Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO | ||
Descritores: | ARBITRAGEM APENSAÇÃO DE AÇÕES | ||
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Nº do Documento: | RP20241007243/24.1YRPRT | ||
Data do Acordão: | 10/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A admissibilidade da apensação de processos pressupõe, entre o mais, a formulação de um juízo casuístico, de acordo com as circunstâncias de cada acção, radicado na aferição das consequências que a apensação pode gerar para o seu normal desenvolvimento e boa decisão da causa. II - A apensação deve ser requerida e decidida, em regra, no processo instaurado em primeiro lugar e ao qual os demais poderão ser apensados. III - A apensação tem como finalidade última contribuir para a eficiente administração da justiça e não deve ser admitida se com ela contender, tal como não é admissível se inviabilizar ou dificultar a apreciação da pretensão do autor, nos termos em que por ele foi configurada. IV - Tendo por escopo a celeridade e simplicidade do processo arbitral, na ausência de regra diversa da lei, da convenção de arbitragem, do regulamento arbitral ou em despacho prévio, e respeitados os princípios adjectivos essenciais, a lei atribui ao juiz árbitro poder discricionário na definição das regras processuais mais adequadas à prossecução daquelas finalidades. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº243/24.1 YIPRT ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo 1.º Adjunto: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha 2.º Adjunto: José Nuno Duarte RELATÓRIO. AA e A..., LDA. apresentaram reclamação, tramitada como processo arbitral com o nº...47..., no Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, contra B... S.A., destinada à accionar a cobertura de invalidez total e permanente a que se refere o contrato de seguro de vida celebrado com a reclamada, pedindo a condenação desta a pagar à instituição creditícia que é, simultaneamente, sua mediadora, a quantia a liquidar à mesma, e a proceder à devolução à segurada dos valores dos pagamentos supervenientes à participação do sinistro, a título de amortização de capital, juros e imposto de selo. Na contestação, como questão prévia, a reclamada, B... SA, suscitou a questão da apensação de acções, alegando, para o efeito e em síntese, que o reclamante, AA, figura como pessoa segura nos contratos de seguro de vida celebrados com a Reclamante C..., Lda., e A..., Lda., titulados pelas apólices ...25, ...81 e ...71. E que, depois de ter proposto uma açcão única para obter a condenação da reclamada a acionar as coberturas de invalidez total e permanente e a liquidar os capitais seguros garantidos por todos esses contratos de seguro, que veio a ser arquivada por a R. B... não ter aderido à arbitragem, face ao valor global pedido, optou agora por dividir a sua pretensão pelo processo que corre com o n. ...59... e pela presente acção que corre com o n....47..., que têm uma única e mesma causa de pedir: a invalidez da pessoa segura por conta da cirurgia ao joelho e subsequentes problemas e quadro clínico que terá determinado a sua incapacidade de 85%. Assim, considerando que estão verificados os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio ou coligação, nos termos do código de processo civil (32.º e 26.º do CPC), e porque as ações encontram-se na mesma fase processual, concluiu requerendo a apensação desta V-2024-...47-EP à ação V-...59-EP, na medida em que esta terá sido instaurada em primeiro lugar. Requerendo ainda que, uma vez apensadas as acções, deverá o presente Tribunal Arbitral julgar-se incompetente para decidir, procedendo ao arquivamento do processo, por não ter a R. B... aderido ou pretender aderir à arbitragem para discussão de causas de valor igual ou superior a € 50.000,00. Notificada a contestação à contraparte, foi de seguida proferida decisão a respeito da questão prévia da apensação de acções, com o seguinte teor: Indefiro o pedido de apensação porquanto o mesmo configura um expediente que visa alcançar o objetivo da reclamada de ver declarada a incompetência deste tribunal arbitral para conhecer e decidir os litígios arbitrais em causa, sendo certo que tal competência já foi declarada pelas sentenças arbitrais parciais proferidas nestes autos e nos autos do outro processo de arbitragem e não se vislumbra, razões de facto e/ou direito, que justifiquem uma decisão diferente relativamente à questão da competência. Desta decisão de indeferimento do pedido de apensação de acções, veio a reclamada, inconformada, interpor recurso de apelação, com subida imediata e em separado. Para tanto, formulou as seguintes conclusões: 1. A Reclamada B... interpõe recurso contra a decisão que indeferiu o pedido de apensação do presente processo (V-2024-...47-EP) ao processo V-...59-EP, ambos correndo termos no CIMPAS (Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros). 