Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1059/19.2T8OVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: CLÁUSULA PENAL INDEMNIZATÓRIA
CLÁUSULA PENAL COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RP202011091059/19.2T8OVR.P1
Data do Acordão: 11/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 810.º CC (cláusula penal) prevê dois tipos de penas destinadas a fixar antecipadamente a sanção pecuniária em que se traduzirá a indemnização pelo incumprimento, as cláusulas penais em sentido estrito e as cláusulas penais compulsórias, estas decorrentes do princípio geral da liberdade contratual.
II - As cláusulas penais compulsórias têm em vista compelir o devedor ao cumprimento negocial pela ameaça de uma pena pecuniária que não tem de ter tradução num prejuízo específico do credor.
III - A pena compulsória, como as restantes vertentes da cláusula penal, não são independentes da culpa, cabendo ao devedor alegar e demonstrar que o incumprimento se não ficou a dever a culpa sua (art. 799.º, n.º 1 CC).
IV - A mora no pagamento da cláusula compulsória confere ao credor o direito a juros moratórios, nos termos dos arts. 804.º e 806.º CC, sendo os mesmos devidos desde a interpelação se prazo certo não tiver sido estipulado (art. 805.º, n.º1, CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1059/19.2T8OVR.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTOR: Condomínio B…, sito na Rua …, nº … a …, no …, Ovar, aqui representado pela empresa Administradora, C…, Unipessoal, Lda.

RÉ: D…, Lda., com domicílio na Avª …, nº …, 1º. Apart. .., em Vale de Cambra.

Por via da presente ação declarativa, pretende o A. obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 21.484,96, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
Para tanto alega ter celebrado contrato de empreitada com a Ré com vista à execução de obras, tendo-se fixado um prazo, com cláusula penal para o caso de atraso. Verificando-se demora significativa (145 dias) na conclusão da obra, a A. pretende ver-se indemnizada a tal título em € 10.150,00.
Mais pretende a quantia que, em consequência daquela demora, teve que suportar com a empresa que efetuou a fiscalização, a qual ascende a € 7.011,00, porque o responsável da fiscalização acedeu receber apenas 6 meses ao invés dos 7 meses e meio em que se reflectiu o atraso da obra
Finalmente, pretende ver-se indemnizado na quantia de € 271,89, valor que despendeu na reparação da fuga de um cano de águas pluviais que estava mal vedado por culpa da Ré.

Contestou a demandada, afirmando estar caducado o direito do A., nos termos do art. 1224.º CC, considerando a data em que foram concluídos os trabalhos e a data da propositura da ação.
No mais, afirmou que o tempo de demora na obra se ficou a dever ao facto de a eliminação das patologias existentes estar dependente da disponibilidade dos condóminos para entrar nas respetivas frações, acrescendo no decurso da obra terem-se deparado condições climatéricas adversas que obrigaram a suspender os trabalhos, contabilizando-se, assim, um acréscimo de pelo menos setenta dias, ocorrendo ainda as alterações por si solicitadas no decurso da obra e introduzidas ao projeto inicial, com a consequente execução dos diversos trabalhos extra, pelo que acresceram, no mínimo, trinta dias. Mais refere a suspensão dos trabalhos entre 22.08.2012 e 18.10.2012, por indefinições da parte da A., e da parte da fiscalização da empreitada quanto à solução a aplicar na impermeabilização das soleiras das janelas.

Em despacho saneador, foi julgada procedente a exceção de caducidade no que tange à quantia de € 271,89, de cujo pagamento foi a Ré absolvida.
Foi definido o objeto do processo e fixados os temas de prova.

