Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16064/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
NORMAS TRANSITÓRIAS
Nº do Documento: RP2024011616064/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As normas de transição correspondem ao direito transitório material, enquanto as normas de conflito integram o direito transitório formal, que, num sentido lato, integra não só as disposições transitórias específicas, como também as normas contendo os critérios gerais de solução de conflitos de leis no tempo, designadamente, os mencionados artigos 12.º e 13.º do Código Civil.
II - As normas transitórias do NRAU constam dos artigos. 26º e 28º e as mesmas tiveram várias versões, sendo a última dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.
III - O artigo 26º de direito transitório material mantém-se em vigor nesta redacção, dado que não foi revogado pela última alteração ao NRAU, operada pela Lei nº 13/2019, ao invés do que sucedeu com os nºs 3, 4 e 5 do artigo 28º do NRAU, também norma transitória, expressamente revogado pelo artigo 12º desta Lei nº 13/2019.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 16064/21.0T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto - Juiz 8

Relatora: Juíza Desembargadora Ana Lucinda Cabral
1º Adjunta: Juiz Desembargador Alberto Taveira
2º Adjunto: Juiz Desembargador Rodrigues Pires

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório.
Autores:
- AA e BB;
- CC;
- DD, por si e na qualidade de cabeça de casal e herdeira de EE, falecido em 21 de Setembro de 2019;
- FF, na qualidade de herdeira de EE, acima referido;
- GG; e - HH.
Ré:
A... LDA. (que explora o estabelecimento comercial denominado “B...”).
*
Nesta acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionam os autores a condenação da ré, reconhecida que seja a invocada cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação operada pelos senhorios, a despejar o locado, fazendo a sua entrega aos autores completamente livre de pessoas e coisas.
Fundamentam a sua pretensão alegando que, por carta enviada em 13 de Novembro de 2020, os AA., através da sua procuradora – C..., Limitada, comunicaram à Ré a oposição à renovação dos contratos de arrendamento (dos locados sitos na Rua ..., ...), com produção de efeitos em 31 de Março de 2021, data termo da renovação em curso, e pediram a entrega, na referida data, dos arrendados, devolutos e em bom estado de conservação, sendo que, por força do disposto na Lei 1-A/2020 de 19 de Março, na redacção da Lei 75-A/2020 de 30 de Dezembro, no seu artigo 8º, nº 1 c), a produção de efeitos da operada oposição à renovação dos contratos de arrendamento entre AA. e ré só produziu efeitos, contudo, em 30 de Junho de 2021.

Regular e pessoalmente citada, a ré contestou, invocando:
- Por excepção dilatória: a ilegitimidade activa, de todos os autores;
- A ineficácia da transição dos contratos de arrendamento para o NRAU;
- Caso se entenda terem os contratos transitado para o NRAU, a ineficácia da oposição à renovação por ter ocorrido no período da (segunda) renovação dos contratos;
- A ineficácia da oposição à renovação por ilegitimidade da procuradora – C..., Limitada;
- O reconhecimento de estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local à ré e as consequências daí resultantes face ao estabelecido no n.º 3 do artigo 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho, que prevê, nos arrendamentos que tenham transitado para o NRAU nos termos da lei então aplicável, não poderem os senhorios opor-se à renovação do novo contrato celebrado à luz do NRAU, por um período adicional de cinco anos.

Foi apresentado articulado superveniente pela ré (ref.ªs 32055448 e 32055451), na sequência do deferimento da candidatura que apresentou em vista ao reconhecimento de estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local que havia formulado, e que a ré havia já aludido em sede de contestação, resultando do Edital nº ..., instruído com o articulado superveniente, que “após decorrido o período de consulta pública e ouvida a junta de freguesia em cuja circunscrição se localizam os respectivos estabelecimentos e entidade, em Reunião do Executivo Municipal de 4 de Abril de 2022, a Câmara Municipal ... deliberou, nos termos do n.º 1, do artigo 6.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho, reconhecer como estabelecimento e entidade de interesse histórico e cultural ou social local, o estabelecimento e entidade identificados no documento que aqui se junta como anexo ...” – sendo esta identificada como a “B...”.

Nessa sequência, e considerando-se que a apreciação desta factualidade, alegada já em sede de contestação (então apenas com base da candidatura apresentada pela ré), se revelava pertinente, foi tal articulado superveniente admitido, determinando-se a notificação dos autores para, em 10 dias, responderem, artigo 588.º n.º 4 do CPC.

