Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041499 | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL ALCOOLÉMIA CONFISSÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200807020814166 | ||
Data do Acordão: | 07/02/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 538 - FLS. 193. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Face ao regime do art. 344º do Código de Processo Penal, nada impede que o arguido submetido a julgamento sob a acusação da prática de um crime de condução em estado de embriaguez confesse livremente a concreta taxa de álcool no sangue com que conduzia. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | (proc. n º 4166/08-1) * I- RELATÓRIOAcordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: * 1. No Tribunal Judicial da Maia, nos autos de processo sumário nº ……../08.6PBMAI a correr termos no ….º Juízo de Competência Criminal, foi proferida sentença, em 13/03/2008 (fls. 25 a 29), constando do dispositivo o seguinte: “Por todo o exposto, julgo: Provada e procedente a acusação deduzida contra o arguido B……………… pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292 n.º 1 do Código Penal, condenando o mesmo, em consequência, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 5 €, num total de 350 €. Condeno ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor pelo período de 4 meses, nos termos do disposto no art.º 69 n.º 1 a) do Código Penal Mais condeno o arguido nas custas do processo, fixando em 1 UC a taxa de justiça, bem como no pagamento de quantia equivalente a 1% (um por cento) da taxa de justiça, nos termos do disposto no art.º 13, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30.10 * O arguido sofreu um dia de detenção à ordem destes autos, que lhe será descontado, na mesma medida, na pena de multa ora aplicada.* Após trânsito em julgado:Remeta boletim à D.S.I.C.C. Comunique à Direcção Geral de Viação. * Notifique e deposite.(…)” * 2. Não se conformando com a sentença, em 11/4/2008, O Ministério Público interpôs recurso dessa decisão (fls. 35 a 43), formulando as seguintes conclusões:“I) – Consta dos autos que efectuado ao arguido teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, no aparelho Drager Alcotest 7110MKIII P, acusou uma taxa de 1.97 g/l. II) - Isso consta dos factos provados. III) - A M ª Juiz “a quo” teve em conta a confissão do arguido e o talão do alcoolímetro junto aos autos, cfr. fls. 4. IV) – Na fundamentação de direito a M ª Juiz “ a quo” efectuou desconto naquela taxa com base em “margem de erro admissível nos alcoolímetros”. V) - In casu, não se pode fazer correcção na TAS por aplicação das margens de erro. VI) - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. VII) - Em face do constante quer do regime do Decreto Regulamentar nº 24/98 de 30 de Outubro, da Portaria nº 748/94 de 13 de Agosto, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio e da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, a solução para o caso concreto, na nossa modesta opinião é a mesma, ou seja, não podia no caso concreto ser efectuado tal desconto. VIII) - De facto, os erros a que se alude no artigo 6 da Portaria nº 748/94 e no art. 8 da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, são considerados nas operações de aprovação e de verificação dos aparelhos em apreço, efectuados pelo Instituto Português da Qualidade, sendo de ter em conta o referido no art. 10 desta última Portaria quanto à validade dos aparelhos que tenham sido autorizados ao abrigo da legislação anterior à entrada em vigor da mesma.. IX) - Ao valor que consta dos talões emitidos por aquele alcoolímetro, não têm de se fazer desconto, uma vez que os níveis máximos de erro já foram tidos em consideração, na aprovação, verificações e ensaios a que aquele é sujeito. X) - Ao fazê-lo a Douta Decisão padece de contradição insanável da fundamentação. XI) - Isto porque, na convicção do tribunal pode ler-se que “O tribunal fundou a sua convicção na confissão do arguido, integral e sem reservas, assim como na análise do talão junto a fls. 4.”