Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL RESPONSABILIDADE CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | RP20241107141/24.9T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O nosso ordenamento jurídico encerra, em paralelo, dois regimes gerais de competência internacional, decorrendo o regime interno dos artigos 62º e 63º do Código de Processo Civil, e o regime comunitário da ressalva contida no art.º 59º do Código de Processo Civil. II - A aplicação do regime comunitário prevalece sobre o regime interno, em razão do primado do direito europeu, aceite por todos como fonte hierarquicamente superior. III - Tendo em vista a determinação da competência judiciária, importa qualificar o contrato ajuizado de acordo com o direito comunitário, prevalente sobre o direito interno, enquanto pressuposto necessário para se determinar se os tribunais portugueses são ou não internacionalmente competentes, considerando que o litígio tem por objecto matéria comercial, emergente de uma relação transnacional. IV - Quando o fundamento da pretensão do demandante for a resolução do contrato por falta de cumprimento e o litígio tiver por objecto um contrato de compra e venda e de prestação de serviços, como aquele que está em causa nos autos, a competência judiciária é definida por um dos critérios previstos nos § 1.º e 2.º da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012. V - No caso dos autos há que entender que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para julgar a acção que tem por objecto o cumprimento da obrigação de restituição da quantia adiantada pela Autora correspondente a parte do preço dos bens e serviços que a Ré se obrigou a fornecer-lhe, em regime de subcontratação, no âmbito de um projecto que à primeira havia sido adjudicado em concurso público do governo espanhol, com respeito a dois locais ambos localizados em Espanha, dado que, quer o domicílio (sede) da Ré, quer o local de cumprimento relevante - lugar da entrega dos bens e prestação de serviços - se situam naquele País (cf. n.º 1 do art.º 4.º, n.º 1 do art. 5.º e § 1.º e 2.º da al. b) do n.º 1 do art.º 7.º, todos do Reg. 1215/2012). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 141/24.9T8AVR-B.P2 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Central Cível de Aveiro Relator: Carlos Portela Adjuntos: Judite Pires Isabel Peixoto Pereira Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: No âmbito da presente acção declarativa de condenação com processo comum em que é Autora a sociedade comercial A..., Lda., com sede na Travessa ..., ..., em ... e Ré a sociedade comercial B..., S.L., sociedade comercial Espanhola com sede em Calle ..., Espanha, foi proferido a seguinte decisão, cujo teor aqui se passa a reproduzir: “Da incompetência internacional alegada pela Ré A) Condições de conhecimento da questão Os elementos necessários para a decisão constam do processo e a Autora já se pronunciou sobre aquela exceção dilatória. B) Enunciado da questão a solucionar Está em causa saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da ação de condenação envolvente de duas sociedades comerciais, uma portuguesa e outra espanhola, na qual a primeira pede contra a segunda o cumprimento da obrigação de restituição da quantia pela mesma adiantada correspondente a 30% do preço dos bens e serviços que a segunda se obrigou a fornecer à primeira, em regime de subcontratação, no âmbito de um projeto que a esta havia sido adjudicado em concurso público do governo espanhol, com respeito a dois locais (universo lorca e geoparque de Granada), ambos localizados em Granada, Espanha, não tendo aquele subcontrato sido executado pela demandada por força da resolução contratual provocada pela demandante. C) Identificação das partes e o pedido A sociedade comercial “A..., Lda.”, com o NIPC ...67 e sede na Travessa ..., ..., em ..., instaurou ação declarativa em processo comum contra a sociedade comercial “B..., S.L., sociedade comercial Espanhola com sede em Calle ..., Espanha, ..., na qual pede que a Ré seja “condenada a cumprir com a obrigação de restituição à Autora da quantia pela mesma adiantada no valor de € 71.477,73 (setenta e um mil, quatrocentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos), acrescida de juros vencidos que até à presente data se liquidam em € 3.961,92 (três mil novecentos e sessenta e um euros e noventa e dois cêntimos) e vincendos contados desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento, obrigação essa devida por força da resolução contratual promovida pela Autora nos termos e para os efeitos do disposto no 437º, nº. 1 do Código Civil”. D) Os fundamentos da ação Os enunciados de facto que fundamentam o pedido, e que não são controvertidos, são, no essencial, os seguintes: - Autora venceu um concurso público em Espanha, no âmbito do projeto TurinGranada promovido por RED.ES (entidade do governo espanhol, responsável pela promoção do desenvolvimento tecnológico e a inovação no país, especialmente no campo das tecnologias da informação e comunicação), e, nessa sequência, firmou com a Ré, em regime de subcontratação, o fornecimento do componente 10 - Sistema de Señalización Turística Inteligente, do projeto TurinGranada, que incluía a produção e instalação da sinalização do projeto pela Ré, de acordo com as especificações acordadas e com base na documentação aprovada pela RED.es e Dipt. de Granada, para depois a Autora revender o equipamento à entidade adjudicante; - Tendo por base o orçamento apresentado pela Ré em 10/02/2022, Autora pagou a fatura proforma n.