2. A decisão recorrida fundamenta-se na alegação de que a apensação constituiria um expediente para declarar a incompetência do tribunal arbitral, o que a Reclamada/Recorrente não pode aceitar, pelos seguintes motivos: 3. Os pressupostos legalmente estabelecidos para admitir a apensação (artigo 267.º, n.º1 do CPC) encontram-se devidamente preenchidos: a. as ações foram propostas separadamente; b. verifica-se, entre elas, os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção; c. o requerente da apensação nela revele um interesse atendível; d. o estado do processo ou outra razão especial não torne inconveniente a apensação. 4. As ações V-...24-...59-EP e V-2024-...47-EP têm uma única e mesma causa de pedir — a invalidez da pessoa segura por conta da cirurgia ao joelho e subsequentes problemas e quadro clínico que terá determinado a sua incapacidade de 85%. 5. Em ambas as ações, se peticiona a condenação da Reclamada B... a "Pagar à instituição creditícia que é, simultaneamente, sua mediadora, a quantia a liquidar à mesma, e "Proceder à devolução à segurada dos valores dos pagamentos supervenientes à participação do sinistro, a título de amortização de capital, juros e imposto do selo”. 6. Ambas as ações são cópia ipsis verbis uma da outra. Na verdade, apenas divergem no que refere ao número das apólices contratadas, ao capital que se encontra garantido por via das coberturas de invalidez, ao capital alegadamente em dívida ao Banco (note-se que em ambos os casos se tratam de apólices de seguro de vida associadas a créditos), e aos valores liquidados a título de prestações bancárias cuja devolução se pede em ambas as ações. 7. Acresce ainda que ambas as ações correm termos no CIMPAS Porto, tendo a Reclamada e Recorrente B... sido notificada para contestar, o que fez, aguardando a marcação da audiência de julgamento. 8. Por outro lado, é do interesse desta Recorrente e dos demais sujeitos processuais, que se discuta uma só vez esta causa de pedir, e se faça prova sobre ela uma só vez, com evidente ganho de tempo e respeito pelos princípios de celeridade, economia processual e uniformidade de julgados, que regem o nosso sistema juridico. 9. Por último, não subsiste qualquer inconveniente processual decorrente da requerida apensação, nem se verifica e/ou resulta demonstrado qualquer outro empecilho elou inconveniente processual que se sobreponha à prevalência dos invocados princípios da economia da atividade processual, e em especial, da uniformidade de decisões jurisdicionais sobre as mesmas matérias/questões controvertidas, e bem assim aos princípios da confiança na justiça e paz social. IO. Ainda que tal (apensação) possa determinar (incidentalmente) a incompetência do CIMPAS, tal não constitui pressuposto ou fundamento legalmente previsto que impossibilite a apensação, sendo certo que na preponderância entre eventuais princípios conflituantes em causa, sempre prevalecerão a segurança jurídica e celeridade processual, sobre a incompetência do Tribunal Arbitral, cuja única consequência é o necessário recurso por parte dos Reclamantes aos Tribunais Judiciais para verem a sua pretensão julgada. Mas ainda que se duvidasse da similitude entre ambas as ações e da possibilidade de ambas correrem por apenso uma à outra, 11. Note-se que as duas ações que hoje correm termos no CIMPAS ... e V-2024-...47-EP são o mero produto de uma única anterior demanda proposta pelas Reclamantes, na qual se deduziam de forma una os mesmos pedidos que agora se dividem. 