Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA PEDRO | ||
Descritores: | ÂMBITO DO RECURSO VÍCIOS ART. 410º N.º 2 CPP CONTRADIÇÃO INSANÁVEL IMPEDIMENTO À PRESTAÇÃO DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RP202311131335/22.7T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONTRAORDENAÇÃO LABORAL | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos recursos em sede de contra-ordenações laborais a segunda instância tem, por regra, os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, nomeadamente dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, podendo estes vícios também pode ser fundamento do recurso em ordem à alteração da decisão de direito. II - Os vícios da decisão elencados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal têm de emergir, resultar do próprio texto da sentença, por si só considerada ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma. III - O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito IV - Não se verifica a contra-ordenação prevista no nº3 do art. 129º do C.Trabalho, por referência à al. b) do nº1 do mesmo preceito legal, ou seja, impedimento pelo empregador à prestação efectiva de trabalho pelo trabalhador, no caso de este último ter tarefas adstritas que executava habitualmente sem necessidade de ordens directas do empregador e deixar, a partir de determinado momento, de executar tais tarefas por sua iniciativa, ficando inactivo à espera de ordens de trabalho directas do empregador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc.nº 1335/22.7T8PNF.P1 Juízo do Trabalho de Penafiel- Juiz 1 Acordam os Juízes na Secção Social da Relação do Porto I. Relatório Inconformados com a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que lhes aplicou, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punível pelos artigos 127º nº 1 alíneas a) e c) e 129º alínea b) do CT, 59º nº 1 alíneas b) e c) e nº 2 da CRP, e 554º nºs. 1, 4 alínea c) e 5 do CT, uma coima no valor de €4.386,00, acrescida de €243,00 a título de custas, bem como sanção acessória de publicidade, a arguida A..., S.A. e AA apresentaram impugnação judicial. Seguindo os autos os seus termos, realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso o presente recurso, nos termos supra discriminados e revoga-se a Autoridade para as Condições do Trabalho em 24/03/2022, constante de fls. 2874 a 2895 dos autos. Consequentemente, absolve-se a Recorrente A..., Lda. da prática de uma contra-ordenação, prevista e punível pelos artigos 127º nº 1 alíneas a) e c) e 129º alínea b) do CT, 59º nº 1 alíneas b) e c) e nº 2 da CRP, e 554º nºs. 1, 4 alínea c) e 5 do CT. Sem custas (cfr. artigo 513º nº 1, parte final, do CPP, por remissão do artigo 60º do Decreto-Lei nº 107/2009, de 14/09, e do artigo 41º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 30/08). Registe e notifique.” Discordando do decidido, apresentou recurso o Ministério Público, finalizando a motivação, com as seguintes conclusões, que se transcrevem: …………………………………………… …………………………………………… …………………………………………… A arguida e o responsável solidário contra-alegaram à motivação do recurso, concluindo assim: …………………………………………… …………………………………………… …………………………………………… O Digno Procurador Geral Adjunto nesta Relação no seu parecer pronunciou-se pela manutenção da sentença e inadmissibilidade legal do recurso, sustentando que apenas foi impugnada a decisão da matéria de facto e nenhuma consequência foi extraída quanto à questão de direito em ordem a reverter a absolvição da recorrida, posição que não acolhemos conforme despacho de admissão do recurso. Foi cumprido o disposto no art. 418º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projeto de acórdão por via eletrónica, com a subsequente inscrição para julgamento em conferência. II. Delimitação do objeto do recurso/ questões a decidir O regime processual aplicável às contra-ordenações laborais consta da Lei nº 107/2009, de 14/9, cujo art.60º constitui direito subsidiário o regime geral das contra-ordenações, do Dec.-Lei nº 433/82, de 27/10; e, por via do art.º 41º, nº 1, deste diploma, são-lhe também aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo criminal, designadamente as pertinentes disposições do Código de Processo Penal (C.P.P.). Este tribunal de recurso apenas conhece da matéria de direito, (arts.º 49º, 1, e 51º, nºs 1 da referida Lei nº 107/2009), sem prejuízo da apreciação dos vícios da decisão da matéria de facto, nos termos previstos no nº2 do art. 410º, bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, nº2 , todos do C.P.Penal. Com a mencionada restrição, e sendo o objeto de um recurso delimitado pelas conclusões da respetiva motivação (cfr. arts.º 403º, nº 1, e 412º, nº 1, ambos do C.P.P.), no caso dos autos tendo em conta as conclusões formuladas, são as seguintes as questões suscitadas e sobre as quais cumprirá pronunciar-nos: - saber se a sentença enferma dos vícios invocados; - verificar se a arguida incorreu na prática da contra-ordenação que lhe foi imputada. III- Fundamentação A - Fundamentos de facto O Tribunal recorrido decidiu assim a matéria de facto: Factos provados Da matéria constante dos autos resultam assentes, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: A) Em 14/09/2020 (2.ª feira), pelas 15h00m, foi efectuada visita inspectiva às instalações da Recorrente, tendo sido interlocutores AA, administrador único, BB, diretor, e CC, responsável dos Recursos Humanos; B) No decurso da visita inspectiva, foram identificados trabalhadores do sector administrativo e do sector da produção; C) Foi verificado que a Recorrente mantinha afectos ao sector administrativo 5 trabalhadores, distribuídos por secretárias individuais, num gabinete amplo, contíguo ao sector da produção; D) No decurso da visita inspetiva, foram identificados nesse sector os 3 trabalhadores presentes, a saber: - DD, admitida em 06/01/2020, a executar tarefas relacionadas com a categoria de técnico de contas (encontrando-se, porém, na fase de transição de funções com o anterior Técnico Oficial de Contas, Dr. EE). No momento da visita inspetiva, a trabalhadora ainda não exercia a função de TOC da empresa, sendo a função ainda assegurada pelo Dr. EE; - FF, admitida em 01/09/1998, a executar tarefas relacionadas com a categoria de administrativa de 1ª; e - GG, admitido em 01/10/1990, com a categoria profissional de escriturário / contabilista, que se encontrava sentado numa das secretárias, sem executar qualquer tarefa; E) Questionado o trabalhador GG sobre a situação em que se encontrava, o mesmo declarou que desde 02/07/2020 (data em que o Dr. BB assumiu as funções de Director), a Recorrente não lhe atribuía tarefas próprias da actividade para que foi contratado, mantendo, porém, o horário de trabalho habitual (das 8h00 às 12h10m; e das 13h30m às 17h40m, de segunda a sexta-feira); F) O trabalhador GG declarou que lhe havia sido retirado o acesso à caixa de correio eletrónico, ao portal das Finanças e da Segurança Social bem como ao programa de processamento de salários, e que, desde 02/07/2020, a Recorrente começou a exigir ao trabalhador tarefas indiferenciadas, designadamente transportar mercadorias para clientes, levar peças ao mecânico, entre outras, não tendo o mesmo sido informado sobre novos projectos de trabalho ou sobre quando iria retomar as suas funções habituais naquele local de trabalho; G) A Sr. ª Inspetora Autuante verificou que na sua secretária o trabalhador tinha um computador, uma máquina calculadora e 2 impressoras e que não se encontravam quaisquer documentos em cima da secretária; H) Questionado sobre a actividade desenvolvida nesse dia, o mesmo declarou que não lhe tinham sido atribuídas quaisquer tarefas, mantendo-se inocupado. Declarou ainda que, só após a equipa inspetiva ter chegado às instalações da empresa, por volta das 15h00, o Director BB lhe entregou um “mapa de vendas” para emissão de recibos e notas de pagamento bem como uma capa de argolas com documentos de faturação, os quais nos foram exibidos pelo trabalhador na presença do Director, que confirmou esta informação prestada pelo trabalhador; I) Para desenvolver a tarefa atribuída, o trabalhador tinha acesso ao programa informático de facturação e gestão de empresa, B...; J) Questionado o identificado Director sobre as tarefas habituais desenvolvidas pelo trabalhador GG (até 02/07/2020) o mesmo declarou que o trabalhador, desde a data da admissão, e de forma progressiva, foi executando tarefas próprias da actividade para que foi contratado, designadamente processamento de salários, expedição de mercadorias, facturação, controlo do relógio de ponto, contabilidade, finanças e bancos; K) Esta declaração foi corroborada pelo trabalhador GG, o qual também declarou que, a partir da data em que foi admitida a trabalhadora DD, técnica de contas, iniciou-se o processo de esvaziamento de funções que culminou na total ausência de tarefas atribuídas pela Recorrente ao trabalhador a partir de 02/07/2020. Declarou ainda que a Recorrente deixou de atribuir todas as tarefas referidas no parágrafo anterior ao trabalhador GG, tendo, inclusive, alterado as palavras-passe que lhe permitiam aceder aos diversos programas informáticos e às tarefas anteriormente executadas; L) Confrontado com esta declaração do trabalhador, declarou, por seu turno, o Director BB que o trabalhador GG só não executava as tarefas próprias da actividade contratada “porque não lhas solicitava (quer as tarefas quer as palavras-passe)” e que essa situação se mantinha desde 02/07/2020; M) Não estava nem esteve em curso qualquer procedimento disciplinar ou outro, tendente a pôr fim ao contrato de trabalho com este trabalhador; N) Questionado ainda sobre o trabalho desenvolvido pelo trabalhador na semana anterior à visita inspectiva (de 07 a 11/09/2020), o Director declarou que nessa semana, e apenas no dia 08/09/2020 (3.