Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA NATÉRCIA ROCHA | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP20241211346/24.2YRPRT | ||
Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | RECONHECIMENTO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O reconhecimento e execução de sentença penal estrangeira, traduz-se numa análise feita pelo Tribunal da Relação competente, no sentido de averiguação sobre se a decisão em causa, na sua prolação, obedeceu aos princípios e regras que o Estado onde a mesma pretende ser executada exige como garantia da genuinidade e autenticidade de que devem revestir as sentenças e por isso mesmo indispensáveis à sua eficácia local. II - Assim, quem pretender que uma sentença penal proferida no estrangeiro possa ser executada em Portugal terá que, em primeiro lugar, obter da jurisdição nacional a verificação (reconhecimento) da sua conformidade com os mandamentos que a lei exige para o efeito. III - Por outro lado, de acordo com o sistema de revisão e confirmação (reconhecimento e execução de sentença penal estrangeira) vigente no nosso ordenamento jurídico não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira (sentença penal estrangeira), seja no âmbito da matéria de facto seja na aplicação do direito, pois que, em regra, trata-se de uma revisão (reconhecimento) meramente formal, razão pela qual o tribunal português competente para a revisão (reconhecimento) e confirmação (execução de sentença penal estrangeira) não se pronuncia sobre o fundo ou mérito da causa. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 346/24.2YRPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação do Porto veio, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, 95.º, n.º 1, 96.º, n.º 1, 99.º, n.ºs 1 e 4, 100.º, 103.º, 114.º a 116.º, 122.º e 123.º, estes da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto, apresentar em juízo pedido de transferência de um recluso da Índia para Portugal, a requerimento do condenado AA, cidadão português, nascido em ../../1982, em Santo Tirso, filho de BB e de CC, titular do passaporte n.º ..., emitido em Goa, Índia, com residência em Portugal sita na Rua ..., ..., 4.º Traseiras, ..., Santo Tirso, para cumprir, no estabelecimento prisional ..., o remanescente da pena de 12 anos de prisão em que foi condenado na Índia, com reconhecimento prévio da sentença condenatória de 30 de junho de 2016, devidamente transitada em julgado, Para tanto alega o seguinte: 1.º - Por sentença de 30 de junho de 2016, proferida pelo Tribunal do Juiz Especial de NDPS (Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas) de Mapusa, no âmbito do processo n.º 16/2014, foi o requerido condenado pela prática, em 14 de janeiro 2014, de 1 (um) crime de posse de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, previsto e punível pelos artigos, 22º (c), 21º (b) e 20º (b) (ii) (B) da Lei NDPS de 1985 na pena de 15 anos de prisão e no pagamento de uma multa (que já se encontra paga), pelos factos, dados como provados, melhor descritos na sentença, devidamente traduzida para a língua portuguesa e cuja certidão se junta. 2.º - Tal decisão veio a ser alterada, por recurso do aqui requerido, julgado parcialmente provido, apenas quanto à medida da pena, que foi reduzida para 12 anos de prisão, pelo Tribunal da Relação de Bombay, Goa, por decisão proferida em 14 de julho de 2016, conforme decisão, devidamente traduzida para a língua portuguesa, cuja certidão se junta, decisões que se tornaram definitivas e executórias, ou seja, encontram-se transitadas em julgado. 3.º - Em síntese, o AA foi condenado porque, no dia 14 de janeiro de 2014, cerca das 00h10, ter sido abordado por agentes policiais junto ao campo de futebol do ..., em ..., ..., Goa e ter ilegalmente na sua posse, no interior de uma bolsa que transportava, de 72 gramas MDMA, 5,5 gramas de cocaína, 2,5 gramas de LSD líquido e de 785 gramas de charas que destinava à venda. 4.º - O crime por cuja prática o requerido foi penalmente responsabilizado é, igualmente, punido em Portugal, nomeadamente como crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do DL n.º 15/93 de 22/1, pelo que se verifica a dupla incriminação legalmente exigida. 5.º - Quer pela lei Indiana, quer face à lei portuguesa os tribunais da Índia são os competentes, em razão do território, para o julgamento e condenação do requerido. 6.º - As decisões não contêm disposições que violem os princípios do ordenamento jurídico português. 7.º - E, não se verifica qualquer motivo de recusa de reconhecimento e execução das decisões transmitidas, tal como os previstos no artigo 96.