Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
386/22.6GBILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: PENA DE MULTA
REQUERIMENTO PARA PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RP20240110386/22.6GBILH.P1
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Sem prejuízo das situações de justo impedimento, o requerimento para pagamento da pena de multa em prestações pressuposto pelo art. 47.º, n.º 3, do CPenal deve ser apresentado dentro do prazo de 15 dias a que se reporta o art. 489.º, n.º 2, do CPPenal, sob pena de ficar precludida a possibilidade de formular tal pretensão.

[Sumario da responsabilidade do Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 386/22.6GBILH.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Ílhavo – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Sumário n.º 386/22.6GBILH, a correr termos no Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, Juiz 2, por despacho de 05-06-2023, foi decidido indeferir, por intempestivo, atento o disposto nos arts. 47.º, n.º 3, do CPenal e 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPPenal, o requerimento apresentado pelo arguido condenado AA para pagamento da pena de multa em prestações e, em consequência, determinada a sua notificação para, no prazo de 20 dias, proceder ao pagamento da totalidade da multa aplicada, ainda em dívida, «findo o qual o tribunal se pronunciará em definitivo sobre a conversão da multa em prisão subsidiária.»
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Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a revogação do despacho em causa e a sua substituição por outro que conheça do pedido de pagamento em prestações formulado pelo arguido, apresentando em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«A. O recorrente requereu, por meio do requerimento Ref.ª 14477939 o pagamento faseado da multa a que foi condenado, ultrapassado o prazo de 15 (quinze) dias a que alude o n.º 2 do art. 489.º do CPP.
B. O Tribunal a quo veio a indeferir o solicitado por considerar extemporânea a pretensão do recorrente, atento o disposto no artigo 47.º, n.º 3 do CP e 489.º, nºs 1 e 2 do CPP.
C. Porém, entende o recorrente que resulta da conjugação do disposto no artigo 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPP com o disposto no artigo 49.º. n.ºs 1 e 2, do CP, a inexistência de qualquer prazo peremptório para o pagamento voluntário da multa, pagamento que poderá ocorrer no referido prazo de 15 dias ou para além dele, isto é, a todo o tempo e mesmo depois da conversão da multa em prisão subsidiária.
D. Pelo que o despacho a quo, infringe o artigo 489.º, nºs 1 e 2 do CPP e o artigo 49.º. n.ºs 1 e 2, do CP.»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta completa e bem fundamentada, considerando que o mesmo não merece provimento.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer onde acompanhou a argumentação do Ministério Público junto do Tribunal a quo, defendendo igualmente o não provimento do recurso.
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Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente apresentou resposta, dando por reproduzido tudo o que deixou vertido nas suas alegações.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se o requerimento para pagamento da multa criminal em prestações pode ser apresentado após ter terminado o prazo de pagamento voluntário da multa.