ª feira), solicitou ao trabalhador que respondesse a um inquérito do INE – Instituto Nacional de Estatística (tendo o trabalhador acedido ao respetivo Portal do INE com as palavras-passe por si fornecidas), e que fizesse os lançamentos de abastecimento de gasóleo; O) O trabalhador corroborou esta informação, declarando, no entanto, que a execução daquelas tarefas atribuídas pelo Diretor lhe ocuparam apenas cerca de 20 minutos; P) Ambos declararam que nos restantes dias da semana não foram atribuídas ao trabalhador outras tarefas; Q) Nas semanas compreendidas entre os dias 17/08/2020 e 04/09/2020 a empresa esteve encerrada para férias; R) O trabalhador GG resolveu o contrato com fundamento em justa causa, com efeitos a partir de 25/09/2020; S) O trabalhador, desde a sua admissão e de forma progressiva, mais precisamente no sector administrativo, o seu trabalho sempre consistiu, de forma essencial, mas não exclusivamente, em executar tarefas adstritas às funções administrativas e de contabilidade, e executava, muitas vezes de forma voluntária, temporariamente, tarefas enquadradas em outras categorias profissionais, quer no sector da produção, quer no sector de apoio à actividade; T) No ano de 2016 a Recorrente procedeu a uma actualização do vencimento do trabalhador, e enquadrou-o na categoria profissional de contabilista, não obstante o mesmo não possuir habilitação de Técnico Oficial de Contas; U) Em Março ou Abril de 2019, o Técnico Oficial de Contas, Dr. EE, comunicou que iria deixar de ser trabalhador da Recorrente, disponibilizando-se, porém, a continuar a prestar os serviços necessários de T.O.C. através da prestação de serviços, online e por via remota, por uma avença mensal até que fosse realizado o fecho de contas referente ao ano de 2019, pelo que o Sr. GG, a partir de junho de 2019, sob supervisão do Sr. EE, começou a efectuar lançamentos contabilísticos no programa de contabilidade denominado ...; V) Em janeiro de 2020, a Recorrente contratou a Dra. DD, TOC, que a partir de julho iria assegurar a contabilidade da empresa dentro das instalações da Recorrente; W) A Recorrente reuniu, em 02/07/2020, com o trabalhador GG e comunicou que a Dra. DD iria assumir as funções de contabilidade e que o Sr. GG iria deixar de realizar os lançamentos contabilísticos no programa ...; X) Quando regressou de férias, em 07/09/2020, o trabalhador verificou que tinha sido alterado o seu posto de trabalho e que apenas dispunha de um computador, duas pastas vazias e uma pasta com arquivo morto, e que as passwords do INE, finanças e banco tinham sido alteradas; Y) Vários dos documentos anexos pela Recorrente encontram-se em duplicado/triplicado, uma vez que correspondem a respostas de respostas de e-mails; Z) Alguns desses documentos referem-se aos meses de janeiro a maio de 2020, sendo que outros se referem a junho, julho, agosto e setembro de 2020; AA) Vários dos e-mails juntos aos autos retratam iniciativas do próprio trabalhador, no exercício das suas funções, para terceiros e um trabalho prévio; BB) O mesmo sucedendo com outra documentação contabilística ou de actividade da própria empresa, e que foram realizados, reconhecidamente pelo próprio, no decurso dos meses de junho, julho, agosto e setembro de 2020; CC) A Recorrente dedica-se, de forma habitual e com intuito lucrativo, à actividade de fabricação, comércio, importação e exportação de calçado e similares e fabricação e comércio de embalagens de papel e cartão; DD) O trabalhador, GG, foi admitido ao serviço da Recorrente em 01/10/1990, para, por tempo indeterminado, mediante retribuição e sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções administrativas e de contabilidade, inerentes à categoria profissional de 3º escriturário, entre 01/10/1990 até 30/11/1992, de 2º escriturário, entre 01/12/1992 até 31/12/1996, de 1º escriturário, entre 01/01/1997 até 31/03/2006, de assistente administrativo de 1ª, entre 01/04/2006 até 31/12/2015, e, finalmente, de contabilista, entre 01/01/2016 até 25/09/2020; EE) Quando admitido ao serviço da Recorrente e no desenvolvimento da relação laboral com esta, a actividade do trabalhador, GG, sempre consistiu, de forma essencial mas não exclusivamente, em executar tarefas adstritas a funções administrativas e de contabilidade; FF) Recorrentemente, e sempre que para tal se mostrasse necessário – e muitas das vezes de forma voluntária, zelosa e sem qualquer determinação expressa da Recorrente - executava temporariamente tarefas enquadradas em outras categorias profissionais, quer no sector da produção, quer no sector de apoio à actividade; GG) As funções que o trabalhador desempenhava na Recorrente desenvolviam-se, fundamentalmente, na execução das seguintes tarefas: 1) Procedia ao tratamento adequado da correspondência, documentação, respondia a inquéritos; 2) Executava tarefas administrativas necessárias à satisfação das encomendas, recepção e expedição de mercadorias, nomeadamente, providenciando pela obtenção da documentação necessária ao seu levantamento; 3) Efectuava registos contabilísticos relativamente a receitas e despesas com a venda de produtos; 4) Verificava e registava a assiduidade do pessoal e calculava os salários a pagar a partir das folhas de registo das horas de trabalho efectuadas; 5) Executava tarefas administrativas relacionadas com transacções financeiras, operações de seguros e actividades jurídicas; 6) Fazia a gestão da frota automóvel, designadamente, tratando dos seguros, manutenções e assistências técnicas e inspecções periódicas; 7) E na execução das tarefas utilizava os meios tecnológicos ao seu dispor, designadamente, no programa informático OLISOFT, um software vocacionado para o sector da gestão empresarial, que permitia à administração da Recorrente ter, internamente, acesso imediato e actualizado da informação necessária para os actos de direcção, gestão e decisão: e nesse programa informático, concretamente, executava as seguintes tarefas: executava o lançamento de faturas de compra e venda; lançava as notas de pagamento e recibos; lançava todas as despesas e recebimentos da Recorrente; mantinha sempre atualizado a conta-corrente de fornecedores, clientes e entidades bancárias ou financeiras, entre outros; 8) Preparava, arquivava e ordenava toda a documentação necessária para ser disponibilizada ao T.O.C.; 9) Fornecia e esclarecia todas informações necessárias ao T.O.C. para que este pudesse elaborar relatórios que acompanham a apresentação de contas e assistem na gestão da empresa e na execução dos balanços; HH) E, sempre que para tal se mostrasse necessário, o trabalhador executava, ainda, de forma ocasional e temporariamente as seguintes tarefas: 1) Operação de armazenamento, designadamente, de acondicionamento de materiais para fabrico e embalagem e carregamento dos produtos acabados; 2) b) Operação de condução automóvel, nomeadamente, para transporte de mercadorias, matérias-primas ou produtos acabados, entrega e recolha de materiais, peças ou pequenos equipamentos em fornecedores ou prestadores de serviços, e de vária documentação, em entidades, públicas ou privadas, que se relacionassem com a Recorrente; II) O vencimento mensal base auferido pelo trabalhador era superior ao valor mínimo previsto nas tabelas salariais aplicáveis ao sector para qualquer uma das categorias profissionais, fosse como administrativo e/ou contabilista e/ou caixa; JJ) Como gesto de reconhecimento, que a Recorrente nutria e sempre nutriu, pelo desempenho empregado pelo mesmo na execução das tarefas que lhe estavam adstritas e da polivalência que o mesmo revelava, como sempre revelou, na realização de outras funções que não eram próprias da categoria profissional no qual se encontrava enquadrado; KK) No ano de 2016 a Recorrente procedeu a uma actualização e/ou enquadramento de todos os seus trabalhadores às categorias profissionais previstas no Contrato Colectivo de Trabalho aplicável ao sector; LL) No que concerne ao trabalhador, decidiu a Recorrente enquadrá-lo, a partir de 01/01/2016, na categoria de contabilista, não obstante o facto do mesmo não possuir habilitação de Técnico Oficial de Contas (T.O.C.), aumentando-lhe o vencimento base mensal numa lógica de o enquadrar numa categoria profissional mais prestigiante; MM) O trabalhador sempre desempenhou e continuou a desempenhar, pese embora a alteração/revisão da categoria profissional e da remuneração realizada em 2016, as mesmas funções que até então executava e indicadas em GG) e HH); NN) Fazendo-o o trabalhador, sempre, de forma consciente, espontânea, em total concordância com a Recorrente e, muitas vezes sem necessidade de qualquer indicação expressa da Recorrente nesse sentido; OO) Sucede que, a partir do 02/07/2020 o trabalhador passou a recusar executar várias tarefas que até então lhe estavam adstritas, invocando tratar-se de um contabilista e que a partir de então só realizava funções inerentes ou enquadradas que fossem nessa categoria profissional e nada mais; PP) Bem sabendo aquele, como sabia, que as suas funções não se resumiam, apenas, às tarefas enquadradas na categoria profissional de contabilidade e que apenas em casos pontuais, o trabalhador necessitava de receber ordens directas da administração da Recorrente ou dos seus superiores hierárquicos para executar as tarefas; QQ) Até ao ano de 2015 os serviços de contabilidade legalmente exigíveis, designadamente, para preenchimento e elaboração das declarações fiscais à autoridade tributária e aduaneira, relatórios e contas, balanços, balancetes, entre outros, eram prestados através de uma empresa de prestação de serviços de contabilidade denominada C..., Lda.; RR) A partir de Setembro de 2015 tais serviços passaram a ser prestados pelo Dr. EE, T.O.C., sendo que a partir de 01/01/2016 os passou a realizar dentro das instalações da Recorrente; SS) Foi no segundo semestre de 2019, que o trabalhador passou, também, a título temporário, sob a supervisão e prévia formação do Dr. EE, a fazer lançamentos contabilísticos no programa de contabilidade denominado ..., software de contabilidade licenciado da Recorrente; TT) A Recorrente, através do seu administrador, em reunião realizada no dia 02/07/2020, transmitiu ao trabalhador que a Dra. DD iria assumir, definitivamente, as funções até então exercidas pelo Dr. EE, pelo que não havia necessidade que ele continuasse a realizar os lançamentos contabilísticos no programa de contabilidade denominado ...; UU) Nesse mesmo dia 02/07/2020, BB solicitou ao trabalhador que fosse ao torneiro levar uma peça de uma máquina para rectificar; VV) O trabalhador recusou realizar essa tarefa, dizendo-lhe: - Vamos cá ver… eu sou um contabilista, não