º da Lei n.º 144/99, de 31.8, considerando o teor dos elementos documentais enviados e tal como referido no parecer da Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central designada no âmbito da cooperação internacional em matéria penal nela regulada e consignado no Despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça, que admitiu a viabilidade do pedido de transferência da Índia para Portugal de AA. 8.º - O presente requerimento pretende dar seguimento a tal pedido, expressamente formulado a requerimento do condenado AA através da Embaixada de Portugal em Nova Deli (via Governo da Índia) e da PGR, que sobre ele emitiu parecer favorável e o submeteu ao Ministério da Justiça, para apreciação e decisão sobre a respetiva admissibilidade, nos termos dos artigos 21.º, 24.º e 99.º, n.ºs 1 a 4, da Lei n.º 144/99, de 31.8. 9.º - E, por despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça de 7 de novembro de 2024, foi o mesmo admitido e aceite – cf. despacho que se junta. 10.º - As decisões penais da República da Índia para poderem ser executadas em Portugal, necessitam do seu prévio reconhecimento, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, da mesma Lei n.º 144/99, de 31.8, e 234.º do CPP. 11.º - Para esse efeito é material e territorialmente competente o Tribunal da Relação do Porto (cf. artigos 25.º e 99.º, n.º 4, da Lei n.º 144/99, de 31.8, e 235.º, n.º 1, do CPP, conjugados com as pertinentes normas da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8, e legislação complementar). Termina seja revista e confirmada a decisão do Tribunal da Relação de Bombay, Goa, proferida em 14 de julho de 2016, que confirmou, a sentença de 30 de junho de 2016, proferida pelo Tribunal do Juiz Especial de NDPS de Mapusa, no âmbito do processo n.º 16/2014, apenas tendo reduzido a pena aplicada para 12 anos de prisão, atribuindo-se-lhe força executória, para cumprimento em Portugal do remanescente dessa pena que ainda falta cumprir e que foi aplicada ao requerido AA. Foram juntos documentos comprovativos do alegado, em especial a certidão da decisão proferida pelo Tribunal do Juiz Especial de NDPS de Mapusa, no âmbito do processo n.º 16/2014, e a certidão do Tribunal da Relação de Bombay, Goa, proferida em 14 de julho de 2016. Foi dispensada a nomeação de defensor e a audição do condenado uma vez que este requereu expressamente a sua transferência para Portugal, dando o seu consentimento livre e esclarecido, face ao disposto no artigo 99.º n.º 5 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto. Este Tribunal é o competente para o reconhecimento e execução da sentença penal em causa, por ser o Tribunal da Relação da área da última residência em Portugal do condenado [artigos 25.º e 99.º, n.º 4, da Lei n.º 144/99, de 31.8, e 235.º, n.º 1, do CPP, conjugados com as pertinentes normas da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8, e legislação complementar]. O Ministério Público tem legitimidade para promover o reconhecimento e execução de sentença penal estrangeira, com vista à transferência do condenado para Portugal [cf. arts. 236.º do Código de Processo Penal e artigos 3.º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, 95.º, n.º 1, 96.º, n.º 1, 99.º, n.ºs 1 e 4, 100.º, 103.º, 114.º a 116.º, 122.º e 123.º, estes da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto]. Nada obsta ao conhecimento da questão de fundo. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Fundamentação: Dos factos: Atentos os documentos constantes dos autos, designadamente as certidões das decisões de condenação com que vem instruído o requerimento inicial, cuja autenticidade não oferece quaisquer dúvidas, encontra-se demonstrado o seguinte: A) Da certidão da decisão proferida pelo Tribunal do Juiz Especial de NDPS de Mapusa, no âmbito do processo n.º 16/2014, consta, para além do mais, que: 1. Em 14.01.2024, o IO (Investigador) Sr. DD, PSI (Subinspetor) da esquadra de polícia da ANC (Unidade de Combate ao Tráfico de Estupefaciente), recebeu uma denúncia fidedigna de que um cidadão estrangeiro, do sexo masculino, com cerca de 30 a 25 anos de idade, estatura média, pele clara, altura média, vestindo uma t-shirt verde e calças brancas, viria entregar estupefaciente em 14.01.2014 entre as 00h00 e a 01h00, ao seu potencial cliente no campo de futebol, ..., ..., ..., Goa. 2. Redigiu a informação por escrito e enviou uma cópia da mesma ao Dy S.P. (Superintendente Adjunto) Sr. EE para informação. Em seguida, assegurou a presença de duas testemunhas pancha (do ato para efeitos de