12. Na verdade, naquela primeira demanda o Tribunal Arbitral declarou-se incompetente na sequência de a B... não ter aderido à convenção de arbitragem para ações de valor superior a € 50.000,00, pelo que insatisfeitos com aquela decisão, vieram os Reclamantes propor duas novas ações (a que corre com o n. ...59... e a presente que corre com o n....47...), dividindo os pedidos que antes corriam juntos naquela anterior, pretendendo fazer passar pela janela, aquilo que não conseguiram pela porta (!). Concluiu pedindo que, pela revogação da decisão recorrida, seja esta substituída por outra que admita e decrete a apensação, com a (desafortunada) subsequente incompetência do Tribunal Arbitral para julgar estas ações, considerando que a Reclamada não aderiu ou pretende aderir à arbitragem de causas de valor igual ou superior a € 50.000,00, Os reclamantes ofereceram resposta ao recurso, que culminou com as seguintes conclusões: 1. A Recorrente, em sede de Contestação, requerera a apensação dos presentes autos ao processo V-...59-EP, nos quais esta figura, juntamente com um dos aqui Reclamantes (AA), também como Reclamada e Reclamante, respectivamente; 2. O único propósito da Reclamada, ora Recorrente, era o de obstar à apreciação de ambas as causas pelo CIMPAS; 3. Face à desprovida e contraditória justificação factual e legal apresentada pela Reclamada, aqui Recorrente, o Tribunal a quo decidiu pelo indeferimento da sua pretensão; 4. Não satisfeita com a citada decisão, decidiu a Reclamada recorrer da mesma; 5. Apregoando à promoção dos princípios de economia e celeridade processual que, na verdade, têm visto, in casu, como principal opositora, a mesma entidade que agora os procura embandeirar; 6. Porque, ao contrário do que falsamente argui a Recorrente, o seu único objectivo é, precisamente, alcançar a incompetência do Tribunal Arbitral. 7. O número 1 do artigo 267.º do CPC regula a apensação de acções, resultando deste normativo os seguintes requisitos cumulativos: a) que as acções tenham sido propostas separadamente; b) que se verifiquem, entre elas, os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção; c) que o requerente da apensação nela revele um interesse atendível; d) que o estado do processo ou outra razão especial não torne inconveniente a apensação. 8. Ora, na realidade não se encontram cumulativamente verificados, in casu, citados requisitos, designadamente: a. A Requerente, ora Recorrente, deveria ter demonstrado "interesse atendível', no entanto, o único interesse que a Recorrente detém com a apensação das acções em causa é, precisamente, o de obstar à justa composição do litígio, à descoberta da verdade material e à realização de justiça, visando, tão somente, que os autos não prossigam, obstaculizando a sua apreciação pelo CIMPAS. b. Aliás, o requerimento da Reclamada, seguiu-se, de forma imediata, do pedido de "(...) arquivamento do processo, por não ter a R. B... aderido ou pretender aderir à arbitragem para discussão de causas de valor igual ou superior a € 50.000, 00. " c. Também existe "inconveniente a apensação", pois, ao invés de promover a celeridade e economia processual, a apensação apenas irá premiar quem procura obstaculizar a apreciação e decisão da causa pelo CIMPAS; d. É, portanto, no mínimo, contraditório que a Reclamada, por um lado, defenda que é do seu interesse respeitar os princípios referidos, bem como o de discutir e fazer prova do que quer que seja, quando bem sabe o que almeja com o presente recurso: precisamente a não discussão e não produção de prova nos autos; e. Assim, ao contrário do que argumenta a Recorrente, existe inconveniente processual à apensação; 9. Posto isto, andou bem o Tribunal a quo ao indeferir a apensação requerida; 10. Não obstante e sem prejuízo do acima defendido, a verdade é que mesmo que se dê lugar à apensação das acções, o CIMPAS será sempre competente para apreciar as mesmas; 11. Pois ao contrário do que pretende, claramente, a Reclamada, a sua adesão à convenção de arbitragem assim o obrigará; 12. Visto que, na eventualidade de haver lugar à apensação de acções, os valores das respectivas causas não se somam, mantendo-se individualmente para os respectivos efeitos processuais e legais, tal como decorre do artigo 296.0 e número 1 do artigo 299.0 do CPC; 13. Assim o defende, igualmente, a Jurisprudência: "Numa situação de coligação ativa de Autores, ainda que a mesma possa decorrer de decisão de apensação de ações individualmente interpostas, as mesmas conservam a sua individualidade face aos pedidos suportados em causas de pedir que, por cada um daqueles, tenham sido formulados nas respetivas ações, pelo que o valor da causa a atender para efeitos de alçada é o de cada uma das ações coligadas e não o correspondente à soma do valor de todas elas". 