Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO CLÁUSULA RESOLUTIVA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DENÚNCIA DO CONTRATO REVOGAÇÃO DO CONTRATO | ||
| Nº do Documento: | RP20241121359/23.1T8PVZ.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/21/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A cláusula do contrato de arrendamento onde se estipula que, «sob pena de rescisão» do contrato, o senhorio se obriga a realizar no arrendado, até ao início de vigência do contrato, obras especificadas, não é uma condição resolutiva, é uma cláusula resolutiva. II - A violação dessa cláusula não leva à aplicação do artigo 1083.º, leva à aplicação dos artigos 1032.º e 1033.º do Código Civil. III - A boa fé controla o exercício do direito de resolução do contrato mesmo quando este decorre de uma cláusula contratual que atribui esse direito perante a verificação de uma determinada situação, sem ponderar falhas menores, incumprimentos meramente parciais e/ou temporários. IV - Se a parte resolve o contrato com fundamento no incumprimento da outra, mas se apura que o fundamento invocado não existia ou resolução foi realizada de forma inválida, a comunicação não produz o efeito extintivo do contrato. V - Se a comunicação de resolução evidenciar uma vontade firme de pôr termo ao contrato, mesmo que não haja fundamento, pode entender-se que a resolução inválida consubstancia uma denúncia imotivada do contrato, se o regime jurídico da relação contratual atribuir à parte o direito de, nessa data, denunciar validamente o contrato sem necessitar de invocar qualquer fundamento. VI - O n.º 6 do artigo 1098.º do Código Civil estipula a consequência de não ter sido respeitado o prazo de pré-aviso da denuncia, não que a denuncia possa ser feita, pagando o arrendatário as rendas, antes de o contrato atingir o período de duração mínima a partir do qual a denuncia é possível. VII - A entrega pelo arrendatário do arrendado e das respectivas chaves ao senhorio e a recepção por este de ambas as coisas, com a devolução ao arrendatário da caução entregue, são actos concludentes da intenção mútua de extinguir a relação contratual e formam tacitamente um acordo de revogação do contrato. VIII - É irrelevante a intenção que levou as partes a praticarem esses actos; o que importa é a natureza concludente dos mesmos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | RECURSO DE APELAÇÃO ECLI:PT:TRP:2024:359.23.1T8PVZ.P1 * SUMÁRIO: …………………………………………………….. ……………………………………………………. ……………………………………………………. ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. Relatório: AA, contribuinte fiscal n.º ...22, residente na ..., instaurou acção judicial contra A..., Lda., pessoa colectiva com n.º único de matrícula e de contribuinte fiscal ...60, com sede em ..., BB e mulher CC, contribuintes fiscais n.º ...91 e ...29, residentes em ..., formulando contra estes os seguintes pedidos: a) Decretar-se que os réus procederem à resolução unilateral e imotivada do contrato de arrendamento celebrado em 15 de Novembro de 2022 com o autor tendo por objecto a fracção autónoma “AY” do prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., ...; b) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor, por conta da resolução unilateral imotivada, a quantia de 32.400,00€ a título de rendas pelo período de pré-aviso contratual em falta; c) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor a quantia de 8.500,00€ a título de incumprimento do prazo de antecedência mínima de 120 dias para a denúncia contratual; d) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor a quantia de 8.180,00€ a título de indemnização devida pelo atraso no pagamento das rendas devidas, no valor correspondente a 20% daquelas; e) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor a quantia de 2.000,00€ pelo período de ocupação indevida do locado, após a resolução contratual; f) Condenar-se os réus a pagar de modo solidário ao autor as quantias previstas nas alíneas anteriores, acrescidas de juros de mora, calculados à taxa comercial, desde a data de citação até completo pagamento. Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que celebrou com a ré sociedade um contrato de arrendamento de uma fracção urbana para habitação dos réus, os quais outorgaram o contrato na qualidade de fiadores da arrendatária, pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Fevereiro de 2023 e termo em 31 de Janeiro de 2028, mediante a renda mensal de 2.000,00€, actualizada no segundo ano de vigência para o valor de 2.050,00€ e no terceiro para o valor de 2.100,00€. Porém, em 3 de Fevereiro de 2023, os réus comunicaram ao autor a resolução do contrato de arrendamento, alegando falsamente que o locado não dispunha de condições mínimas de habitabilidade e solicitando a devolução das quantias entregues, quer a título de rendas, quer a título de caução, sendo que se mantiveram na posse do locado até ao dia 25 de Fevereiro, data em que entregaram ao autor as chaves e este lhes devolveu o valor recebido a título de caução. Os réus foram citados e apresentaram contestação, defendendo a improcedência da acção. Com esse desiderato alegaram que resolveram o contrato com justa causa, em virtude das patologias que o autor se comprometeu a eliminar até ao início do contrato e outras que após a entrega do imóvel ficaram visíveis, as quais comprometiam seriamente as condições de habitabilidade do locado. Mais defendem que a entrega do locado nas condições acordadas e em condições de habitabilidade na data da entrega do locado configurava uma condição resolutiva do contrato, que deve ser feita a compensação do eventual crédito do autor com o valor de €2.100,00 que os réus pagaram aquando da celebração do contrato, em adiantamento da última renda do contrato, que o autor arrendou o imóvel logo após a devolução do mesmo pelos réus e por isso não lhes pode exigir qualquer indemnização por pré-aviso em falta. Em reconvenção, pedem a condenação do autor a restituir-lhes a quantia que lhe entregaram a título de pagamento antecipado da renda do mês de Janeiro de 2028, no valor de €2.100,00, bem como a condenação do mesmo no pagamento de uma compensação a cada um dos réus pessoas singulares, no valor de €5.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos e ainda em multa e indemnização como litigantes de má-fé. O autor respondeu ao pedido reconvencional defendendo a sua improcedência pelos fundamentos da petição inicial. Realizado julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, declarando-se que os réus procederam à resolução imotivada do contrato de arrendamento e condenando-se os réus, solidariamente, a pagarem ao autor €9.600,00, e a reconvenção improcedente, absolvendo-se o autor do pedido reconvencional. Do assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: A. O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito e incide sobre a douta sentença proferida que, apesar de declarar (com o devido louvor) que os recorridos procederam à resolução imotivada do contrato de arrendamento celebrado com os recorrentes, absolveu-os do pedido de condenação ao pagamento da quantia global correspondente às rendas devidas pelo período de pré-aviso contratual em falta. B. Mal andou o Tribunal recorrido ao perfilhar do entendimento de que o facto de o recorrente ter arrendado o imóvel a terceiros após a sua restituição pelos recorridos afasta a aplicação dos n.ºs 3 e 6 do artigo 1098 do Código Civil, enquanto consequência de uma denúncia imotivada, por entender consubstanciar-se uma situação integradora de “abuso de direito” que impede o recorrente autor de ser ressarcido da obrigação de pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta. C. O “thema decidendum” do presente recurso versa, assim, sobre a aplicabilidade dos n.ºs 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil ao caso em apreço, ou seja, sobre a obrigação de pagamento solidária por parte dos recorridos à recorrente das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta. D. O Tribunal recorrido procedeu a uma errada interpretação e aplicação do nº 3º e do nº 6 do artigo 1098º do Código Civil, os quais foram violados. E. A obrigação de pagamento das rendas correspondentes ao pré-aviso em falta constante do n.º 6 do artigo 1098º do Código Civil, com as excepções nele previstas (que não são aplicáveis no caso) é uma consequência automática (“ope legis”) do incumprimento dos prazos de denúncia contratual estabelecidos no n.º 3 do mesmo preceito normativo. F. Verificando-se uma denúncia contratual imotivada e não estando em causa nenhuma das excepções previstas na parte final do n.º 6 do artigo 1098º do Código Civil, o Tribunal “a quo” deveria ter procedido à aplicação da cominação legal prevista no referido preceito e condenar os recorridos ao pagamento solidário das rendas devidas pelo aviso prévio incumprido. G. O entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, além de não ter acolhimento legal, configura uma absoluta violação do direito de propriedade do recorrente, premeia arrendatários que decidem colocar termo imotivado ao arrendamento (escapulindo-se ao imperativo legal de pagamento de rendas devidas pelo pré-aviso incumprido que se transforma, assim, em “letra morta”) e coloca em crise a necessária certeza, estabilidade e segurança do tráfego jurídico. H. O exercício do direito de propriedade por parte do recorrente sobre o imóvel em causa, através do seu arrendamento após a sua restituição por parte dos recorridos, não poderá, de modo algum, ser exceção à aplicação da cominação contemplada pelo n.º 6 do artigo 1098º do Código Civil nem poderá conduzir à preclusão, limitação ou restrição de direitos que legalmente lhe assistem. I. Seguindo a linha de raciocínio do Tribunal recorrido, ficaria sempre vedado ao recorrente – e aos proprietários em geral – o direito a receber o pagamento das rendas correspondentes ao pré-aviso em falta à luz do citado preceito, na medida em que, por si só, gozam do direito de uso e fruição e disposição do imóvel. J. O entendimento sufragado premeia a parte incumpridora numa relação contratual (de arrendamento), com direitos e obrigações previstas em sede contratual e sujeito, ainda, às disposições legais que lhe são aplicáveis, isentando-a de consequências legais expressamente previstas e transformando-se o n.º 6 do artigo 1098º do Código Civil em “letra morta”. K. Está em causa a segurança, certeza e estabilidade no tráfego jurídico, de um modo que se considera, com o devido respeito, intolerável. L. A douta sentença recorrida violou, entre o mais, o disposto nos n.