registo), e informou-as acerca da denúncia recebida. O comandante da NCB (Unidade de Combate ao Tráfico de Estupefacientes), mostrou-lhes também o selo da Unidade de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Esquadra 4 com o emblema ..., que seria utilizado durante a rusga. Este, juntamente com os panchas (testemunhas) e alguns outros agentes do NBC, dirigiram-se para o local da rusga em dois carros. Um PC (agente da polícia) FF seguia-os de mota. Às 0h10 viram o arguido caminhar em direção ao campo de futebol. À sua chegada, o arguido foi cercado pelos membros da unidade de rusga. O IO apresentou-se a si próprio e aos outros membros da unidade de busca ao arguido. O arguido foi informado da denúncia recebida e de que ia ser sujeito a uma busca. Foi informado do seu direito a ser sujeito à busca na presença de um funcionário habilitado ou de um magistrado, foi-lhe também proposto que revistasse os membros da unidade de busca. O arguido recusou ambas as ofertas. 4. A bolsa que transportada foi, então, revistada. Continha uma embalagem transparente de polietileno contendo uma substância cristalina de cor acastanhada esbranquiçada, uma embalagem de polietileno contendo um pó esbranquiçado e um frasco de plástico esbranquiçado com tampa branca contendo líquido. Após a realização de testes com kit de deteção de estupefaciente verificou-se que o pó acastanhado era MDMA, que foi embalado e selado e considerado como Prova I. O pó de cor esbranquiçada foi considerado cocaína, tendo sido embalado e selado e apresentado como Prova II. O líquido foi vertido num frasco e testado, tendo-se verificado que se tratada de LSD e apresentado como Prova III. O frasco em que o líquido se encontrava foi igualmente pesado, embalado e selado e apresentado como Prova IV. 5. Foi também encontrado na bolsa do arguido outro pacote de polietileno contendo pedaços de uma substância de cor negra, de diferentes tamanhos e formas, que deu positivo para Charas. Foi embalado e selado e apresentado como Prova V. Todas as substâncias acima referidas foram pesadas, tendo-se verificado que o peso do MDMA era de 72 gramas e o da cocaína de 5,5 gramas. Estas substâncias foram enviadas para análise química. O exame destas substâncias deu resultados positivos para as substâncias MDMA, cocaína e Charas, respetivamente. 6. Depois de registar os depoimentos e de recolher outros elementos pertinentes, foi apresentada acusação contra o arguido por infrações puníveis nos termos dos artigos 22 ©, 21 (b) e 20 (b) (ii) (B) da lei NDPS de 1985. 7. O arguido foi apresentado perante o Tribunal após a apresentação da acusação. (…). 110. Em consequência, a acusação provou, sem margens para dúvidas, que o arguido foi detido na posse de 69,2607 gramas de MDMA, 5,3030 gramas de cocaína, 1,7662 gramas de LSD e 740 gramas de charas. (…). Decisão: O arguido é considerado culpado de uma infração p. e p. pelo artigo 22©da Lei NDPS de 1985 relativamente à MDMA e é condenado numa pena de prisão de 15 anos e ao pagamento de uma multa de 1,00,000/ e, na falta de pagamento da multa, na pena de prisão de um ano. O arguido é também culpado de uma infração p. e p. pelo artigo 22© da Lei NDPS de 1985 relativamente ao LSD e é condenado numa pena de prisão de 15 anos e ao pagamento de uma multa de 1,00,000/ e, na falta de pagamento da multa, na pena de prisão de um ano. Pela infração p. e p. pelo artigo 21(b) da Lei NDPS de 1985, o arguido é condenado numa pena de prisão de 7 anos e ao pagamento de uma multa de 50,000/ e, na falta de pagamento da multa, na pena de prisão de um ano. Pela infração p. e p. pelo artigo 21(b)(ii)(B) da Lei NDPS de 1985, o arguido é condenado numa pena de prisão de 7 anos e ao pagamento de uma multa de 50,000/ e, na falta de pagamento da multa, na pena de prisão de seis meses. O arguido foi detido em 14.01.2014. Continuou detido desde o dia da sua detenção até à data. Esteve, portanto, detido desde essa data. Nos termos do artigo 428 do Código de Processo Penal de 1973, o período de detenção sofrido pelo arguido a partir da data da sua detenção é imputado à pena de prisão que lhe foi aplicada. As penas substantivas serão aplicadas em simultâneo. (…)”.. B) Da certidão da decisão do Tribunal da Relação de Bombay, Goa, proferida em 14 de julho de 2016, consta, para além do mais, que: “(…). Por todas as razões acima mencionadas, estamos convencidos de que a condenação do recorrente, neste caso, não justifica qualquer modificação, uma vez que a acusação provou o seu caso para além de qualquer dúvida razoável. Além disso, neste caso, consideramos que o Tribunal Especial