14. "Desafortunadamente" e em conclusão: a Reclamada não pretende promover a celeridade e economia processual e muito menos deseja cooperar com a justa composição do litígio e na sua discussão; 15. Ambiciona sim "trancar portas a sete chaves", ao não pretender aderir à arbitragem, mas também impedir a passagem de qualquer feixe de luz proveniente de qualquer janela, ao ousar requerer a apensação de acções com o objectivo único de tornar o Tribunal Arbitral - na sua opinião - incompetente para a apreciação da causa; 16. Posto isto, tal como acima se explanou, não se encontram reunidos os requisitos necessários para a apensação de acções requerida, nos termos do artigo 267 0 do CPC, tendo o Tribunal a quo andado bem ao proferir despacho de indeferimento da mesma; 17. Não obstante, mesmo que assim não se considere, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, nunca haveria lugar ao arquivamento de processo, tendo presente que os valores das causas, eventualmente apensadas, se mantêm na sua individualidade para todos os efeitos processuais e legais, nos termos do artigo 296.º e número 1 do artigo 299.º do CPC. Em suma, pugnou pela improcedência da pretensão da recorrente. Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido pela forma e com os efeitos legalmente previstos. * OBJECTO DO RECURSO.Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Assim sendo, importa apreciar se, pela procedência do recurso, deve ser decidida a apensação de processos no tribunal arbitral. E, na afirmativa, decidir se deve ser declarada a incompetência desse tribunal, caso nada obste ao conhecimento dessa questão, cuja apreciação em primeira instância ficou prejudicada pela decisão dada à anterior (cfr. art. 665.º/2 do Código de Processo Civil). * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.A factualidade relevante a considerada é a que resulta do relatório. Assim, operando o seu resumo para os termos mais simples possíveis, esquematicamente, importa considerar a seguinte matéria factual, extraída dos autos e que as partes não colocam em crise: 1. O recorrido, AA, figura como pessoa segura nos contratos de seguro de vida celebrados com a reclamante, C..., Lda., e a recorrida, A..., Lda., titulados pelas apólices ...25, ...81 e ...71. 2. Os recorridos apresentaram reclamação, tramitada como processo arbitral com o nº...47..., no Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, contra a recorrente, destinada à acionar a cobertura de invalidez total e permanente a que se refere um desses contratos de seguro de vida. 3. Dividindo a sua pretensão pelo processo que corre com o n. ...59... e pela presente acção, tendo ambas a mesma causa de pedir: a invalidez da pessoa segura por conta da cirurgia ao joelho e subsequentes problemas e quadro clínico que terá determinado a sua incapacidade de 85%. 4. O que fizeram depois de terem proposto uma açcão única para obter a condenação da reclamada a acionar as coberturas de invalidez total e permanente e a liquidar os capitais seguros garantidos, com base em todos os três contratos de seguro, e que veio a ser arquivada por a R. B... não ter aderido à arbitragem. 5. Nessa sequência, na contestação da presente acção, a recorrente requereu a apensação desta V-2024-...47-EP à ação V-...59-EP, na medida em que esta terá sido instaurada em primeiro lugar, e ainda que, uma vez apensadas as acções, seja o Tribunal Arbitral julgado incompetente para decidir, procedendo-se ao arquivamento do processo, por não ter a R. B... aderido ou pretender aderir à arbitragem para discussão de causas de valor igual ou superior a € 50.000,00. * O DIREITO.Apreciados os autos e salvo o devido respeito, crê-se que existem quatro razões essenciais que concorrem uniformemente no sentido da improcedência do recurso e da confirmação da decisão recorrida. * I) Sobre os requisitos da apensação de acções.De acordo com o disposto no art. 267.º/1 do Código de Processo Civil, se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação. Este é o preceito legal que regula o que se poderá chamar de apensação forte, “propiciadora de um julgamento conjunto” e simultâneo das causas de mais que um processo (cfr. C. Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, p. 223), ao passo que a apensação fraca, a que também se pode designar mera avocação de acções, típica, nomeadamente, dos processos de insolvência (arts. 82.º/6 e 86.º do CIRE), “mantém íntegra a autonomia substantiva e formal dos processos principal e apensados” (cfr. C. Fernandes e J. Labareda, De volta à temática da apensação de processos de insolvência, in Direito das Sociedades em Revista, Ano 4, Volume 7, p. 169). Ora, para a primeira das referidas figuras, a apensação geral prevista no Código de Processo Civil, resulta daquele art. 267.º/1 que a sua admissibilidade depende da verificação dos seguintes requisitos: a) que as acções tenham sido propostas separadamente; b) que se verifiquem, entre elas, os pressupostos da admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção; c) que o requerente da apensação nela revele um interesse atendível; d) que o estado do processo ou outra razão especial não torne inconveniente a apensação (cfr. Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2023, relatado por Desembargadora Judite Pires no âmbito do processo nº22002/19.3T8PRT-A e disponível na base de dados da Dgsi em linha). Considerando os elementos dos autos, todavia, entendemos que o último dos referidos requisitos não pode considerar-se verificado. Na verdade, como a apensação não deve ser decretada se o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação, daí decorre que a aplicação do instituto depende da sua conveniência para o concreto processo no âmbito da qual ela foi requerida. Exigência que, forçosamente, supõe a formulação de um juízo casuístico, de acordo com as circunstâncias de cada processo, radicado na aferição das consequências que a apensação pode gerar para o normal desenvolvimento dos autos e para a boa decisão da causa. Para melhor compreender o requisito da conveniência da apensação para o processo, pode e deve convocar-se o caso paralelo dado pela reconvenção (art. 266.º do Código de Processo Civil). Também na reconvenção, com efeito, está em causa a dedução de várias pretensões (às do autor, somam-se as do réu), que poderiam ser deduzidas e apreciadas separadamente, mas que, observados determinados pressupostos legais, são objecto de tramitação e decisão unitária. Ora, apesar das vantagens permitidas pela apreciação conjunta e global da acção e da reconvenção, ela não é permitida se determinar “inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento” (art. 266.º/5 do CPC), ou se dela resultar a incompetência do tribunal “em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia” (art. 93.º/1 do CPC). Nesses casos, o reconvindo é absolvido da instância, os pedidos do réu não são apreciados e o processo mantém a sua regular tramitação para análise e decisão dos pedidos do autor. O que significa, a nosso ver, que a apensação, regendo-se por idênticas exigências, deve necessariamente ter o mesmo destino, deixando de ser admissível se inviabilizar ou dificultar de forma relevante o normal desenvolvimento do processo. E assim se explica, por exemplo, que o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/11/2021, tirado no processo 2921/17.2T8PTM, tenha mantido a decisão de recusar a “apensação de sete causas, a julgar simultaneamente e com recurso a extensos meios de prova, só em parte coincidente entre todas elas”, atenta a evidente “inconveniência da apensação” (estando o aresto disponível na citada base de dados). Posto isto, no caso dos autos, verifica-se que a apensação foi deduzida pela reclamada como pretensão imediata destinada a, mediatamente, obter ou requerer o arquivamento do processo. Daqui resultando, a nosso ver, que na apreciação da conveniência de tal apensação para o bom andamento do processo, que acima referidos como essencial para decidir a questão, tem naturalmente de formular-se um juízo negativo, sem embargo da verificação dos demais requisitos da apensação previstos no art. 267.