A autora respondeu, opondo-se à procedência de todas as excepções (dilatória e peremptórias) invocadas.

Foi proferido despacho saneador no qual foi apreciada e julgada improcedente a excepção (dilatória) invocada pela ré relativa à ilegitimidade activa dos autores.
Foram admitidos os meios de prova arrolados pelas partes e designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, a mesma decorreu com estrita observância dos formalismos legais, como da respectiva acta emerge.

Foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e em consequência absolver a ré do pedido.

Os autores vieram interpor recurso, concluindo:
1 – As comunicações de iniciativa dos senhorios previstas pelo artigo 50º do NRAU, propondo a transição destes contratos de arrendamento para o NRAU, seu tipo e duração, de 20 de dezembro de 2013 e 15 de janeiro de 2014 – pontos 6 e 7 dos factos
provados, cumpriam, sem mácula, as normas, então, em vigor sobre a matéria.
1.1. A Meritíssima Juiz, para considerar o contrário, fundou-se na norma do artigo 50º do NRAU, que iniciou a sua vigência em abril de 2015, quando devia seguir a redação dessa norma ao tempo das mencionadas cartas.
2. Os contratos de arrendamento entre AA. Recorrentes e Ré Recorrida transitaram para o NRAU, a partir de 1 de abril de 2014, como contratos a prazo certo com um período inicial de dois anos e não de cinco.
2.1. A Meritíssima Juiz, para julgar como julgou, aplicou a norma da alínea b) do nº10
do artigo 31º do NRAU, quando tinha disponível a norma do nº 9 do referido artigo.
3. Os contratos de arrendamento entre AA. Recorrentes e Ré Recorrida renovaram-se
sucessivamente por períodos de um ano, a partir de 1 de abril de 2016.
3.1. A Meritíssima Juiz não soube aplicar as normas do artigo 50º, 51 e 31º do NRAU.
4. A oposição à renovação dos contratos operada pelos senhorios, agora AA. Recorrentes, foi feita com a antecedência legalmente prevista relativamente ao fim do período de renovação então em curso, o qual terminava em 31 de março de 2021 sendo, assim, válida e eficaz.
TERMOS EM QUE e pelo exposto, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a ação totalmente procedente, por provada, por ser de Justiça.

A ré apresentou contra-alegações, concluindo:
1. A sentença proferida pelo tribunal a quo conclui que a comunicação efectuada pelos senhorios indica as menções essenciais, exigidas por lei, tendo sido compreendida pela inquilina, atenta a resposta que lhe deu.
2. Os Recorrentes não põem em causa a transição dos contratos para o NRAU, sendo que a decisão seria sempre a mesma, independentemente da versão do dito artigo 50º do NRAU, pelo que é inútil o alegado pelos aqueles recorrentes em I.
3. A R. nunca aceitou, qualquer acordo quanto ao prazo de duração dos contratos.
4. O artigo 31º, nº 9 do NRAU, invocado pelos Recorrentes, que dispõe que o silêncio dos inquilinos equivale a aceitação do valor da renda e do prazo proposto pelo senhorio foi declarado inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 393/2020, de 13/07.
5. Nas cartas transcritas em 6. e 7. dos factos provados não consta qualquer advertência ao efeito do eventual silêncio dos destinatários, não valendo assim o silencio do inquilino quanto ao prazo como anuência, pelo que a conclusão é que não existiu acordo.
6. Em 01-04-2019, ocorreu a primeira renovação dos contratos, sendo que nessa data,
seja pela aplicação nº 3 do artigo 26º, na versão dada pela Lei nº 79/2014, seja pelo artigo 1110º do Código Civil, nº 3 com a redacção da Lei nº 13/2019, os contratos já se haviam renovado até, pelo menos 31-03-2022.
7. A versão do nº 3 do artigo 26º dado pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, alegado pelos Recorrentes, foi revogada pela citada Lei nº 79/2014, pelo que tem de improceder a alegação de que “…a pretensa renovação em 1/04/2019 seria de dois anos e não de três, atenta, mais uma vez, a redação, à época, do nº 3 do invocado artigo 26º”
8. A oposição à renovação dos contratos, comunicada pelos senhorios à inquilina por carta enviada a 13 de novembro de 2020 (10. dos factos provados) é ineficaz, por ter ocorrido no período da renovação.
Termos em que deverá ser mantida a decisão recorrida, devendo ser considerado improcedente in totum, o recurso interposto pelos Autores, ora Recorrentes, com as legais consequências.

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, a questão a resolver consiste em saber se a oposição à renovação dos contratos operada foi válida e eficaz.