A 24.1.2020, veio a ser proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenando a Ré a pagar ao autor a quantia de €8.400,00, acrescida de juros moratórios contados desde 13.08.2013, à taxa de 4%, absolvendo a Ré do demais peticionado.
Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1. O autor e a ré outorgaram em 22.06.2012 o contrato de empreitada cujo teor consta de fls. 6 verso a 8 (e aqui se dá por reproduzido), por via do qual a ré se vinculou a executar os trabalhos de construção civil discriminados na proposta nº ..-.-… de 22.07.2011, cujo teor consta de fls. 9 a 10 verso (e aqui se dá por reproduzido) e o autor se vinculou a pagar à ré a retribuição de €196.548,37.
2. Na cláusula 4.ª desse contrato ficou estabelecido que a ré se responsabiliza “pela boa execução da empreitada no prazo acordado, que é de 120 dias a contar do início dos trabalhos, não sendo considerado como dias de trabalho aqueles em que as condições climatéricas não permitam a realização dos trabalhos dentro das condições técnicas aconselhadas, ou outros factores não imputáveis à D…” (ré).
3. Na cláusula 5.ª desse contrato ficou estabelecido que “a título de cláusula penal, a 2.ª outorgante (ré) pagará ao 1.º outorgante (autor) uma indemnização de €350,00 por cada semana de atraso face ao prazo contratualmente fixado para a conclusão da empreitada, por facto que lhe seja imputável. Para efeito de aplicação da referida penalização, estabelece-se uma tolerância de quatro semanas”.
4. A obra iniciou-se em 27.06.2012.
5. A obra foi entregue pela ré ao autor em 13.08.2013.
6. Para assegurar a fiscalização da obra, o autor contratou a sociedade E…, Lda., mediante a retribuição mensal de €1.168,50.
7. Para assegurar a fiscalização da obra entre julho de 2012 e abril de 2013, o autor teve que pagar à sociedade E…, Lda. a quantia de €1.168,50 por mês.
8. No período compreendido entre 30.07.2013 e 13.08.2013, a ré esteve a realizar trabalhos de identificação e reparação de patologias na obra, no que esteve dependente da disponibilidade dos condóminos para entrar nas respetivas frações.
9. A ré realizou vários trabalhos não previstos no contrato, a pedido do autor, que demoraram 30 dias.
10. Só em 31.07.2013 o autor pediu à Câmara Municipal … a restituição da caução paga pela ré por colocação de andaimes na via pública.

Foram considerados não provados os factos seguintes:
11. Os trabalhos referidos em 8 começaram no início do mês de julho de 2013.
12. A ré teve que suspender os trabalhos durante 70 dias devido ao mau tempo.
13. No período entre 22.08.2012 e 18.10.2012, os trabalhos estiveram suspensos por indefinição do autor e da entidade fiscalizadora por si contratada, quanto à solução a aplicar na impermeabilização das soleiras das janelas.

Desta sentença recorre a Ré, visando a sua absolvição integral do pedido por via dos argumentos que assim conclui:
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Não foram apresentadas contra-alegações.

Objeto do recurso, balizado pelas conclusões das alegações apresentadas pela Ré (artigos 635.º, nºs 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil):
- Da alteração da matéria de facto;
- Da apreciação da cláusula 5.ª do contrato firmado pelas partes.

FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Quanto aos pontos 8 (provado) e 11 (não provado) é de manter a sentença.
Sendo certo não ter testemunha alguma balizado temporalmente os trabalhos em apreço como tendo decorrido entre as datas ali assinaladas, também é verdade que no documento de fls. 24 se assinala a data em que os trabalhos em causa ficaram prontos, sendo que o primeiro data de 30.7.2013 e o último de 13.8.2013, nada mais tendo sido apurado quanto ao tempo em que a Ré procurou contactar os donos das frações e executou as obras em apreço. Menos ainda se apurou que tal tivesse sucedido em início de junho desse ano. Assim sendo, apenas se altera a redação do ponto 8 para fazer constar uma referência mais conforme com a realidade apurada, aí fazendo incluir a expressão “pelo menos”, mas sem que tal alteração imprima qualquer modificação à decisão final.
Deste modo, o ponto 8 passará a ter a seguinte redação:
“Pelo menos no período compreendido entre 30.07.2013 e 13.08.2013, a ré esteve a realizar trabalhos de identificação e reparação de patologias na obra, no que esteve dependente da disponibilidade dos condóminos para entrar nas respetivas frações”.
No mais, mantém-se como não provado o ponto 11.
Quanto à suspensão dos trabalhos por conta do mau tempo.
No que respeita ao ponto 12 – dias de paragem da obra por força do mau tempo – é certo não ter a Ré junto qualquer documento obtido diretamente do ITMA, mas o certo é que a testemunha F… - cujo depoimento se revelou equidistante e tão isento como as demais – se referiu a tais documentos, tendo expressamente afirmado que, na qualidade de director desta obra, observou que por várias vezes a mesma não foi levada a efeito, ou o foi de modo mais lento, por força das condições atmosféricas. Este depoimento não é invalidado pelos produzidos por G… e H… que afirmam que sempre ali foi vista gente a trabalhar, embora constatando que sempre foram poucos os empregados ao serviço da Ré que ali andaram. Mas também adiantaram algo que, afinal, não corresponde exactamente à realidade, quando dizem que a Ré nunca informou no decurso da obra ter abrandado ou suspenso a sua execução por força do mau tempo. É que o documento de fls. 25 v.º e 26 não foi impugnado pelo A. e nele a Ré, a 29.11.2012, expressamente refere que por efeito da chuva não foram executados trabalhos entre 18.10.2012 e 29.11.2012. Assim, já não contabilizando outros dias (porque o mail seguinte, de fls. 26 v.º e ss, é posterior ao fecho da obra), pelo menos este período deve ser dado como provado.
Deste modo, acrescenta-se um facto provado (10 - A) com o seguinte conteúdo:
“Pelo menos entre 18.10.2012 e 29.11.2012, a Ré suspendeu os trabalhos por causa do mau tempo”.
O ponto 12 passará a ter a seguinte redação:
“A Ré teve que suspender os trabalhos devido ao mau tempo durante 70 dias (sem prejuízo do que ficou constando em 10-A)”.
Quanto ao ponto 13, valem aqui amplamente as considerações expendidas a este respeito pelo tribunal a quo. Todavia, mesmo a considerar o depoimento da testemunha F… ou uma solução salomónica (como pretendido pela recorrente) de responsabilizar ambas as partes pela suspensão dos trabalhos, não teríamos elementos suficientes para fixar o período de tempo durante o qual se prolongou a discussão acerca da solução a adotar para as soleiras das janelas posto que a referida testemunha o não mencionou e o mail de fls. 28 alude a um período de 22.8 a 18.10.2013, sendo certo que a obra foi entregue ao autor em 13.8.2013.
Termos em que se mantém o ponto 13.