sou motorista e não faço nada que não seja de contabilidade; WW) No dia 03/07/2020, o administrador da Recorrente solicitou ao trabalhador que procedesse à entrega de uma encomenda na cidade do Porto, o qual acatou, prontamente, realizando a tarefa em causa; XX) Em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2020, foi solicitado ao trabalhador que fosse realizar a inspecção periódica de duas viaturas da empresa; YY) O trabalhador continuou a realizar todas as tarefas que lhe estavam adstritas, desempenhando-as, sempre, sem qualquer incidente até ao regresso do período de férias, designadamente as que eram desenvolvidas no programa informático OLISOFT; ZZ) No dia 16/08/2020 o A. entregou a BB um envelope com o documento junto a fls. 72 a 78 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas; AAA) Iniciou-se um período de férias na Recorrente, as quais, no que concerne o trabalhador, foram cumpridas entre o dia 17/08/2020 até ao dia 04/09/2020; BBB) Tendo o referenciado trabalhador regressado ao serviço da Recorrente no dia 07/09/2020; CCC) A partir de então, o trabalhador, GG, passou a manter a sua secretária totalmente limpa e arrumada e sem efectuar qualquer uma das tarefas que lhe estavam designadas; DDD) Passou apenas a cumprir, só e apenas, todos os trabalhos que lhe fossem, expressamente, solicitados e nada mais; EEE) Ao ponto de nem sequer colocar sobre a mesa suporte de lápis e canetas, a base de protecção da secretária (calendário da RICAP 2020) e o cesto de colocação/arquivo de documentos que, normalmente, estava em cima da sua secretária; FFF) Ao longo da relação laboral com a Recorrente, o trabalhador ao final da jornada de trabalho arrumava todos os objectos acima referidos; GGG) E a primeira coisa que fazia no início de um novo dia de trabalho era recolher esses objectos e colocá-los, novamente, sobre a sua secretária para começar a realizar as suas tarefas; HHH) A partir de então o trabalhador cantava e assobiava no seu posto de trabalho. Factos não provados: De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, designadamente que: 1) A partir de 02/07/2020, ao trabalhador apenas foram solicitadas, pontualmente, tarefas que não eram adstritas à sua categoria profissional, como ir ao torneiro, efectuar entregas, ou efectuar a inspecção periódica das viaturas, ficando o mesmo sem tarefas atribuídas; 2) O trabalhador demonstrou vontade de executar tarefas inerentes à sua categoria profissional, o que foi ignorado pela Recorrente; 3) A Recorrente visualizou, várias vezes o trabalhador sem executar qualquer tarefa, considerou que não era normal ele encontrar-se assim e nunca lhe foi instaurado qualquer procedimento disciplinar; 4) Quando regressou de férias, em 07/09/2020, o trabalhador verificou que as passwords de plataformas de fornecedores tinham sido alteradas; 5) Alguns dos documentos foram apenas enviados, e não desenvolvidos pelo Sr. GG; 6) No dia 11/08/2020, o trabalhador tenha entregue ao director de serviços da Recorrente, o documento constante de fls. 72 a 78 dos autos; 7) Que o trabalhador limpasse a secretária, com o objectivo de o verem inactivo; 8) Que o trabalhador tenha preparado antecipadamente a data em que cessaria funções, com o objectivo de lesar a Recorrente; 9) Qual o tempo despendido pelo Sr. GG a enviar/reenviar/escrever os e-mails e documentos anexos pela Recorrente; 10) As funções que o trabalhador desempenhava na Recorrente desenvolviam-se, fundamentalmente, na execução das seguintes tarefas: a) Procedia ao tratamento adequado de valores a seu cargo, elaborava relatórios, preparava e ordenava notas de compra e venda; b) Ordenava e arquivava letras, livranças, recibos, cartas e outros documentos e elaborava dados estatísticos; c) Assegurava a expedição, recepção e distribuição de mercadorias pelo pessoal e clientes e efectuava contactos com entidades oficiais; d) Tinha a seu cargo as operações da caixa e registo do movimento relativo a transacções respeitantes à gestão da empresa; e) Preparava os sobrescritos segundo as folhas de pagamento; 11) O indicado em HH) dos factos provados era o motivo pelo qual o trabalhador auferia da Recorrente um vencimento mensal base de €1.610,00; 12) A partir de 02/07/2020 o A. invocou que apenas realizaria as tarefas inerentes àquelas funções de contabilista e que lhe fossem, expressamente, determinadas pela Recorrente, designadamente, só cumprindo ou realizando as tarefas que lhe fossem pedidas pela administração ou pelos seus superiores hierárquicos; 13) Nessa ocasião, entre a Recorrente, o Dr. EE e a Dra. DD ficou combinado até ao fecho de contas referente ao ano de 2019 (que previsivelmente ocorreria em meados do mês de junho de 2020) o seguinte: a) O Dr. EE continuaria a exercer funções nos termos referidos no artigo 34.º da presente peça processual e a permanecer inscrito como T.O.C. da Recorrente junto da autoridade tributária; Por seu turno, b) A Dra. DD, de forma a familiarizar-se com o funcionamento e orgânica da empresa e o relacionamento desta, ao nível contabilístico, com fornecedores/clientes/matérias-primas/serviços/produtos/etc., faria uma análise à contabilidade dos anos anteriores e começaria a realizar os serviços, até então realizados pelo Dr. EE, a partir do mês de janeiro de 2020; e, finalmente, c) Em junho de 2020 proceder-se-ia, então, à substituição formal do T.O.C. da Recorrente junto da autoridade tributária, passando, a partir dessa altura, a Dra. DD, a exercer também perante aquela entidade as funções supra referidas; 14) Concluída a reunião indicada em TT) dos factos provados, o trabalhador regressou à sala do departamento administrativo, recolheu todas as pastas e documentos em que estaria a trabalhar e que estavam na sua secretária e despejou-os literalmente, arremessando-os com violência para cima da secretária da Dra. DD, e, em voz exaltada disse-lhe: - Toma lá. A contabilidade agora é contigo; 15) O facto descrito em XX) dos facos provados ocorreu dia 06/07/2020, logo no início da manhã, tendo sido solicitado pelo administrador da Recorrente; 16) O trabalhador recusou-se a cumprir a tarefa indicada em XX) dos factos provados e, em tom de voz alto e alterado, dirigiu-se ao administrador da Recorrente e disse-lhe: -Vamos cá ver… eu já disse ao seu filho que sou contabilista e não faço mais nada que não seja contabilista… e não vou e não faço mais nada enquanto não me der a contabilidade… é isso… e se não estiver contente comigo chegamos a um acordo e eu vou-me embora; 17) A partir de então na sala do departamento administrativo passou a vivenciar-se um clima tenso entre os vários funcionários da Recorrente afectos aquele sector, designadamente, o trabalhador que se apresentava recorrentemente nervoso, inquieto; 18) A partir de então passou a notar-se que o trabalhador passava parte do seu tempo de trabalho a rasgar folhas de papel e a deitá-las ao lixo, designadamente, documentos que se encontravam na sua secretária, armários e estantes daquele sector administrativo, sobretudo, nos momentos em que o administrador da Recorrente se aproximava daquela área, numa postura, notoriamente, provocatória; 19) No dia 08/07/2020, a meio da manhã, o trabalhador, GG, irritado e em tom ameaçador de voz exaltada dirigiu-se ao administrador da Recorrente nos seguintes termos: Quero saber quem é que me roubou os papéis que estavam no meu caixote do lixo. Já perguntei à HH (funcionária dos serviços de limpeza da Recorrente) e ela disse-me que o caixote estava vazio; 20)Pouco tempo depois, nesse mesmo dia, ainda durante o período da manhã, o trabalhador, GG, novamente de forma exaltada, ameaçadora e em tom de voz alta, no interior da sala do sector administrativo da Recorrente, dirigiu-se, novamente, ao administrador da Recorrente disse: Vou fazer queixa de si à ACT por assédio sexual e quero saber dos papéis que rasguei e quem os arrumou; 21) O administrador da Recorrente, tentando acalmar e perceber quais as suas intenções, entabulou conversação com o trabalhador, GG, dizendo-lhe: Explique-me melhor o assédio sexual… e essa forma de falar não é a mais correcta dentro do escritório. Nem eu falo assim; 22) O trabalhador, GG, em resposta disse: Peço desculpa… precipitei-me… não é assédio sexual é assédio moral; 23) O administrador da Recorrente, em resposta disse: O Sr. GG acalme-se e durante a tarde ou amanhã, vamos falar, mas educadamente, saindo em seguida da sala do sector administrativo; 24) No dia 10/07/2020, por volta das 9:00 horas, o administrador da Recorrente solicitou a presença do trabalhador na sala daquele para uma reunião na sequência dos acontecimentos supra alegados; 25) Nessa ocasião, o administrador da Recorrente transmitiu ao trabalhador que tinha tido conhecimento dos acontecimentos supra relatados e que os mesmos não podiam voltar a acontecer; 26) Nessa mesma ocasião voltou-lhe a repetir que a Dra. DD apenas iria assumir as funções até então exercidas pelo Dr. EE, pelo que não havia necessidade que ele continuasse a realizar os lançamentos contabilísticos no programa de contabilidade denominado ...; 27) E, nesse sentido, devia continuar a exercer todas as restantes tarefas que lhe estavam atribuídas, à excepção daquelas que temporariamente realizou durante o período de transição entre o Dr. EE e a Dra. DD; 28) Perante isto, o trabalhador, GG, visivelmente agastado, simplesmente respondeu: Ainda vai precisar de mim… Eu sou contabilista e não faço mais nada que não seja contabilidade. Se não estiver contente comigo, faça-me uma proposta para eu ir embora e resolvemos a situação; 29) Ainda nessa ocasião, visando a cessação do contrato de trabalho, combinaram o administrador da Recorrente e o trabalhador que este, na segunda-feira seguinte, dia 13/07/2020, apresentaria uma proposta para aquele efeito; 30) No dia 13/07/2020, o trabalhador solicitou uma reunião com o administrador da Recorrente para que lhe fosse apresentada a sua proposta para a cessação do contrato de trabalho; 31) Nessa reunião o trabalhador, GG, disse ao administrador da Recorrente o seguinte: Já fui à ACT contar a minha história e a ACT disse-me que não sabe como é que ainda há destes industriais de merda. Que o senhor tem que ser posto na lama e é posto rapidamente; 32) Mais disse o seguinte: O inspector