II - Fundamentação de facto.
O tribunal recorrido considerou:
a) Factos provados
1. Os AA. são donos de duas divisões com utilização independente com os números de polícia ...41 (antes ...39) e ...43 do prédio sito na Rua ..., números ... a ..., união das freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., município do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número ...;
2. Uma vez que ½ indiviso do prédio da Rua ..., números ... a ..., de que fazem parte as duas divisões com utilização independente dadas de arrendamento à Ré, pertence em plena propriedade aos AA. HH, AA e sua mulher BB, DD e FF, e ½ do usufruto do mesmo prédio pertence à A. CC.
3. A divisão com entrada pelo nº ... (antes ...) - R/C 3, está dada de arrendamento à R. pelos ante possuidores dos AA., por escritura pública, desde 31/07/1963, para mercearia, confeitaria e artigos congéneres.
4. A divisão com entrada pelo nº ... - R/C 4 está dada de arrendamento à R. pelos ante possuidores dos AA., por escritura pública, desde 01/04/1935, nele praticando a R. o comércio de mercearia, confeitaria e artigos congéneres.
5. A R., desde 1963, por altura do arrendamento do nº 343, abriu uma porta de ligação entre os dois estabelecimentos, porque contíguos, desactivou a porta com o nº 339 (agora 341), e passou a exercer o seu comércio com uma única porta de acesso – o nº 343, servindo este as duas lojas, como se de uma única loja se tratasse.
6. Foi dirigida à R. carta datada de 20 de Dezembro de 2013, enviada pelo A. HH, com os seguintes dizeres:
“Assunto: Transição para o NRAU – Loja com entrada pelo n.º ... da Rua ..., números ... a ..., Porto
Exmos. Senhores
Ao abrigo do disposto nos artigos 50.º e seguintes da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro – Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), na redação dada pela Lei 31/2012 de 14 de agosto, venho, por mim e em representação dos demais comproprietários/senhorios, propor que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU passando a contrato com prazo certo, com duração inicial de 2 anos, renovável por períodos de 1 ano.
No prazo de 30 dias poderão V. Exas. pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato propostos.”
7. Foi dirigida à R. carta datada de 15 de Janeiro de 2014, enviada pelo A. HH, com os seguintes dizeres:
“Assunto: Transição para o NRAU e actualização de renda – Loja com entrada pelo n.º ... da Rua ..., números ... a ..., Porto
Exmos. Senhores
Ao abrigo do disposto nos artigos 50.º e seguintes da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro – Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), na redacção dada pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, venho, por mim e em representação dos demais comproprietários/senhorios, propor a atualização da renda mensal do estabelecimento correspondente ao endereço supra, dado de arrendamento a essa Sociedade, para € 368,00 (trezentos e sessenta e oito euros).
O valor patrimonial tributário do imóvel é de €66.230,00, conforme poderão verificar pela caderneta predial urbana junta.
Mais proponho que o contrato de arrendamento transite para o regime do NRAU passando a contrato com prazo certo, com duração inicial de 2 anos, renovável por períodos de 1 ano.
No prazo de 30 dias poderão V. Exas. pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato propostos.”
8. Em resposta, foi dirigida ao A. HH carta datada de 23 de Janeiro de 2014, enviada pela R.
“Assunto: v/ carta de 15-01-2014 – aumento de renda
Exmo. Senhor.
Em resposta à v/ carta de 15-01-2014, a qual nos mereceu a melhor atenção, vimos por este meio contra propor um aumento de 20,77 € (vinte euros e setenta e sete cêntimos) passando a renda a ser de 350,00, dado que esta empresa, como vem sucedendo há alguns anos, tem sentido bastantes dificuldades financeiras para conseguir cumprir com os seus compromissos.”
9. Em resposta, foi dirigida à R. carta de 24 de Fevereiro de 2014, enviada pelo A. HH, com os seguintes dizeres:
“Assunto: Transição para o NRAU – Loja com entrada pelo n.º ... da Rua ..., números ... a ..., Porto
Exmos. Senhores
Aceitando a contraproposta de V. Exas., de 23 e Janeiro de 2014, comunico, por mim e representação dos demais comproprietários / senhorios, que a renda da loja que, na caderneta predial corresponde ao R/C 4, é atualizada para € 350,00.
Os contrato de arrendamento correspondentes aos dois espaços arrendados a essa sociedade passam a prazo certo, com a duração inicial de 2 anos, renovável por períodos de 1 ano.
A presente alteração terá início a partir do próximo dia 1 de abril de 2014.”.
10. C..., Lda. remeteu à R. carta datada de 11 de Novembro de 2020 e enviada em 13 de Novembro de 2020, com os seguintes dizeres:
“Assunto: Não Renovação dos Contratos de Arrendamento
Exmos Senhores
Verificando-se no próximo dia 31 de março de 2021, o termo do prazo dos contratos relativos aos dois espaços ocupados por essa sociedade correspondentes ao endereço supra, que lhe estão dados de arrendamento para comércio, informamos V. Ex.ªs, em representação dos respectivos senhorios, e nos termos do disposto pelo artigo 1097.º do Código Civil, que nos opomos à renovação dos mesmos.
Assim deverão V. Ex.ªs na data termo referida, proceder à entrega dos arrendados devolutos e em bom estado de conservação, podendo sugerir dia e hora para visita e verificação conjunta do referido estado de conservação.”.
11. A renda mensal era, ao tempo da missiva antes referida em 10, de € 338,47 e € 359,82.
12. A Ré explora um estabelecimento comercial denominado “B...” nos locados sitos na Rua ..., ... (actualmente ...), Porto, dedicando-se ao comércio de mercearia, chá e café.
13. O estabelecimento “B...” existe há mais de oitenta e cinco anos, mantendo a mesma localização desde essa data, na Rua ..., ... (atualmente ...),
14. A Ré apresentou candidatura junto da Câmara Municipal ... para que o estabelecimento comercial que explora – B... – fosse reconhecido como um estabelecimento e entidade de interesse histórico e cultural ou social local.
15. Por reunião de executivo municipal datada de 04/04/2022, a candidatura apresentada pela Ré foi deferida, cfr. edital nº ...;
16.Em consequência, foi deferido o reconhecimento do estabelecimento explorado pela ré como sendo uma entidade de interesse histórico ou cultural ou social local.
17. Em 14/02/1935, foi celebrada uma escritura pública nos termos da qual II deu de arrendamento à sociedade “D..., Lda.” a loja e cave do prédio sito na Rua ..., da freguesia ..., Porto, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....
18. Foi celebrada uma escritura em 15/11/1939, em que JJ e KK, na qualidade de únicos sócios da sociedade “D..., Lda.”, dividiram e cederam 50% das suas quotas a LL e MM;
19. Dias mais tarde, em 27/11/1939, foi celebrada outra escritura pública entre as mesmas partes, nos termos da qual foram cedidas as quotas de JJ e KK a LL e MM, passando estes a ser os únicos sócios da sociedade “D..., Lda.”.
20. Em 02/01/1940, foi celebrada uma escritura de modificação de sociedade, passando a firma a ser “A..., Lda.”.
21. Em 31/07/1963, foi celebrada escritura pública em que II deu de arrendamento à sociedade “A..., Lda.” a loja e cave do prédio sito na Rua ... (atualmente ...), da freguesia ..., Porto, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....
22. Pelo menos desde 01/05/1961, tal contrato já vigorava, dada a participação às finanças junta como documento nº 2 com a petição inicial na qual se alude ao contrato verbal referido no artigo anterior.
23. No ano de 1963, as lojas nº ... e ... (atualmente ...) já estavam ligadas entre si.
24. Pelo menos desde 01/05/1961, as lojas já estavam associadas.
25. Cada uma das lojas nº ... e ... (atualmente ...) sempre dispôs da respetiva porta de entrada, sendo opção da ré manter uma das portas fechada, permitindo assim o acesso ao estabelecimento ‘B...’ pelo público em geral apenas por uma das portas de entrada.