Para análise da questão que importa apreciar releva o teor integral do despacho recorrido, que é o seguinte:
«Nos presentes autos de processo sumário, foi o arguido AA condenado, por sentença proferida em 4 de Julho de 2022, já transitada em julgado em 19 de Setembro de 2022, na pena de 140 dias de multa, à razão diária de € 6,00, o que perfaz a quantia de € 840,00.
Compulsados os presentes autos e verificado o trânsito em julgado da referida decisão, atestamos que o arguido não efectuou o pagamento da pena de multa em que foi condenado dentro do prazo concedido para o efeito, nos termos do artigo 489.º, nº 2 do Código de Processo Penal, nem mesmo posteriormente.
Acresce que o arguido não requereu a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, não lhe sendo, igualmente conhecidos quaisquer bens susceptíveis de penhora que permitam o pagamento coercivo da multa em que foi condenado.
Requerida a conversão da pena de multa aplicada em prisão subsidiária, foi o arguido notificado para se pronunciar, ao abrigo do princípio do contraditório, sobre as causas do não pagamento, tendo o mesmo, em resposta à notificação, dado conhecimento ao tribunal de que se encontra em situação impossibilidade de trabalhar, requerendo o pagamento em prestações da pena aplicada. (cfr. fls. 133 dos presentes autos).
Aberta vista ao Ministério Público, este pronunciou-se no sentido do indeferimento da pretensão formulada pelo arguido, por intempestividade da mesma, atento o exposto no artigo 489.º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal.
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Cumpre apreciar e decidir.
Consagra o artigo 47º, nº 3 do Código Penal que “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano ou permitir o pagamento de multa em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da sentença.”
Ora, como bem aventa o Ministério público, a questão colocada e a análise do dispositivo legal supra referido terá de considerar ainda o disposto no artigo 489.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, nos termos do qual o prazo para pagamento da multa é de 15 dias a contar da notificação para o efeito, tendo sido maioritariamente entendido ser no decurso de tal prazo que deve ser formulada a pretensão de pagamento em prestações ou mesmo de substituição por prestação de trabalho.
Sendo certo que tendamos a defender que, em caso pontuais, em que o arguido, de forma voluntária, formula tais pedidos pouco após o prazo de 15 dias referido, ainda dos mesmos possamos conhecer, porquanto se atravessam questões mais prementes que as de tecnicidade jurídica, o caso concreto exige ulteriores considerações por não se reportar, desde logo, a esta situação aludida.
Assim, para cabal compreensão da questão colocada, importa realizar uma breve resenha dos autos, em termos objectivos e subjectivos.
Temos assim que o arguido foi condenada por sentença proferida em Julho de 2022, em pena de multa fixada em 140 dias, à taxa diária de € 6,00.
Após trânsito em julgado da pena de multa aplicada, foi o arguido notificado em 18 de Outubro de 2022 para proceder ao pagamento da mesma até dia 4 de Novembro de 2022, sem que, no prazo que para tal lhe foi concedido, nos termos do disposto no artigo 489.º, nºs 1 e 2, o tenha feito, nem mesmo requerido o pagamento da pena de multa em prestações ou a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Promovidos os termos para a execução patrimonial do valor da pena de multa revelou-se tal inviável, atenta a inexistência de quaisquer bens penhoráveis pertencentes ao arguido.
Apenas quando instado da consequência do não pagamento – a conversão em prisão subsidiária – veio o arguido intervir no processo, procurando evitar o seu cumprimento efectivo.
Verificamos que decorreram já 11 meses desde a prolação da sentença, de cujo teor o arguido ficou ciente, sem que o mesmo tenha, nos autos, e em momento algum, assumido qualquer conduta activa no sentido de cumprir a pena aplicada.
O arguido dispunha de mecanismos legais para ultrapassar a impossibilidade económica de pagamento da pena de multa aplicada, sem que aos mesmos tenha recorrido em tempo devido.
Nestes termos, atento o exposto, conforme promovido, por entendermos que a pretensão formulada se revela intempestiva, atento o disposto no artigo 47.º, nº 3 do Código Penal e 489º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, indefere-se o requerido pagamento da pena de multa em prestações.
*
Assim, encontrando-se em dívida a totalidade da multa aplicada, antes de mais, notifique o arguido para, no prazo de 20 dias, proceder ao seu pagamento, findo o qual o tribunal se pronunciará em definitivo sobre a conversão da multa em prisão subsidiária.
Emita guia em conformidade.
Notifique.»

Compulsada a fundamentação de recurso verificamos que a mesma se restringe à seguinte argumentação:
- «serem diversas as decisões dos Tribunais da Relação que têm entendido não ser extemporâneo o pedido de substituição da multa por prestação de trabalho apresentado depois de decorrido o prazo de 15 dias previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CPP, entendimento que tem plena aplicação ao pedido de pagamento da multa em prestações», apresentando como exemplo o acórdão do TRP de 27.02.2013, CJ, 2013, T2, pág. 222;
- «da conjugação do disposto no artigo 489.º, n.ºs 1 e 2, do CPP com o disposto no artigo 49.º. n.ºs 1 e 2, do CP, entende o recorrente que inexiste qualquer prazo peremptório para o pagamento voluntário da multa, pagamento que poderá ocorrer no referido prazo de 15 dias ou para além dele, isto é, a todo o tempo e mesmo depois da conversão da multa em prisão subsidiária»; e
- «se pagamento integral pode ocorrer a todo o tempo, porque teriam tratamento diferenciado os demais, quando o prazo para eles fixado é precisamente o estabelecido para aquele?»