º ...06, emitida pela primeira, no montante de € 59.047,71 acrescido de IVA, perfazendo o valor global de € 71.447,73, correspondente a 30% do preço para o fornecimento de todos os trabalhos a realizar pela Ré, pagamento esse efetuado pela Autora em 11/02/2022; - Em 10/07/2023, a Autora remeteu à Ré uma comunicação a informar que “De acuerdo con la reunión mantenida a última hora de esta tarde y según lo explicado y acordado, ante la modificación sustancial del presupuesto que se nos ha presentado y ante la intransigencia de RED.es de llevar a cabo una nueva revisión de precios, nos será completamente imposible proceder a la ejecución de los servicios inicialmente discutidos, por lo que la única solución posible será la de rescindir el acuerdo que inicialmente alcanzamos”, conforme documento n.º. 17 da petição inicial, cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos; - Em 14/09/2023, a Autora remeteu à Ré uma carta a interpelá-la para a restituição da quantia que lhe havia adiantado, no montante de € 71.447,73 (C/IVA), conforme documento n.º. 19 da petição inicial, cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos; - A restituição deveria ser feita para a conta bancária da Autora a que corresponde o IBAN: ...23 do Banco 1... em ..., conforme indicado na interpelação escrita que a Autora remeteu à Ré em 14/09/2023. E) O direito aplicável 1. Âmbito espacial – Em regra, quando a parte demandada esteja domiciliada ou tiver a sua sede num Estado- Membro, independentemente da sua nacionalidade, é aplicável o direito europeu relativo à competência judiciária em matéria civil e comercial que atualmente consta do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (doravante designado apenas por Regulamento), alterado pelo Regulamento 542/2014, desde que esse Estado-Membro esteja vinculado por aquele regulamento (cf. arts. 6.º, n.º 1, do Reg 1215/2012 e o Considerando 13 deste regulamento) e o litígio não tenha por objeto matérias abrangidas pelas competências exclusivas desses Estados (cf. art. 24.º, do Reg. 1215/2012) ou não tenha sido convencionada validamente outra distribuição da competência judiciária no respeito pela autonomia das partes que é reconhecida pelo Regulamento (cf. art. 25.º, do Reg. 1215/2012). Isto significa que, naqueles casos, a determinação da competência internacional dos tribunais dos Estados- Membros não é resolvida por aplicação das regras de direito interno, concretamente (e no caso de Portugal) das regras previstas no art. 62.º do Cód. Proc. Civil, por força do princípio do primado do direito europeu. É indiferente que o litígio apresente conexão com Estados não vinculados pelo Regulamento (cf. RG 24/01/2019, p. n.º 1689/17.7T8BGC.G1). O referido Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e é diretamente aplicável em todos os Estados-Membros em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia segundo o qual “o regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados- Membros”. E resulta, ainda, do disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Por conseguinte, na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime europeu e o regime interno. Quando a ação estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime europeu, é esse regime que prevalece sobre o regime interno, que é de fonte hierarquicamente superior, por força do princípio do primado do direito europeu (vide Acórdão do TJ de 08/09/2010, proferido no Processo n.º C-409/06). No caso sub judice, constitui facto incontrovertido entre Autora e Ré que ambas estão sedeadas em Estados- Membros da União Europeia (Portugal e Espanha, respetivamente). A competência internacional dos tribunais portugueses terá, assim, de ser determinada de acordo com o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial. 2. Âmbito temporal – De acordo com o seu artigo 81.º, § 2.º, o Reg. n.º 1215/2012 entrou em vigor no dia 10 de janeiro de 2015. De acordo, ainda, com as suas disposições transitórias, o Reg. n.º 1215/2012 aplica-se às ações judiciais intentadas, aos instrumentos autênticos formalmente redigidos ou registados e às transações judiciais aprovadas ou celebradas em 10 de janeiro de 2015 ou em data posterior, sendo, por isso, aplicável ao presente litígio. 3. Regra geral – Na hipótese de o réu ter o domicílio ou a sede num Estado-Membro vinculado pelo Reg. n.º 1215/2012, a competência afere-se, em regra, de acordo com o princípio actor sequitur forum rei, ou seja, de acordo com o domicílio ou sede do demandado (cf. art. 4.º, n.º 1, do Reg. n.º 1215/2012). A determinação do local do domicílio é feita de acordo com as regras de direito interno (cf. art. 62.º, do Regulamento); no caso das pessoas coletivas, a determinação do local da sede é efetuada de forma autónoma, de acordo com as regras estabelecidas pelo n.º 1 do artigo 63.º do Regulamento, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição (cf. Considerando 15). No caso sub judice, como já se disse, constitui facto incontrovertido entre Autora e Ré que ambas estão sedeadas em Estados-Membros da União Europeia vinculadas pelo Regulamento (Portugal e Espanha, respetivamente). No entanto, o réu que seja domiciliado ou tenha a sede num Estado-Membro pode ser demandado nos tribunais de um outro Estado-Membro vinculado pelo Regulamento em razão do vínculo estreito entre o litígio e uma outra jurisdição que não seja a do domicílio do réu. O estabelecimento destes outros foros é alternativo ao critério geral do domicílio do réu (cf. Considerando 16 do Reg. 1215/2012) e apenas releva nos casos previstos no Regulamento. Os fatores de conexão relevantes são os previstos nos artigos 7.º a 26.º do Regulamento (cf. art. 5.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012). 4. Âmbito objetivo – Em matéria contratual, e sem prejuízo do que se encontra estabelecido no seu artigo 8.º, o Regulamento prevê que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas perante o tribunal (de outro Estado) do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão (cf. art. 7.