III – Fundamentação de direito
Sustentam os recorrentes que os contratos de arrendamento transitaram para o NRAU, a partir de 1 de Abril de 2014, como contratos a prazo certo com um período inicial de dois anos e não de cinco. A oposição à renovação dos contratos operada foi feita com a antecedência legalmente prevista relativamente ao fim do período de renovação então em curso, o qual terminava em 31 de Março de 2021 sendo, assim, válida e eficaz.
Atentemos.
Estamos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
Este contrato de arrendamento foi celebrado no domínio do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90 de 15.10.
O RAU foi revogado pela Lei nº 6/2006 de 27.02 que aprovou um novo regime do arrendamento urbano (NRAU).
Nos termos do artigo 59º, nº1 desta lei, o novo regime aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.
BAPTISTA MACHADO, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-23), explicita que “os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas disposições transitórias…. Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.”
Se o legislador nada diz em especial sobre a lei aplicável a situações em que se suscita um problema de conflitos de leis no tempo, aplicam-se as disposições dos artigos 12.º e 13º do Código Civil
Enquanto, as normas de conflito dirimem o conflito de leis num ou noutro sentido, isto é, limitam-se a determinar qual das leis é aplicável, as normas de transição estabelecem, um regime intermediário entre as duas leis, visando à conciliação dos interesses particulares com a regulamentação da lei nova e têm, portanto, natureza material.
E, entre as normas de conflito, há que distinguir aquelas que são dotadas de validade geral e fixam os princípios que fornecem ao julgador um critério permanente de solução dos conflitos (as contidas nos artigos 12.º e 13.º do Código Civil, como se disse), daquelas que são estabelecidas pelo legislador com vista à solução dum conflito particular, surgido a propósito duma alteração legislativa determinada.
As normas de transição correspondem ao direito transitório material, enquanto as normas de conflito integram o direito transitório formal, que, num sentido lato, integra não só as disposições transitórias específicas, como também as normas contendo os critérios gerais de solução de conflitos de leis no tempo, designadamente, os mencionados artigos 12.º e 13.º do Código Civil.
As normas transitórias do NRAU constam dos artigos. 26º e 28º e as mesmas tiveram várias versões, sendo a última dada pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro.
O artigo 26º dispõe:
1 - Os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, bem como os contratos para fins não habitacionais celebrados na vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.
(…)
3 - Quando não sejam denunciados por qualquer das partes, os contratos de duração limitada renovam-se automaticamente no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de dois anos ou, quando se trate de arrendamento não habitacional, pelo período de três anos, e, em ambos os casos, se outro prazo superior não tiver sido previsto.”
(Diga-se que o DL n.º 257/95, de 30.9 estendeu aos arrendamentos urbanos para comércio ou indústria a possibilidade de estipulação de um prazo para a duração efectiva do arrendamento - artigos 117.º e 118.º do RAU).
Este preceito do artigo 26º de direito transitório material mantém-se em vigor na mencionada redacção dado que não foi revogado pela última alteração ao NRAU, operada pela Lei nº 13/2019, ao invés do que sucedeu com os nºs 3, 4 e 5 do artigo 28º do NRAU, também norma transitória, expressamente revogado pelo artigo 12º desta Lei nº 13/2019.
Resumindo, o nº 3 desta norma do artigo 26º estabelece, para o contrato transitado, um regime próprio aplicável, afastando quer os antigos, quer novos regimes instituídos.
(Conf. Acórdão do STJ de 14-09-2023, proc. nº 1824/22.3T8VCT.G1.S1, in www.dgsi.pt).
Nesta conformidade, concorda-se inteiramente com a orientação seguida na sentença que culminou na seguinte solução: “Assim, revertendo ao caso em apreço, e retomando a conclusão que a duração inicial dos contratos de arrendamento (com prazo certo, nos termos acima dilucidados), por força da transição para o NRAU, ocorreu entre 01/04/2014 e 31/03/2019, temos que não tendo cessado nesta data (31/03/2019), no dia seguinte – 01/04/2019 ocorreu a primeira renovação dos contratos pelo prazo legal (por previsto no art. 26.º, n.º 3) de três anos – que terminou em 31/03/2022.
E a ser assim, a oposição à renovação materializada através da carta remetida à R., datada de 11 de Novembro de 2020 e enviada em 13 de Novembro de 2020 (a que se alude no ponto 10 da matéria de facto), por via da qual a sociedade C..., Lda. comunica à ré a não renovação dos contratos de Arrendamento para o dia 31 de Março de 2021, por forma a impedir a renovação do contrato no dia 1 de Abril de 2021, resulta ineficaz pois os contratos haviam-se renovado (1.ª renovação) em 01/04/2019, como antes explicitado, tendo a oposição à renovação sido realizada quando ainda se mostrava em curso o prazo legal de renovação imperativo de 3 anos previsto pela norma transitória constante do art. 26.º, n.º 3 do NRAU, aplicável aos arrendamentos com fins não habitacionais de duração limitada em análise nos presentes autos.
O que significa que os autores, senhorios, não poderiam opor-se à renovação para a data para a qual o fizeram (31 de Março de 2021), pelo que a comunicação efectuada em 13 de Novembro de 2020, não surte o efeito jurídico pretendido pelos autores - de oposição à renovação dos contratos.”
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Porto, 16 de Janeiro de 2023
Ana Lucinda Cabral
Alberto Taveira
Rodrigues Pires

Sumário
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(A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.)