da ACT que me atendeu perguntou-se se tinha tempo para ir já com ele ao Porto para falarmos já com um advogado entendido nesta matéria… só que agora como estamos no período de férias judiciais não… mas em setembro resolvo-lhe já isso tudo; 33) Mais ameaçou: Vou fazer denúncias às finanças, à segurança social e à ACT… Vou fazer de tudo para não ter mais sossego… nem o Senhor nem a sua família. Por muito tempo não o vou deixar dormir; 34) Mais disse: O advogado que me aconselharam e onde fui é muito bom nesta matéria, fui muito bem aconselhado e o advogado foi muito claro: não me leva dinheiro nenhum, 10% do que eu receber são para ele e 5% são para um amigo dele; 35)Então concluiu, propondo o seguinte: O Senhor AA dá-me €20.000,00 em dinheiro, em notas, e os meus direitos em recibo, que anda entre os €6.000,00… e fica tudo caladinho, ninguém sabe de nada e nada lhe acontece, eu fico calado e não fica nada registado na ACT; 36) Em resposta, o administrador da Recorrente apenas lhe transmitiu: Não tenho palavras para lhe dizer a não ser que vou refletir no que me disse, terminando assim a reunião; 37) No dia seguinte, dia 14/07/2020, o administrador da Recorrente solicitou a presença do trabalhador na sala daquele para uma reunião na sequência do sucedido no dia anterior; 38) Nessa ocasião, o administrador da Recorrente transmitiu ao trabalhador o seguinte: Fiquei deveras surpreendido com a atitude do Senhor GG e com tudo o que fez e me disse na última reunião. Não falando das ameaças e de tudo mais que o Senhor fez e me disse, não aceito de maneira nenhuma a proposta que apresentou. O Sr. GG sabe muito bem que esta nunca foi, nem é, a minha forma de trabalhar. Não lhe vou dar dinheiro nenhum por fora, tudo o que for terá de ser oficial. Nem aceito os valores que me pede, principalmente nesta altura, que como o Senhor sabe estamos a lutar com dificuldades; 39) Em resposta o trabalhador, GG, disse: Faça uma contraproposta; 40) Tendo o administrador da Recorrente referido o seguinte: - Dou-lhe €10.000.00 como compensação, os seus direitos proporcionais e o fundo de desemprego, tudo devidamente registado em recibo; 41) O trabalhador, rematou a reunião dizendo: Vou pensar; 42) No dia 11/08/2020, o trabalhador disse a BB o seguinte: Tens aqui este envelope para entregar ao teu pai e transmite-lhe que tem 3 hipóteses: - Ou mantém-me aqui sentado na minha secretária sem fazer nada e paga-me ao fim do mês; -Ou manda-me para casa com licença com vencimento; Ou dá-me os meus direitos e paga bem e mesmo assim o teu pai vai ter problemas. Vou fazer queixas nas finanças, vou fazer queixas na segurança social e vou fazer queixas na ACT… mas não vai ser tudo de uma vez, vem uma inspeção e quando estiver arrumado vem outra, e assim sucessivamente, vai ser uma atrás de outra… ides estar sempre a ver quando vem a próxima. O teu pai não vai ter descanso e vai passar muitas noites sem dormir. Vou-vos acusar de teres pago a menos cerca de 180 mil euros aos trabalhadores desde 2016, de que havia despesas particulares suportadas pela empresa, gás e eletricidade, entre outras. Diz ao teu pai o nome Professor II, ele vai perceber o que é. Isso é uma bomba para a tua família. Ides passar vergonha; 43) Logo que cumprida qualquer tarefa, o trabalhador, GG, tratava de arrumar novamente a secretária de forma a mantê-la livre de qualquer objecto afecto à execução das suas normais funções; 44) O trabalhador deixou de colocar sobre a mesa suporte de lápis e canetas; 45) A partir de então, o trabalhador mantinha-se no interior da sala do sector administrativo, encostado na cadeira da sua secretária, com as pernas alçadas ou cruzadas, ora levantando os braços no ar ou esticando as pernas; 46) Ora, levantando-se, virado para o sector da produção, com os braços cruzados, com o claro intuito de que todos os restantes trabalhadores da Recorrente percebessem que o mesmo não estava a desempenhar qualquer tarefa; 47) Sabendo, como sabia, que assim mantinha uma postura inadequada para um local de trabalho, tentando por essa via, crê-se, dar a conhecer a todos a sua inactividade e da existência de um qualquer conflito com a administração da Recorrente; 48) Em data entre o dia 07/09/2020 e o dia 11/09/2020, o administrador da Recorrente, dirigindo- se para o trabalhador, disse-lhe: Senhor GG, isto aqui é um local de trabalho, não é nenhum recreio ou intervalo para o Senhor estar a assobiar e com essas atitudes. Faça o seu trabalho; 49) Tendo-lhe o trabalhador, GG, respondido: - Sim senhor; 50) Sempre que alguém desconhecido do trabalhador entrava nas instalações da Recorrente, o mesmo tratava, rapidamente, de colocar-se em posição visível de total inactividade; 51) Com o intuito de garantir o seu propósito e objectivo final, caso as pessoas em causa estivessem a realizar qualquer ação inspectiva à Recorrente. B) Fundamentação de direito - Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Como já dissemos, o recurso para a Relação em sede de processo de contra-ordenacional está circunscrito à matéria de direito, estando excluída a intervenção deste tribunal na decisão da matéria de facto, sem prejuízo da apreciação dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP que podem ser invocados em sede de recurso e apreciados oficiosamente. No que concerne à apreciação destes vícios é jurisprudência uniforme e já remota do Supremo Tribunal de Justiça que têm de resultar, isto é, só relevam, se decorrerem do texto da própria decisão recorrida, encarada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos, ou declarações ou depoimentos colhidos ao longo do processo, ou até mesmo produzidos em julgamento (salvo se os factos forem contraditados por documentos que fazem prova plena, não arguidos de falsidade) – neste sentido, os acórdãos do STJ de 29-03-1989, processo n.º 39 992, BMJ n.º 385, pág. 530; de 18-10-1989, processo n.º 40266; de 22-11-1989, e mais recentemente, acórdãos de 8-11-2006 e 17-03-2016, in www.gdsi.pt. Como vimos, o recorrente alega que a sentença enferma de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na al.b) do nº2 art. 410º do C.P.Penal. A este propósito, o Ac. do STJ de 24-02-2016; Proc.502/08.0GEAR.E1.S1,in www. dgsi.pt, explicita o seguinte :« o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito Assim, pode afirmar-se que há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorrerá quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão». (sublinhado nosso) Segundo o recorrente a sentença enferma de contradição insanável na fundamentação probatória da matéria de facto, porquanto a Mmª Juíza louvou-se no depoimento da testemunha GG para considerar alguns factos como provados e , simultaneamente, não lhe conferiu credibilidade em relação a outros factos, considerando mais credível em relação aos mesmos o testemunho director geral da empresa arguida e filho do administrador único, também arguido. Sustenta o recorrente que um depoimento falho de credibilidade não pode servir de todo para permitir a seriação dos factos provados e não provados ou para qualquer outra circunstância no mesmo processo em que tal ausência de credibilidade é anotada. Acrescenta ainda que o depoimento do trabalhador GG foi absolutamente, coerente, autentico, credível e verídico, ao invés dos depoimentos das testemunhas da arguida ouvidas nos autos, nomeadamente do director-geral BB, filho do administrador e também arguido, que denotaram falta de espontaneidade e reservas. Porque se nos afigurar útil transcreveremos integralmente a motivação da matéria de facto da sentença recorrida e não apenas as passagens mencionadas pelo recorrente . “Motivação da decisão de facto: A convicção do Tribunal acerca da decisão de facto assentou no teor da prova documental junta aos autos, não impugnada, conjugada com o depoimento das testemunhas inquiridas, nos seguintes termos: Os pontos A) a Q) resultaram demonstrados do teor do auto de notícia junto a fls. 5 e ss. dos autos, que foi confirmado pela testemunha JJ quanto ao seu conteúdo e declarações prestadas pelos diversos intervenientes nos termos dados como provados. Não obstante a testemunha BB, director-geral da Recorrente e filho do respectivo administrador, tenha declarado em depoimento que a situação se mantinha desde 02/07, como consta do ponto L), certo é que esclareceu que a situação se referia à recusa do trabalhador em realizar trabalhos que anteriormente fazia, como levar uma peça ao torneiro ou levar um veículo à inspecção, o que não contradiz o teor do ponto L), mais esclarecendo que até àquela data o trabalhador sempre exerceu as suas funções sem necessidade de lhe serem dadas ordens nesse sentido, o que foi ainda corroborado pela testemunha FF, administrativa da Recorrente, que confirmou que todos os trabalhadores sabem o trabalho que têm de executar e o normal é fazerem-no por sua iniciativa, sendo que os patrões raramente estão por perto. Saliente-se que estes factos referem-se aos factos descritos no auto de notícia quanto aos pessoalmente constatados pela Inspectora (pontos A a D) e ao que aí lhe foi relatado pelos intervenientes presentes, mas sem que, quanto a estes últimos, se possa considerar que os factos materiais objecto de tais declarações possam ser considerados provados nos termos previstos no artigo 13º nº 3 da Lei nº 107/2009, de 14/09, na medida em que são meras declarações prestadas perante a Inspectora, e não a constatação por esta dos respectivos factos materiais objecto de tais declarações. Deram-se como provados os pontos R) a W) com base no depoimento das testemunhas GG e BB, que os confirmaram. O ponto X) foi dado por demonstrado com base no depoimento de GG, que o confirmou, sendo que BB também confirmou a mudança de local da secretária daquele (e dos demais trabalhadores administrativos, o que foi ainda corroborado por FF, que mais referiu ser normal estas mudanças nos períodos de férias e que já antes desta remodelação a secretária do trabalhador era a primeira da fila, mais próxima do armário, e a da DD estava desde o início atrás da dele) e das passwords em questão. Já quanto ao ponto 4), não foi o mesmo confirmado por qualquer meio de prova produzido, pelo que se deu como não provado. Foram demonstrados os pontos Y) a BB) e YY) da análise dos