Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00032904 | ||
Relator: | AFONSO CORREIA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA DIREITO DE SEQUELA | ||
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Nº do Documento: | RP200110090120898 | ||
Data do Acordão: | 10/09/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 2 J CIV OLIVEIRA AZEMÉIS | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 83-A/97 | ||
Data Dec. Recorrida: | 05/22/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART686. CPC95 ART56 N2 N3. | ||
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Sumário: | Ao titular do direito real de garantia assiste a possibilidade de continuar a dar à execução o objecto do seu direito, independentemente de esta pertencer ainda ao proprietário que constituiu a hipoteca, ou já a um posterior adquirente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Relação do Porto Pr...., S.A., com sede em....., instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra R....., CRL, com sede em....., ....., para haver dela o pagamento das quantias que indica, garantidas por hipoteca até ao máximo de 200 mil contos. Penhorados imóveis veio, por apenso aos autos de execução, o Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP) deduzir Reclamação de Crédito seu sobre a executada R....., CRL, sendo 8.737.259$00 de capital e 2.347.934$00 de juros, tudo garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado, ao abrigo do disposto nos artº 864º e ss do C. P. Civil, pedindo a verificação e graduação do referido crédito no lugar que, por via da garantia de que goza, lhe compete. A Exequente Pr....., SA deduziu oposição, pugnando pela rejeição do crédito e sempre dos juros excedentes aos três anos a que se refere o nº 2 do art. 693º do CC, pois, além do mais, a hipoteca garantiria um débito da Uc..... e não da Executada, crédito que, mesmo em relação àquela, há muito deixou de existir. Com resposta do Instituto reclamante e saneado o processo, foi seleccionada a matéria de facto considerada assente e a integrante da base instrutória, sempre sem recurso ou reclamações. Procedeu-se em devido tempo a julgamento com decisão da matéria de facto perguntada no questionário, ainda sem qualquer reclamação. Após o que o Ex.mo Juiz, considerando válida e eficaz a alegada hipoteca do Reclamante, a incidir sobre o prédio penhorado e não sobre o titular inscrito, e a garantir os juros referentes aos três primeiros anos após o vencimento dos primeiros juros, julgou verificado o reclamado crédito de capital e de juros nos termos ditos e graduou-o em primeiro lugar, antes do crédito exequendo que gozava de posterior penhora. Inconformada, apelou a Exequente insistindo em que não houve qualquer transmissão da posição de devedor hipotecário da Uc..... para a R....., CRL, sendo aquela a devedora, além de que o IFADAP cedera à Pa...... todos os créditos que detinha sobre a Uc..... Como melhor se vê da alegação que coroou com as seguintes e compactas Conclusões 1ª - A transmissão para a executada R....., CRL da posição e da dívida da Uc....., no contrato de empréstimo (no valor de 17.100 contos) garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado nestes autos, contrato aquele celebrado entre o IGEF e a Uc....., estava sujeito à forma de escritura pública, por imposição, designadamente, das disposições conjugadas dos artigos 1.143º do Código Civil e 89º, h), do Código do Notariado em vigor à data dos factos (art. 80º, g) do Código actual). 2ª - Não tendo a Uc..... e a R....., CRL outorgado entre si a escritura pública mediante a qual aquela efectivamente transmitisse para esta a sua posição no contrato de empréstimo hipotecário e a sua correspondente dívida de 17.100 contos, - nem sequer por contrato por título particular - não pode a R....., CRL ser considerada devedora de tal quantia nem, muito menos, com o benefício de garantia real da hipoteca sobre o imóvel agora vendido. 3ª - O contrato promessa de compra e venda do imóvel hipotecado, além de estipular uma mera obrigação de facere, não preenche os requisitos de forma exigidos para a transmissão. 4ª - O facto de, na escritura de venda do imóvel onerado com a hipoteca que garantia o empréstimo, a Uc....., enquanto vendedora, ter dado quitação pelo recebimento da totalidade do respectivo preço incluindo de uma sua parte coincidente com o valor da sua dívida ao IGEF, que deixou em poder da compradora R....., CRL para que esta viesse a pagar o valor do débito garantido por aquela hipoteca, não traduz o contrato de cessão de transmissão da sua posição de mutuária nem a assunção de divida. Pelo contrário, traduz um outro contrato, inominado ou misto de mandato e depósito, mediante o qual a compradora - executada nestes autos - ficou depositária de uma certa quantia para, em nome da vendedora, a quem de facto pertencia tal quantia, por a ter recebido como preço do imóvel, a entregar ao seu credor IFADAP. 