º/1 do Código de Processo Civil. E tanto basta, sendo aqueles requisitos de verificação cumulativa, para concluir que a apensação requerida pela reclamada, dada a sua manifesta inconveniência para o bom andamento do processo, foi acertadamente recusada na decisão recorrida. * II) Sobre a finalidade última e essencial da apensação de processos.Segundo a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, “a finalidade da apensação de acções é a economia de actividade processual e a uniformidade de julgamento que pode proporcionar a circunstância da causa de pedir ser a mesma e única, ou de os pedidos estarem numa relação de dependência nas acções apensadas”. De tal modo que “a junção dos processos encontra o seu fundamento na conexão existente entre eles, tendo como objectivos a economia de actividade processual e a coerência ou a uniformidade de julgamento” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/5/2013, proferido no processo nº 4044/07.3TJCBR-C e acessível na referida base de dados em linha). Contudo, estes são os que poderemos designar de propósitos imediatos da figura jurídica em questão, os quais são prosseguidos adstritos e limitados à prossecução idónea de um superior interesse. Essa conclusão resulta, por um lado, face à circunstância de que, como é evidente, a economia processual e a uniformidade de julgados constituírem valores que visam contribuir para a boa, célere e eficiente administração da justiça, pelo que, são estes os interesses maiores que, em última análise, o legislador tem em vista tutelar. E, por outro, considerando o facto de a apensação, tal como sucede na reconvenção, aliás, não prevalecer se for constatada a sua inconveniência para outros valores relevantes, de que a devida instrução da causa e a competência jurisdicional são bons exemplos. Deste modo, constata-se que a economia processual e a uniformidade de julgados não podem sobrepor-se ao referido critério essencial da boa administração da justiça. Há que reconhecer, pois, como refere a este propósito a doutrina mais qualificada, que, à figura da apensação de processos, preside “a ideia de evitar, tanto quanto possível, que, relativamente a questões que poderiam ter corrido a par, dentro do mesmo processo, surjam decisões contraditórias ou escusadamente repetitivas, visando-se tutelar fundamentalmente os interesses da segurança jurídica e da eficácia dos mecanismos jurisdicionais” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., p. 142, sendo nosso, porém, o destacado a negrito). Ora, neste quadro, segundo pensamos, seria particularmente iníquo e mesmo incompreensível admitir a apensação quando ela, por determinar o arquivamento do processo ou criar desnecessariamente a dúvida sobre a competência do tribunal a quo, produziria efeitos contrários ao referido critério da eficácia na administração da justiça. O lugar paralelo da reconvenção vem comprovar, também aqui, se bem pensamos, a justeza deste raciocínio. Como se disse, a reconvenção permite a apreciação conjunta de várias pretensões, do autor e do réu, que poderiam ser deduzidas separadamente, com vista a assegurar a economia processual e a uniformização de julgados. No entanto, ela não pode ser deduzida pelo réu, sob pena de absolvição do reconvindo da instância (art. 93.º/1 do CPC), quando determine a excepção da incompetência em razão da matéria, caso em que terá de ser formulada e apreciada em acção autónoma. Assim se demonstrando, de forma cristalina, que o direito de o réu requerer a apreciação global da sua pretensão juntamente com a da contraparte não é admissível se implicar a inviabilidade de apreciação da pretensão do autor, e bem assim que, ponderados os valores conflituantes, o legislador dá primazia ao direito do autor de ver apreciado o seu pedido nos termos em que ele o configurou. Para significar que o critério da boa e eficiente administração da justiça é perspectivado pela lei, em primeiro lugar ou prioritariamente, por referência à tutela da posição de quem tomou a iniciativa de propor a acção. Razões pelas quais, estando em causa, no essencial, os mesmos interesses subjacentes, também a apensação não pode ter por efeito, em prol da gestão eficiente do sistema de justiça, a inutilização da possibilidade de apreciar a pretensão do autor nos termos por ele configurados. Vale por dizer, pois, que a apensação não pode ser admitida contra a finalidade última e essencial que preside ao instituto. Razões pelas quais, preenchendo o circunstancialismo dos autos esse quadro, deve ser confirmada a decisão que recusou a pretensão deduzida no referido sentido pela reclamada. * III) Sobre o tribunal onde deve ser requerida a apensação.Nos termos prevenidos no art. 267.