. XII) - Ora, se alicerçou a sua convicção no talão, cfr. fls. 4, e na confissão, aceitando pois o arguido tal valor, não podia fazer tal correcção, o arguido foi sujeito a exame de alcoolémia através de aparelho Drager modelo 7110 MKIIIP, cuja aprovação não foi colocada em dúvida, e acusou uma taxa de 1, 97 g/l, não o tendo questionado nomeadamente através da realização da contraprova. XIII) - Em face de todo o exposto a TAS a ter em conta deverá ser a de 1, 97 g/l. XIV) - Em face a TAS de 1, 97 g/l, consideramos ser como justa nos termos conjugados do art.º 40 e 71 do C. Penal uma pena de multa não inferior a 75 dias, mantendo-se quanto a nós adequada a proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados por 4 meses. XV) – Ao não considerar para efeito de pena a aplicar a TAS de 1, 97 g/l, que consta dos factos provados, e considerar, ao invés a TAS 1, 82 g/l, a M Juiz “a quo” violou o art.º 40, n.º 1 e n.º 2, art.º 71, n.º 1 e 2, artº 77 nº 1 e 2, art.º 292, n.º 1, do C. Penal, art.º 410, n.º 2, al b). do C.P.P. e art.º 153, n.º 1 e 158, n.º 1, al) b) do Código da Estrada. Termina pedindo a revogação parcial da sentença sob recurso, devendo o arguido ser condenado em pena de multa não inferior a 75 dias. * 3. Na 1ª instância o arguido respondeu ao recurso (fls. 46), pugnando pelo não provimento do recurso. * 4. Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor visto (fls. 54).* 5. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.Cumpre, assim, apreciar e decidir. * 6. Na sentença sob recurso:Foram considerados provados os seguintes factos: a) “No dia 04.03.2008, pelas 20h30m o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula PH-..-.. pela Rua Gonçalo Mendes da Maia, Pedrouços, Maia, tendo sido interveniente num acidente de viação. b) Na ocasião acima referida foi submetido pela autoridade policial a teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, no aparelho Drager Alcotest 7110MKIII P, acusando uma taxa de 1.97 g/l (taxa registada no talão emitido pelo aparelho), não desejando o arguido ser submetido a contraprova. c) Antes de conduzir a viatura o arguido ingerira diversas bebidas alcoólicas. d) Actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que conduzia veículo por via de circulação terrestre, afecta ao trânsito público, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, e querendo fazê-lo. e) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei f) O arguido é gasolineiro e aufere 515 € mensais g) Está divorciado é pai de uma filha, de 19 anos, que vive com a mãe e para cujo sustento já não contribui com qualquer quantia h) Paga 150€ mensais pelo quarto em que reside. i) Confessou os factos e declarou-se arrependido. j) Foi condenado anteriormente por crime de condução em estado de embriaguez, cometido em 22.01.2000.” Quanto aos factos não provados, consignou-se: “Com pertinência ao objecto de processo não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos constantes no ponto anterior.” No que respeita à fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, mencionou-se: “O Tribunal fundou a sua convicção na confissão do arguido, integral e sem reservas, assim como na análise do talão junto a fls. 4 dos autos. No que concerne aos antecedentes criminais do arguido e suas condições de vida, no teor do CRC junto aos autos e no que o próprio relatou. Os descritos meios de prova, analisados à luz das regras de experiência, serviram para formar a convicção supra expressa.” A nível do enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados, escreveu-se: “O arguido vem acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no art.º 292 (n.º 1) do Código Penal, que dispõe o seguinte: "1. Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1.2.g/l é punido com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias..." Por sua vez o art.º 69 n.º 1 a) do Código Penal dispõe que será condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 mês e 3 anos todo aquele que for condenados pelos crimes previstos nos art.