também reuniu e avaliou os elementos de prova constantes dos autos aplicando os princípios jurídicos corretos e, por conseguinte, não se justifica modificar a sentença e decisão impugnados, no que diz respeito ao aspeto da condenação do recorrente. No entanto, no que toca à questão da sentença e da aplicação do artigo 22(c) da Lei NDPS por posse de MDMA e LSD, consideramos que a sentença de prisão de 15 anos é demasiado severa atentos os factos e as circunstâncias do presente caso. É verdade que o recorrente foi encontrado na posse de quantidades comerciais de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. No entanto, os autos indicam que o recorrente era relativamente jovem quando foi detido pela prática das infrações em causa. O recorrente alegou que tem a responsabilidade de manter a sua irmã em Portugal. Em matéria de condenação, o elemento da reintegração social do arguido é agora uma parte aceite da nossa jurisprudência penal e das nossas políticas de condenação. Após consideração cumulativa de todos estes fatores, os interesses da Justiça são satisfeitos se a pena de 15 anos de prisão for substituída por uma pena de 12 anos de prisão pelo crime previsto no artigo 22(c) da Lei NDPS. Por conseguinte, decide-se no presente recuso o seguinte: (i) É dado parcial provimento ao presente recurso. (ii) A condenação do recorrente, nos termos constantes da sentença e decisão impugnada, é mantida; (iii) No entanto, a pena prevista na alínea c) do artigo 22 para a posse de MDMA e LSD é reduzida de uma pena de prisão de 15 anos para uma pena de prisão de 12 anos. Mantém-se, no entanto, o montante da pena de multa e a pena por contumácia para as infrações previstas na alínea c) do artigo 22 da Lei NDPS (iv) A sentença, a pena de multa e as sentenças à revelia relativas a outras infrações pelas quais o recorrente foi condenado não são afetadas (v) O recorrente deve entregar-se imediatamente perante o Tribunal NDPS. Caso contrário, o Tribunal deve tomas medidas para prender o recorrente e obrigá-lo a cumprir o período restante. Durante este interregno, se for caso disso, os requeridos devem tomar as medidas necessárias para garantir que o requerente não fuja à Justiça. (…)”. C) As decisões referidas em A) e B) encontram-se transitadas em julgado e as multas ali referidas pagas. D) O crime por cuja prática o requerido foi penalmente responsabilizado é, igualmente, punido em Portugal, nomeadamente como crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do DL n.º 15/93 de 22/1, pelo que se verifica a dupla incriminação legalmente exigida. E) Quer pela lei Indiana, quer face à lei portuguesa os tribunais da Índia são os competentes, em razão do território, para o julgamento e condenação do requerido. F) As decisões não contêm disposições que violem os princípios do ordenamento jurídico português. G) AA formulou pedido de transferência como recluso da Índia para Portugal para cumprir, no estabelecimento prisional ..., o remanescente da pena de 12 anos de prisão em que foi condenado na Índia, com reconhecimento prévio da sentença condenatória de 30 de junho de 2016, devidamente transitada em julgado. H) AA é cidadão português, nascido em ../../1982, em Santo Tirso, filho de BB e de CC, titular do passaporte n.º ..., emitido em Goa, Índia, com residência em Portugal sita na Rua ..., ..., 4.º Traseiras, ..., Santo Tirso, I) A Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central designada no âmbito da cooperação internacional em matéria penal nela regulada, emiti parecer favorável ao pedido formulado pelo requerente. J) Sua Excelência a Ministra da Justiça, proferiu despacho que admitiu a viabilidade do pedido de transferência da Índia para Portugal de AA. Do direito: O reconhecimento e execução de sentença penal estrangeira, traduz-se numa análise feita pelo Tribunal da Relação competente, no sentido de averiguação sobre se a decisão em causa, na sua prolação, obedeceu aos princípios e regras que o Estado onde a mesma pretende ser executada exige como garantia da genuinidade e autenticidade de que devem revestir as sentenças e por isso mesmo indispensáveis à sua eficácia local. Assim, quem pretender que uma sentença penal proferida no estrangeiro possa ser executada em Portugal terá que, em primeiro lugar, obter da jurisdição nacional a verificação (reconhecimento) da sua conformidade com os mandamentos que a lei exige para o efeito. Ora, pese embora a lei se refira à revisão (reconhecimento) e confirmação (execução de sentença penal estrangeira) o tribunal local ao proferir a decisão sobre a eficácia da sentença provinda do estrangeiro (ou de Estado-membro da União Europeia) procede à revisão (reconhecimento) ou exame dos termos da sentença que lhe é submetida e decide seguidamente se ela é ou não de confirmar (executar sentença penal), isto é, de ratificar para poder ser executada localmente. No caso concreto, estamos perante uma sentença estrangeira proferida em Tribunal indiano. Como refere o artigo 229.