente, o espaço/salas e as funções a desempenhar em cada uma delas. Assim sendo, e atento o disposto no artigo no artigo 351.º do CT, inexiste a justa causa do despedimento decretado na sentença recorrida, pelo que, nessa parte, deve ser revogada. 8. – Dos créditos laborais 8.1. – Na contestação/reconvenção, a autora pediu a condenação do réu: “a. a reconhecer a subsistência e a plena vigência do contrato de trabalho com a Autora; b. a reintegrar a Autora nas suas funções e local de trabalho, com todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, da categoria e antiguidade, c. ou, em alternativa, se essa for a opção da Autora até à sentença, a pagar-lhe uma compensação correspondente a 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade; d. a pagar à Autora: i. 2.287,92€, de retribuições já vencidas (até novembro de 2018); ii. as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado; iii. 467,25€, a título de indemnização por falta de formação profissional; iv. os juros moratórios sobre as quantias pedidas, calculados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada retribuição mensal e desde a notificação da reconvenção quanto às demais prestações pecuniárias pedidas, até ao respetivo pagamento;”. E a sentença recorrida decidiu: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o articulado de motivação do despedimento apresentado pela Ré/Empregadora D… da Segurança Social, e em consequência, declara-se lícito o despedimento da Trabalhadora B…, absolvendo-se dos pedidos por esta formulados sob os pontos 1), 2 a), b) e c) e di e dii, a Ré. DVai a Entidade Empregadora D… da Segurança Social condenada a pagar à Trabalhadora B…, a quantia mensal de €467,25 de formação não proporcionada, vencendo-se, sobre tal quantia juros contados, à taxa legal, desde o seu vencimento e até efetivo e integral pagamento.”. Não consta dos autos, mormente das Actas de Julgamento, que a autora tenha optado pela indemnização em substituição da reintegração. 8.2. - Nos termos do artigo 389.º - Efeitos da ilicitude de despedimento – do CT: “1 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais. b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, (…).”. Por sua vez, o artigo 390.º - Compensação em caso de despedimento ilícito – dispõe: “1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento. 2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se: a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.”. No que respeita ao cálculo das retribuições intercalares, os autos não fornecem qualquer elemento sobre o recebimento, ou não, pela autora do subsídio de desemprego, para a eventual dedução prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT. Dado que o despedimento data de 20 de agosto de 2018 e a acção foi proposta a 10 de Setembro de 2018, não se verifica a previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 390.º do CT. Assim, atento o disposto no artigo 609.º, n.º 2 do CPC, relega-se para liquidação o cálculo da compensação prevista no artigo 390.º do CT. Os juros de mora devidos sobre as retribuições intercalares serão calculados a partir da data da decisão a proferir no incidente de liquidação. 9. - Da Oposição à Reintegração Nos artigos 40.º a 44.º do articulado motivador, o réu opôs-se à reintegração da autora, nos termos do disposto no artigo 392.º do Código do Trabalho, alegando que “O comportamento da Trabalhadora demonstra a latência de um persistente conflito com a Entidade Empregadora, recusando cumprir ordens superiores contratualmente previstas, sendo real e verdadeira a possibilidade daquela perturbar a actividade normal do E…, caso a reintegração ocorra. Por outro lado, considerando o comportamento da Trabalhadora, que influenciou negativamente a relação com as colegas, bem como o facto do equipamento onde desempenhava funções ter menos de 4 trabalhadoras, a sua reintegração seria um factor susceptível de gerar instabilidade. Assim, existem um conjunto de sérios motivos que nos permitem concluir que a reintegração seria prejudicial e perturbadora para o bom funcionamento da actividade desenvolvida pela Entidade Empregadora, o que justifica a sua rejeição.”. O artigo 392.º - Indemnização em substituição de reintegração a pedido do empregador – do CT, dispõe: “1 - Em caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção, o empregador pode requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa. 2 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que a ilicitude do despedimento se fundar em motivo político, ideológico, étnico ou religioso, ainda que com invocação de motivo diverso, ou quando o fundamento da oposição à reintegração for culposamente criado pelo empregador.”. (negrito nosso) O citado preceito exige que seja o tribunal judicial a apreciar do fundamento invocado pelo empregador para efeito de exclusão da reintegração, ou seja, cabe ao empregador a prova, em audiência de julgamento, da grave perturbação e prejuízo potencialmente resultantes da reintegração do trabalhador. Ora, da matéria de facto dada como provada não consta qualquer facto que sustente a grave perturbação e prejuízo resultantes da reintegração da autora. Assim sendo, improcede, nesta parte, a pretensão do réu. IV. – A decisão Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em: 1. – Julgar parcialmente procedente o recurso sobre a impugnação da decisão da matéria de facto. 2. – Julgar procedente o recurso sobre a matéria de direito, e em consequência, revogar a sentença recorrida na parte que considerou lícito o despedimento, a qual é substituída pelo presente acórdão que declara ilícito o despedimento da autora. 3. - E condena o réu: a) A reconhecer a ilicitude do despedimento da autora; b) A reintegrar a autora no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; c) A pagar à autora a importância a liquidar, a título das retribuições intercalares, sem prejuízo de eventual dedução, nos termos do 390.º. n.º 2, alínea c), do CT, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados a partir da data da decisão a proferir no incidente de liquidação. 4. - No mais, mantem-se a sentença recorrida. Custas a cargo do réu. Porto, 2020.03.31 Domingos Morais Paula Leal de Carvalho Rui Penha |