º 291 ou 292 do Código Penal. Da análise da matéria de facto provada, decorre que no dia 04.03.2008 o arguido conduziu na via pública veículo motociclo, com uma taxa de álcool no sangue de 1.97 g/l.,de acordo com a medição efectuada no aparelho descrito em b) dos factos assentes. A medição efectuada em tal aparelho, todavia, está sujeita a uma margem de erro, conforme a menção constante a fls. 18 do “manual de operações” do Drager 7110, divulgado pela sociedade “Tecniquitel” que introduziu tal aparelho em Portugal. O uso do dito aparelho no território nacional, com a característica descrita, foi validado através de “despacho de aprovação de modelo”, publicado a 25.09.1996 e em 05.03.1996 (referente a alterações) e emitido pelo Instituto Português da Qualidade, entidade com competência para o efeito, nos termos do estatuído pelo Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria 748/94, publicada no DR de 13.08.1994, na qual se definiam os requisitos a que tinham que obedecer os aparelhos destinados a efectuar as medições de álcool (sendo certo que tal Portaria se manteve em vigor até 11.12.2007, já que a ela aludia o Decreto Regulamentar 24/98, de 30.10 e alude a actual Lei 18/2007, de 17.05, no seu art.º 14 n.º 2). Em tal Portaria aludia-se, de forma clara, ás margens de erros admissíveis nos alcoolímetros, que eram os definidos pela norma NF X-20-701, da Organização Internacional de Metrologia Legal. A Portaria 748/94 foi expressamente revogada pela Portaria 1556/2007, de 10.12.2007, que aprovou o novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e na qual se continua a referir o Instituto Português da Qualidade como entidade competente para efectuar o controlo metrológico dos alcoolímetros. Nesta nova Portaria continua a aludir-se, de forma expressa no seu art.º 8.º, ás margens de erros admissíveis nos alcoolímetros, que são os definidos no anexo da própria Portaria. Assim sendo, não resta senão concluir que o aparelho usado para medir o nível de álcool no sangue ao arguido nestes autos fornece um valor não totalmente rigoroso, porque sujeito a erro, que todavia se encontra compreendido dentro dos valores máximos legalmente admissíveis (motivo pelo qual o dito aparelho foi aprovado em Portugal e o seu uso continua a ser legal – cfr. art.º 10 da Portaria 1556/2007). A aplicação das apontadas margens de erro ao valor encontrado produz um intervalo de valores dentro do qual se há-de encontrar o valor de álcool no sangue de que o arguido era realmente portador (neste sentido, entre outros, Ac. TRP de 19.12.2007, relatado pelo Desembargador Pinto Monteiro, in DGSI.pt). Recentemente a DGV divulgou uma tabela (que foi remetida aos tribunais através da Circular 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura) na qual se faz aplicação prática do acima referido, encontrando-se previsto para cada valor de álcool no sangue, obtido através do aparelho Drager 7110, o valor mínimo a que tal há-de corresponder, ou seja, o valor de álcool no sangue de que, pelo menos, o sujeito ao teste há-de ser portador, deduzida a margem de erro máximo aplicável. De acordo com tal tabela, que se tem como boa, a uma taxa de álcool no sangue de 1.97 g/l corresponde, pelo menos o valor de 1.82 g/l, que é o valor que se considera nestes autos. Tal valor enquadra-se, igualmente, na previsão legal do art.º 292 do Código Penal Para além do descrito, provou-se ainda que o arguido quis conduzir a viatura, nas condições descritas, apesar de saber que não o poderia fazer, agindo de forma voluntária, livre e consciente. Pode, pois, e sem necessidade de mais considerações, concluir-se pela verificação dos elementos objectivos e subjectivos de que depende o preenchimento do crime de que vinha acusado.” Na fundamentação da espécie e medida da pena fez-se constar o seguinte: “O crime de condução em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias. A fim de determinar a medida concreta da pena a aplicar, há que ponderar os elementos e circunstâncias constantes no 71 do C.P. e ter presente que "os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa)" - Ac. RC de 17.1.96, in CJ, I, 40. Assim, e com relevância, pode-se considerar que: O arguido agiu com culpa, já que tendo perfeita consciência da ilicitude e reprobabilidade da sua conduta, não se absteve de a adoptar, actuando com dolo directo já que representou claramente o facto criminoso e actuou com intenção de o realizar. O grau de ilicitude da sua conduta, indiciado na taxa de álcool de 1.82 g/l, bem acima do mínimo legal, é considerável O seu comportamento foi censurável visto ter já sido condenado anteriormente pela prática de crime semelhante e dever estar, por isso, mais sensibilizado para o desvalor da sua actuação Em seu favor depõe o facto de ter confessado