ºs 3 e 6 do artigo 1098º do Código Civil. M. Deverá revogar-se a douta sentença recorrida quanto à absolvição no pagamento das rendas devidas pelo pré-aviso incumprimento, substituindo-a por decisão que condene os recorridos no pagamento solidário da quantia de 32.500,00€, com as legais consequências. Termos em que, nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida quanto à absolvição no pagamento das rendas devidas pelo pré-aviso incumprimento, substituindo-a por decisão que condene os recorridos no pagamento solidário da quantia de €32.500,00, com as legais consequências. Notificados do recurso do autor, os réus interpuseram recurso subordinado, que terminam com a apresentação das seguintes conclusões: A. Os aqui Apelantes não podem conformar-se com a decisão sob recurso, porquanto, desde logo, entendem ter sido incorrectamente julgada a matéria de facto constante dos artigos g), k), l), n), p), r), s), w), x) e y) dos factos não provados supra transcritos, e, por isso, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 640.º do CPC) havendo, então, que reapreciar a prova produzida nos autos, remetendo-se, na parte aplicável, para o registo/gravação realizado em audiência de julgamento, devidamente assinalado nos locais próprios. B. O Dign.º Tribunal considerou não provada tal matéria fáctica em que assentava a posição dos ora Apelantes, porém, com todo o devido respeito, fê-lo de forma desconsiderada, porquanto, não avaliou criticamente a prova testemunhal produzida em julgamento e não atendeu à prova documental dos autos, que autorizava a confirmação de tais factos deduzidos pelos Réus/Reconvintes, aqui Apelantes. C. Senão porque, se o tivesse feito, haveria o Dign.º Tribunal “a quo” dado como provados, respectivamente, os factos supracitados naqueles precisos termos, já que resultou com absoluta veracidade a confirmação de tudo quanto havia sido alegado pelos Réus nos autos. D. Com efeito, da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento sempre resulta a “imposição” de decisão diversa da proferida, relativamente à matéria factual em causa, sendo de destacar o depoimento das testemunhas arroladas nos autos pelos Réus, e supra transcritos – cujo teor, por razões de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos. E. Na verdade, do depoimento destas testemunhas, corroborado pela prova documental junta aos autos, com especial incidência no Relatório Pericial de fls. 83 dos autos, elaborado a 06/02/2023, com a casa desabitada, e das fotografias juntas com a contestação – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos - resulta claro e evidente que: - a porta de correr da lavandaria estava desencaixada da calha; - quanto ao varal do estendal, ao contrário do convencionado o Autor apenas procedeu à sua remoção parcial, tendo deixado a base fixa à parede; - quanto à pintura da parede após a remoção das cabeceiras das camas, constatou-se que a “pintura” foi executada de forma grosseira, tendo a parede marcas visíveis e empoladas, com diferentes areados; - quanto à ferrugem dos pés da mesa da cozinha e as manchas no vidro da mesa de apoio, manteve-se; - não foi reparado o papel de parede; - os electrodomésticos que se encontravam no apartamento e que eram parte integrante do contrato de arrendamento, mormente, o frigorífico, não se encontravam em bom estado de conservação, manutenção e higiene, apresentando marcas profundas de ferrugem e sujidade; - as portas superiores dos armários da cozinha não fechavam, ficando permanentemente abertas, e bem assim, as prateleiras interiores em metal mostravam sinais de desgaste e ferrugem; - Nas paredes e tectos das casas-de-banho e dos quartos, permaneciam as manchas de humidade e bolor; - o lavatório de vidro de uma das casas de banho estava partido, bem como, o painel de vidro da zona do chuveiro também se encontrava rachado; - O chuveiro de uma das casas de banho apresentava sinais profundos de desgaste, marcas brancas e de ferrugem; - em várias paredes da fracção existiam marcas de arranhadelas, mossas profundas e furos; - os estores não fechavam; - a caixilharia e o pavimento de madeira em toda a fracção, apresentavam sinais de má conservação e manutenção, com mossas, riscos e descolorações; - todas as divisões da casa, mas em particular a zona dos quartos eram extremamente frias, não possuindo um revestimento/isolamento adequado nas zonas das janelas e portas; - No pavimento e parede da lavandaria, em concreto na área destinada à máquina de lavar a roupa, eram visíveis marcas profundas de humidade, bolor e de sujidade, - placas do piso da casa de banho soltas; dobradiças dos armários e toalheiro com ferrugem; e, - Espelho com manchas generalizadas, por desgaste da película. F. Na sequência do que, deveria também o Dign.º Tribunal “a quo” ter dado como provado que: g) Após a recepção da casa, os réus constataram que a mesma não se encontrava devidamente climatizada devido à falta e/ou mau, isolamento e revestimento, das janelas e portas; k) Aquando da visita realizada no dia 31 de Janeiro de 2023, verificavam-se humidades, bolor e o cheiro a mofo continuavam nos quartos e casas de banho; l) Ainda no dia 31 de Janeiro de 2023, o réu transmitiu, via telefone, à agente imobiliária que uma vez que, as reparações não haviam sido efectuadas, havia perdido todo o interesse no arrendamento; n) Na data da entrega do imóvel, a porta da lavandaria estava desencaixada; p) E, bem assim, as portas superiores dos armários da cozinha não fechavam, ficando permanentemente abertas, e bem assim, as prateleiras interiores em metal mostravam sinais de desgaste e ferrugem; r) O lavatório de vidro de uma das casas de banho estava partido, o que permitia que a água se infiltrasse e danificasse o móvel do lavatório, bem como; s) O chuveiro de uma das casas de banho apresentava sinais profundos de desgaste, marcas brancas e de ferrugem; w) Para além do mencionado nos pontos 39) e 41), a caixilharia e o pavimento de madeira em toda a fracção, apresentavam sinais de má conservação e manutenção, com mossas, riscos e descolorações; x) Todas as divisões da casa, mas em particular a zona dos quartos eram extremamente frias, não possuindo um revestimento/isolamento adequado nas zonas das janelas e portas, deixando, dessa forma, o ar frio do exterior transparecer para o interior do imóvel; y) Para além do mencionado em 42), no pavimento e parede da lavandaria, em concreto na área destinada à máquina de lavar a roupa, eram visíveis marcas profundas de humidade, bolor e de sujidade. G. Sendo que, de forma alguma se poderá compreender como se afigurou possível ao Digníssimo Tribunal “a quo” apreciar, da forma como o fez, tais depoimentos, descredibilizando os mesmos quanto a tal matéria. H. Donde, no modesto entender dos aqui Apelantes, e salvo melhor opinião, conclui-se que o Digníssimo Tribunal “a quo” não ponderou devidamente a matéria de facto que lhe foi apresentada, tendo, por isso, ao não ter como provada a factualidade vertida nos artigos g), k), l), n), p), r), s), w), x), e y) supra transcritos, feito uma incorrecta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos arts.º 352.º, 356.º, n.º 1 e 362.º do C.C. e, bem assim, nos arts.º 413.º, 414.º, 452.º, e 495.º, n.º 2, todos do C.P.C.. I. Razão pela qual se entende que deverá ser feita uma correcção da matéria de facto, em primeira instância, tendo por referência tudo quanto se disse supra, e após correcta valoração de toda a prova produzida nos autos, deverá a matéria factual supra referida, designadamente, os pontos supra identificados como tendo sido incorrectamente julgados, ser alterada por forma a constar a factualidade ali vertida da matéria de facto provada. J. Assim, atenta a alteração que deverá ocorrer na decisão a proferir sobre a matéria factual, para melhor aplicação do direito, sempre deverá ser revogada a douta sentença ora recorrida, sendo de concluir pela total improcedência da presente acção, e, ao invés, pela procedência da presente reconvenção, com a consequente condenação do Autor/Reconvindo em tudo o peticionado pelos Réus/Reconvintes. K. Designadamente, porque ao contrário do convencionado, as reparações contempladas no Anexo 1 do contrato de arrendamento não se encontravam executadas e/ou estavam executadas de forma deficiente como supra melhor exposto, sendo que, tais reparações eram condições indispensáveis e essenciais, que teriam de ter sido concluídas impreterivelmente antes do dia 1 de Fevereiro de 2023, pelo que nada é devido ao Autor. L. Naturalmente, não tendo aquelas reparações sucedido, nos exactos termos contratados, é nosso entendimento que a violação da cláusula oitava do contrato consubstancia uma condição resolutiva do contrato para todos os devidos e legais efeitos (artigo 276.º do CC). M. Assim, assistia aos Réus o direito de rescindir/resolver o contrato, como muito bem o vieram a fazer, como, aliás, similarmente poderá ser justificado com a quebra da relação de confiança entre as partes, tornando-se inexigível a subsistência do vínculo contratual. N. Acresce que, a não execução ou a execução deficiente das reparações, consubstancia ainda um incumprimento da obrigação contratual do Autor, e, de acordo com o artigo 1083.º, n.º 1 do Código Civil «Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte», de maneira que, também face àquela previsão legal cabia aos Réus/Reconvintes o direito de resolverem o contrato. O. E, consequentemente, têm o direito de peticionar do Autor/Reconvindo a restituição do valor de €: 2.100,00 (dois mil e cem euros), pago pelos Réus/Reconvintes a título de renda antecipada referente ao mês de Janeiro de 2028, uma vez que, não chegaram sequer a ocupar o imóvel e logo o Autor/Reconvindo o deu de arrendamento a terceiro. P. A não se entender nos termos supra expendidos - o que não se aceita, mas por mero dever legal de patrocínio se equaciona - sempre apraz ainda referir que, mesmo que não proceda esta instância a qualquer alteração da decisão de facto, mesmo assim, perante a factualidade tida como provada na decisão aqui em crise, entende-se que a douta sentença merece, com o devido respeito, censura por errada aplicação do direito. Q. Com efeito, concluiu o Dign.