documentos juntos aos autos, dos quais se salientam, a título de exemplo, os constantes de fls. 149 a 156, 188 a 191, 225 a 228, 244, 872 e 1020, todos referentes à Fedex; 208 a 224, 258, 280 a 295, 313, 335, 455, 474 a 476, 882, 1089, 1148, 1202, 1213, 1251 e 1278, referentes à Bril; 229 a 232, 260, 264, 270 e 287, relativos à Rhenus; 241 a 243, 751, 752, 893 e 1017, da Josilex; 310 a 312, 326 e 332 a 334, relativos a propostas referentes a resíduos; 330, 331, 349, 481 a 484, 486 a 488, 1073, 1124 e 1241, relativos a cotação para Escócia; 456 a 461, 467 a 473, 475, 475-A, 879, 1034 e 1569 da K-Mail; 462 a 466, 485, 1029 e 1076 relativos ao El Corte Inglês; 727 a 729, 1080, 1106, 1428, 1459, 1488, 1493, 1649 e 1662 a 1669 referentes à Diverkargo; 1084 a 1101, 1138, 1141, 1161, 1164, 1180, 1186, 1272, 1406, 1412, 1554, 1557, 1618, 1623, 1626, 1630, 1683 a 2025 relativos a Kuenne e Negel. Da análise desta documentação, bem como de vários outros documentos e e-mails juntos constata-se que a Recorrente optou por juntar a documentação alegadamente executada pelo trabalhador GG por data, de modo crescente, tendo, com isso, repetido a junção de vários e-mails e documentos quando se referiam a uma resposta ou seguimento dados num dia a situações e e-mails de data anterior. Por outro lado, e ainda a mero título exemplificativo, resulta do teor de fls. 79 a 94, 99 a 102, 113, 115 a 124, 138 a 141, 149 a 156, 188 a 191, 225 a 228, 244, 872, 1020, 157, 310 a 312, 324, 330, 331, 477 a 480, 724, 742, 1266, 755, 871, 1277, 895, 997 a 1016, 1019, 1103, 1105, 1109 a 1121, 1130, 1134, 1192, 1227, 1296, 1317, 1394, 1416, 1540, 1639 a 1648, 1655, 1677, 1235, 1239, 1305, 1314, 1337, 1354, 1358, 1363, 1367, 1432, 1453, 1468, 1501, 1503 a 1524, 1675, 1673, 1538, 1598, 1634, 2027 a 2030, 2395 a 2474 constata-se que, durante os esses de Julho a Setembro o trabalhador exerceu diversas funções administrativas sem evidência de instruções nesse sentido, sendo que, pelo contrário, em várias situações, respondeu a clientes ou terceiros à Recorrente em curto espaço de tempo, como é o caso de fls. 113-114, 157-158, 159-166, 174-177, 477-480 e 997-1016, o que denota iniciativa da sua parte, se considerarmos que a testemunha FF referiu que era esse o procedimento normal e que os patrões (gerente e seus filhos) raramente estavam à sua beira. Esta testemunha declarou ainda, de modo claro, que era ela quem colocava a documentação que era para o trabalhador na secretária deste e que continuou a fazê-lo mesmo após Julho de 2020, esclarecendo que a sua secretária se situava num espaço aberto, onde se encontravam as demais dos funcionários administrativos, e que era separada do espaço onde estava a do trabalhador apenas por um vidro, pelo que a mesma conseguia visualizar aquele. Relativamente à documentação contabilística referida em BB), salienta-se ainda o teor de fls. 138-141, 722, 1562, referente ao programa ...; 142-143; 324; 489-502, 503-548; 609-721; 730-733; 760-870; 898-996; 1042; 1051; 1071; 1105; e 2368 a 2474, dos quais resulta a troca de e-mails com o TOC e o ROC com pedidos ou fornecimento de informações e rectificações de documentos contabilísticos por parte do trabalhador, bem como o inventário de Agosto de 2020 e relativamente ao qual o trabalhador negou ter tido intervenção mas depois afirmou ter sido ele a fazer os inventários de Junho a Agosto, o que contraria o seu próprio depoimento e comprova que este documento foi por si elaborado. Já quanto ao inventário permanente a 31/08/2020, datado de 08/09/2020 e junto a fls. 2371-2394, BB declarou que foi o A. quem, nessa data, o retirou do programa competente. O trabalhador declarou que todos os documentos juntos pela Recorrente aos presentes autos como sendo referentes a actos por si praticados, e que confirmou, se referem a situações iniciadas antes de 02/07/2020 e que, por isso, seguiu mesmo após tal data. No entanto, e analisados os documentos, constata-se que entre os mesmos se identificam também novas situações surgidas após aquela data, o que retira credibilidade ao seu depoimento (cfr., por exemplo, fls. 310-312, 324, 330-331, 742, 871, 997-1016, 1084, 1101, 1109-1121, 1130, 1436, 1497, 1439, 2026, 2031-2075 e 2557-2561. Deu-se como provado o ponto CC) com base nos depoimentos das testemunhas inquiridas, que o confirmaram. Os pontos DD) e II) ficaram demonstrados pelo teor dos registos de pessoal de fls. 57 e 61 dos autos e que não foram impugnados. Deram-se por demonstrados os pontos EE) a HH) com base nos depoimentos conjugados do trabalhador, GG, e de BB, que os confirmaram, sendo que também a testemunha FF confirmou, embora de modo mais genérico, a maior parte das tarefas executadas pelo primeiro. O ponto 10) resultou da total ausência de prova nesse sentido. Foram dados como provados os pontos II) a LL) com base no depoimento de BB, que os confirmou, sendo que a própria Recorrente assumiu na impugnação judicial deduzida, que considera aplicável o CCT do sector, que à data dos factos aqui em causa se encontrava publicado no BTE nº 30/2016, de 15/08, correspondente ao Contrato coletivo entre a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele e Seus Sucedâneos - APICCAPS e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal - FESETE -Alteração salarial e outra e texto consolidado, de cuja tabela salarial se pode concluir que a retribuição base paga a GG era superior à aí prevista para a categoria de contabilista em € 840,31 (€ 1.608,31 - € 768,00). O ponto 11) não se demonstrou por ausência de prova nesse sentido, considerando ainda a retribuição indicada nos registos de pessoal juntos a fls. 57 a 71 dos autos. Deram-se como provados os pontos MM) a SS) e não provados os pontos 12) e 13) com base nos depoimentos de GG e BB, que confirmaram os factos em causa, com excepção, por parte de GG, do carácter temporário das funções indicadas em SS). No entanto, e não obstante GG o tenha negado, não se afigura plausível, face às regras de experiência comum, que uma empresa como a Recorrente, que sempre havia tido em funções um TOC para os actos contabilísticos e lançamentos no programa ..., que primeiro eram exercidos pela empresa C... e depois por EE, com formação na matéria, fosse a determinada altura simplesmente transferir tais funções para um trabalhador que já desde o tempo da primeira empresa de contabilidade trabalhava na Recorrente, especialmente se este não tinha sequer um curso superior que o habilitasse a exercer as funções de TOC. Foi assim mais credível o depoimento de BB, no sentido do carácter temporário destas funções pelo trabalhador, após a comunicação pelo TOC da intenção de cessar serviços para a Recorrente. Já os pontos 12) e 13) não se demonstraram por ausência de prova nesse sentido, uma vez que ninguém mencionou uma reunião ocorrida entre a Recorrente, EE e DD para distribuição de funções. O ponto TT) resultou provado do depoimento de BB, que o confirmou. GG apresentou uma versão diferente dos factos ocorridos em tal reunião, que confirmou ter ocorrido, no sentido de lhe ter sido transmitido que o seu trabalho ia ser entregue ao BB e que o depoente passaria a motorista. No entanto, para além de não ter sido apresentado qualquer outro meio de prova que confirmasse esta versão, resultou do depoimento de FF que DD foi apresentada a todos os trabalhadores do sector administrativo como sucessora do EE nas funções deste e, para além disso, que a mesma continuou a deixar na secretária de GG a documentação que era para ele, mesmo após Julho de 2020, o que retira credibilidade ao depoimento de GG, já que se as suas funções tivessem passado para BB, seria este quem passaria a receber a documentação, deixando a mesma de ser entregue àquele. Ao contrário de GG, que revelou no seu depoimento, embora consistente, ter mágoa para com a Recorrente pelo que ele considerou ser uma retirada de funções, não constatou o Tribunal qualquer factor que pudesse levar FF a faltar à verdade. Isto, para além do facto dos documentos juntos aos autos comprovarem que, mesmo após Julho de 2020, era GG quem continuava a manter contacto com EE e a sociedade de revisores oficiais de contas, bem como contactos com clientes, fornecedores e outras entidades, bem como remessa ao administrador da Recorrente dos registos contabilísticos realizados por DD (para além dos documentos já supra identificados, exemplifica-se ainda com o teor de fls. 351 a 454, 489 a 547, 548, 609 a 721, 730 a 733, 755 a 870, 898 a 996, 1042, 1051, 1071 e 1105), pelo que se consideraram tais depoimentos mais credíveis do que o de GG. O ponto 14) não se provou por total ausência de prova nesse sentido. Os pontos UU) a XX) resultaram demonstrados com base nos depoimentos de GG e BB, que os confirmaram, sendo que os pontos 15) a 18) não se provaram por ausência de prova nesse sentido. Salienta-se que, quanto ao ponto 18), apenas o trabalhador referiu que, numa situação específica, o administrador o viu rasgar documentos e ficou preocupado, mas sem que tenha ficado minimamente demonstrado que o fez com intenção provocatória ou mais do que uma vez, pelo que se deu este facto como não provado. Deu-se por provado o ponto ZZ) com base no depoimento de BB. Os pontos 6) e 42) foram dados como não provados por ter resultado do depoimento de BB que tal documento lhe foi entregue no último dia de trabalho antes de férias pelo trabalhador, ou seja, dia 16/08/2020, e não dia 11. Por outro lado, não obstante o trabalhador, GG, tenha declarado que não entregou o documento em causa à Recorrente, certo é que a Recorrente o tinha na sua posse, pelo que de algum modo teve acesso ao mesmo e, considerando que nos autos consta o envelope remetido pelo trabalhador à ACT com a denúncia e a testemunha JJ confirmou que esta foi efectuada pelo trabalhador no início de Setembro, apenas o trabalhador poderia ter entregue tal documento a BB, tendo-se assim considerado mais credível este depoimento. Não obstante esta testemunha tenha referido que no momento da entrega do envelope GG lhe indicou três hipóteses, o declarado pela testemunha não corresponde aos factos alegados, pelo que não se provaram as expressões em causa. Os pontos AAA) a HH) foram dados como provados com base no registo de faltas de fls. 71 dos autos, quanto ao ano de 