º do Código de Processo Penal, os efeitos das sentenças penais estrangeira são regulados pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições do seu Livro V Assim, no que aqui presentemente releva, o reconhecimento e execução em Portugal de sentença penal, transitada em julgado, proferida e transmitida por Tribunal de um outro Estado, impondo penas de prisão segue o regime de reconhecimento e execução introduzido pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal). O art.º 237.º do Código de Processo Penal define várias condições que são necessárias para a confirmação (execução) de sentença penal estrangeira e no seu 240.º determina que neste procedimento se sigam os trâmites da lei do processo civil em tudo quanto a lei especial não prevê, o que nos remete para o art.º 980.º que, por seu turno, também, define vários requisitos necessários para a confirmação. Mas, nesta matéria e considerando os pedidos formulados pelo Ministério Público nos presentes autos, há que ter, ainda, em conta o disposto na Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da AR n.º 8/93, de 20 de abril). Considerando o disposto no art.º 3.º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas encontram-se verificadas, no presente caso, todas as condições ali exigidas: o condenado é português, a sentença cujo reconhecimento ora se peticiona já transitou em julgado, a duração da condenação que o condenado tem ainda de cumprir é superior a seis meses, o condenado consentiu na sua transferência, os atos que originaram a condenação constituem infração penal também em Portugal e quer o Estado da condenação quer Portugal estão de acordo quanto à requerida transferência. Assim, no presente caso, encontram-se preenchidas todas as condições exigidas pela citada Convenção para que AA, pessoa condenada no território indiano, seja transferida para território português para cumprir a condenação que lhe foi imposta. Vejamos, agora, se é possível o reconhecimento e execução da decisão proferida pela Justiça Indiana que condenou AA, para o que será necessário aplicar o disposto pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal). A este propósito, prescreve o artigo 96.º, sob a epígrafe «Condições especiais de admissibilidade», que: 1 - O pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira só é admissível quando, para além das condições gerais estabelecidas neste diploma, se verificarem as seguintes: a) A sentença condenar em reação criminal por facto constitutivo de crime para conhecer do qual são competentes os tribunais do Estado estrangeiro; b) Se a condenação resultar de julgamento na ausência do condenado, desde que o mesmo tenha tido a possibilidade legal de requerer novo julgamento ou de interpor recurso da sentença; c) Não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português; d) O facto não seja objeto de procedimento penal em Portugal; e) O facto seja também previsto como crime pela legislação penal portuguesa; f) O condenado seja português, ou estrangeiro ou apátrida que residam habitualmente em Portugal; g) A execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime; h) O Estado estrangeiro dê garantias de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado; i) A duração das penas ou medidas de segurança impostas na sentença não seja inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não seja inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual; j) O condenado der o seu consentimento, tratando-se de reação criminal privativa de liberdade. Ora, considerando o normativo acima citado, os factos assentes a atender na análise e decisão do presente caso e o teor dos elementos documentais constantes dos autos e tal como referido no parecer da Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central designada no âmbito da cooperação internacional em matéria penal nela regulada e consignado no Despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça, que admitiu a viabilidade do pedido de transferência da Índia para Portugal de AA, constatamos que não se verifica qualquer motivo de recusa de reconhecimento e execução das decisões transmitidas, tal como os previstos no artigo 96.º da Lei n.