º Tribunal “a quo” pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato de arrendamento por parte dos Réus, sendo portanto ilegítima, daí extraindo consequências indemnizatórias do incumprimento que imputou aos Réus, aqui Recorrentes - o que, na verdade, não se aceita. R. É que, da factualidade tida como provada, mormente, dos factos 14), 17) e 31) a 43), sempre se entende que deveria o Tribunal ter concluído que a resolução do contrato por parte dos Réus, na qualidade de arrendatários, assentou em fundamentos legalmente sustentados e, consequentemente, susceptíveis de determinar a improcedência dos pedidos formulados pelo autor. S. Pois, a cláusula 8ª do mencionado contrato de arrendamento, refere expressamente «o primeiro outorgante obriga-se ainda sob pena de rescisão deste contrato a concluir, até à data de início de vigência do presente contrato de arrendamento, à reparação/substituição dos itens constantes no Anexo 01», sendo que os itens a reparar estão perfeitamente identificados no referido anexo, transcrito no ponto 14) supra e, como demonstram os factos supra mencionados nos diversos itens do ponto 17) supra, até à data da entrega do locado, não havia o Autor realizado todas as reparações a que se havia obrigado, razão pela qual, se há-se ter por verificada a condição resolutiva constante da cláusula oitava do contrato de arrendamento. T. Tanto mais que, no caso em preço, ficou amplamente provado que a realização das mencionadas reparações foi essencial para a vontade contratar por banda dos réus (circunstância de que o autor estava ciente), donde a clausula resolutiva aposta no dito contrato. U. E não se diga que, «o autor realizou a esmagadora maioria das reparações a que se comprometeu, apenas não o fazendo relativamente aspectos que não podem deixar se ser considerados de pormenor (até porque de facílima resolução) que, a nosso ver, em nada comprometem as condições de habitabilidade do locado», pois que, não está em causa as condições de habitabilidade, ou não, do locado, mas sim o incumprimento das condições da dita clausula resolutiva. V. Tratando-se, pura e simplesmente, da não realização das condições previstas em tal cláusula, ausência do cumprimento das reparações acordadas (condição imprescindível/resolutiva), torna-se irrelevante se as reparações que faltavam eram «escassas ou insignificantes». W. Não obstante, diga-se que, sem prejuízo do supra alegado, a verdade é que as próprias faltas de condições de habitabilidade e salubridade da habitação, além de fundamentarem o incumprimento das condições contratuais, são também susceptíveis por si só de colocar em crise a própria manutenção do contrato, permitindo a sua resolução. X. Assim, não há dúvidas que o perigo que existe para a saúde do 2.º Réu, 3.ª Ré e para as suas filhas menores ao permanecerem num local com humidades e bolor, na zona dos quartos (local de permanência prolongada, em particular à noite) e casas de banho, frequentemente associados a problemas respiratórios, mas também a ausência/insuficiência de revestimento nas janelas e portas, e a falta de higiene do locado, preenche a factualidade prevista na alínea b) do artigo 1050º do CC, conferindo aos arrendatários o direito à resolução do contrato, sem necessidade de pré-aviso e por via extrajudicial. Y. Entendeu o Dign.º Tribunal “a quo” que, a resolução infundada do contrato de arrendamento pelo arrendatário, confere ao Autor, nos termos do n.º 3 do art. 1098º do Código Civil, o direito a exigir o pagamento de rendas respeitante lapso de tempo que, nos termos legais, seria necessário esperar para os réus operarem a denúncia do contrato, ou seja, 20 meses de renda [(12x5): 3], todavia, entendeu - e bem, dizemos nós -, que as concretas circunstâncias do caso em análise, designadamente o facto de o Autor ter logrado, pouco após a entrega do locado pelos Réus, arrendar o mesmo a terceiros, convocam a aplicação do instituto do abuso de direito. Z. Malogradamente, já assim não sucedeu quanto à indemnização decorrente da falta de cumprimento do prazo de aviso prévio, vindo, pois, a condenar os Réus naquele pagamento - o que, salvo o devido respeito, confere ofensa, pois, aquele referido instituto do abuso do direito. AA. Com efeito, consabidamente, o instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante. BB. Ora, in casu, compulsando a factualidade “provada” melhor enunciada na douta sentença recorrida não se vislumbra senão como considerar que o Autor actua em manifesto abuso de direito, no seu todo. CC. Isto porque, veja-se, o Autor não só não cumpriu com a condição resolutiva supra aludida, como, perante a comunicação de resolução dos aqui Réus, recebeu as chaves dos mesmos e até devolveu a caução que se encontrava na sua posse, tudo no espaço de cerca de 20 dias; além de que, logo de imediato, passado 5 dias, efectuou novo arrendamento do dito locado. DD. Ou seja, o Autor actuou perante os Réus como aceitando a resolução em causa, na data em que a mesma operou – aceitou as chaves e devolveu a caução (só não se entenderam as partes litigantes quanto á devolução do mês de renda já pago pelos Réus, no montante de €: 2.100,00 – donde, ao vir, agora peticionar nos termos em que o faz, litiga com manifesto abuso do direito. EE. Por tudo o exposto, será de concluir que - tal como bem decidido por este Dign.º Tribunal no que respeita à rendas devidas pelo período de 1/3 do arrendamento - o exercício de direito por parte do aqui Autor, quanto ao pagamento das rendas devidas pelo período de aviso prévio em falta, previsto na al. a) do n.º 3 do art. 1098º do Código Civil, acrescida de 20%, nos termos do n.º 1 do artigo 1041.º do CC., excede manifestamente os limites impostos pela boa fé tornando-o ilegítimo, nos termos do art. 334º do Código Civil. FF. Se bem se compreendem as razões de se estabelecer um prazo para o aviso prévio da denúncia, como seja, as de proporcionar à parte contrária (aqui o senhorio) o tempo adequado para encontrar, sem a indesejável solução de continuidade, o novo destino a dar ao locado, facilmente decorre que no caso vertente, tendo o imóvel em causa sido entregue pelos Réus em 25 de Fevereiro de 2023, após a resolução de 3 de Fevereiro do mesmo mês, logo o Autor efectivou novo contrato de arrendamento, a partir de Março de 2023. GG. Não existindo, por conseguinte, qualquer razão, sob pena de locupletamento à custa dos aqui Réus, para o aqui Autor ter direito a receber dupla renda por aqueles meses, pois que, em bom rigor, da condenação aqui em causa, resulta que o Autor irá receber 120 dias de renda dos Réus, e do novo inquilino, por coincidência dos meses em causa. HH. Deste modo, salvo o devido respeito, mal andou o Dign.º Tribunal “a quo” ao ter proferido a decisão condenatória, nos termos em que o fez, isto é, ao não ter afastado a condenação “in totum” dos aqui Réus, por força do instituto do abuso do direito, nos termos do art.º 334.º do CC. II. Termos em que, deverá ser revogada a decisão condenatória aqui recorrida, sendo substituída por outra que declare, por força do abuso do direito, inoperante todo e qualquer direito do aqui Autor sobre os aqui Réus. JJ. Do teor do dispositivo da douta decisão condenatória, aqui em crise, pode ler-se «condenar os réus, de forma solidária, a pagarem ao autor a quanta de €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros)» KK. Isto tendo por base, o que melhor consta da sua fundamentação, como seja, «atento o preceituado no n.º 6 do artigo 1098.º do Código Civil, o contrato de arrendamento cessou no dia da comunicação da declaração de resolução sem justa causa, mas continuam os réus obrigados a pagar, a título de indemnização, o valor das rendas correspondentes ao período daqueles 120 dias em falta, ou seja, o valor de €8.000,00 (oito mil euros)»., bem como, «é também devida a indemnização agravada de 20% das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, no valor de € 1.600,00, ao abrigo do artigo 1041.º, n.º 1, do CC». LL. Ora, sucede que, do teor daquela douta sentença pode ainda ler-se «Deviam assim ter restituído o imóvel ao autor na data em que lhe comunicaram a sua intenção de resolver o contrato. Só o tendo feito no dia 25 do mês de Fevereiro de 2023 – e não demonstrando que a entrega das chaves do mesmo se ficou a dever à mora do credor, aqui autor – estão obrigados ao pagamento do valor da primeira renda, no montante de €2.000,00, em conformidade com o disposto no art.º 1.045º do Código Civil. Acontece que ficou demonstrado que, no momento da celebração do contrato, os réus entregaram ao autor o valor correspondente à última renda do período de vigência contratado (renda do mês de Janeiro de 2028), no valor de €2.100,00, o qual lhes deveria ser restituído em razão da cessação do contrato de arrendamento. Os réus, na sua contestação, invocaram, de forma subsidiária, a compensação do crédito correspondente ao direito à devolução dessa renda com o crédito que o autor sobre eles detém. Ora, por se mostrarem verificados os pressupostos da compensação previstos no art.º 848º do Código Civil, deve considerar-se extinto, por compensação o crédito do autor correspondente à indemnização prevista no n.º 1 do art.º 1.045º do Código Civil, bem como parcialmente extinto, na medida do remanescente (no valor de €100,00) daquele crédito dos réus, os demais créditos do autor. MM. Ou seja, não obstante a fundamentação supra transcrita, no que respeita ao direito de compensação dos aqui Réus, verifica-se que a mesma não foi espelhada no dispositivo da douta decisão aqui recorrida. NN. Pois que, sem prejuízo de tudo o quanto supra exposto, a manter-se a condenação dos aqui Réus ter-se-á que imputar no valor condenatório, de €9.600,00 (€8.000,00 + €1.600,00) a quantia de € 100,00, que excede o pagamento da renda devida pelo mês de Fevereiro de 2023, reduzindo-se, assim, a quantia condenatória ao montante de €9.500,00 (nove mil e quinhentos euros). OO. Por tudo o exposto, entende-se que, salvo o devido respeito, o Digníssimo Tribunal “a quo”, ao decidir como o fez, realizou uma incorrecta valoração dos meios de prova que lhe foram apresentados, violando, pois, o espírito subjacente ao disposto nos arts.º 352.º, 356.º, n.º 1 e 362.º do C.C. e, bem assim, nos arts.º 413.º, 414.º, 452.º, e 495.º, n.º 2, todos do C.P.C.; PP. Bem como, incorreu ainda em violação do disposto nos artigos 276.º, 432.º a 436.º, 334.º, 1050.º, al. b), 1083.º, n.º 2 e 1098.º, todos do CC. Termos em que, decidindo V. Exas. dar provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença nos termos expostos, substituindo-a por outra que julgue, por um lado, improcedente a acção e, por outro, a reconvenção totalmente procedente, por provada, com todas as legais consequências, julgarão, como sempre, com inteira e sã Justiça! Não foram apresentadas respostas aos recursos. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões: i. Se a fundamentação de facto deve ser modificada. ii. Se a arrendatária tinha fundamento para resolver de modo válido e eficaz o arrendamento. iii. Se a comunicação de resolução infundada deve ser equiparada à denuncia do contrato pelo arrendatário. iv. Em que estado ficou o contrato após aquela comunicação, a entrega das chaves e a devolução da caução. v. Que direitos assistem ao senhorio nessa situação. III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto: O recorrente impugnou a decisão sobre pontos concretos da matéria de facto, cumprindo de modo satisfatório os requisitos específicos desta impugnação, consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil. Os pontos de facto em apreço têm a seguinte redacção: g. Após a recepção da casa, os réus constataram que a mesma não se encontrava devidamente climatizada devido à falta e/ou mau, isolamento e revestimento, das janelas e portas; k) Aquando da visita realizada no dia 31 de Janeiro de 2023, verificavam-se humidades, bolor e o cheiro a mofo continuavam nos quartos e casas de banho; l) Ainda no dia 31 de Janeiro de 2023, o réu transmitiu, via telefone, à agente imobiliária que uma vez que, as reparações não haviam sido efectuadas, havia perdido todo o interesse no arrendamento; n) Na data da entrega do imóvel, a porta da lavandaria estava desencaixada; p) E, bem assim, as portas superiores dos armários da cozinha não fechavam, ficando permanentemente abertas, e bem assim, as prateleiras interiores em metal mostravam sinais de desgaste e ferrugem; r) O lavatório de vidro de uma das casas de banho estava partido, o que permitia que a água se infiltrasse e danificasse o móvel do lavatório, bem como; s) O chuveiro de uma das casas de banho apresentava sinais profundos de desgaste, marcas brancas e de ferrugem; w) Para além do mencionado nos pontos 39) e 41), a caixilharia e o pavimento de madeira em toda a fracção, apresentavam sinais de má conservação e manutenção, com mossas, riscos e descolorações; x) Todas as divisões da casa, mas em particular a zona dos quartos eram extremamente frias, não possuindo um revestimento/isolamento adequado nas zonas das janelas e portas, deixando, dessa forma, o ar frio do exterior transparecer para o interior do imóvel; y) Para além do mencionado em 42), no pavimento e parede da lavandaria, em concreto na área destinada à máquina de lavar a roupa, eram visíveis marcas profundas de humidade, bolor e de sujidade, sendo que inclusive o móvel que se situava junto ao local destinado àquela máquina apresentava marcas de humidade e o seu revestimento na base estava a descascar; Os recorrentes fundamentam o erro da decisão nos depoimentos de DD, a mediadora que intermediou a celebração do contrato, EE, comadre dos réus que disse ter visitado a fracção uma vez, e FF, engenheiro civil – marido da mediadora – que elaborou o texto que constitui o documento 83 junto pelo autor e intitulado termo de visória do imóvel. Parece forçoso entender que o meio de prova mais valioso sobre os factos cuja decisão vem impugnada é o próprio doc. 83, uma vez que este é um texto escrito, qualidade que evita que a sua capacidade para registar as observações do autor do documento para a posteridade não tenha sofrido erosão, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a memória humana, e foi elaborado por pessoa especialmente chamada para fazer a averiguação e a descrição que consta do documento – vistoriar o imóvel para registar o estado em que ele é entregue ao arrendatário –, sendo que o seu autor afirmou ser engenheiro civil e fazer este trabalho com regularidade. De referir que foi afirmado nos autos pelos réus e pela testemunha EE que depois de os réus receberem o imóvel fizeram um vídeo e tiraram fotografias do mesmo; contudo, esses meios de prova não estão juntos aos autos, apesar de parecer evidente o seu interesse e relevância para a demonstração dos factos alegados pelos réus, havendo sim nos autos um vídeo e muitas fotografias do imóvel que foram juntas pelo autor e com o qual este pretende demonstrar o que alegou. Escutados os depoimentos citados e lido com atenção o referido documento é possível afirmar o seguinte quanto à prova. O imóvel situa-se em ..., na primeira linha de praia, o contrato foi negociado em 15 de Novembro e a fracção foi entregue aos réus entre os dias 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro, tendo o respectivo proprietário diligenciado nesse intervalo de tempo para se mudar da fracção para outra habitação. Nesse contexto, o mais natural, previsível e provável é que a fracção estivesse fria e com um ambiente húmido, como certamente acontecerá no local mesmo na maior parte de todas as outras estações do ano e como qualquer pessoa tem a obrigação de esperar que aconteça por a fracção estar localizada numa zona de praia, ventosa, do norte do país, virada para o oceano atlântico, sem qualquer outra construção a impedir ou limitar a acção do vento vindo do mar e a projecção de humidade. Por isso mesmo, a demonstração dos factos das alíneas g) e x) exigia o apuramento das características técnicas dos materiais de isolamento das paredes, janelas e portas da fracção, o que nenhum dos meios de prova citados pelos recorrentes conhece ou referiu, razão pela qual aqueles factos não podem deixar de se manter não provados. O documento 83 não confirma os factos das alíneas n) [pelo contrário, refere «Esquadria em alumínio em bom estado de conservação e funcionamento. Vidros intactos, sem riscos ou trincas. Divisória e porta em vidro em bom estado de conservação, sem riscos ou trincas»], p) [pelo contrário, expõe «Armários em bom estado de conservação e funcionamento, sem riscos, manchas, com todos os acessórios e com vidros intactos»], r) [pelo contrário, assinala por referência à casa de banho da suíte 1 «Móvel da bancada de madeira com vidro sobreposto em bom estado de conservação. Vidro e madeira não apresentam riscos ou trincas»], s) [pelo contrário, menciona na casa de banho social «Torneiras, duche, resguardo, banheira em bom estado de conservação e em funcionamento», na casa de banho da suíte 1 «Torneiras, duche, resguardo, banheira em bom estado de conservação e em funcionamento» e na casa de banho da suíte 2 «Torneiras, duche, resguardo, banheira em bom estado de conservação e em funcionamento »] e y) [consta apenas o que foi levado ao ponto 42 da fundamentação de facto]. Por isso também estes factos foram correctamente julgados não provados. O facto da alínea w), no sentido de que acrescenta aos factos julgados provados a ideia de que os riscos e sinais de utilização e desgaste no pavimento de madeira da fracção estavam presentes na totalidade da fracção, tem de se manter julgado não provado, na medida em que, sendo embora evidente que pela sua idade e por estar a ser habitada por pessoas a mesma não podia deixar de apresentar sinais dessa natureza, conforme, aliás, foi julgado provado em vários pontos da fundamentação de facto, isso não é evidenciado pelo documento 83, o qual não acusa, de todo, a deterioração generalizada que os réus sustentam. O facto da alínea k) também não se provou porque do documento 83 apenas consta o que foi levado a vários pontos da fundamentação de facto, não se referindo em lado algum sinais de humidade ou de bolor e somente se mencionando «alguns pontos de condensação acima da porta de saída para terraço» do quarto 1. Em relação ao cheiro a mofo, estando o imóvel a ser alvo de uma mudança e situando-se onde se situa, é possível que em Janeiro/Fevereiro a falta de ventilação e a retirada de bens pudesse causar algum cheiro. Todavia, não é possível afirmar que se tratasse de um cheiro que não tivesse aquela causa estrita e/ou não passasse com a ventilação da fracção, não sendo esse, contudo, o sentido e o objectivo da alínea em questão. Por isso também ela foi devidamente julgada não provada. Em relação à alínea l) não se encontra na impugnação da matéria de facto a indicação de um único meio de prova que demonstre o facto em causa. Das três testemunhas citadas pelos recorrentes apenas a mediadora imobiliária falou sobre o assunto, sendo certo que o facto se reporta a uma comunicação por telefone feita pelo réu precisamente à mediadora. O que esta afirmou foi que «um dia, dois dias» depois de ter recebido as chaves da fracção, o réu lhe ligou a dizer que tinha falado com a mulher e tinham decidido que não iam «ficar no apartamento». Não na parte transcrita pelos recorrentes mas no último segmento gravado do seu depoimento, a testemunha afirmou que o réu diz que lhe telefonou ainda no dia 31 de Janeiro, mas a testemunha não se lembra que isso tivesse ocorrido e por isso não confirma esse facto. Por conseguinte, ao menos por efeito dos meios de prova que os recorrentes indicaram para servir de fundamento à alteração, inexiste fundamento para mudar a decisão. A impugnação de decisão sobre a matéria de facto soçobra. IV. Fundamentação de facto: Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos: 1) O autor é o dono e legítimo proprietário da fracção autónoma, designada pelas letras “AY”, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., em ..., .... 2) Trata-se de um apartamento, de tipologia “T3”, com três quartos, sendo dois deles “suite”, com casa de banho privativa completa, uma sala de jantar, uma cozinha montada e equipada, uma lavandaria, uma casa de banho completa e uma casa de banho de serviço, assim como uma varanda (terraço), possuindo sistema de alarme, vidros duplos, estores eléctricos e aquecimento central em todas as suas divisões. 3) Dispõe ainda de garagem privativa coberta (“box”), com capacidade para dois lugares de garagem e uma arrecadação exclusiva para a fracção. 4) O prédio, que é um condomínio privado, com jardins e piscina privativa, localiza-se frente ao mar, na primeira linha da costa marítima, a norte da praia de ... e defronte da .... 5) A fracção em apreço é voltada para o mar, dispondo de vistas para a marginal marítima, para a ... e para as praias de .... 6) De acordo com a certidão matricial e predial, a fracção tem uma área bruta privativa de 170m2 e uma área bruta dependente de 58,38m2, além de uma varanda (terraço) com cerca de 90m2, de uso exclusivo. 7) A primeira ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre o mais, às actividades de design gráfico e à prestação de serviços de informática e consultoria. 8) Sendo os segundos réus os seus únicos sócios, cada um dos quais detendo metade do capital social. 