De Direito
As partes celebraram entre si um contrato de empreitada, tendo a Ré assumido perante o A. a obrigação de realizar uma obra dentro de determinado prazo. Fixaram como prazo para realização da mesma 120 dias após o seu início tendo ainda estipulado que a Ré pagaria à A. € 350,00, por cada semana de atraso por facto que lhe fosse imputável, estabelecendo-se uma tolerância de quatro semanas.
A cláusula assim instituída tem uma função nitidamente compulsória, isto porque este tipo de pena convencional tem em vista mais do que uma função.
No âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil, Vaz Serra afirmava que a pena “tem uma função de compelir o devedor ao cumprimento mediante a ameaça de um prejuízo, que é, em regra, superior ao montante da indemnização calculada segundo as regras legais”, sendo que serve muitas vezes para dispensar a prova do dano efetivamente sofrido pelo credor. Por isso, pode ser uma pena, por um lado, e a fixação prévia da indemnização, por outro[1].
Na verdade, conforme se expõe no ac. STJ, de 22.10.08, Proc. 0852056, As cláusulas penais destinadas a fixar antecipadamente o montante indemnizatório pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, distinguem-se das cláusulas penais em sentido estrito e das cláusulas penais puramente compulsórias.
As primeiras correspondem aos acordos negociais que intentam, tão só, liquidar antecipadamente, sem variação, o eventual e futuro dano, incumbindo ao devedor que pretende eximir-se ao quantum indemnizatur estipulado provar, quer que não ocorreu o incumprimento, quer que não foi provocado qualquer dano, quer, ainda, que o incumprimento se não deveu a culpa sua.
É escopo das cláusulas penais ditas “em sentido estrito” o de obrigar o devedor a efectuar esse cumprimento e, do mesmo passo, a estabelecer um modo alternativo de cumprimento da inicial obrigação, justamente aquele que consiste na prestação da sanção, cumprimento esse com o qual o credor vê satisfeito o seu interesse, não podendo vir, em caso de recusa do cumprimento pelo devedor, a pedir o cumprimento da obrigação inicial.
As cláusulas do terceiro tipo - cláusulas penais puramente compulsórias ou compulsivo-sancionatórias - visam obrigar o devedor ao cumprimento da prestação negocial, sendo que o pagamento da sanção estipulada não é obstativo, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida.
Perante o teor do art. 811.º do Código Civil, só deve atender-se às cláusulas de fixação antecipada da indemnização, repousando a legitimidade na estipulação dos outros tipos no princípio da liberdade contratual, podendo os abusos decorrentes da sua fixação ser combatidos pelo recurso aos princípios gerais ou, analogicamente, convocando-se o próprio art. 812.º do Código Civil.
Nesta parametrização, releva a intenção das partes no estabelecimento da concreta cláusula, devendo o intérprete socorrer-se do disposto nos arts. 236.º a 239.º do Código Civil.
Do mesmo modo se escreve no ac. RC, de 20.6.2017, Proc.95/05.0TBCTB-H.C1: A cláusula penal prevista no artº. 810º, nº 1, do CC, num conceito amplo engloba dentro de si cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.
Esses dois tipos de cláusulas são, em termos de execução, cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes.
Também Pinto Monteiro[2] diz a este respeito: “A lei não admite, por força do art. 809.º, que o credor renuncie antecipadamente ao direito de indemnização, permitindo embora, na norma imediatamente seguintes, que as fixem por acordo o montante indemnizatório exigível. Ao acrescentar ser a esta convenção que se chama cláusula penal, o n.º 1 do art. 810 situa a figura em sede indemnizatória, identificando-a com a liquidação antecipada e ne varietur da indemnização. O que significa, portanto (…), que o regime fixado nas normas seguintes se circunscreve à hipótese definida na lei, sem que isso implique, porém, que as partes estejam impedidas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, de convencionar outro tipo de pena convencionais, com função especificamente compulsória”[3].
Na situação que nos ocupa, a pena estabelecida no ponto 5.º do contrato tem uma natureza nitidamente compulsória, destinando-se a compelir a empreiteira a cumprir o contrato dentro do prazo estipulado.
Isso significa que a dona da obra não estava impedida de, tendo tido outros prejuízos em consequência da demora, os poder pedir, como o fez e foi desatendido em primeira instância.
Todavia, a pena compulsória, como as restantes vertentes da cláusula penal, não são independentes da culpa, cabendo ao devedor alegar e demonstrar que o atraso na conclusão da obra se não ficou a dever a culpa sua (art. 799.º, n.º 1 CC).
A sentença recorrida já contabilizou devidamente os dias de atraso na entrega da obra, tendo chegado a uma indemnização de 8.400,00.
Neste momento, e depois de apreciar o recurso sobre matéria de facto, verificamos que há que contabilizar o período de tempo considerado no ponto 10-A: “Pelo menos entre 18.10.2012 e 29.11.2012, a Ré suspendeu os trabalhos por causa do mau tempo”, período esse que equivale a 43 dias de suspensão que, à razão de € 350,00, por cada 7 dias, se consubstanciará em € 2.150,00, a subtrair à quantia alcançada em primeira instância, de € 8.400. Donde uma indemnização por aplicação da pena compulsória de € 6.250,00.
Quanto à redução da cláusula penal nos termos do art. 812.º CC, recorde-se estarmos perante uma cláusula compulsória.
Ora, como se lê no ac. STJ, de 19.6.2018, proc. 2042/13.7TVLSB.L1.S2: A recorrente pretende que a cláusula penal, malgrado o seu carácter sancionatório, se situe nos parâmetros do dano efectivo, esquecendo que o fim da cláusula é não só a indemnização pelo incumprimento, fixada a forfait, mas também compelir o devedor a cumprir, não sendo, por isso, aferida pelo valor matemático do incumprimento, desde logo por ser fixada ex ante.
A cláusula penal, tendo um fim punitivo só será ilegítima se houver uma chocante desproporção, entre os danos que previsivelmente o devedor causar com a sua conduta, e a indemnização prevista na cláusula para os ressarcir.