e se ter mostrado arrependido; Ter trabalho estável A sua única condenação anterior se reportar a factos cometidos já em 2000. Ponderando todos os elementos enunciados e ainda que as necessidades de prevenção geral são intensas, pela necessidade de evitar que viaturas automóveis sejam conduzidas por aqueles que não se encontram em condições de o fazer, e que tantas desgraças podem causar, mas que as necessidades de prevenção especial, embora relevantes, não são intensas, atenta a data da condenação anterior do arguido, afigura-se-nos que a medida não detentiva satisfaz ainda de forma adequada as finalidades da punição, pelo que se opta pela pena de multa, que se gradua em 70 dias, à taxa diária de 5 €. No que se refere à sanção acessória prevista no art.º 69 n.º 1 a) do Código Penal, considera-se adequada fixá-la em 4 meses, ponderadas todas as circunstâncias referidas a propósito da escolha e graduação da pena principal.” * II- FUNDAMENTAÇÃOO objecto do recurso é delimitado pelo teor das respectivas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP). Assim, no recurso interposto pelo Ministério Público é colocada a seguinte questão: - apurar se o julgador, quando procedeu à subsunção dos factos ao direito, podia ou não efectuar o desconto da margem erro na taxa de álcool que deu como provada com base na confissão do arguido e na prova documental constituída pelo talão emitido pelo alcoolímetro utilizado pela autoridade policial (alegando, ainda, o MP que não podia ser feito o aludido desconto das margem de erro por as mesmas já serem levadas em conta pelo Instituto Português da Qualidade nas operações de aprovação e de verificação dos aparelhos em questão) e, consequentemente (concluindo-se que existe erro de direito), se a pena de multa aplicada ao arguido deve ou não ser elevada para um mínimo não inferior a 75 dias. Passemos então a apreciar a questão colocada no recurso aqui em apreço. Ora, proferida a decisão sobre a matéria de facto (com indicação dos factos provados e não provados) e apresentada a respectiva motivação (ou seja, explicado o processo lógico e racional seguido na apreciação da prova produzida e discutida em sede de audiência de julgamento), impunha-se ao tribunal a quo efectuar a respectiva subsunção jurídica, considerando apenas os factos dados como provados. De notar que, esta Relação não detecta no texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410 do CPP, os quais são de conhecimento oficioso[1]. Aliás, compulsado o texto da decisão sob recurso, nota-se coerência lógica nos factos apurados, sendo certo que o tribunal da 1ª instância fundou a sua convicção (quanto à matéria de facto que integra a prática pelo arguido, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido no art. 292 nº 1 do CP), como refere expressamente, “na confissão do arguido, integral e sem reservas, assim como na análise do talão junto a fls. 4 dos autos.” Confissão que, em julgamento (onde é garantido o direito de defesa, estando o arguido assistido pelo seu advogado), é uma “prova tão válida como qualquer outra”, quando obtida licitamente, seja livre e voluntariamente prestada pelo arguido (que se dispôs a prestar declarações sobre o objecto do processo), estando previamente informado e esclarecido dos seus direitos (v.g. do direito ao silêncio e a não auto-incriminar-se, a não contribuir para a sua própria condenação), desde que não se suscitem suspeitas quanto à veracidade dos factos confessados que, como sucede neste caso, apenas a si são imputados («quando se utiliza a palavra “confissão” alude-se habitualmente à declaração “auto-incriminatória” do arguido mediante a qual o mesmo reconhece a sua participação na infracção criminal»)[2]. O mesmo sucede quando, em casos como o destes autos, a confissão em audiência de julgamento ocorre na sequência daquela prévia fiscalização policial (depois de o arguido ter feito o referido exame), ou seja, quando acontece após ter havido o recurso a meios – alcoolímetro em questão utilizado – perfeitamente lícitos, que não ofendem (de forma desproporcionada ou intolerável) nenhum direito fundamental (diligência policial sobre a medição de álcool no sangue que constitui uma prova pré-constituida irrepetível mas que é susceptível de uma segunda medição, devendo para tanto o