9) Por documento particular intitulado “Contrato de Arrendamento Urbano Com Prazo Certo para Fim Habitacional”, datado de 15 de Novembro de 2022 - cuja cópia se encontra junta aos autos como documento 9 da petição inicial - o autor declarou dar de arrendamento para fins habitacionais o imóvel acima descrito à primeira ré, pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, com início de vigência em 1 de Fevereiro de 2023 e termo em 31 de Janeiro de 2028, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, e mediante o pagamento de uma renda mensal de 2.000,00€, actualizada no segundo ano de vigência para o valor de 2.050,00€ e actualizada no terceiro ano para o valor de 2.100,00€, vigorando tal actualização para os anos subsequentes. 10) O arrendamento em apreço destinou-se a servir de habitação própria e permanente dos segundos réus, apesar de figurar no contrato a primeira ré, como arrendatária, por razões do seu interesse. 11) Com a outorga do contrato de arrendamento, os réus entregaram ao autor, a título de pagamento antecipado da renda devida pelo mês de Janeiro de 2028, a quantia de 2.100,00€. 12) E entregaram também ao autor o valor de 9.000,00€, a título de caução destinada a assegurar o pagamento de quaisquer danos e despesas que o autor viesse a ter no decurso ou no final do arrendamento, resultante de uma imprudente utilização do locado ou de consumos não pagos, devendo tal caução ser restituída com a entrega do locado, finda a vigência contratual, desde que não se justificasse, por esses motivos, a sua retenção. 13) Nos termos da cláusula oitava do contrato de arrendamento foi estipulado, para todos os devidos e legais efeitos, que «o primeiro outorgante obriga-se ainda sob pena de rescisão deste contrato a concluir, até à data de início de vigência do presente contrato de arrendamento, à reparação/substituição dos itens constantes no Anexo 1». 14) Tal anexo 1, subscrito por todos os outorgantes, tem o seguinte teor: Lista de reparações referente ao contrato de arrendamento urbano com prazo certo fim habitacional, mencionado na cláusula sétima: 1) Substituição do intercomunicador localizado na cozinha. 2) Porta do armário da pia da cozinha avariada. 3) Armário em baixo da pia da casa de banho das suites. 4) Portas das suites que dão para o terraço, trancas, roldanas e persianas dos quartos. 5) Porta de correr para a lavandaria emperrada/desencaixada. 6) Saída de ar da lavandaria está sem tampa. 7) Remoção do varal, pois o mesmo encontra-se em mau estado. 8) Painel da cozinha está partido. 9) Mesa de apoio (chumbada na parede) está com vidro manchado e pés enferrujados. 10) Pedaço da parede amassado/acidentado na entrada e papel de parede estragado. 11) Pintura da parede aquando da remoção das cabeceiras das camas. 12) Fechadura da porta quebrada na primeira suite. 15) Os segundos réus intervieram no contrato de arrendamento na qualidade de fiadores, por forma a assegurarem o bom cumprimento contratual, constituindo-se devedores e principais pagadores das obrigações assumidas por aquela, com renúncia ao benefício da excussão prévia. 16) Por intermédio de uma agente imobiliária, os réus realizaram pelo menos duas visitas presenciais ao imóvel antes da assinatura do referido contrato. 17) Até ao início de vigência do arrendamento, o autor procedeu as seguintes reparações constantes da lista mencionada em 14): i) Substituiu o intercomunicador da cozinha. ii) Reparou a porta do armário da pia da cozinha. iii) Reparou o armário debaixo da pia da casa de banho. iv) Reparou as portas das suites que dão ao terraço, as trancas, roldanas e persianas, sem contudo ter colocado ter colocado o tampão em plástico do sistema de eliminação de água do caixilho das portas de correr. v) Reparou a porta de correr da lavandaria. vi) Colocou a tampa de saída de ar da lavandaria. vii) Retirou o varal (estendal), tendo deixado a base fixa à parede. viii) Colocou um novo painel na cozinha. ix) Retirou a ferrugem dos pés da mesa da cozinha e as machas no vidro da mesa de apoio. x) Reparou (no possível) o papel de parede. xi) Pintou a parede após a remoção das cabeceiras das camas. xii) Reparou a fechadura da primeira suite. 18) O autor deixou ficar na fracção as carpetes da sala e as cortinas da sala e quartos, assim como o móvel TV da sala e a consola do hall. 19) Aquando da entrega do imóvel, a esquina de uma parede, revestida a papel de parede, apresentava uma pequena mossa derivada da abertura e fecho da porta aí existente. 20) A película colocada no tampo de vidro da mesa de apoio da cozinha (chumbada à parede) apresentava falhas. 21) Na véspera do início de vigência do arrendamento, dia 31 de Janeiro de 2023, os réus deslocaram-se ao imóvel. 22) No dia 1 de Fevereiro de 2023, na presença de autor e réu foi realizada uma vistoria por intermédio de um técnico destinada a verificar o estado de uso e conservação do imóvel, dos equipamentos e do mobiliário. 23) Nesse mesmo dia, o autor procedeu à entrega ao réu marido das chaves do apartamento, as quais foram por este recebidas. 24) Em 3 de Fevereiro de 2023, pelas 07h31m, o autor recebeu no seu endereço electrónico, AA..........@....., um email endereçado pelo segundo réu marido e gerente da primeira ré, através do seu endereço electrónico BB..........@....., com o título “Resolução do contrato de arrendamento”, com o seguinte teor: Excelentíssimo Senhor AA, Vimos por este meio comunicar que o apartamento que nos arrendou datado de 07 de Novembro de 2022 não se encontra em estado de habitabilidade, nem sequer com as condições mínimas para que possamos fazer dele a nossa habitação permanente. Na realidade, além de o apartamento ter sido entregue no dia 01 de Fevereiro de 2023, o mesmo só nesta data foi vistoriado por nós, com reportagem fotográfica e vídeo onde constatamos várias anomalias e defeitos que não permitem ter uma vivência digna e habitável. Aliás, até a data da entrega das chaves, o apartamento foi por nós visitado somente em duas ocasiões, encontrando-se o mesmo totalmente mobilado e ocupado com objectos e móveis de sua propriedade. Acresce que, no que concerne ao Anexo 1 do aludido contrato de arrendamento, todos os itens ali mencionados encontram-se por concluir. bem como é latente e visível que os electrodomésticos que se encontram no apartamento (placa, forno, exaustor, caldeira e frigorífico) não se encontram em bom estado de conservação, apresentando os mesmos deterioração acentuada e falta evidente de higiene e asseio. Quando decidimos formalizar o contrato de arrendamento e pagar os montantes ali considerados - quer o valor da renda, quer o valor correspondente à caução - ficaram estipulados como obrigação por parte do senhorio de entregar o imóvel e as respectivas chaves em perfeitas condições de habitabilidade, em termos de conservação e limpeza. No entanto, não foi o que aconteceu, como se pode constatar da reportagem fotográfica efectuada, onde temos além dos pontos supramencionados (Anexo 1): paredes e tectos com visíveis sinais de humidade e condensação, bem como vidros partidos nas casas de banho, falta de isolamento das janelas, porta para a lavandaria e varandas em mau estado de funcionamento, paredes inacabadas em termos de pintura e com diversas manchas, defeitos nos armários da cozinha, sinais de má conservação da madeira em portas, janelas e piso. Pelo exposto, manifestamos nossa intenção de rescindir/resolver o contrato de arrendamento de 27 de Novembro de 2022 com a consequente devolução das quantias entregues, quer a título de rendas, quer a título de caução, com fundamento na circunstância de o apartamento, actualmente, no estado em que se encontra, não permitir que a nossa família - composta de eu próprio, minhas esposa e duas crianças, uma com 6 anos e outra com 9 meses - tenham que suportar e viver num local que não possui quaisquer condições de salubridade, conforto e bom estado de conservação, o que claramente contraria as várias cláusulas que compõem o contrato entre nós celebrado. Assim sendo, entendemos que nos assiste razão suficiente para dar sem efeito o contrato de arrendamento entre nós celebrado, uma vez que consideramos termos sido vítimas de erro, logro e engano em tudo que nos foi prometido e em que confiamos. Com os melhores cumprimentos, BB. 25) Os réus[1] mantiveram-se na posse do apartamento até o dia 25 de Fevereiro de 2023, data em que entregaram as chaves do mesmo ao autor, após o que o autor lhes restituiu o valor que estes lhe haviam entregue a título de caução. 26) Se o autor não se tivesse obrigado a realizar as reparações mencionadas em 14), os réus não teriam celebrado o contrato de arrendamento, sendo esta situação do conhecimento do autor. 27) No dia 31 de Janeiro de 2023, quando os réus se deslocaram à fracção, o autor ainda se encontrava em processo de mudança ali se encontrando caixas e pertences do autor espalhados por toda a casa. 28) No dia 31 de Janeiro de 2023, os réus manifestaram à agente imobiliária que os acompanhava que não podiam aceitar o imóvel nas condições em que o mesmo se encontrava. 29) Facto que o réu marido transmitiu ao próprio autor durante a vistoria ao imóvel realizada no dia 1 de Fevereiro de 2023. 30) Os réus aceitaram ficar com as chaves do apartamento porque tinham receio que o autor não lhes devolvesse o valor pago a título de caução e adiantamento de renda. 31) A pintura da parede após a remoção das cabeceiras das camas foi executada de forma grosseira, tendo a parede marcas visíveis e empoladas, com diferentes areados. 32) Os frigorífico e o forno que se encontrava no imóvel estavam sujos e a parte inferior interna da porta inferior (do congelador) apresenta ferrugem. 33) O chuveiro de uma das casas de banho apresentava sinais de desgaste e marcas brancas. 34) O autor não procedeu à pintura das várias divisões da fracção após a remoção da mobília. 35) O pavimento em madeira da sala apresenta riscos e danos em alguns pontos. 36) O piso em madeira de uma das suites apresenta pequenos riscos derivados do uso. 37) Na zona do quarto dessa suite, o apainelado das portas de acesso ao terraço, apresenta desgaste da medeira e fissuras em alguns pontos. 38) O piso em madeira de um dos quartos apresenta pequenos riscos de utilização e pequenos furos próximo da soleira da porta de saída para o terraço. 39) Nesse mesmo quarto, o apainelado das portas de acesso ao terraço, apresenta desgaste da madeira e fissuras em alguns pontos. 40) Numa outra suite, o piso de madeira apresenta pequenos riscos derivados da utilização. 41) Na zona do quarto dessa suite, o apainelado das portas de acesso ao terraço, apresenta desgaste da madeira e fissuras em alguns pontos. 42) Na zona da lavandaria, o pavimento e parede da área destinada à máquina de lavar a roupa apesenta manchas. 43) O painel de vidro da zona do chuveiro também se encontrava rachado. 