Quer isto dizer que, fixada antecipadamente a pena compulsória, a mesma apenas poderia ser reduzida se gritantemente ofensiva da boa-fé tendo em conta o tipo de obrigação cuja execução se pretendia acautelar.
Na situação que nos ocupa, nada nos permite afirmar existir uma desproporção entre o valor fixado a título de cláusula compulsória (que vai para além da simples liquidação prévia do dano resultante da mora) e o incumprimento pela Ré do prazo fixado, sendo irrelevantes aqui os danos concretos do A., sendo que dever-se-ia cumular aqui o valor dos demais danos – o que pagou à empresa E…- sofridos pelo A. em consequência da mora, o que não foi atendido.
Quanto aos juros moratórios, não concordamos com a afirmação segundo a qual não podem cumular-se juros moratórios com a cláusula penal.
Na realidade, o que ocorre é que o valor devido a título de pena compulsória foi apenas agora fixado e não aquando da entrega da obra com atraso. Assim sendo, a mora no pagamento de juros, indemnização a forfait pela não entrega atempada apenas ocorre com a interpelação para o cumprimento.
Deste modo, se se compreende o exposto no ac. RE, de 28.11.2013, Proc. 117744/11.8VIPRT-A.E1, segundo o qual a cláusula penal moratória «pode cumular-se com o pagamento do montante ainda em dívida sem possibilidade, no entanto, de serem aditados juros moratórios conforme reclamado uma vez que a tal se opõe o art. 811.º do CCivil. É que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art. 806.º, n.º 1). Tratando-se de obrigação pecuniária, a lei presume (iuris et iure) que há sempre danos pela mora e fixa, em princípio, à forfait, o montante desses danos.
Como refere Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pag. 258/259, “a nossa lei não permite, assim, cumular a cláusula penal e a indemnização segundo as regras gerais, justamente porque aquela é indemnização à forfait fixada preventivamente. Permitir o seu cúmulo significaria (...) admitir duas vezes a indemnização do credor: uma, a cláusula penal, que é uma indemnização à forfait; a outra, a indemnização segundo as regaras gerais”. (...) Não é possível cumular (...) a cláusula penal moratória com a indemnização, determinada segundo as regras gerais, do dano correspondente ao atraso no cumprimento da obrigação (indemnização moratória)”. E bem se compreende que assim seja, pois, caso contrário, não se justificaria o estabelecimento da indemnização fixada a priori.
Prejudicada fica, pois, a questão de uma eventual redução da cláusula penal (nos termos do disposto no art. 812.º n. 1 do CCivil) uma vez que o valor da mesma é substancialmente inferior ao valor dos juros moratórios calculados de acordo com a tabela já por nós exposta, não se vislumbrando, também por esse motivo, qualquer violação à lei do consumidor ou do regime das cláusulas contratuais gerais já que tal problemática nem sequer foi ponderada pelas partes contratantes que apenas sujeitaram o negócio jurídico ao princípio da liberdade contratual, em consonância, com os princípios legais já referidos.»
A verdade é que, na situação dos autos, a cláusula é compulsória e não propriamente moratória, tendo a Ré sido para o respetivo pagamento interpelada com a citação, devendo considerar-se em mora desde aí, de acordo com o disposto no art. 805.º, n.º1 CC.
Vale por isso aqui o que se sumaria no ac. RC, de 18.10.05, Proc. 1448/05: A mora no pagamento da cláusula penal, traduzida numa prestação pecuniária, confere ao credor o direito aos juros de mora, nos termos do art.º 806º do C. Civ.
No mesmo sentido o ac. RC, de 15.12.2016, Proc. 1/15.4T8PCV.C1: «E, precisamente porque se trata de uma convenção pela qual as partes fixam antecipadamente – isto é, antes de ocorrer o facto constitutivo da responsabilidade – uma determinada prestação que o devedor deverá satisfazer ao credor em caso de incumprimento das obrigações assumidas (não cumprimento, cumprimento defeituoso ou mora), a lei não permite, por norma, cumular a cláusula penal com a indemnização, segundo as regras gerais (artigo 811º CC).
À cláusula penal assim definida em sentido lato (abrangendo o incumprimento definitivo ou tão só a mora), é-lhe atribuída, normalmente, uma dupla função:
i) de liquidação antecipada da reparação dos danos – cláusula penal indemnizatória –, em que através da sua previsão, as partes visam exclusivamente fixar a indemnização pela mora, pelo incumprimento definitivo ou defeituoso, dispensando o credor da respetiva prova (quer dos danos quer do nexo de causalidade entre o facto e os danos).
ii) uma função coerciva, visando coagir o devedor, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu – clausula penal compulsória.
E se, para Calvão da Silva, a cláusula penal reúne em si, sempre, as duas referidas funções (ressarcidora e coercitiva), José Marques Estaca distingue outro tipo de cláusula penal: a clausula penal com natureza puramente compulsória que se verifica quando as partes acordam que a pena acresce à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais se tal for convencionado para, por exemplo, os danos excedentes, ao abrigo do artigo 811º, nº2 do CC.
Ora, se uma cláusula penal indemnizatória (moratória) não será cumulável com a atribuição de juros de mora, porque as partes pretenderam precisamente fixar antecipadamente o valor da indemnização pela mora, dispensando o credor da prova do prejuízo e do respetivo montante, o mesmo já não se passará com uma cláusula penal indemnizatória compensatória, ou com uma cláusula penal de natureza puramente compulsória.»
Na situação que nos ocupa, tendo-se a Ré comprometido a proceder ao pagamento de € 350,00, por semana até à conclusão da obra, desde os 120 dias fixados para o efeito, e considerando um período de tolerância de quatro semanas, a cláusula penal é compulsória, sendo de admitir juros moratórios, mas apenas desde a citação.
Assim, não aqui aplicação do que expõe Calvão da Silva sobe a impossibilidade de cumulação da cláusula penal moratória com a indemnização pela mora calculada nos termos gerais, e de cumulação da cláusula penal compensatória com o cumprimento da obrigação principal[4].