Quanto ao primeiro argumento, evidencia-se logo à partida o facto de não ser apresentada qualquer posição jurisprudencial que directamente respeite ao prazo para solicitar o pagamento da multa em prestação, antes a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
Ora, a verdade é que o regime para pagamento da multa em prestações ou para substituição da multa por trabalho a favor da comunidade não são totalmente equiparáveis, sendo este regulamentado para além do mais, pelo disposto no art. 490.º do CPPenal, em cujo n.º 1 se prevê que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior, ou seja, i) no prazo de 15 dias a contar da notificação para o pagamento da multa ou ii) no prazo de deferimento do pagamento da multa ou do da autorização do seu pagamento em prestações.
Sem entrar, agora, na apreciação da questão do prazo para solicitar a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade, que não é o objecto deste recurso, diremos apenas que a redação do art. 490.º, n.º 1, do CPPenal faz toda a diferença, sendo susceptível de permitir um tratamento jurídico distinto relativamente ao prazo para requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
E se nos focarmos nessa precisa questão, a única que é objecto deste recurso, verificamos que a jurisprudência defende, de forma maioritária, a existência de prazo peremptório para o efeito.
Em sentido divergente encontramos a decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-03-2017, relatado por João Amaro[2] no âmbito do Proc. n.º 99/02.5PACTX-A.E1, e que encontra na instauração da execução patrimonial da multa o momento até ao qual é tempestivo o pedido formulado pelo arguido com vista ao pagamento da pena de multa em prestações, e da mesma Relação os acórdãos de 10-04-2018, relatado por Sérgio Corvacho no âmbito do Proc. n.º 32/06.5GBMMN-C.E1, de 21-08-2018, relatado por Maria Leonor Botelho no âmbito do Proc. n.º 239/13.9GAVNO.E1, e de 18-04-2023, relatado por Carlos de Campos Lobo do âmbito do Proc. n.º 524/18.3T9MMN.E1, todos perfilhando o entendimento que o prazo estabelecido no art. 489.º, n.º 2, do CPPenal não é peremptório.
Ainda no mesmo sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-06-2012, relatado por Airisa Caldinho no âmbito do Proc. n.º 540/08.3PHPRT-B.P1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.

Contrariamente, acompanhando a posição reflectida no despacho recorrido, indicam-se a título meramente exemplificativo:
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-02-2018, relatado por Ausenda Gonçalves no âmbito do Proc. n.º 102/16.1 GTVRL.G1, e de 30-09-2019, relatado por Armando Azevedo no âmbito do Proc. n.º 64/16.5PBGMR.G1, e todos acessíveis in www.dgsi.pt;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-09-2020, relatado por Martinho Cardoso no âmbito do Proc. n.º 230/12.2PACTX-A.E1;
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra (onde não foi detectada qualquer posição divergente) de 12-07-2023, relatado por Paulo Guerra no âmbito do Proc. n.º 125/16.0T9SEI-A.C1, de 06-01-2021, relatado por Jorge França no âmbito do Proc. n.º 21/16.1GAVZL-A.C1, e de 26-06-2019, relatado por Jorge Jacob no âmbito do Proc. n.º 233/17.0GEACB-A.C1;
- Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-03-2018, relatado por Ana Paula Grandvaux no âmbito do Proc. n.º 3/15.0PFAGH-A.L1-3, e de 04-05-2021, relatado por Paulo Barreto no âmbito do Proc. n.º 2617/17.5T9SXL-A.L1-5; e
- Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11-07-2007, relatado por Guerra Banha no âmbito do Proc. n.º 712537, de 10-09-2008, relatado por Luís Gominho do âmbito do Proc. n.º 0843469, de 05-03-2014, relatado por Maria Deolinda Dionísio no âmbito do Proc. n.º 6/12.7GCMBR-A.P1, de 23-06-2021, relatado por Maria do Carmo Silva Dias no âmbito do Proc. n.º 746/16.1PWPRT.P1, e de 10-11-2021, relatado por Horácio Correia Pinto no âmbito do Proc. n.º 328/18.3PFPRT.P1.

A posição perfilhada pelo recorrente, minoritária, fundamenta a sua posição na defesa das ideias, supratranscritas, de que se o pagamento total ou parcial da multa, mesmo quando já foi fixada a prisão subsidiária, pode ser realizado a todo o tempo (art. 49.º, n.º 2, do CPenal), então também não há limite para se requerer o pagamento em prestações, só assim se alcançando a finalidade de opção em primeira linha por penas não privativas de liberdade e recurso a penas detentivas apenas como ultima ratio (art. 70.º do CPPenal). Assim, o prazo previsto no art. 489.º, n.º 2, do CPPenal não teria natureza peremptória.
Ora, salvo o devido respeito, esta interpretação olvida em absoluto a letra da lei e a configuração que o legislador atribuiu à aplicação e regulamentação da pena principal de multa e suas vicissitudes, enquadradas em três etapas diferentes, sendo, em cada uma delas sempre conferida ao condenado a possibilidade de evitar o cumprimento de prisão subsidiária, mas partindo de uma ideia de auto-responsabilização e não de uma benevolência condescendente potenciadora de um exercício paternalista da autoridade.