44) No dia 1 de Fevereiro de 2023, os réus manifestaram ao autor que não pretendiam sequer receber as chaves, uma vez que o imóvel não se encontrava em condições, o que não foi aceite pelo autor. 45) Pelo menos a partir de Março de 2023, o autor havia já arrendado a fracção autónoma a terceiros. 46) Os réus[2] tinham um prazo certo para sair do apartamento que previamente habitavam e, porque rescindiram o contrato com o autor, tiveram de procurar uma outra alternativa para a sua habitação. V. Matéria de Direito: Como vimos, estão deduzidos em simultâneo um recurso independente pelo autor e um recurso subordinado pelos réus. Naquele, o autor insurge-se contra a decisão de julgar improcedente, com fundamento no abuso de direito, o pedido de condenação pagamento das rendas do período de 20 meses[3] (correspondentes a 1/3 do prazo do contrato) dentro do qual os réus não podiam denunciar o contrato, defendendo que a sua pretensão não constitui um abuso de direito. Neste, os réus insurgem-se contra a decisão de julgar procedente o pedido de condenação no pagamento das rendas do período em falta de 4 meses (120 dias) de pré-aviso para a denuncia do contrato, acrescidas da indemnização moratória prevista no artigo 1041.º do Código Civil, defendendo que o contrato foi resolvido validamente pelos réus pelo que não tem aplicação qualquer prazo de pré-aviso, mas a entender-se de outro modo a exigência desse prazo constitui um abuso de direito. Pese embora um recurso seja independente e o outro subordinado, uma vez que o primeiro não ficou sem efeito ou foi objecto de desistência e há que conhecer dele (artigo 663.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), ambos os recursos devem ser apreciados. A ordem desse conhecimento, contudo, não é definida por aquela relação entre os recursos, mas sim pela relação lógico-jurídica que as questões objecto de ambos os recursos estabelecem entre si e o modo como o resultado da apreciação de uma se repercute nas demais questões (neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição actualizada, pág. 122/123, Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, pág. 322). Nesse sentido, uma vez que a questão de saber como cessou o contrato influencia a questão de saber se, sendo essa cessação consequência de denuncia, também são devidas as rendas do período de pré-aviso em falta, conhecer-se-á em primeiro lugar do recurso subordinado (já se conheceu da respectiva impugnação da decisão sobre a matéria de facto porque a fixação da fundamentação de facto é, em qualquer caso, prévia ao conhecimento das questões de direito suscitadas pela mesma). Os recorrentes defendem que o contrato se extinguiu por verificação da condição resolutiva a que foi submetido pelas partes ou por resolução do arrendatário com fundamento no incumprimento pelo senhorio de prestações que se obrigou a cumprir até ao momento da entrega do arrendado, e que por esse motivo é juridicamente despropositado aplicar as regras da denuncia do contrato pelo arrendatário. Quid iuris? Na cláusula oitava do contrato de arrendamento as partes estipularam que «o primeiro outorgante obriga-se ainda sob pena de rescisão deste contrato a concluir, até à data de início de vigência do presente contrato de arrendamento, à reparação/substituição dos itens constantes no Anexo 1». Os réus defendem que se trata de uma condição resolutiva, ou seja, que como até à data de início de vigência do contrato o senhorio não realizou a totalidade dos trabalhos descritos no anexo ao contrato este ficou automaticamente sem efeito por verificação daquela condição. De facto, os contratantes podem, nos termos do artigo 270.º do Código Civil, «subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva». Segundo Manuel de Andrade, in Teoria Geral do Direito, II volume, pág. 356, a condição é «uma cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que, ou só verificado tal acontecimento futuro e incerto é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então, só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).» Segundo Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 8ª edição, pág. 530, é «característico da condição, como cláusula típica, que o seu conteúdo corresponda à sujeição da eficácia do negócio, ou de parte dele, à verificação ou à não verificação de um facto e que esse facto, o facto condicionante, seja na condição tido como facto futuro e como facto incerto.» Também segundo Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, II volume, pág. 403, «identifica-se como primeiro e essencial elemento do conceito de condição, o carácter futuro do facto ou acontecimento, de cuja verificação dependem os efeitos do negócio, quer para se começarem a produzir, quer para cessarem.» Segundo Ana Afonso, in Comentário ao Código Civil: Parte Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 661, a aposição no contrato de uma «cláusula negocial cujo conteúdo especifico se traduz em subordinar a eficácia do negócio à verificação de um evento dotado das características da colocação no futuro e da incerteza» estabelece «uma relação de dependência entre a eficácia de um negócio jurídico, perfeito e válido, e um evento futuro e incerto, originando uma dissociação entre o momento de assunção de um vínculo jurídico-negocial, irrevogável e intangível, e o momento da respectiva eficácia». A autora assinala ainda que «a aposição de uma cláusula de condição a um negócio jurídico corresponde ao exercício da autonomia privada, servindo o interesse dos sujeitos do negócio de se precaverem quanto à evolução futura de acontecimentos que não controlam e dos quais depende a mais perfeita concretização dos seus interesses negociais». No Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações: Das Obrigações em Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2018, página 138, refere-se que «a cláusula resolutiva distingue-se da condição resolutiva: a primeira, enquanto fonte de um direito potestativo de extinção retroactiva da relação contratual, apenas confere ao beneficiário o poder de resolver o contrato uma vez verificado o facto por ela descrito, a segunda determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica. Acresce que a resolução tem, em regra, apenas eficácia retroactiva entre as partes e a verificação da condição resolutiva tem, também em regra, eficácia retroactiva plena (artigo 274.º, n.º 1)». Porque gozam de liberdade negocial as partes podem celebrar contratos sob condição suspensiva ou resolutiva, tal como podem acordar cláusulas acessórias típicas ou atípicas, desde que os negócios, por sua natureza, não sejam com elas incompatíveis – cf. artigos 405.º e 271.º, n.º 1, do Código Civil –. A condição, em sentido próprio, tem por fonte uma cláusula acessória do negócio; para haver verdadeira condição, ela há de resultar de estipulação das partes. Segundo Manuel de Andrade, in Teoria-Geral, vol. II, pág. 356, a condição exprime “uma vontade hipotética”, mas “actual e efectiva, embora subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não como certo”. Aceitando-se esta definição da condição resolutiva, parece dever-se concluir que a cláusula do contrato citada pelos réus não possui essa natureza. Com efeito, nela as partes não equacionaram a possibilidade de um evento futuro e incerto, estabeleceram sim a obrigação de o senhorio realizar no arrendado trabalhos específicos, bem delimitados e perfeitamente realizáveis. Nessa estipulação não há qualquer elemento de incerteza, há somente a fixação de uma data futura para a realização de trabalhos certos, rectius, de um prazo para a sua realização. A circunstância de as partes terem equacionado a eventualidade de tais trabalhos não serem realizados não está relacionada com qualquer incerteza associada à natureza do acto ou imprevisão da sua ocorrência, está sim e apenas relacionada com a possibilidade de o senhorio não cumprir essa obrigação, poder decidir não realizar os trabalhos a que se obrigou. Logo, quando eles equacionam essa possibilidade e lhe associam uma consequência ao nível da vigência do contrato, eles não estão a subordinar o contrato a uma condição (a um evento futuro incerto), estão a prevenir a eventualidade de um determinado dever de prestação não ser cumprido no respectivo prazo convencionado e a associar-lhe um efeito relativamente ao contrato. Daí que a disposição contratual em causa não seja uma condição resolutiva, seja sim uma cláusula resolutiva, isto é, uma cláusula que permite à arrendatária resolver o contrato, caso o senhorio não cumpra a obrigação contratual de realizar no arrendado as reparações e/ou obras acordadas, e que foram essenciais para a decisão de contratar da arrendatária. Sendo assim, como nos parece, adquire relevância a questão de saber se a arrendatária podia resolver validamente o contrato, rectius, se existia fundamento para a arrendatária resolver o contrato. O artigo 1083.º do Código Civil rege sobre os fundamentos da resolução do contrato de arrendamento de prédios urbanos. Nos termos do n.º 1, «qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte». Porém, nos termos do n.º 2, só «é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento». E o n.º 5 acrescenta que «é fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato». Aparentemente a norma sujeita o exercício do direito de resolução por qualquer das partes ao regime geral e, portanto, como consequência do incumprimento pela outra dos deveres impostos pela lei no contrato de arrendamento. Porém, o n.º 2 da norma subordina esse direito a uma cláusula geral mais exigente aplicável quer à resolução pelo senhorio quer à resolução pelo arrendatário. Não é todo o incumprimento dos deveres legais que consente a resolução; apenas gera esse direito o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. Embora a lei elenque situações nas quais se presume que existe essa gravidade ou consequências, fora dessas situações típicas é necessário demonstrar não apenas o incumprimento da outra parte, mas também a gravidade ou consequências desse incumprimento. Designadamente, nos termos do n.º 5, quando se trate do incumprimento do dever do senhorio de realizar obras que lhe cabem, para o arrendatário poder resolver o contrato é necessário que a falta das obras comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato. Esta norma tem por referência as obrigações legais do locador e do locatário consagradas, respectivamente, nos artigos 1031.º e 1038.