arguido ser informado de modo a ficar bem esclarecido dos seus direitos, de acordo com a respectiva legislação existente nesta área específica). Portanto, ao aceitar (não questionando por qualquer forma) e valorar a confissão do arguido (o qual, de forma perfeitamente lícita em processo penal, nas declarações que livremente prestou em julgamento, assumiu e admitiu aqueles factos que confessou, nomeadamente a concreta taxa de álcool no sangue, registada no talão emitido pelo alcoolímetro[3], que lhe era imputada na peça acusatória), conjugando-a com a prova documental junta a fls. 4 (prova documental essa adquirida através do meio de obtenção de prova que consistiu no exame feito ao arguido com aquele aparelho Drager Alcotest 7110MKIII P utilizado na dita fiscalização), o tribunal a quo explicitou o raciocínio que fez na apreciação da prova, mostrando ter avaliado essa prova produzida em julgamento de acordo com as regras da experiência comum, não patenteando qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta. Assim, não se verificando os vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, nem existindo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto. Por isso, apenas se pode concluir que o tribunal a quo incorreu em erro de direito quando, após fixar os factos dados como provados, depois os pretendeu modificar na parte relativa à fundamentação de direito da sentença, invocando então que aquele aparelho utilizado na fiscalização policial em questão, não teria tido em conta margens de erro divulgadas pela então DGV. É que o local próprio para discutir essa matéria (porque relacionada com a prova relativa à TAS alegada na acusação de fls. 10 e 11) era na audiência de julgamento e determinava - caso se viessem a colocar dúvidas quanto à taxa de álcool no sangue de que o arguido era portador na altura em que foi fiscalizado[4] - que o tribunal não tivesse aceitado a confissão por aquele efectuada e discutisse então se aquele aparelho, quando fora utilizado na dita fiscalização, era ou não fiável. Mas, não foi isso o que sucedeu. Produzida a prova em julgamento, o tribunal aceitou como boa a confissão do arguido (assim o consignando em acta de audiência, como resulta de fls. 18 a 21), sendo certo que, pelos factos que foram dados como provados e pelo texto da motivação de facto da sentença sob recurso, apenas se pode concluir que mesmo arguido não questionou (apesar de o poder fazer, mesmo em julgamento), mas antes confessou integralmente e sem reservas, o valor da taxa de álcool no sangue que lhe era imputada na acusação de fls. 10 e 11. Precisamente porque o tribunal admitiu e considerou credível aquela confissão da TAS efectuada pelo arguido é que, em conjugação com a prova documental de fls. 4 (que na perspectiva do tribunal a quo corroborava aquela confissão), deu como provada a matéria que consta das alíneas a) a e) dos factos provados. Assim sendo, fixada a matéria de facto dada como provada, estava ultrapassada a questão que veio a ser suscitada, em sede de fundamentação de direito, relativa ao desconto de margens de erro, naquele valor da taxa de álcool no sangue constante da prova documental de fls. 4, confessado pelo arguido (que fora dado como provado). É, por isso, perfeitamente inútil discutir aqui se é caso ou não de aplicar as margens de erro a que se alude na fundamentação de direito da sentença sob recurso (porque essa discussão tem que ser feita em audiência de julgamento antes de fixada a matéria de facto e não posteriormente). Existe, pois, neste caso erro de direito uma vez que o tribunal a quo, na fundamentação de direito da decisão sob recurso, apenas podia ter em consideração os factos dados como provados. Não há dúvidas que, neste caso, perante aqueles factos dados como provados, o arguido constitui-se autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido no art. 292 nº 1 do CP. Resta, agora, apurar se a pena de multa aplicada ao arguido deve ser elevada de 70 dias para 75 dias, uma vez que na determinação da sanção o tribunal a quo terá tido em atenção taxa de álcool no sangue inferior à dada como provada. Ora, considerada a matéria de facto dada como provada, na determinação da medida da pena principal (única que aqui está em questão, face ao teor do recurso em apreço) importa