Como bem se definiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-05-2021[3], «[a] questão do pagamento da multa criminal deve ser apreciada sob três perspectivas distintas: (i) pagamento voluntário da multa; (ii) pagamento coercivo da multa; e (iii) pagamento para evitar o cumprimento de prisão subsidiária.»
Assim, «[n]o pagamento voluntário, o pagamento ou o requerimento para diferimento ou prestações têm que ser feitos em 15 dias após a notificação para o efeito (489.º, n.º 2, do CPP). Passado este prazo sem nada ter sido requerido, extingue-se o direito de pagar voluntariamente (por inteiro ou em prestações). Por isso é um prazo peremptório.»
Por sua vez, o «pagamento coercivo tem lugar já no âmbito de um processo executivo, que até corre no juízo ou tribunal que as tenha proferido: o mesmo juiz mas já sob as vestes de juiz de execução. O executado até pode pagar a quantia exequenda por sua iniciativa, extinguindo, deste modo, a execução, mas, para além de ter que suportar adicionais de custas processuais, já não será na posição processual de condenado em processo criminal, mas de executado em processo executivo.»
E «[f]inalmente, o pagamento para evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária visa garantir a natureza e fins das penas criminais, das quais a prisão é a ultima ratio. Nesta situação, o condenado pode, por sua iniciativa, pagar a multa (no todo ou em parte) a todo o tempo.»

Num primeiro momento o legislador permite que o condenado pague voluntariamente a multa ou, no mesmo prazo de 15 dias após a notificação para o efeito, a ser realizada sempre depois do trânsito em julgado da sentença, requeira o diferimento do pagamento até um ano ou o pagamento da multa em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação (arts. 47.º, n.º 3, do CPPenal e 489.º, n.ºs 2 e 3, do CPPenal).
E sempre que findar o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado o condenado entra em incumprimento e procede-se à execução patrimonial quando possível (art. 491.º, n.º 1, do CPPenal) ou, caso a multa não tenha sido substituída por trabalho e não se revelar possível o seu cumprimento voluntário ou coercivo, ao cumprimento da prisão subsidiária (art. 43.º, n.º 1, do CPenal).
O conjunto destes preceitos demonstra claramente que a fase de pagamento voluntário não é ilimitada e não fica na dependência do condenado: ele tem um período inicial de 15 dias após notificação para o efeito para liquidar a multa ou requerer o deferimento do pagamento até um ano ou o pagamento na multa em prestações até ao limite de dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação, posto que estas duas opções, previstas no art. 489.º, n.º 3, do CPPenal, devem ocorrer dentro do prazo previsto no n.º 2, do mesmo preceito, sob pena de total incoerência da concreta previsão legal.
Esta limitação temporal não é irrelevante e corrobora também a solução que se perfilha. Na verdade, a ideia não é deixar nas mãos dos condenados a possibilidade de pagarem as penas de multa como quiserem e quando quiserem, numa espécie de auto-gestão regulativa como se o processo penal não previsse a tramitação adequada às finalidades em análise.
A esta finalidade ligamos o pensamento de Figueiredo Dias[4], ao referir que «[a] possibilidade de pagamento da multa a prazo ou em prestações encontra a sua razão de ser na necessidade de se operar a concordância prática de dois interesses conflituantes. É indiscutível que a regulamentação da multa deve conduzir à aplicação de penas suficientemente pesadas para que nelas encontrem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais. As facilidades de pagamento devem, pois, obstar, por um lado, até ao limite do possível, a que a pena de multa não seja cumprida e a que entrem consequentemente em cena a execução de bens ou as sanções penais sucedâneas. Tais facilidades não devem, porém, por outro lado, ser tão amplas que levem a multa a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal.»