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012). Para o caso particular dos contratos de compra e venda de bens e de prestação de serviços, o Regulamento estabelece, de forma autónoma, como deve ser aferido o lugar de cumprimento da obrigação, salvo convenção em contrário das partes. Assim, tendo o litígio por objeto um contrato de compra e venda, o lugar de cumprimento corresponde ao lugar num Estado-Membro onde, nos termos desse contrato, os bens foram ou devam ser entregues; e, no caso da prestação de serviços, o lugar de cumprimento corresponde ao lugar onde, nos termos desse mesmo contrato, os serviços foram ou devam ser prestados (cf. § 1.º e § 2 da al. b) do n.º 1 do art. 7.º do Reg. 1215/2012). Não se aplicando nenhum destes critérios especiais, será aplicável o critério residual do lugar de cumprimento da obrigação (cf. al. c) do n.º 1 do art. 7.º do Reg. 1215/2012). F) A questão a solucionar no caso concreto Já se analisou que a presente ação está compreendida no âmbito territorial e temporal do Regulamento (UE) n.º 1215/2012. 1. Com efeito, o regulamento é aplicável em todos os Estados-Membros, com exceção da Dinamarca (cf. arts. 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 sobre a posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE). Nos termos do artigo 3.º do Protocolo n.º 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao TUE e ao TFUE, o Reino Unido e a Irlanda notificaram a sua intenção de participar na aprovação e na aplicação do Regulamento. A ação foi instaurada em 10 de janeiro de 2024, sendo que o Regulamento se aplica a partir de 17 de agosto de 2015, com exceção dos artigos 77.º e 78.º que se aplicam a partir de 16 de novembro de 2014, nos termos prescritos no seu art. 84.º. Por outro lado, o litígio em questão tem conexão com o território de Estados-Membros vinculados pelo Regulamento, Portugal e Espanha, sendo que a Ré tem a sua sede em Calle ..., Espanha, ... 2. A ação tem por objeto a discussão da existência de um crédito relacionado com o adiantamento pela Autora de uma quantia correspondente a 30% do preço dos bens e serviços que a Ré se obrigou a fornecer-lhe, em regime de subcontratação, no âmbito de um projeto que a àquela havia sido adjudicado em concurso público do governo espanhol, com respeito a dois locais (universo lorca e geoparque de Granada), ambos localizados em Granada, Espanha, pretendendo a Autora a devolução dessa quantia por ter resolvido aquele contrato, conforme os motivos invocados nos docs. n.ºs 17 e 19 da petição inicial. O contrato firmado entre as partes pode caracterizar-se como um contrato misto de compra e venda e de prestação de serviços, dado que previa que o equipamento fosse fabricado e instalado de acordo com as especificações acordadas e com base na documentação aprovada pela RED.es e Dipt. de Granada, ou seja, incluía a produção e instalação da sinalização relativa ao projeto. A referida obrigação de restituição de valores pagos pela Autora à Ré no âmbito da execução desse acordo constitui um efeito jurídico decorrente da resolução, entretanto, operada pela Autora, que é matéria não excluída do âmbito do Regulamento por nenhum dos seus preceitos (designadamente pelo seu art. 1.º). A matéria contratual, para efeitos do disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012, refere-se a obrigações assumidas de forma voluntária. A restituição da quantia adiantada pela Autora, embora sendo uma consequência da resolução contratual, não pode deixar de se entender que respeita a valores que a Autora aceitou pagar à Ré no âmbito da execução do acordo firmado entre ambas; do que se trata é, pois, da restituição integral daquilo que cada parte prestou à outra, devido ao efeito da resolução que, em regra, opera ex tunc, equiparando-se os seus efeitos aos da declaração de invalidade (cf. arts. 434.º, n.º 1, e 289.º, ambos do CC). Isto significa que integra o conceito de “matéria contratual” usada no n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento o pedido de declaração de nulidade de contratos e de restituição de quantias por efeito da resolução em caso de incumprimento contratual. Por conseguinte, a obrigação em questão cabe no âmbito de aplicação dos § 1.º e 2.º da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012. 3. O que importa, por último, discutir -- sendo este o aspeto que acaba por ser importante para a solução do caso em apreço --, é saber se a competência definida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento abrange qualquer pretensão resultante dos contratos ali tipificados ou apenas define a competência judiciária quando o litígio, resultante de um daqueles contratos, tiver por objeto as obrigações de entregar a coisa ou de prestar os serviços, consoante os casos. A opção por uma ou outra das interpretações conduz naturalmente a resultados diversos: se a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento for interpretada no sentido de que abrange qualquer obrigação emergente de um dos contratos ali previstos (compra e venda, e prestação de serviços), é irrelevante a obrigação que for objeto da ação; já se a interpretação for restritiva, há que atender à obrigação que serve de fundamento ao pedido, de modo que essa alínea só será aplicável quando o litígio tiver por objeto as próprias obrigações de entrega de bens ou de prestação de serviços. Opta-se pela interpretação lato sensu, dado que, como tem sublinhado o Tribunal de Justiça (TJ), é necessário que apenas um tribunal deve ser competente para conhecer de todos os pedidos baseados no contrato (Acórdão de 03/05/07, Processo n.º C-386/05). Também o elemento histórico converge nesta solução: o antecedente legislativo do atual artigo 7.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012 (bem como do art. 5.º, n.º 1, do Reg. (CE) n.