DISPOSITIVO
Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida e condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de 6.250,00, com juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento, absolvendo do demais.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Porto, 9.11.2020
Fernanda Almeida
António Eleutério
Maria José Simões
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[1] Pena convencional, separata do BMJ, 67, p 23 e 24.
[2] Cláusula Penal e Indemnização, Coleção Teses, p. 700-701.
[3] A índole exclusivamente compulsivo-sancionatória da cláusula penal que a distingue da prevista no art. 810º. CC é também colocada em evidência nas ps. 604 e 605: “Trata-se, como é óbvio, de espécie diversa da que é contemplada no art. 810.º, n.º1: enquanto esta norma define a cláusula penal como a fixação, por acordo, do montante da indemnização exigível, a pena estritamente compulsória, pelo contrário, não visa reparar o credor, o dano do incumprimento não é considerado pelas partes ao ser estabelecimento o seu montante. A finalidade da mesma é de ordem exclusivamente compulsória, destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização que houver direito, nos termos gerais”.
[4] In – “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, págs. 247 a 263, e “Direitos de Autor, Clausula Penal e Sanção Pecuniária Compulsória”, ROA, 1987, Vol. I, págs. 146 a 155 disponível ainda in http://www.oa.pt/upl/%7B9b22aa4a-ba9a-4db4-ada4-00850099c5e4%7D.pdf.