º do Código Civil. Todavia, no caso as obrigações que estão em causa não são essas. A arrendatária não se queixa do incumprimento das obrigações legais do senhorio, designadamente a de realizar obras de conservação reclamadas pelo estado do arrendado e destinadas a permitir o gozo deste, eles queixam-se do incumprimento da obrigação contratual assumida pelo senhorio na cláusula 8ª do contrato, qual seja, a de realizar as obras convencionadas para poder entregar à arrendatária o arrendado no estado e com as qualidades subsequentes à execução das obras. O que sucedeu, com efeito, foi que o senhorio se obrigou perante a arrendatária a realizar no arrendado, antes de o entregar à arrendatária, determinadas reparações e/ou substituições, arrendatária que apenas tomou a decisão de contratar porque o senhorio aceitou executar esses trabalhos. Tratou-se de estabelecer uma obrigação que não tem a ver com a execução do contrato, tem a ver sim com as qualidades do objecto do contrato a entregar à arrendatária. Por outras palavras, o que sucedeu foi que as partes acordaram que o arrendado seria entregue à arrendatária com as características e qualidades que adquiriria através da execução desses trabalhos. Sendo assim, a questão não convoca a aplicação do disposto no artigo 1083.º, convoca sim a aplicação do disposto nos artigos 1032.º e 1033.º do Código Civil. O artigo 1031.º estabelece que é obrigação do locador entregar ao locatário a coisa locada. O artigo 1032.º rege sobre os vícios da coisa locada e estabelece que se considera o contrato não cumprido (i.e., que há incumprimento do contrato) quando a coisa locada, entre outras coisas, carecer das «qualidades asseguradas pelo locador» desde que o defeito date, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa. A cláusula do contrato que vem sendo analisada tem esse sentido. Ao aceitar executar os trabalhos antes de entregar o arrendado, o senhorio aceitou que devia entregar o arrendado com as qualidades que esses trabalhos lhe iriam dar, isto é, com as melhorias que os trabalhos trariam ao arrendado. E como os réus só aceitaram contratar nesse pressuposto, isso significa que as partes acordaram que o arrendado devia ter tais qualidades, bem como a essencialidade desse elemento. Resulta da matéria de facto que o autor não executou realmente a totalidade dos trabalhos a que se obrigou, mais especificamente que não colocou um tampão em plástico no sistema de eliminação da água do caixilho de uma porta de correr, deixou a base do estendal que está fixa à parede, estendal que se obrigou a remover, deixou uma pequena mossa na esquina de uma parede que se obrigara a reparar. Independentemente da relevância destas desconformidades em relação ao que o autor se obrigou a fazer no arrendado antes de o entregar, certo é que nos termos do artigo 1033.º do Código Civil, o senhorio não responde pela falha das qualidades asseguradas (“o disposto no artigo anterior não é aplicável”), designadamente «se o locatário conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa» - alínea a) -. Resultou demonstrado que na véspera de receberem o arrendado os réus foram vê-lo e nessa data aqueles trabalhos estavam por realizar, tendo os réus manifestado à mediadora que não podiam aceitar o imóvel nessas condições. No dia seguinte, dia previsto para a entrega do arrendado, afirmaram o mesmo ao senhorio, não tendo este concordado com a posição da arrendatária. Não obstante, a arrendatária acabou por receber o arrendado, recebendo do senhorio das respectivas chaves. Tal comportamento consubstancia a causa de exclusão da responsabilidade do senhorio prevista na alínea a) do artigo 1033.º do Código Civil: a arrendatária conhecia a falta das qualidades asseguradas pelo senhorio quando recebeu a coisa e, apesar disso, recebeu-a. Não é juridicamente relevante que isso tenha sucedido por terem tido receio que o autor não lhes devolvesse a caução presta e a renda paga adiantada. Num estado de direito é através dos tribunais que as pessoas podem obter o reconhecimento e/ou o exercício coercivo dos seus direitos, bem como as providências necessárias para os acautelar, apenas sendo possível fazê-lo por outra via nas situações de estado de necessidade ou legítima defesa que manifestamente não se verificavam no caso concreto. Há assim que concluir que, independentemente do que consta da cláusula em apreço, pois o regime dos artigos 1032.º e 1033.º do Código Civil é imperativo, a arrendatária não podia responsabilizar o senhorio pelo incumprimento do dever de entregar o arrendado com as qualidades asseguradas, estabelecidas na cláusula 8ª do contrato, isto é, não podia resolver o contrato com esse fundamento. Alcança-se a mesma conclusão vendo as coisas pela perspectiva da dimensão ou gravidade das falhas verificadas. Nos termos do n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, as partes devem proceder de boa fé. Com fundamento nesse dever de actuar em conformidade com os ditames da boa fé, tem-se entendido que a resolução do contrato com fundamento numa falta de conformidade que na economia do contrato deve ser qualificada como insignificante – segundo um critério que leve em conta todo o contexto da contratação e em especial a finalidade do bem, a possibilidade do seu uso e a dimensão ou expressão da falha –, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e constitui, por isso, um exercício ilegítimo do direito pelo consumidor, a tratar nos termos gerais do instituto do abuso do direito. Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, 2005, pág. 109, afirma mesmo que «constitui a regra geral do direito à resolução: resolução só por incumprimento significativo ou de não escassa importância». Nesse sentido, refere Baptista Machado, in Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 1991, pág. 131, que «não basta qualquer inadimplemento para fundar um direito de resolução, importa averiguar se o inadimplemento tem suficiente gravidade para desencadear tal efeito». Também Carneiro da Frada, in Erro e Incumprimento na Não-conformidade da Coisa com o Interesse do Comprador, O Direito, Ano 121º, Vol. III, pág. 470 (15), afirma que «não há tutela jurídica para as hipóteses em que o defeito é de tal modo insignificante que não desvaloriza a coisa ou não impede que a respectiva utilização alcance o fim a que é destinada pelo contrato». Ora, não há como deixar de entender que as três faltas que se detectam no conjunto de trabalhos assumidos pelo autor (que são, note-se, apenas a falta de uma tampa de plástico no caixilho da janela, a manutenção da base do estendal fixa na parede e a não eliminação de uma pequena mossa na esquina de uma parede) são absolutamente insignificantes, para não dizer desprezíveis e, por isso, segundo o paradigma da boa fé, da actuação recta e proba, não podem gerar o direito à resolução do contrato. Seria estranho que a cláusula do n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, criada para controlar o exercício dos direitos emergentes do contrato, sem excepção, não se aplicasse, afinal, ao exercício do direito de resolução por incumprimento da outra parte apenas por as partes terem previsto esse direito numa cláusula resolutiva. Se a boa fé constitui o critério essencial do cumprimento da obrigação e do exercício do direito correspondente, não pode igualmente deixar de ser critério do modo como as partes exercem o direito de resolução, ainda que este decorra de uma cláusula contratual que estipula esse direito perante a verificação de uma determinada situação, sem ponderar falhas menores, incumprimentos meramente parciais e/ou temporários. Para o direito, o que é decisivo não é que haja acordo das partes (prévio ou contemporâneo do contrato), é que o comportamento de qualquer delas obedeça às regras da boa fé, de outro modo permitir-se-á que saia pela janela o que se fez entrar pela porta! Essa conclusão impõe-se ainda levando em consideração que não resulta da matéria de facto que a arrendatária tivesse necessidade impreterível do arrendado no dia que estava definido para o receber e em que o recebeu (o ponto 46 apenas diz que os réus tinham um prazo certo para sair do apartamento que habitavam, não que esse prazo coincidisse com o dia 1 de Fevereiro de 2023) e não pudesse interpelar o senhorio para suprimir aquelas falhas num prazo suplementar, sob pena de perder interesse no arrendamento. Esta questão, note-se, não se confunde com o que é descrito nos pontos 31 a 43 da fundamentação de facto. Aqui já não estamos perante a falta de qualidades asseguradas pelo senhorio (essas são somente as que decorrem da cláusula oitava e do anexo ao contrato), estamos a falta das qualidades próprias do arrendado, que tendo sido construído há duas décadas e estando habitado por uma família não pode, evidentemente, estar em estado de novo ou como novo e tem mesmo de apresentar sinais de desgaste inerente à sua utilização quotidiana pelos respectivos ocupantes. Se para celebrar o contrato os réus pretendiam que todas essas situações fossem eliminadas ou reparadas e o arrendado colocado num estado imaculado, como novo, tinham de as incluir no documento anexo ao contrato que serviu precisamente para definir os trabalhos a realizar antes da entrega do arrendado. De outro modo, tem de se entender que o objecto do arrendamento é o imóvel no estado em que se encontrava na data em que os arrendatários o viram e tomaram a decisão de celebrar o contrato, sem prejuízo de esse estado dever permitir a sua utilização para o fim do arrendamento. Não tendo isso ocorrido, o senhorio só é obrigado a fazer as obras de reparação e conservação que se tornem necessárias em função da degradação do imóvel após a sua entrega à arrendatária. Acresce que mesmo a falta de realização dessas obras só é fundamento de resolução do contrato pelo arrendatário quando, como vimos, essa omissão comprometa a habitabilidade do arrendado, o que manifestamente não é o caso de qualquer dos aspectos a que se referem os pontos 31 a 43 da fundamentação de facto, os quais se prendem com a estética e o embelezamento do arrendado, jamais com as respectivas condições de habitabilidade, não tendo qualquer cabimento a tese da arrendatária de que o imóvel representava um risco para a saúde do respectivo agregado familiar (!). Por tudo isso, entendemos que a arrendatária não tinha mesmo fundamento legal ou contratual para resolver o contrato de arrendamento, ou seja, que a resolução do contrato comunicada ao senhorio no dia 3 de Fevereiro de 2023 não é válida nem eficaz. O que cabe então perguntar é o que sucedeu ao contrato perante a comunicação ineficaz de resolução por parte da arrendatária. Na sentença recorrida entendeu-se que «a resolução infundada do contrato de arrendamento pelo