º 44/2001, de 22 de dezembro de 2000, cuja redação se manteve) é o artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Bruxelas de 1968, que, para efeitos de determinação do lugar de cumprimento da obrigação, realçava a obrigação que serve de base ao pedido. Esta referência expressa à obrigação que serve de fundamento à pretensão do autor foi eliminada do texto dos artigos que sucederam ao citado normativo da Convenção de Bruxelas de 1968, quer do Reg. (CE) n.º 44/2001, quer do Reg. (UE) 1215/2012, que, assim, se afastaram do regime definido por essa Convenção, “ao tomar como referência, quanto aos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, já não a obrigação controvertida na acção, mas antes a obrigação característica do contrato, impondo uma definição autónoma do ‘lugar de cumprimento’ enquanto critério de conexão ao tribunal competente em matéria contratual” (cf. Acórdão do STJ de 14/12/2017, revista n.º 143378/15.0YIPRT.G1.S1). Acresce que o critério residual do lugar de cumprimento, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento, só é aplicável se, de acordo com o critério do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida, for de presumir que o tribunal do Estado desse foro tem um elemento de conexão estreito com o contrato (cf. o mesmo Acórdão do TJ e ainda o Considerando 16 do Reg. 1215/2012). Quer dizer: os critérios estabelecidos no artigo 7.º do Regulamento respondem a um objetivo de proximidade, pelo que só podem ser usados em alternativa ao critério geral do domicílio do réu se existir um elemento de conexão estreito entre o contrato e o órgão jurisdicional chamado a examinar o mesmo (cf. Acórdão do TJ de 09/07/09, Processo n.º C-204/08). Aqui chegados, é de concluir que a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento deve ser interpretada no sentido de que abrange qualquer pretensão resultante dos contratos ali tipificados, de sorte que a competência judiciária definida em função do lugar onde foram ou devam ser cumpridas as obrigações de entregar a coisa ou da prestação de serviços vale de igual modo para as ações destinadas ao cumprimento de outras obrigações emergentes desses mesmos contratos. A competência é, pois, aferida para conhecimento de todos os pedidos baseados no contrato que for objeto da ação. A alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento apenas dá ênfase às prestações principais ou mais características dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços para definir a distribuição da competência judiciária na União Europeia quando na ação se discuta um daqueles contratos; mas isso não significa que para os litígios que tenham por objeto outras obrigações emergentes desses mesmos contratos a competência seja aferida com base no critério residual previsto na alínea a) do mesmo normativo (neste sentido, cf. Acórdãos do STJ de 03/03/2005, revista n.º 05B31, de 14/12/2017, revista n.º 143378/15.0YIPRT.G1.S1, e de 13/11/2018, revista n.º 6919/16 0T8PRT.G1.S1). De todo o modo, ao caso em apreço nunca seria aplicável a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012, dado que o domicílio do demandante não é um critério válido à luz deste Regulamento para determinar o seu âmbito espacial (cf. art. 6.º, n.º 1, deste diploma), e o único elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa seria o lugar onde se encontra domiciliada a conta bancária da Autora para a qual esta pediu que se realizasse a transferência da quantia que a mesma pretende que lhe seja devolvida pela Ré, conforme doc. 19 da petição inicial, cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos. Só que este lugar e forma de pagamento não resulta de convenção das partes, tendo sido imposta unilateralmente pela Autora após o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, de sorte que, aquando da celebração do contrato, não seria razoavelmente previsível para a Ré ser demandada nos tribunais portugueses (cf. Considerando 16 do Regulamento). G) Conclusão Quando o fundamento da pretensão do demandante for a resolução do contrato por falta de cumprimento e o litígio tiver por objeto um contrato de compra e venda e de prestação de serviços, como aquele que está em causa nos autos, a competência judiciária é definida por um dos critérios previstos nos § 1.º e 2.º da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012. Como o equipamento a fornecer pela Ré se destinava sobretudo ao geoparque de Granada (cf. doc. 5 e 13 da petição inicial), há que entender que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para julgar a ação que tem por objeto o cumprimento da obrigação de restituição da quantia adiantada pela Autora correspondente a 30% do preço dos bens e serviços que a Ré se obrigou a fornecer-lhe, em regime de subcontratação, no âmbito de um projeto que à primeira havia sido adjudicado em concurso público do governo espanhol, com respeito a dois locais (universo lorca e geoparque de Granada), ambos localizados em Granada, Espanha, resultando aquela obrigação da eficácia retroativa da resolução contratual provocada pela demandante, dado que, quer o domicílio (sede) da Ré, quer o local de cumprimento relevante -- lugar da entrega dos bens e prestação de serviços -- se situam em Espanha (cf. n.º 1 do art. 4.º, n.º 1 do art. 5.º e § 1.º e 2.º da al. b) do n.º 1 do art. 7.º, todos do Reg. 1215/2012). Termos em que se decide julgar procedente a incompetência absoluta deste Juízo Central Cível e, consequentemente, indefere-se liminarmente a petição inicial (cf. art. 590.º, n.º 1, CPC). Condena-se a Autora nas custas de parte, por ter ficado vencida (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código). Valor da causa: € 75.439,65, que corresponde ao valor do benefício que se pretende obter expresso em dinheiro (cf. arts. 297.º, n.º 1, ainda do mesmo Código). Notifique e registe.” * A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.A Ré contra alegou. Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso como sendo o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Enquadramento de facto e de direito:É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). E é o seguinte o teor dessas conclusões: A – Com o mais elevado respeito, a Recorrente entende que, ao julgar procedente a incompetência absoluta do Juízo Central Cível de Aveiro do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, em consequência indeferindo liminarmente a petição inicial, a douta Sentença ora recorrida padece de manifesto erro de julgamento, porquanto o Tribunal a quo apreciou e interpretou de forma manifestamente incorrecta os factos, para além de que aplicou erroneamente o Direito; B – Com efeito, o Tribunal a quo parte de pressupostos errados quando, para assim decidir, conclui que “Quando o fundamento da pretensão do demandante for a resolução do contrato por falta de cumprimento e o litígio tiver por objeto um contrato de compra e venda e de prestação de serviços, como aquele que está em causa nos autos, a competência judiciária é definida por um dos critérios previstos nos § 1.º e 2.º da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012”; C – É que, o fundamento da pretensão da Autora não é a resolução do contrato; nem esta foi motivada por falta de cumprimento da Ré; muito menos o litígio tem por objecto um contrato de compra e venda e prestação de serviços; D – Tal como foi configurada pela Autora na sua petição inicial, a presente acção é destinada ao cumprimento de uma obrigação de restituição, decorrente dos efeitos da resolução de um contrato previamente operada por declaração à contraparte, nos termos do disposto no artigo 436.º n.º 1 do Código Civil Português; E – Tal obrigação trata-se, inquestionavelmente, de uma obrigação pecuniária, que tem por objecto a entrega de uma quantia em dinheiro; F – O direito de crédito invocado pela Autora como causa de pedir emerge do preceituado nos artigos 289.º, n.º 1 e 290.º do Código Civil Português, por força da remissão expressa do artigo 433.º do mesmo Código; sendo independente e autónomo dos direitos e obrigações que decorreriam da vigência e execução do dissolvido contrato, e nada tendo a ver com as prestações que seriam devidas pelas partes em cumprimento do mesmo; G – No momento da propositura da acção, já não vigorava qualquer relação contratual entre as partes, por ter sido dissolvida por força sua prévia resolução, a qual se considera válida e eficazmente operada – o que nem sequer é afastado, impugnado ou colocado em causa pela Ré na sua intervenção processual; H – Refira-se ainda que tal resolução não foi motivada por falta de cumprimento da Ré, mas, sim, por alteração das circunstâncias, nos termos do disposto no artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil Português, aliás, também sem oposição da Ré; I – A obrigação pecuniária a que a Ré está adstrita em consequência da resolução contratual terá necessariamente de ser cumprida em Portugal: é aqui que a Autora tem a sua sede, o que releva para efeitos de saber onde é que a prestação Ré tem de ser efectuada, pois as obrigações que tiverem por objecto certa quantia em dinheiro, devem ser efectuadas no lugar do domicílio que o credor tem ao tempo do cumprimento, nos termos do artigo 774.º do Código Civil Português; e, mais não seja, por a mesma obrigação haver de ser cumprida através de transferência bancária para uma conta da Ré, a qual também se situa em Portugal; J – Assim configurado o objecto da presente acção, jamais poderia o Tribunal a quo ter decidido no sentido em que o fez – pois, como é consabido, a competência do Tribunal, sendo um pressuposto processual, deve ser aferida em relação ao objecto da acção tal como é apresentada pelo autor na petição inicial; princípio que a douta Sentença recorrida violou ao decidir, sem mais, pela incompetência absoluta do Tribunal; K – Não só o pedido é, objectivamente, de cumprimento de uma obrigação pecuniária, como a causa de pedir assenta na obrigação de restituição que foi incumprida pela Ré e a que se contrapõe o direito de crédito invocado pela Autora; L – A Autora limitou-se a peticionar a condenação da Ré no cumprimento dessa obrigação pré-constituída, não vindo peticionada nos presentes autos a declaração da existência ou não existência da resolução, nem a condenação da demandada no reconhecimento da resolução, nem mesmo a eventual constituição do direito à resolução; como se disse, a resolução do contrato tem-se por válida e eficazmente operada, sendo considerada assente; M – Os artigos 7.º e 8.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012, estabelecem uma competência específica alternativa à regra geral que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado-Membro. N – Essa competência específica justifica-se pela existência de um elemento de conexão especialmente estreito entre o litígio em causa e o órgão jurisdicional chamado a decidir do mesmo, tendo em vista a boa administração da justiça. O – É manifesta a intenção do legislador, transversal a todo o Regulamento, em salvaguardar foros alternativos por forma a que seja alcançado um vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio, sendo este o objectivo de proximidade subjacente ao artigo 7.º do Regulamento, e que não pode ser interpretado com um fim contrário ao visado pela própria norma – note-se, por exemplo, que em matéria extracontratual, o Réu deve ser demandado perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, como decorre do n.º 2) do artigo 7.