2020, que foi ainda confirmado por BB e GG. Atendeu-se ainda aos depoimentos de BB e FF quanto aos factos relativos ao comportamento de GG no que se refere ao estado da sua secretária, cantos e assobios. Por outro lado, BB e GG confirmaram que este passou apenas a cumprir as tarefas que lhe eram expressamente ordenadas. Os pontos 43) a 49) não foram demonstrados por qualquer meio de prova. Não se provou o ponto 1) com base na análise dos documentos juntos, referindo-se a título exemplificativo os de fls. 99, 100 a 103, 113, 722, 1562, dos documentos referidos supra sob a fundamentação dos pontos Y) e Z), de fls. 157 a 207, 285, 297 a 307 (que GG confirmou ter executado por ordem do BB), 324, 329, 351 a 454, 477 a 480, 189 e ss., 548, 609 e ss., 724, 725 e ss., 730, 742, 755, 757, 760 a 870, todos do mês de Julho de 2020; 1501 a 1525, 1675, 1673, 1527, 1579, 1582, 1600 a 1604, 1616, 1538, 1550, 1567, 1584, 1588, 1595, 1598, 1634, 2026, 2031 a 2075, 2557 a 2561, 2027 e ss., 2078 a 2367, 2475 a 2556, 2562 a 2681, 2683 a 2748 (GG declarou que em Setembro de 2020 já não possuía as passwords referentes ao banco, o que foi confirmado por BB, pelo que se desconsiderou os documentos bancários juntos e referentes a tal mês como tendo sido praticados por este), 2371 a 2394 (que BB confirmou ter sido retirado do sistema pelo A. a 08/09/2020), 2395 a 2474, 2749 e 2752 a 2755, relativos a Agosto e Setembro de 2020. Todos estes documentos são datados de 02/07/2020 e datas posteriores, sendo referentes a e-mails enviados e/ou recebidos pelo GG, relativos a fornecedores, clientes, instituições bancárias, entidades seguradoras, técnico oficial de contas, entre outros, e aos quais o mesmo seu seguimento, demonstrando assim que aquele manteve funções administrativas, e várias delas a solicitação dos superiores hierárquicos. Os pontos 2), 3), 5) e 7) a 9) não ficaram demonstrados por ausência de prova nesse sentido. Não se deram como provados os pontos 50) e 51) em virtude de apenas BB ter declarado que, após a inspecção que deu origem aos presentes autos, a Recorrente foi objecto de visita por um novo potencial cliente e por uma empresa de serviço de higiene e segurança, desconhecidos de GG, e que este adoptou uma postura de inactividade, arrumando tudo o que tinha na secretária. No entanto, quanto a estes factos, não foi o depoimento pormenorizado e coerente o suficiente para merecer credibilidade, não tendo sequer sido indicada a denominação social das aludidas empresas, a que acresce ainda FF nada ter referido a este respeito, sendo que, estando esta no mesmo espaço físico, seria natural que também se apercebesse deste tipo de comportamento anormal, caso tivesse ocorrido.” Como se vê relativamente aos pontos R) a W) dos factos provados a Srª Juíza fundamentou a sua convicção nos depoimentos de GG e BB. Já relativamente aos pontos Y) a BB) e YY) da matéria de facto provada, a Srª Juíza descredibilizou o depoimento do GG considerando-o infirmado pelo teor dos documentos juntos. E quanto aos pontos MM) a SS) e ZZ) face às divergências entre os depoimentos de GG e BB, ponderando o contexto das situações em causa e as regras da experiência comum, considerou mais credível o depoimento da testemunha BB, explicitando as razões da sua convicção. Salvo o devido respeito, entendemos ser perfeitamente admissível que o juiz ao apreciar criticamente o conjunto dos meios de prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, como lhe compete nos termos do art.127º do CPPenal, considere o depoimento de determinada testemunha credível relativamente a uns factos e não credível em relação a outros, fundamentando a apreciação efectuada, como fez a Srª Juíza a quo, não se detectando qualquer vício lógico de raciocínio ou violação das regras da experiência, pelo que não existe fundamento para a apontada contradição. - Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Alega ainda o recorrente que mesmo a matéria de facto efectivamente tida como provada na sentença impõe uma decisão diversa. Em seu entender, face aos factos provados em “E,N, O, P e GG “ e “ M a P “ impunha-se concluir pela verificação dos elementos objetivo e subjetivo da contra-ordenação imputada à arguida (conclusões 16 a 19), o que consubstancia uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Como já dissemos, a contradição insanável prevista no art. 410º, nº 2 , al. b) há-de resultar do próprio texto da sentença. Só se verifica quando a fundamentação da sentença vai num sentido e depois se decide em sentido diverso. Ora, lendo a sentença tal não ocorre. Na fundamentação de direito da sentença, ponderando-se os factos mencionados pelo recorrente mas também a demais factualidade apurada concluiu-se que não houve da parte da arguida a intenção deliberada de obstar à prestação efectiva do trabalho por parte do trabalhador em causa, não tendo por isso a mesma incorrido na prática da contraordenação que lhe foi imputada, inexistindo qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão. Salvaguardando o devido respeito, o que resulta da argumentação do recorrente é uma discordância com a subsunção jurídica dos factos efectuada pelo tribunal, o que pode consubstanciar erro de julgamento mas não a apontada contradição. - Da violação do despacho proferido em 30.6.2022 e do disposto no art. 13º da Lei 107/2009. Por outro lado, o recorrente sustenta que, tendo o tribunal recorrido por despacho de 30.6.2022, transitado em julgado, considerado válido o auto de notícia, face ao disposto no art. 13º, nº3 da Lei 107/2009 de 14.9, tinha que dar como provados os factos nele constantes, nomeadamente os vertidos nos nºs 1 a 5 da factualidade não provada, tanto mais que o seu teor foi integralmente reafirmando pela Srª Inspetora e pela testemunha GG que tem como mais credíveis do que as testemunhas da arguida. Reafirma-se que está excluída dos poderes de cognição deste tribunal a reapreciação da decisão da matéria de facto fora do âmbito do art. 410º, nº2 do CPPenal, o que o recorrente reconhece, mas depois ignora referindo-se ao conteúdo dos depoimentos prestados para sustentar a modificação daquela. Assim, a única questão que aqui importa aprecia é saber se tribunal recorrido violou alguma norma legal de valoração a prova, ou seja, se estava obrigado a dar como provados os factos do auto de notícia que considerou válido por despacho de 30.6.2022, transitado em julgado. Nesse despacho, indeferindo a nulidade do auto suscitada pela arguida, o tribunal recorrido considerou apenas que, nos termos do art. 13º, nº2 da Lei 107/2009, podiam constar do auto de notícia não só os factos verificados de forma imediata pela inspetora do trabalho na visita inspetiva, mas também os factos comprovados de forma não imediata, nomeadamente através declarações recolhidas na visita inspetiva, tendentes à completa definição da infração, como a data de início e duração da mesma. Tal despacho não fez, nem podia fazer qualquer apreciação dos factos vertidos no auto de notícia, pois o momento próprio para o efeito é a decisão final, após a produção da prova. Relativamente ao valor probatório do auto de notícia, preceitua art. 13º, nº3 da Lei 107/2009 de 14.9: “Consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado nos termos do número anterior enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.” O teor deste normativo é idêntico ao art. 169º do C.P.Penal que se reporta ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados no processo penal. Assim, entendemos serem pertinentes as considerações feitas sobre o valor probatório do auto de notícia no processo penal, no Ac. da RL de 9.11.2022, Proc. 62/17PKLSB.L1-3, in www.dgsi.pt, assim sumariado: I- A doutrina e a jurisprudência dividem-se quanto ao valor probatório do auto de notícia de crime – há quem entenda que se integra no âmbito do artigo 169º do Código de Processo Penal, de forma a atribuir-lhe um valor qualificado por via da sua equiparação a documento autêntico, nos termos dos artigos 363º, n.º 2, e 369º do Código Civil, e quem entenda que não tem a força probatória que o artigo 169º do Código de Processo Penal confere aos documentos autênticos e autenticados extra processo, é tão só um documento intra-processo, fundamental no processo penal porque traz a notícia de um crime, mas com um valor probatório muito limitado e sujeito à livre apreciação do julgador; II- O auto de notícia, exarado com as formalidades legais, por autoridade pública nos limites da competência que lhe é atribuída por lei constitui um documento autêntico (art.º 363º, n.º 2, do Código Civil). Não pode, porém, confundir-se a natureza do documento com o problema da sua fé em juízo, no específico âmbito do processo penal e por força dos princípios acolhidos no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, atinentes às garantias da defesa. Isto, naturalmente, sem prejuízo de os documentos autênticos só fazerem prova plena dos factos atestados com base nas perceções do documentador e dos que se passam na sua presença (art.º 371º, n.º 1, do Código Civil) e de, no que se refere ao processo penal, ser admitido o contraditório (artigos 165º, n.º 2, e 327º, n.º 2, do Código de Processo Penal). III- Inquestionável, portanto, é que o valor probatório do auto de notícia, como documento autêntico nos termos das disposições conjugadas dos artigos 169º do Código de Processo Penal e 371º, n.