º/2 do Código de Processo Civil, sendo justificada a sua junção ou apensação, os processos são apensados ao que tiver sido instaurado em primeiro lugar, salvo se os pedidos forem dependentes uns dos outros, caso em que a apensação é feita na ordem da dependência, ou se alguma das causas pender em instância central, a ela se apensando as que corram em instância local. Em coerência, ressalvadas as situações específicas tratadas na segunda parte do preceito legal e como decorre do seu nº3, a decisão sobre a apensação compete ao tribunal onde corre o processo instaurado em primeiro lugar, pois é nele que vai operar a apensação. De tal modo que não parece fazer sentido, nesta ordem de ideias, que o tribunal do processo instaurado em primeiro lugar possa validamente deparar--se com uma situação em que a apensação que nele vai ocorrer tenha sido decretada por outro tribunal, com excepção do dever de acatamento das decisões proferidas em sede de recurso. Trata-se de uma consequência daquele preceito legal, reconhecida em jurisprudência que, embora proferida em especial no âmbito do processo de insolvência, é extensível às demais acções, e segundo a qual, “nos termos do artigo 85.º do CIRE, quem decide sobre a conveniência da apensação de um outro processo ao processo de insolvência é o juiz deste último processo”. Por isso, se a decisão for tomada pelo juiz do processo que se pretende apensar ao processo de insolvência, esta decisão não vincula o juiz da insolvência (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/6/2011, tirado no processo nº85/11.4YRCBR e disponível em linha em dgsi.pt). No entanto, no caso dos autos, em contravenção a esta orientação, a recorrente deduziu o pedido de apensação, como resulta dos factos provados, no processo V-2024-...47-EP, onde requereu que fosse decidida a respectiva apensação à ação V-...59-EP, na medida em que esta terá sido instaurada em primeiro lugar. Quando, na verdade, em observância do disposto no art. 267.º/2 e 3 do CPC, deveria ter dirigido o pedido ao processo no qual a apensação poderia ser decidida e onde ela poderia ter lugar, sendo certo que, ao processo instaurado em segundo lugar, a reclamada apenas poderia pedir, quando muito, que solicitasse ao primeiro indicação sobre se iria determinar a apensação. Como não o fez em primeira instância ou sequer em sede de recurso, não podendo este Tribunal da Relação decidir para além do pedido que lhe foi dirigido, em atenção ao princípio do dispositivo, também por este motivo existe impedimento à procedência da pretensão recursiva. * IV) Sobre as regras aplicáveis ao processo arbitral.Dispõe o art. 30.º/2 da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º63/2011, de 14 de Dezembro, a respeito da condução do processo arbitral, que as partes podem, até à aceitação do primeiro árbitro, acordar sobre as regras do processo a observar na arbitragem, com respeito pelos princípios fundamentais consignados no número anterior do presente artigo e pelas demais normas imperativas constantes desta lei. Acrescentando-se no nº3 dessa norma que, não existindo tal acordo das partes e na falta de disposições aplicáveis na presente lei, o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas, devendo, se for esse o caso, explicitar que considera subsidiariamente aplicável o disposto na lei que rege o processo perante o tribunal estadual competente. Estão em causa, nessas disposições legais, corolários da celeridade e da simplicidade que o legislador pretende imprimir aos processos arbitrais. Com efeito, como tem decidido a jurisprudência, “o processo arbitral assenta em princípios fundamentais próprios contidos, no caso da lei portuguesa, no artigo 30º nº 1 da LAV, que não se confundem, embora possam parcialmente coincidir, com os que são próprios do processo civil. A sua aplicação prática obedece às características da arbitragem, designadamente ao seu menor formalismo e à desejada eficácia em vista do seu desígnio final que é a resolução do litígio”. Para concluir que “o processo arbitral deve por natureza ser simples, directo à sua finalidade e o menos formal possível, ou dito de outro modo, apenas suficientemente formal até ao ponto em que o cumprimento dos princípios fundamentais do processo arbitral o exijam e o escopo final do processo e a vontade das partes, expressa no momento e no local próprios – a convenção de arbitragem - o requeiram” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/9/2020, proferido no processo nº 661/18.4YRLSB e