º 144/99, de 31.8. Assim, conclui-se no sentido de estarem verificados todos os pressupostos de que depende o reconhecimento da sentença penal estrangeira em questão. Na verdade, a aludida sentença foi transmitida a Portugal para esses efeitos, pela autoridade competente do Estado de emissão (India) acompanhada da certidão das decisões de condenação proferidas. O tipo legal de crime pelo qual o requerido foi condenado no Estado de emissão (tráfico de estupefacientes) é um crime igualmente punível na ordem jurídica portuguesa. Por sua vez, também não se verifica qualquer outra das causas de recusa de reconhecimento e de execução previstas no citado diploma legal. Refira-se, também, que não há conhecimento de que a execução contrarie o princípio ne bis in idem, que nos termos da lei portuguesa a pena não se mostra prescrita, que não existe uma imunidade que impeça a execução da condenação e que o condenado é imputável em razão da idade. Concluindo, o formalismo, designadamente o de natureza administrativa mostra-se cumprido e estão reunidos os requisitos de forma: a sentença a reconhecer foi recebida neste Tribunal da Relação do Porto, devidamente transmitida pela autoridade competente do Estado de emissão; quer a natureza da condenação (pena de prisão), quer a duração desta são compatíveis com a lei interna portuguesa; o condenado é cidadão de nacionalidade portuguesa, com última residência em Portugal, abrangida na área da Relação do Porto; a pena em que foi condenado o arguido respeita a crimes dos quais é competente o Tribunal que proferiu a decisão condenatória, já que cometidos nesse território; nada indica que os mesmos factos tenham sido objeto de procedimento penal em Portugal; esses mesmos factos, atinentes ao crime tráfico de estupefacientes, em Portugal, são também penalmente punidos; o pedido não contraria os princípios fundamentais do ordenamento jurídico português; existe lei e convenção que permitem que a sentença penal em causa tenha força executiva em território português; o referido ilícito penal não é qualificável, segundo a lei portuguesa, como crime contra a segurança do Estado; o processo penal decorreu com intervenção do arguido, com observância dos princípios do contraditório e do duplo grau de jurisdição e nada permite fazer duvidar que as garantias de defesa do mesmo não tenham sido respeitadas e este foi assistido por defensor; a sentença condenatória, de acordo com a lei indiana, está transitada em julgado; inexiste qualquer motivo para duvidar da autenticidade dos documentos com que foi instruído o pedido, nomeadamente dos documentos de que constam a aludida sentença, que se mostra inteligível. Por outro lado, de acordo com o sistema de revisão e confirmação (reconhecimento e execução de sentença penal estrangeira) vigente no nosso ordenamento jurídico não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira (sentença penal estrangeira), seja no âmbito da matéria de facto seja na aplicação do direito, pois que, em regra, trata-se de uma revisão (reconhecimento) meramente formal, razão pela qual o tribunal português competente para a revisão (reconhecimento) e confirmação (execução de sentença penal estrangeira) não se pronuncia sobre o fundo ou mérito da causa, sobre o bem fundado da decisão. Nestes termos, cumpre proceder ao reconhecimento da sentença e à execução da condenação em Portugal, pois mostram-se, no presente caso, verificadas as condições gerais bem como as condições especiais de admissibilidade. Por isso, nada obsta ao reconhecimento da sentença penal aqui em causa e à execução da condenação em Portugal. Assim, defere-se o pedido formulado pelo Ministério Público no seu requerimento inicial. III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em reconhecer, para efeitos de execução em Portugal, a sentença condenatória de 30 de junho de 2016, submetida a recurso pelo Tribunal da Relação de Bombaim, Goa, em 14 de julho de 2016, ambas transitadas em julgado, deferindo-se o pedido de transferência do recluso AA da Índia para Portugal, a requerimento do próprio condenado, para cumprir, no estabelecimento prisional ..., o remanescente da pena de 12 anos de prisão em que foi condenado na Índia. Sem custas. Notifique. Após trânsito, comunique à autoridade competente do Estado de emissão e à Procuradoria-Geral da República entregando certidão da decisão com nota de trânsito e remeta os autos ao Tribunal competente para a execução do remanescente da pena de prisão. Porto, 11 de dezembro de 2024 (Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) Paula Natércia Rocha Maria Luísa Arantes Madalena Caldeira |