atender, nos termos do art. 71 do CP, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”. Para tanto, há que considerar que o arguido agiu com dolo (directo) e com consciência da ilicitude dessa sua conduta. Por outro lado, importa atender ao seu modo de actuação (que se insere dentro do que é habitual neste tipo de crime) e ao grau médio de ilicitude da sua conduta (tendo em atenção que tinha uma TAS de 1,97g/l). Para além disso, embora tendo como limite a medida da sua culpa, há que ter em atenção a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, sendo certo que arguido tinha antecedente criminal (condenação de 22/1/2000, segundo o CRC) por crime idêntico. Também, se terá de atender à sua idade (segundo consta da identificação da sentença sob recurso nasceu em 06/07/1959) e condições pessoais de vida (vive em quarto, pagando € 150 por mês e trabalha como gasolineiro auferindo € 515 por mês), bem como à confissão e arrependimento demonstrados, circunstâncias estas que devem ser valoradas e consideradas como atenuantes da sua conduta, por necessárias à ressocialização que se almeja. Tudo ponderado, considerando os factos apurados e as exigências de prevenção geral positiva (tutela do bem jurídico protegido e reforço da confiança da comunidade na validade da norma violada), embora limitadas pela culpa pessoal do arguido e, por outro, considerando a sua carência de socialização, mostra-se ajustada, adequada e proporcionada, a pena fixada pela 1ª instância de 70 (setenta) dias de multa. Com efeito, apesar de aqui se atender à TAS referida nos factos dados como provados, a diferença em relação à margem de erro (0,15 g/l) considerada pela 1ª instância, não tem significado bastante para justificar a alteração da pena de multa de 70 dias para 75 dias, como pretende o recorrente. Quanto à taxa diária da pena de multa fixada (€ 5,00), também não há qualquer censura a efectuar. O mesmo se passa com a pena acessória, com a qual o recorrente concorda. Assim, mantém-se a pena fixada pela 1ª instância. Em conclusão: improcede o recurso interposto pelo MP, não obstante na sentença sob recurso se verificar o aludido erro de direito. * III- DISPOSITIVOEm face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público. * Sem custas por delas estar isento o MP.* (Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)* Porto, 02 de Julho de 2008Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias Jaime Paulo Tavares Valério _______________ [1] A sindicância da decisão sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP é de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995. [2] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 374. [3] Recorde-se que, as declarações prestadas pelo arguido em julgamento são de livre apreciação pelo tribunal (art. 127 do CPP), não obstante o regime especial contido no art. 344 do CPP, no caso de haver confissão. Face ao regime que decorre do art. 344 do CPP, nada impede que o arguido, em julgamento, livremente confesse a concreta taxa de álcool no sangue com que conduzia, baseando-se no que consta do talão emitido pelo alcoolímetro, no teste a que foi submetido (tal como sucede noutras situações, por exemplo, com valores indicados em exames laboratoriais a produtos estupefacientes ou com valores indicados como sendo os de objectos furtados, alegados em peças acusatórias e que, tantas vezes, são livremente confessados pelos arguidos, em julgamento), tudo dependendo antes de o tribunal, na sua convicção, v.g. suspeitar ou não da veracidade desses factos confessados. Ou seja: a livre declaração que o arguido faz contra si, confessando os factos que integram o crime que lhe é imputado (como sucede no caso dos autos quanto ao crime previsto no art. 292 nº1 do CP) não foi posta em causa pelo julgador, tanto mais que a veracidade dos factos confessados até era corroborada por aquela prova documental (fls. 4) que indicou na motivação da sentença sob recurso. Daí que, essa confissão (que até foi corroborada pela referida prova documental que igualmente não foi questionada pelo julgador) seja prova idónea e suficiente para o tribunal da 1ª instância dar como provada a matéria constante das ditas alíneas a) a e). [4] Tendo em atenção, nomeadamente, a legislação específica existente nessa área. |