disponível na já identificada base de dados). No mesmo sentido, sublinha a doutrina que, “primeiramente, o processo arbitral caracteriza-se por ser célere (Bernardes, 2004, p. 16), permitindo obter soluções mais rápidas para os conflitos (Godoy, 2014, p. 54), já que se trata de um procedimento no qual se procura encurtar prazos e evitar demasiadas burocracias (Miara, 2005, p. 4). O uso da arbitragem traz também a vantagem de evitar a sobreposição de recursos, que muitas vezes ocorrem na justiça estatal, alcançando-se mais fácil e rapidamente a solução do conflito” (cfr. Maria Inês Araújo, O recurso à arbitragem no comércio internacional: o caso das empresas portuguesas, disponível em linha sob o endereço https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/24680/1/maria_araujo_MEI_2023%20.pdf, p. 31). Ora, tendo em vista assegurar a prossecução dos referidos objectivos da simplicidade e celeridade que devem presidir à tramitação do processo arbitral, e respeitados certos princípios processuais essenciais (elencados, nomeadamente, no art. 30.º/1 da LAV), a lei concede às partes ou, na ausência de determinação destas, ao juiz árbitro, a definição das regras processuais que entenderem adequadas para o efeito. Ao ponto, inclusivamente, de consagrar como opção preferencial a da não aplicação das regras que “regem o processo perante o tribunal estadual competente”, visto que esta só ocorrerá quando o juiz árbitro, “se for esse o caso, explicitar que considera subsidiariamente aplicável o disposto na lei” daquele tribunal (art. 30.º/3 da Lei da Arbitragem Voluntária). Assim significando que, na falta de especificação diversa da lei, da convenção de arbitragem, do regulamento do centro de arbitragem aceite pelas partes ou em despacho prévio do próprio, o juiz árbitro não está vinculado às regras do Código de Processo Civil e, por isso, que pode decidir a questão da apensação nos termos que entender adequados. Ou, no dizer mais categórico do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8/7/2021, que “as normas do Código de Processo Civil não se aplicam subsidiariamente ao processo de arbitragem regulado pela Lei de Arbitragem Voluntária – Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro –, sem prejuízo das partes ou os regulamentos de arbitragem disporem de modo diverso e de se aplicarem ao processo de arbitragem os princípios gerais que estruturam o processo civil, adequados à natureza privatística do processo de arbitragem” (cfr., no referido sítio em linha, o processo nº 56/21.2YRCBR). Volvendo ao caso dos autos, como as alegações de recurso nada referem a propósito da convenção da arbitragem, nem sobre o regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (que, apesar disso, pesquisámos, nada tendo localizado sobre a questão), nem acerca de qualquer despacho prévio, deve reconhecer-se ao tribunal arbitral, face às referidas regras, plena autonomia para, na sua livre ponderação do caso concreto, decidir sobre a justificação ou não da requerida apensação. Tal como sucede, aliás, com as demais normas previstas no Código de Processo Civil que não traduzam princípios processuais essenciais e contanto que tal não contenda com as normas previstas para a arbitragem. Prevalecendo nesse caso, pois, a determinação legal no sentido de que, na tramitação do processo, o tribunal arbitral pode conduzir a arbitragem do modo que considerar apropriado, definindo as regras processuais que entender adequadas (art. 30.º/3 da LAV). Algo que, fazendo transitar a sua decisão para o uso legal de um poder discricionário, ou confiada ao seu prudente arbítrio, vem afinal integrar mais um fundamento, nos termos conjugados dos arts. 152.º/4 e 630.º/1 do CPC, para que este Tribunal não censure, agora por não ser sindicável, nesta ordem de ideias, a decisão recorrida. Ficando prejudicada, face à relevância in casu dos citados obstáculos à requerida apensação de processos, a apreciação dos restantes fundamentos aduzidos nas conclusões das alegações do recurso e da resposta. * DECISÃO Mercê dos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida Custas do recurso pela recorrente. Notifique. * SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… (o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico) Porto, 7/10/2024 Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo Eugénia Cunha José Nuno Duarte |