º do Regulamento; P – Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro “Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão” (sublinhado nosso): a expressão “obrigação em questão” deverá entender-se como referindo-se à obrigação que serve de causa de pedir à demanda sobre a relação contratual em causa. Q – A alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento não pode ser interpretada no sentido de que abrange toda e qualquer obrigação dos contratos aí previstos, tornando absolutamente irrelevante a obrigação que for objecto da acção, R – Pois, dispõe a alínea c) que, se não se aplicar a alínea b), isto é, se a “obrigação em questão”, a que se refere a alínea a), não for relacionada com as obrigações principais típicas da “venda de bens” ou da “prestação de serviços”, aplica-se a alínea c). S – A não se entender desse modo, tal interpretação sempre se traduziria numa negação do sentido e valor e no esvaziamento de conteúdo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, o que gera uma incoerência ou contradição sistemática inultrapassável. T – No nosso modesto entendimento, o Legislador não terá pretendido simplesmente determinar que, em relação a todos os contratos que sejam contratos de venda de bens ou de prestação de serviços, qualquer que seja a “obrigação em questão”, seriam sempre judiciariamente competentes os lugares onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, ou os serviços foram ou devam ser prestados; U – Caso tivesse pretendido referir-se nesses termos, seguramente não teria deixado de o fazer de modo claro, expresso e inequívoco, ao invés de inserir sistematicamente a alínea c) – o que fez, precisamente, para salvaguardar outras obrigações que, relativamente a tais contratos, não tenham que ver com a entrega dos bens ou a prestação dos serviços e cujo lugar de cumprimento não coincida com os lugares previstos na alínea b), assegurando deste modo a existência de um elemento de conexão especialmente estreito entre o litígio e o órgão jurisdicional chamado a decidir do mesmo, escopo do artigo 7.º do Regulamento (UE); V – Haverá, assim, que atender à obrigação que serve de fundamento ao pedido, de modo a que a alínea b) só será aplicável quando o litígio tiver por objecto as próprias obrigações principais de entrega de bens ou de prestação de serviços – esta é a única interpretação admissível, pois só de acordo com esta é que sistematicamente fará sentido a norma prevista na alínea c); a qual, caso se viesse a optar por uma interpretação lato sensu da alínea b), tornar-se-ia perfeitamente inútil. W – Impõe-se assim concluir que, em matérias contratuais não conexas com as obrigações principais das duas situações previstas na alínea b) e, portanto, distintas e externas ao programa contratual daquela tipologia de contratos, o Réu pode ser demandado perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, como sucede no caso dos autos; X – A obrigação pecuniária de restituição fundada em resolução não se enquadra em qualquer das hipóteses previstas na alínea b) – por não estar em causa aspectos essenciais da venda dos bens ou a prestação dos serviços propriamente ditas, a tornar irrelevante o lugar onde estes haveriam de ser entregues ou prestados: como o contrato foi resolvido, o que prevalece é o local do cumprimento da obrigação de restituição do que foi prestado no seu cumprimento, Y – Local de cumprimento que, no caso concreto, não tem qualquer conexão, nem mesmo reflexamente, com o lugar da entrega dos bens ou da prestação dos serviços, pelo que nada justifica que se dê relevância a este em detrimento do critério que melhor assegura um vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio. Z – Ademais, verifica-se que, no caso em apreço – e ao contrário do que considerou a Sentença recorrida – existem múltiplos elementos de conexão com a ordem jurídica portuguesa: estamos perante o exercício de um direito à acção destinada ao cumprimento de uma obrigação pecuniária, constituída com base em normas jurídicas do Ordenamento Jurídico Português, ao qual se aplica a Lei Portuguesa, obrigação que haverá de ser cumprida em Portugal; obrigação que, sendo independente e autónoma, nunca teve qualquer ligação ao lugar onde os bens e serviços haveriam de ser entregues ou prestados na execução do dissolvido contrato; AA – Francamente: o que interessa para o julgamento e boa decisão da causa se o equipamento a fornecer pela Ré se destinava sobretudo ao geoparque de Granada? É que, não tendo os bens ou serviços sido entregues ou prestados (porquanto, o contrato foi resolvido sem que tenha chegado a ser executado), nem se percebe que conexão é que o lugar de Granada poderá ter com o cumprimento da concreta obrigação pecuniária que vem peticionada nos presentes autos, tampouco, como é que os Tribunais espanhóis poderão estar em melhores condições para decidir sobre o pedido aplicando uma lei estrangeira (portuguesa). AB – A interpretação feita pelo Tribunal a quo da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento, para além de ab-rogatória da alínea c), acaba por afastar o litígio da jurisdição com que tem efectivamente um vínculo mais estreito, sendo assim totalmente contrária ao objectivo pretendido pela norma. AC – Podendo, assim, e à semelhança do que ocorre no nosso ordenamento jurídico adjectivo, o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida, tal como dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, tratando-se de uma competência alternativa, específica, expressamente prevista na alínea c) do referido n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento – sendo, no caso concreto, a competência judiciária portuguesa é também a que melhor assegura a existência do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio; AD – A Sentença ora recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 289.º n.º 1, 433.º, 434.º n.º 1, 436.º n.º 1, 437.º n.º 1, 439.º e 774.º do Código Civil, nos artigos 62.º, 71.º n.º 1, 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e ainda, nos artigos 4.