arrendatário deve equiparar-se à denúncia unilateral do contrato pela arrendatária», mas que como o contrato foi celebrado por cinco anos, só podia ser denunciado no fim dos primeiros 20 meses (1/3 da duração), razão pela qual o senhorio é credor do valor da renda correspondente a esses 20 meses (direito de crédito que depois se impediu com recurso à figura do abuso de direito). Salvo melhor opinião e o devido respeito, esta interpretação das regras jurídicas não é feliz. Se a parte comunica à outra que resolve o contrato por incumprimento desta, mas se apura que ela não tinha fundamento para o resolver ou não procedeu validamente a essa resolução, a consequência é a de que a comunicação (sem fundamento) é ineficaz, não produz efeito. Se a comunicação não produz efeitos, não gera o efeito visado pela mesma, ou seja, pura e simplesmente, não produz a extinção do contrato. Em boa lógica cartesiana, se o contrato não se extingue, continua em vigor e a vincular as partes nos seus precisos termos! Pode eventualmente interpretar-se a comunicação de resolução do contrato como uma vontade firme de lhe pôr termo, mesmo que não haja fundamento para tanto. É nessa situação (que não decorre de nenhuma norma ou princípio jurídico, mas sim da interpretação da comunicação, uma vez que não cabe ao julgador decidir sobre o contrato em vez da parte que fez a comunicação inválida) que se pode entender que a resolução inválida consubstancia uma denúncia imotivada do contrato, ou seja, que como não existia fundamento para a resolução tudo se passa como se a parte fizesse extinguir o contrato pela forma que não carece de fundamento: a denuncia. Esta interpretação tem, contudo, um pressuposto necessário. Isso só pode ser assim nos casos em que o regime jurídico da relação contratual atribua à parte o direito de denunciar validamente o contrato por mera decisão sua, isto é, sem necessitar de invocar qualquer fundamento. O que não é possível é equiparar uma resolução inválida e ineficaz a uma denuncia igualmente inválida ou ineficaz … por não estarem verificados os respectivos pressupostos. Logo, quando o tribunal a quo concluiu, bem, que a arrendatária não podia denunciar o contrato de arrendamento urbano para habitação porque este foi celebrado pelo prazo certo de 60 meses e nos termos do artigo 1098.º, n.º 3, do Código Civil, o arrendatário só o podia denunciar «decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação» (termo que não havia sido atingido porque a resolução foi comunicada no terceiro dia após o início do prazo do contrato), devia ter concluído também que nessa situação, se a resolução era ineficaz, a denúncia era igualmente ineficaz, não podendo substituir aquela. A isso não obsta o disposto no n.º 6 do artigo 1098.º que, cremos bem, também não foi devidamente interpretado pelo tribunal a quo. Esta disposição estabelece que «a inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, excepto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano». Devidamente lida, a factispécie da norma não é a inobservância de todos os prazos previstos nos números anteriores, é sim a inobservância (dos prazos) da antecedência prevista em tais disposições. O que a norma tem em vista é o não acatamento dos prazos de antecedência ou pré-aviso com que as comunicações têm de ser feitas por referência à data em que produzirão efeitos – i.é., os prazos das alíneas a) a d) do n.º 1, das alíneas a) e b) do n.º 3, e do n.º 4 -. O n.º 3 da norma menciona dois prazos distintos: o prazo da duração (mínima) do contrato que tem de ter sido ultrapassado para que o arrendatário possa denunciar validamente o contrato; o prazo de antecedência da comunicação da denúncia sobre a data em que se pretende que ela produza efeito, extinguindo o contrato. O primeiro prazo não consubstancia qualquer antecedência, leia-se, distância em relação a um evento futuro; ao invés, traduz uma duração do contrato, um espaço temporal desde um facto passado - o início do contrato -. Por isso, quando o n.º 6 estabelece que o desrespeito pela «antecedência prevista nos números anteriores» não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes «ao período de pré-aviso em falta», o que está a estabelecer é que nos contratos de arrendamento com prazo certo igual ou superior a um ano, se o arrendatário denunciar o contrato para uma data situada menos de 120 dias depois da denuncia, a falha não impede a cessação do contrato na data pretendida mas o arrendatário terá de pagar a renda correspondente à parte que faltar desses 120 dias. A norma não estabelece, insiste-se, que o arrendatário poderá denunciar o contrato antes de o contrato atingir 1/3 da sua duração, estabelece somente o que sucede se o prazo de pré-aviso da denuncia não tiver sido respeitado. Como a denuncia só pode ser feita de forma válida e eficaz depois de o contrato atingir aquela duração mínima, a questão da antecedência só se coloca se a data do termo pretendido do contrato se situar para além dessa duração mínima. Antes de o contrato atingir 1/3 da sua duração, a denúncia não é válida e qualquer que seja a antecedência da comunicação isso mantém-se. O que significa que o contrato não se extingue e, porque se mantém, a obrigação de pagamento da renda subsiste, não por efeito do n.º 6 do artigo 1098.º, mas por efeito da alínea a) do artigo 1038.º do Código Civil. Deste modo, no caso, tal como não tinha fundamento para resolver o contrato por incumprimento do senhorio, a arrendatária não podia denunciar validamente o contrato de arrendamento na data em que fez a comunicação para produzir efeitos imediatos. Por isso, pese embora a comunicação feita pela arrendatária, o contrato não se extinguiu com a comunicação de 3 de Fevereiro de 2023, tendo-se mantido em vigor. Em consequência o senhorio não tem direito a qualquer renda com fundamento em o «contrato ter sido denunciado sem respeitar a antecedência de 120 dias». Mas, se não se extinguiu, o contrato manteve-se e encontra-se ainda em vigor, sendo devida pela arrendatária a correspondente renda mensal? A resposta é, cremos bem, negativa. O que entendemos que resulta da fundamentação de facto é que o contrato se manteve na referida data, mas extinguiu-se por revogação por mútuo acordo de ambas as partes no dia 25 de Fevereiro de 2023, data em que os réus entregaram ao autor as chaves do arrendado e este lhes restituiu a caução que tinha recebido. A entrega e a recepção das chaves e a devolução da caução acarretam a cessação do gozo do imóvel pela arrendatária e a restituição do valor recebido pelo senhorio para caucionar o cumprimento das obrigações da arrendatária, sinal de que não há mais risco de incumprimento que justifique a caução. Porquê? Porque o contrato está extinto! Nessa medida, tais actos não podem deixar de ser representar actos concludentes da intenção de extinguir a relação contratual existente entre as partes e por isso a formação tácita de um acordo de revogação do contrato. É absolutamente irrelevante a intenção que levou ambas as partes a aceitarem reciprocamente a realização desses actos; o que importa é a natureza concludente dos mesmos. Se o autor não reconhecia aos réus fundamento para extinguirem o contrato e pretendia mantê-lo em vigor devia continuar a proporcionar aos réus o gozo do arrendado, para o que não podia ter aceite de volta as chaves do arrendado e o próprio arrendado que, aliás, logo tratou de arrendar de novo a terceiros, numa manifestação inequívoca de que também ele considerava extinto o contrato celebrado com os réus. Acresce que a extinção do contrato apenas faz cessar para futuro os direitos e as obrigações contratuais, não importa a extinção de qualquer direito constituído durante o período de vigência do contrato. Por outras palavras, não é por ter aceite a revogação do contrato que o autor deixou de ser titular dos direitos emergentes do contrato durante a respectiva duração. A questão é que direitos são esses e, como vimos, não são os que lhe foram reconhecidos na sentença recorrida. Aqui chegados temos de concluir que o contrato teve início no dia 1 de Fevereiro de 2023, que nesse dia venceu-se a renda relativa a esse mês, no valor de €2.000, que no dia 3 de Fevereiro de 2023 o contrato não se extinguiu por resolução ou por denuncia válidas e eficazes, que no dia 25 de Fevereiro de 2023 o contrato se extinguiu sim por revogação por mútuo acordo, a qual é válida e eficaz. Em consequência, o senhorio apenas tem o direito a fazer sua a renda do mês de Fevereiro de 2023, não tem nem direito a qualquer outra renda, nem o direito a qualquer indemnização pela cessação do contrato no dia 25 de Fevereiro de 2023, seja a título de renda, falta de pré-aviso ou mora. Como a renda daquele mês era de €2.000 e o autor recebeu à cabeça para pagamento da última renda prevista o valor de €2.100, feita a compensação dos valores, é o autor que deve restituir aos réus a quantia de €100. Aplicando essas consequências aos pedidos formulados, temos que a acção deve ser julgada totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, condenando-se o autor a restituir aos réus a quantia de €100. É o que se decide. VI. Dispositivo: Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso principal improcedente e o recurso subordinado parcialmente procedente; em consequência, revogam a decisão recorrida, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus dos pedidos, e julgando a reconvenção parcialmente procedente, condenando o reconvindo a pagar aos reconvintes a quantia de €100 (cem euros). Custas da acção e dos recursos por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento. * Porto, 21 de Novembro de 2024. * Os Juízes DesembargadoresRelator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 861) 1.º Adjunto: António Paulo Aguiar de Vasconcelos 2.º Adjunto: José Manuel Monteiro Correia [a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas] _______________________________ [1] Por manifesto lapso, na sentença recorrida escreveu-se «autores» em vez de «réus», lapso que aqui se corrige. [2] Por manifesto lapso, na sentença recorrida escreveu-se «autores» em vez de «réus», lapso que aqui se corrige. [3] Na petição inicial o autor quantificava essas rendas em 32.400€, valor que resultava de um erro de cálculo na operação descrita no artigo 75.º da petição inicial (2.050 x 8 são 16.400 e não 8.400); agora no recurso quantifica-as em 32.500€, agravando o erro, apesar de a sentença calcular correctamente esse valor em 40.400€ (12 meses a 2.000€ de renda, perfaz 24.000€, mais 8 meses a 2.050€ de renda, perfaz 16.400€, tudo somando 40.400€). |