º 1, do Código Civil, se circunscreve aos comportamentos presenciados e ao que foi percecionado diretamente pela autoridade policial, não se estendendo a outros contributos, mormente às declarações de terceiros aí eventualmente vertidas, nomeadamente as referentes ao relato dos eventos, por parte do queixoso, do suspeito ou de testemunhas.” No caso em apreço, sendo o teor do art. 13º da Lei 107/2009 igual ao do art. 169º do C.P.Penal,não temos dúvidas de que do auto de notícia tem a força probatória dos documentos autênticos e autenticados, ou seja, faz prova apenas dos factos presenciados e percecionados pela inspectora do trabalho durante a visita inspectiva, não se estendendo às declarações nele vertidas, quer do trabalhador GG, quer do director BB. E foi isto mesmo que a Srª Juíza fez, consignando-o expressamente a propósito da fundamentação dos pontos A) a Q) onde escreveu : “Saliente-se que estes factos referem-se aos factos descritos no auto de notícia quanto aos pessoalmente constatados pela Inspectora (pontos A a D) e ao que aí lhe foi relatado pelos intervenientes presentes, mas sem que, quanto a estes últimos, se possa considerar que os factos materiais objecto de tais declarações possam ser considerados provados nos termos previstos no artigo 13º nº 3 da Lei nº 107/2009, de 14/09, na medida em que são meras declarações prestadas perante a Inspectora, e não a constatação por esta dos respectivos factos materiais objecto de tais declarações.» Por conseguinte, não tendo sido violada na decisão recorrida qualquer regra legal de valoração da prova, não há que proceder a qualquer alteração na decisão da matéria de facto por força do auto de notícia, nem dos depoimentos prestados que foram apreciados pelo tribunal recorrido segundo a sua livre convicção, estando vedada a este Tribunal a reapreciação decisão da matéria de facto fora dos limites do art. 410º, nº2 do C.P.Penal. - Da nulidade da sentença por violação do art. 374º, nº2 do C.P.Penal Sustenta o recorrente que a sentença é nula, porquanto relativamente à matéria provada sob a alínea HHH) onde consta: “A partir de então o trabalhador cantava e assobiava no seu posto de trabalho,” não é feita qualquer indicação dos meios de prova que serviram par formar a convicção do tribunal, sendo o depoimento da testemunha GG em sentido oposto ao decidido. Acrescenta ainda que a entender-se que a “ fundamentação “ de tal ponto de facto se enquadra no penúltimo parágrafo de fls 3011, aí se pretendendo aludir à matéria se AAA) a HHH), a nulidade persiste por não se abordar a negação veemente e imediata de GG de tais factos. Com efeito, verificou-se um manifesto lapso de escrita no penúltimo parágrafo de fls 3011, evidenciado pelo próprio texto, já corrigido pelo tribunal recorrido por despacho de 15.6.2023, referindo-se tal parágrafo à fundamentação dos pontos AAA) a HHH) e não dos pontos AAA) a HH) como ficou a constar. Tal retificação é permitida pelo artigo 380º, nº1, al.b) do CPPenal, e aí consta expressamente que o tribunal atendeu aos depoimentos de BB e FF quanto aos factos relativos ao comportamento de GG no que se refere ao estado da secretária cantos e assobios. Assim, tendo o Tribunal fundamentado de forma suficiente a sua convicção quanto ao facto em causa não se verifica a apontada nulidade. O teor do depoimento de GG podia servir para o recorrente invocar erro de julgamento quanto à matéria de facto, se esta fosse sindicável, não o sendo, mostra-se irrelevante. - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº1, al. c) do C.P.Penal Sustenta ainda o recorrente que a sentença recorrida enferma de omissão de pronúncia porquanto foram afirmados pela testemunha GG e confirmados pela testemunha BB no decurso da audiência factos que podem assumir a maior relevância e sobre os quais os quais o tribunal não se pronunciou, apesar de ter permitido a instância, a saber: a) o acordo alcançado entre a aqui testemunha GG e a arguida pela cessação do contrato de trabalho, judicialmente homologado em 14/9/2021 no proc. 2814/20.6T8PNF; b) a reunião mantida entre o aludido trabalhador com o administrador único da arguida e o seu director geral, algum tempo após aquele ter completado 50 anos e ter realizado uma festa para a qual convidou alguns colegas de trabalho, desobedecendo às ordens do administrador arguido que “impediam” quaisquer contactos entre funcionários fora das instalações da empresa. De acordo com a alínea c) do nº1 do art. 379º do CPPenal é nula a sentença quando o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Como é jurisprudência uniforme do STJ e se refere, entre outros, no Ac. de 24.3.2021, Proc.1144/19.0T9PTM.E1.S1,in www.dgsi.pt, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar sobre todas as questões, de facto e de direito, relevantes para a decisão. Isto é, o que importa é que tribunal conheça as questões objeto de litígio, não lhe incumbindo apreciar ou rebater todos os fundamentos ou razões que os sujeitos processuais invocam para sustentar a sua pretensão. Ora, os factos mencionados pelo recorrente não constam, nem na decisão administrativa, nem na impugnação judicial, apenas terão sido mencionados pelas testemunhas na audiência, pelo que, não se mostrando essenciais para a decisão da causa, pois não contendem com os elementos típicos da contra-ordenação em análise, o tribunal não tinha que se pronunciar sobre os mesmos, não se verificando a nulidade arguida. * - Da verificação da contra-ordenação imputada à arguida O recorrente pugna pela improcedência da impugnação, divergindo da subsunção jurídica dos factos efectuada na decisão recorrida. Em seu entender, os factos constantes dos pontos E, N, O, P, e GG da matéria provada são suficientes para se concluir pela verificação dos elementos objetivo e subjetivo da contraordenação imputada à arguida. Vejamos o teor de tais factos: GG) As funções que o trabalhador desempenhava na Recorrente desenvolviam-se, fundamentalmente, na execução das seguintes tarefas: 1) Procedia ao tratamento adequado da correspondência, documentação, respondia a inquéritos; 2) Executava tarefas administrativas necessárias à satisfação das encomendas, recepção e expedição de mercadorias, nomeadamente, providenciando pela obtenção da documentação necessária ao seu levantamento; 3) Efectuava registos contabilísticos relativamente a receitas e despesas com a venda de produtos; 4) Verificava e registava a assiduidade do pessoal e calculava os salários a pagar a partir das folhas de registo das horas de trabalho efectuadas; 5) Executava tarefas administrativas relacionadas com transacções financeiras, operações de seguros e actividades jurídicas; 6) Fazia a gestão da frota automóvel, designadamente, tratando dos seguros, manutenções e assistências técnicas e inspecções periódicas; 7) E na execução das tarefas utilizava os meios tecnológicos ao seu dispor, designadamente, no programa informático OLISOFT, um software vocacionado para o sector da gestão empresarial, que permitia à administração da Recorrente ter, internamente, acesso imediato e actualizado da informação necessária para os actos de direcção, gestão e decisão: e nesse programa informático, concretamente, executava as seguintes tarefas: executava o lançamento de faturas de compra e venda; lançava as notas de pagamento e recibos; lançava todas as despesas e recebimentos da Recorrente; mantinha sempre atualizado a conta-corrente de fornecedores, clientes e entidades bancárias ou financeiras, entre outros; 8) Preparava, arquivava e ordenava toda a documentação necessária para ser disponibilizada ao T.O.C.; 9) Fornecia e esclarecia todas informações necessárias ao T.O.C. para que este pudesse elaborar relatórios que acompanham a apresentação de contas e assistem na gestão da empresa e na execução dos balanços; E- Questionado o trabalhador GG sobre a situação em que se encontrava, o mesmo declarou que desde 02/07/2020 (data em que o Dr. BB assumiu as funções de Director), a Recorrente não lhe atribuía tarefas próprias da actividade para que foi contratado, mantendo, porém, o horário de trabalho habitual (das 8h00 às 12h10m; e das 13h30m às 17h40m, de segunda a sexta-feira); N) Questionado ainda sobre o trabalho desenvolvido pelo trabalhador na semana anterior à visita inspectiva (de 07 a 11/09/2020), o Director declarou que nessa semana, e apenas no dia 08/09/2020 (3.ª feira), solicitou ao trabalhador que respondesse a um inquérito do INE – Instituto Nacional de Estatística (tendo o trabalhador acedido ao respetivo Portal do INE com as palavras-passe por si fornecidas), e que fizesse os lançamentos de abastecimento de gasóleo; O) O trabalhador corroborou esta informação, declarando, no entanto, que a execução daquelas tarefas atribuídas pelo Diretor lhe ocuparam apenas cerca de 20 minutos; P) Ambos declararam que nos restantes dias da semana não foram atribuídas ao trabalhador outras tarefas; Partindo destes factos o recorrente concluiu não haver dúvida de que na semana anterior à visita inspectiva o trabalhador esteve inactivo, pois só lhe foram atribuídas tarefas que cumpriu em cerca de 20 minutos, pelo que, tendo o mesmo já comunicado que só realizaria tarefas próprias das funções de contabilista, a ausência de ocupação efectiva não pode deixar de ser imputável à entidade patronal e seus representantes, pois, nos termos do art. 126º, nº2 e 129º , nº1, al.b) do CT “ cabe ao empregador ocupar efetivamente os seus trabalhadores, atribuindo-lhes as funções para as quais foram contratados”. E acrescenta que tratando-se de um obrigação específica da entidade empregadora, esta não fica desobrigada do seu cumprimento, em situações em que o trabalhador adverte que se limitará a cumprir as tarefas superiormente determinadas, como sucedeu, com a desculpa singela, aceite na sentença, de que inexistia necessidade da entidade de emitir ordens directas e constantes, pugna pela revogação da sentença e improcedência da impugnação. A argumentação da sentença foi a seguinte: “No caso em apreço não resulta minimamente provado que a Recorrente tenha, voluntariamente, esvaziado o trabalhador GG das funções para as quais foi contratado, sendo que nesta matéria não se demonstraram os factos dados como provados pela autoridade administrativa. Com efeito, o demonstrado nos presentes autos foi que em 02/07/2020 foi comunicado ao trabalhador em causa que a TOC então contratada, DD, passaria a assegurar a contabilidade da empresa, pelo que aquele deixaria de proceder aos lançamentos contabilísticos no programa .... Ficou ainda demonstrado que DD foi contratada para assumir as funções do anterior TOC da Recorrente e que GG não tinha sequer habilitações académicas para exercer funções como TOC, que, para exercer tais funções, têm de estar inscritos na Ordem dos TOC (cfr. artigo 9º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados aprovado pelo Decreto-Lei nº 452/99, de 05/11), sendo essa inscrição que os permite exercer em exclusivo as actividades previstas no artigo 10º do Estatuto, nomeadamente no seu nº 1: a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística; b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior; c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respetivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respetivos órgãos. Sendo que, como resulta a motivação da matéria de facto, a documentação junta aos autos comprova que o trabalhador GG continuou a exercer funções administrativas e de auxílio ao TOC. Sendo que a ausência de instruções ou ordens directas da administração da Recorrente ou dos superiores hierárquicos de GG, no período posterior a 02/07/2020 não demonstra qualquer intenção livre e consciente da Recorrente de obstar à prestação efectiva de trabalho por parte daquele trabalhador. E isto porque, como resultou demonstrado nos autos, as funções dos trabalhadores administrativos da Recorrente, nos quais aquele trabalhador se incluía, tinham já há muito as suas funções pré-definidas e sempre as exerceram sem necessidade de ordens directas e constantes nesse sentido. Funções essas que se mantiveram quanto a este trabalhador, com excepção das referentes aos lançamentos contabilísticos no programa ..., pelo que não ocorreu qualquer alteração de funções que justificasse uma alteração de comportamento por parte da Recorrente. Refira-se, aliás, que foi o trabalhador quem, voluntariamente, decidiu alterar a sua postura perante a entidade empregadora, no sentido de apenas passar a exercer as funções que lhe fossem expressamente ordenadas e modo sistemático, contrariamente ao que sempre tinha sido seu timbre enquanto trabalhador. Nem se pode afirmar que a alteração de passwords de programas utilizados pelo trabalhador durante o período de férias ou a localização da sua secretária constituem um obstáculo ao exercício das suas funções, pois não ficou demonstrado, nem sequer foi alegado ou consta da decisão administrativa, que a Recorrente recusou o acesso do trabalhador a tais passwords ou que a alteração da secretária constituísse algum acto discriminatório, lesivo, intimidatório, hostil ou humilhante para aquele, na medida em que se demonstrou que era normal estas mudanças de distribuição das secretárias nos períodos de férias e que já antes a do trabalhador se encontrava à frente da secretária de DD, não tendo ocorrido qualquer alteração a este respeito, assim como resultou da prova produzida que a secretária do trabalhador estava localizada de frente para a porta do espaço e armário localizado ao lado da mesma e, dos lados, pelos vidros que dividem o espaço das demais secções, não se podendo afirmar que GG foi isolado. Por último refira-se que a ausência de instauração de um procedimento disciplinar em virtude de uma eventual inação do trabalhador não pode ser fundamento para justificar qualquer má fé da Recorrente, até porque se trata de um trabalhador com cerca de 30 anos de antiguidade, sem antecedentes disciplinares e que, como tal, justificaria alguma dilação na decisão a tomar quanto a uma sua eventual violação de deveres laborais. Não ficou, para além disso, demonstrado qualquer facto que permita ao Tribunal concluir pela conduta negligente ou dolosa da Recorrente, pelo que não se demonstrou nem o elemento objectivo nem o elemento subjectivo da contra-ordenação imputada. Assim, não se pode afirmar que a Recorrente agiu de forma deliberada e contrária à boa-fé, ou que tenha obstado injustificadamente à prestação efectiva de trabalho por parte do trabalhador GG, não tendo violado o disposto no artigo 129º do CT. Conclui-se, assim, pela não verificação dos requisitos legalmente exigidos para a prática, pela Recorrente, da contra-ordenação que lhe é imputada.” Desde já adiantamos que temos como correcta a análise da decisão decorrida. Como é consabido, o contrato de trabalho, impondo ao trabalhador o dever de trabalhar, confere ao empregador o direito a receber a prestação. E, face ao disposto no art. 129º, nº1, al.b) do C.Trab. aqui em análise, o empregador tem o dever atribuir serviço ao trabalhador, assegurando-lhe os meios de o executar. O reconhecimento da existência de um tal dever na esfera jurídica do empregador e do consequente direito na do trabalhador é uma construção jurisprudencial, assente na CRP, concretamente no direito ao trabalho que a mesma consagra e no reconhecimento do direito à realização pessoal pelo trabalho também ali garantido. É vasta a doutrina que imputa tal dever ao empregador, fundamentando-o com recurso ao princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações (Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 338, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª Ed. Almedina, 547 e Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 560), ou, mesmo em critérios de índole ainda mais civilista, de acordo com os quais “as pessoas se realizam pagando o que devem e não aceitando favores patrimoniais não merecidos”, pelo que “conservar um trabalhador, devidamente remunerado, sem lhe atribuir qualquer serviço, equivale a perdoar-lhe o débito do trabalho” o que, só com o seu acordo seria possível (Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 657). A CRP dispõe, no seu artº 58º, nº1, que a todos é reconhecido o direito ao trabalho, defendendo-se que uma das dimensões desta proteção radica no “direito de exercer efetivamente a atividade correspondente ao seu posto de trabalho, sendo proibida a manutenção arbitrária do trabalhador na inatividade (colocação na “prateleira”) (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 764). E o artº 59º, nº1, al.b) acrescenta que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar. Esta norma tem “por destinatários, simultaneamente os empregadores e o Estado (...), pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana” (ob. cit., 773). O dever de ocupação efectiva surge assim no art. 129º, nº1, al.b) do CT, como uma das concretizações da proteção constitucional do direito ao trabalho. Porém, do próprio texto legal decorre que podem existir situações de inactividade lícitas, só a não ocupação injustificada é proibida e sancionada. Assim, a não ocupação pode apoiar-se em justificação plausível, decorrente, por exemplo, de crises sazonais ou motivos válidos para suspender a atividade (Pedro Romano Martinez, ob. cit., 547 e Júlio Vieira Gomes, ob. cit. 559). Analisemos pois a factualidade apurada em ordem a verificarmos se a arguida impediu sem motivo justificativo a prestação efectiva do trabalho do seu trabalhador GG. O que ressalta é que o trabalhador GG desempenhava inúmeras funções (pontos GG e HH), de forma espontânea, em total concordância com a arguida e, muitas vezes, sem necessidade de qualquer indicação expressa desta. (ponto NN). Em 2/7/2020, a arguida apenas lhe retirou a execução dos lançamentos contabilísticos no programa de contabilidade denominado .... E fê-lo com um motivo legítimo. Tendo contratado uma trabalhadora legalmente habilitada a exercer as funções de técnico oficial de contas ((TOC) atribuiu a esta a responsabilidade pela contabilidade e a execução daqueles lançamentos, nucleares nas funções de contabilista, pois o trabalhador GG, apesar da arguida lhe ter conferido tal categoria profissional não estava legalmente habilitado a exercer as funções de TOC. O trabalhador GG, a partir dessa data, desagradado com a retirada daquelas funções, começou a invocar que era contabilística e que só realizava funções inerentes ou enquadradas naquela categoria, tendo-se recusado a executar algumas tarefas ocasionais de transporte e apoio a outros sectores da empresa mas continuou a desempenhar as demais tarefas que lhe estavam adstritas, desempenhando-as, sempre, sem qualquer incidente até ao regresso de férias, designadamente as que eram desenvolvidas no programa informático OLISOFT. (pontos OO, UU, HH e YY) A partir do dia 7/9/2020, dia em que retomou o trabalho, passou a manter a sua secretária totalmente limpa e arrumada e sem efectuar qualquer uma das tarefas que lhe estavam designadas, executando apenas e só os trabalhos que lhe fossem expressamente solicitados (pontos CCC e DDD). E assim, como na semana de 7 a 11 de setembro, o director BB, apenas no dia 08/09/2020 (3.ª feira), lhe solicitou que respondesse a um inquérito do INE – Instituto Nacional de Estatística e que fizesse os lançamentos de abastecimento de gasóleo, tarefas que o mesmo executou em cerca de 20 minutos, ficando praticamente todo o tempo inativo no seu posto de trabalho, onde cantava e assobiava (pontos N,O,P e HHH) . Ante este o contexto factual, corroboramos a conclusão da sentença recorrida de que ficou por demonstrar que a arguida tivesse obstado à prestação efectiva de trabalho por parte do trabalhador GG. Na verdade, foi este que após o regresso de férias resolver mudar o seu comportamento, deixando de fazer espontaneamente as tarefas que lhe estavam adstritas, sem ordens directas, ficando praticamente inactivo, depois de, no início das férias, em 16.8.2020, ter entregue ao Director BB cópia de uma denúncia dirigida à Autoridade para as Condições do Trabalho onde relatava alegadas ilegalidades praticadas na empresa ( ponto ZZ). Com o devido respeito por diferente posição, entendemos que o cumprimento das obrigações contratuais e a boa-fé das partes têm de ser avaliadas não em abstracto, mas em função do modo de execução habitual do contrato. Por conseguinte, desempenhando o trabalhador normalmente as funções que lhe estavam adstritas sem necessidade de ordens directas e não estando provado, ao invés do que alega o recorrente, que o mesmo tenha advertido de que se limitaria a cumprir as tarefas superiormente determinadas, o que comunicou foi que só realizava tarefas inerentes ou enquadradas na categoria profissional de contabilista ( ponto OO) entendemos que não estava a arguida obrigada a dar-lhe ordens de trabalho constantes, pois ele sabia as tarefas de que estava incumbido. Em suma, a inactividade do trabalhador não é imputável a uma omissão censurável da arguida, por isso, não incorreu na prática do contra-ordenação que lhe foi imputada, improcedendo a argumentação recursiva. IV. Decisão Pelo exposto, os juízes desta Secção Social da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo-se inalterada a decisão recorrida. Sem custas por delas estar isento o recorrente. Notifique. Porto, 13 de Novembro de 2023 Os Juízes Desembargadores Eugénia Pedro Rita Romeira Nelson Fernandes |