º a 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012. Termos em que, Deve conceder-se provimento ao presente recurso, anulando-se ou revogando-se o Sentença recorrida, e substituindo-se por outra que, julgando improcedente a incompetência absoluta do Juízo Central Cível de Aveiro, ordene o prosseguimento dos autos com as legais consequências, como é de elementar Justiça. * Quanto à ré/apelada B... S.L. esta nas suas contra alegações pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão proferida.* Perante o antes exposto, resulta claro ser a seguinte a questão suscitada no âmbito deste recurso:A revogação (ou não) da decisão proferida por violação das regras dos artigos 289.º n.º 1, 433.º, 434.º n.º 1, 436.º n.º 1, 437.º n.º 1, 439.º e 774.º do Código Civil, nos artigos 62.º, 71.º n.º 1, 590.º n.º 1 do Código de Processo Civil, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e ainda, nos artigos 4.º a 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2012. * Apuremos pois do fundamento da pretensão recursiva da autora/apelante A... Lda.Como está visto nos autos, o recurso interposto pela Autora tem por objecto a decisão do Tribunal “a quo” na qual se julgou verificada a incompetência absoluta deste douto Tribunal e, em consequência, se indeferiu liminarmente a petição inicial. Contrariamente ao que se defende no mesmo recurso, tal decisão não merece da nossa parte qualquer censura. Se não vejamos, citando pelo seu manifesto interesse o que ficou exarado no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.12.2020, no processo 1608/19.6T8GMR.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Abreu e publicado em www.dgsi.pt.: “ I. Como sucede com os outros poderes e funções do Estado, a jurisdição dos tribunais portugueses tem limites e é demarcada por confronto com a jurisdição dos tribunais de outros países, sendo que para que os tribunais portugueses sejam competentes, no seu conjunto, é necessário que entre o litígio e a organização judiciária portuguesa haja um elemento de conexão considerado pela lei suficientemente relevante para servir de factor de atribuição de competência internacional para julgar esse litígio. II. O nosso ordenamento jurídico encerra, em paralelo, dois regimes gerais de competência internacional, decorrendo o regime interno dos artºs. 62º e 63º do Código de Processo Civil, e o regime comunitário da ressalva contida no art.º 59º do Código de Processo Civil. III. A aplicação do regime comunitário prevalece sobre o regime interno, em razão do primado do direito europeu, alcandorado a fonte hierarquicamente superior. IV. Para que a apreciação da causa seja da competência dos tribunais portugueses em atenção às normas jurídicas europeias que decorrem do regime comunitário contido no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, importa que a causa trazida a Juízo esteja compreendida no respectivo âmbito territorial (o regulamento é aplicável em todos os Estados-Membros; a causa tem conexão com o território de Estados-Membros vinculados pelo Regulamento, a demandada está domiciliada num desses Estados-Membros); no âmbito material (a demanda tem por objecto matéria comercial não excluída do âmbito do Regulamento), e no âmbito temporal (o Regulamento aplica-se apenas às acções intentadas após a sua entrada em vigor). V. Resulta do art.º 7º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, ter sido adoptado um conceito autónomo de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço). VI. A Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem considerado que os conceitos expressos nos Regulamentos têm carácter autónomo, ou seja, têm um significado e uma leitura no contexto do Direito da União Europeia e não como suporte densificador do Direito Nacional de cada um dos seus Estados-Membros. VII. Tendo em vista a determinação da competência judiciária, importa qualificar o contrato ajuizado de acordo com o direito comunitário, prevalente sobre o direito interno, enquanto pressuposto necessário para se determinar se os tribunais portugueses são ou não internacionalmente competentes, considerando que o litígio tem por objecto matéria comercial, emergente de uma relação transnacional. VIII. O Tribunal de Justiça da União Europeia já foi confrontado por mais de uma vez com a necessidade de encontrar critérios de qualificação, nomeadamente para situações nas quais se combinam, num mesmo contrato, fornecimento de bens com prestação de serviços pelo fornecedor, relativos à produção dos próprios bens. IX. Tendo a Autora sustentado a sua pretensão jurídica na circunstância de, no exercício da respectiva actividade, ter encomendado à Ré, a elaboração de um projecto e cálculos para uma máquina, obrigando-se a Ré a fornecer software e hardware para a instalação de recuperação de calor, fumos/água, que fabricou e enviou para Portugal, enviando ainda um técnico seu para proceder à instalação do software, ou seja, tendo a entrega material do equipamento ocorrido em Portugal, encerrará este critério - o da entrega material do equipamento ao comprador - um critério com um elevado grau de certeza jurídica com que as partes podiam contar para a determinação do tribunal internacionalmente competente, no caso os tribunais portugueses, sendo, assim, relevante para fundamentar a conexão do ajuizado contrato com um lugar, no caso Portugal, que, não só é razoavelmente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado, mas também é suficientemente seguro para permitir determinar o Estado cujos tribunais são competentes para julgar a deduzida pretensão, decorrente da invocada relação jurídica.” Voltando ao caso concreto, não subsistem quaisquer dúvidas de que a presente acção está compreendida no âmbito territorial e temporal do Regulamento (UE) n.