Por outro lado, numa vertente puramente processual, assente no preceituado no art. 139.º, n.ºs 1 a 4, do CPCivil, ex vi arts. 4.º e 104.º, n.º 1, do CPPenal, sabemos que os prazos são dilatórios ou peremptórios, sendo que os primeiros diferem para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo e os segundos, com o seu decurso, extinguem o direito de praticar o acto, salvo caso de justo impedimento.
Assim, independentemente da visão que se possa ter de iure constituendo quanto à questão aqui analisada, não se vê como contornar a natureza dos prazos a que alude o art. 489.º do CPPenal, que se apresentam como peremptórios, fazendo o seu decurso, por isso, precludir o direito de praticar o acto, no caso, de requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
Acresce que se não se entender a tramitação da execução da pena de multa ligada às diferentes fases identificadas e à limitação de se requerer o diferimento do pagamento da multa ou a sua realização em prestações dentro do prazo de 15 dias após notificação para pagamento voluntário da multa, impõe-se, inevitavelmente, reconhecer a impossibilidade, na maioria dos casos, de cumprimento dos limites fixados no art. 47.º, n.º 3 do CPenal, dado o tempo que se sabe demora a prática dos actos processuais, assim de frustrando as expectativas do legislador.
A regulamentação preconizada, nos termos em que a entendemos, confere ao condenado que não se alheia da sua condição todas as possibilidades de melhor cumprir a pena de multa sem colocar em causa a sua liberdade e permite aos Tribunais, no caso de alienação do condenado perante o cumprimento da pena, iniciar uma fase coerciva em período razoável para que a pena não se arraste e perca o efeito pretendido, impedindo um desfasamento temporal irrazoável entre a condenação transitada em julgado e, em ultima ratio, o cumprimento da prisão subsidiária, que com o passar do tempo vai também ela perdendo a sua razão de ser.
Perante o incumprimento do pagamento voluntário (aqui se incluindo os casos do respectivo deferimento ou de autorização para realizar o pagamento em prestações), nas fases que se seguem, de cobrança coerciva e de cumprimento da prisão subsidiária, mostra-se sempre possível evitar a privação da liberdade pelo pagamento da multa total ou parcialmente, restringindo-se, neste caso, o cumprimento apenas à parcela não paga.
Repare-se que como último reduto da opção pela não privação da liberdade, o art. 49.º, n.º 3, do CPenal prevê a hipótese de o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não ser imputável e, neste caso, poder a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Nestas situações, se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
O sistema está, pois, estruturado de forma a utilizar como ultima ratio a privação da liberdade, estando optimizado para uma garantia máxima quando o condenado não se alheia do cumprimento pena, permitindo um equilíbrio entre a natureza de verdadeira pena, que a multa representa, a justiça material e a eficácia penal esperada de que fala Figueiredo Dias.
Não existe, pois, fundamento legal para revogar o despacho recorrido.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3,5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Porto, 10 de Janeiro de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Pedro Vaz Pato [com declaração de voto:
Voto a decisão, embora discorde da sólida fundamentação do acórdão pelas razões seguintes.
Em homenagem ao espírito do sistema penal, que privilegia de forma acentuada o recurso a penas alternativas à pena de prisão e pretende evitar que o cumprimento da pena de prisão subsidiária se fique a dever, ainda que parcialmente, a dificuldades económicas do condenado, considero que não tem natureza perentória o prazo de requerimento do pagamento da multa em prestações, tal como se verifica com o prazo de requerimento da substituição da pena de multa pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Neste sentido se pronunciou, na esteira de jurisprudência aí e neste acórdão citada, quanto ao requerimento de substituição da pena de multa pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o acórdão deste Relação de 27 de fevereiro de 2013, proc n.º 554/09.1TDLSB-A.P1, por mim relatado (acessível em www.dgsi.pt.).
Tal não significa, porém, que seja temporalmente ilimitada essa possibilidade. Não será admissível esse requerimento numa situação como a que está neste caso em apreço, quando pode ser considerada encerrada a fase do pagamento voluntário, se demonstra inviável o pagamento coercivo e se inicia a fase tendente à conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
Neste sentido também se pronunciou, quanto ao requerimento de substituição da pena de multa pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, numa situação equiparável à da que está em apreço, o acórdão desta Relação de 9 de dezembro de 2015, proc. n.º 17/10.7PCGDM-A.P1, também por mim relatado (também acessível em www.dgsi.pt).
Afigura-se-me que posição semelhante a esta é a do despacho recorrido.]
Lígia Figueiredo [com declaração de voto:
Voto a decisão, aderindo ao teor da declaração de voto do Srº juiz adjunto, desembargador Pedro Vaz Pato.]
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Do mesmo relator e no mesmo sentido, acórdão do TRE de 18-09-2012, Proc. n.º 597/08.7CBTVR-B.E1, acessível in www.gdsi.pt.
[3] Relatado por Paulo Barreto no âmbito do Proc. n.º 2617/17.5T9SXL-A.L1-5, acessível in www.dgsi.pt.
[4] In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 136.