º 1215/2012. Resulta também clara conexão com a questão em discussão nos autos com o território de Estados-Membros vinculados pelo Regulamento, Portugal e Espanha, sendo certo que a Ré tem a sua sede em Calle ..., Espanha, .... Sabe-se ainda que a acção tem por objecto a discussão sobre a existência de um crédito relacionado com o adiantamento pela Autora de uma quantia correspondente a 30% do preço dos bens e serviços que a Ré se obrigou a fornecer-lhe, em regime de subcontratação, no âmbito de um projecto que a àquela havia sido adjudicado em concurso público do governo espanhol, com respeito a dois locais (universo lorca e geoparque de Granada), ambos localizados em Granada, Espanha, pretendendo a Autora a devolução dessa quantia por ter resolvido aquele contrato (cf. documentos n.ºs 17 e 19 juntos com a petição inicial). Como bem se afirma na decisão proferida, o contrato celebrado entre as partes pode ser caracterizado como um contrato misto de compra e venda e de prestação de serviços, dado estar previsto no mesmo que o equipamento fosse fabricado e instalado de acordo com as especificações acordadas e com base na documentação aprovada pela RED.es e Dipt. de Granada, incluindo assim a produção e instalação da sinalização relativa ao respectivo projecto. Mais, a pretendida obrigação de restituição de valores pagos pela Autora à Ré no âmbito da execução desse acordo constitui um efeito jurídico decorrente da resolução, entretanto, operada pela Autora, é matéria não excluída do âmbito do Regulamento por nenhuma das suas normas. Como ali também se diz de forma avisada, a matéria contratual, para efeitos do disposto no artigo 7º, nº1, do Reg. 1215/2012, refere-se a obrigações assumidas de forma voluntária. Concordamos igualmente com a ideia de que “a restituição da quantia adiantada pela Autora, embora sendo uma consequência da resolução contratual, não pode deixar de se entender que respeita a valores que a Autora aceitou pagar à Ré no âmbito da execução do acordo firmado entre ambas; do que se trata é, pois, da restituição integral daquilo que cada parte prestou à outra, devido ao efeito da resolução que, em regra, opera ex tunc, equiparando-se os seus efeitos aos da declaração de invalidade (cf. arts. 434.º, n.º 1, e 289.º, ambos do CC).”. Assim, não ficam dúvidas de que integra o conceito de “matéria contratual” previsto no nº1 do artigo 7.º do Regulamento o pedido de declaração de nulidade de contratos e de restituição de quantias por efeito da resolução em caso de incumprimento contratual. Nestes termos, deve pois considerar-se que a obrigação em questão cabe no âmbito de aplicação dos § 1.º e 2.º da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012. Por outro lado e como bem se explica da sentença recorrida, deve entender-se que a competência definida pela alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento abrange qualquer pretensão resultante dos contratos ali tipificados (compra e venda, e prestação de serviços), sendo irrelevante a obrigação que for objecto da acção, por ser necessário que apenas um tribunal deva conhecer de todos os pedidos baseados no contrato. Deve pois concluir-se que “a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento deve ser interpretada no sentido de que abrange qualquer pretensão resultante dos contratos ali tipificados, de sorte que a competência judiciária definida em função do lugar onde foram ou devam ser cumpridas as obrigações de entregar a coisa ou da prestação de serviços vale de igual modo para as ações destinadas ao cumprimento de outras obrigações emergentes desses mesmos contratos.” Em suma, a competência é, pois, definida para conhecimento de todos os pedidos baseados no contrato que for objecto da acção. Não obstante o acabado de expor, importa ter em conta, citando o Tribunal “a quo”, que “a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento apenas dá ênfase às prestações principais ou mais características dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços para definir a distribuição da competência judiciária na União Europeia quando na acção se discuta um daqueles contratos; mas isso não significa que para os litígios que tenham por objecto outras obrigações emergentes desses mesmos contratos a competência seja aferida com base no critério residual previsto na alínea a) do mesmo normativo.” Cabe ainda não esquecer que ao caso dos autos nunca poderia ser aplicado o regime previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Reg. 1215/2012, atento o facto de o domicílio do demandante não ser um critério válido à luz deste Regulamento para determinar o seu âmbito espacial (cf. art.º 6.º, n.º1, deste diploma), e considerando que o único elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa seria o lugar onde se encontra domiciliada a conta bancária da Autora para a qual esta pediu que se realizasse a transferência da quantia que a mesma pretende que lhe seja devolvida pela Ré (cf. o art.º 19º da petição inicial). Isto porque como se refere na sentença, “este lugar e forma de pagamento não resulta de convenção das partes, tendo sido imposta unilateralmente pela Autora após o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, de sorte que, aquando da celebração do contrato, não seria razoavelmente previsível para a Ré ser demandada nos tribunais portugueses (cf. Considerando 16 do Regulamento).” A ser assim bem andou o Sr. Juiz “a quo” quando declarou a incompetência absoluta do Juízo Central Cível de Aveiro e nos termos do disposto no art.º 590º, nº1 do CPC, indeferiu liminarmente a petição inicial. Nestes termos não merece pois ser provido o recurso aqui interposto. * Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC): ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… * III. Decisão: Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e sem mais confirma-se a decisão proferida. * Custas a cargo da autora/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC). * Notifique.Porto, 7 de Novembro de 2024 Carlos Portela Judite Pires Isabel Peixoto Pereira |