5ª - A correspondência posterior entre o IFADAP e a R....., CRL dever ser vistos à luz do cumprimento daquele novo contrato que emergiu da parte final da escritura, podendo até ter relevância ao nível do abuso de confiança, mas não como decorrentes de um contrato de cessão da posição contratual do mutuário hipotecário, com as correspondentes implicações legais. Deveria daí concluir-se tão só o seguinte: - a R....., CRL não cumpriu a sua obrigação de entregar ao IFADAP o dinheiro que para o efeito a Uc..... lhe confiou; - a Uc..... não viu, por isso, paga a sua divida ao IFADAP, dívida essa que continuou a subsistir e beneficiar da hipoteca sobre o imóvel vendido à R....., CRL. 6ª - Considerando entretanto, que no processo judicial da Uc...., certificado nos autos, não foi apresentado nem reclamado, pelo IFADAP, a dívida daquela a esta, e que, pela escritura de 7.10.94, junta também aos autos, o próprio IFADAP, declarou - que o montante global dos seus créditos sobre a Uc..... era o que tinha sido reconhecido na assembleia de credores daquele processo (onde não foi incluído o crédito que agora reclama), - que cedia à PA..... e esta aceitava todos os créditos que detinha sobre a Uc..... nessa data, - deixando o IFADAP de deter quaisquer créditos sobre a Uc....., isso significa que o crédito que o IFADAP veio reclamar ao presente processo não é, não pode ser, um crédito seu sobre a Uc...... 7ª - Considerando que a posição de devedor hipotecário não foi validamente transmitida da Uc..... para a R....., CRL, com os benefícios decorrentes da hipoteca, mas que a R....., CRL ficou com dinheiro do preço da venda do imóvel e com a incumbência de o entregar ao IFADAP em pagamento da dívida (vide parte final da conclusão 5ª), que tal entrega nunca chegou a ser feita, mas que houve posteriormente contactos escritos entre a R....., CRL e o IFADAP no sentido de acordar tal entrega, isso poderá demonstrar a dívida da R....., CRL mas não demonstra que essa dívida beneficia da garantia da hipoteca, porque esse benefício reportava-se à Uc..... e nunca foi transmitido por escritura para a R....., CRL; isto é, o crédito do IFADAP sobre a R....., CRL, reclamado nos presentes autos, a existir, não beneficia do privilégio imobiliário decorrente da hipoteca. 8ª - De resto, a inscrição hipotecária, na qual a ora recorrente confiou quando instaurou a execução hipotecária e mesmo quando outorgou a sua própria hipoteca, o que garante é um débito da Uc..... e não da R....., CRL. Ora é legítimo admitir que a recorrente tenha tomado conhecimento dos actos referidos na anterior conclusão 6ª ficando por isso a saber que o débito à Uc..... garantido por aquela inscrição já não existia, tendo legitimamente suposto, a partir do próprio registo, que aquela hipoteca e a correspondente inscrição tinham, como efectivamente têm, um conteúdo nulo. Contra-alegou o IFADAP em defesa do decidido, lembrando que a Executada adquiriu o prédio onerado, que a dívida se transferiu para esta com a compra do prédio e que os créditos cedidos à Pa..... nada têm que ver com o aqui reclamado, garantido por hipoteca não cancelada que era ou devia ser do inteiro conhecimento da Exequente ora Apelante. De forma que temos para decidir a questão de saber se o crédito reclamado devia ou não ter sido verificado e graduado à frente do exequendo, o que nos obriga a relembrar alguns conceitos sobre garantias das obrigações e transmissão de dívidas. Mas antes é mister ver que o Tribunal recorrido teve por assentes - e sem prejuízo do que adiante se dirá, porque não há motivo para alterar a decisão sobre a matéria de facto, também assim o entendemos - os seguintes Factos 1. Nos autos de execução ordinária em que é exequente «Pr....., SA» e executada «R....., CRL», foi penhorado o prédio composto de edifício de rés-do-chão, destinado a indústria e comércio de produtos lacticínios e terra de semeadura, com a área de 14.380 m2, sito em....., ....., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..../.... - al. A. 2. Por contrato de 25.07.1979, designado «contrato de empréstimo nº .....», cuja cópia se encontra junta de fs. 4 a 7, o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, antecessor do IFADAP, emprestou Esc. 17.100.000$00 à Uc..... (U...... - SCRL), tendo esta declarado ser devedora àquele da referida quantia - B). 3. Para garantia do empréstimo, a Uc..... constituiu hipoteca sobre os prédios referidos na cláusula 14ª do contrato agora referido, entre os quais o referido na al. b) daquela cláusula, correspondente ao prédio penhorado e referido em 1, ao tempo descrito na Conservatória do registo Predial de..... sob o nº ....., a fs. .. do Livro X-... - al. C). 4. Esta hipoteca encontra-se registada a favor do IGEF na C.R.P. de..... com a cota..., Ap. ../.... (fs. 216) - al. D). 5. Em 09.06.1983, foi outorgado entre a Uc.... e a R....., CRL o contrato promessa, cuja cópia se encontra a fs. 9 e 10, no qual a primeira se comprometeu a vender à segunda e esta prometeu comprar o prédio identificado em 1, “livre de quaisquer ónus ou encargos, excepto os que resultarem ou se relacionarem com um empréstimo de 17.100 contos contraído pela primeira junto do IGEF” - al. E), 6. Tendo a R....., CRL declarado «assumir a responsabilidade total da amortização da quantia de 17.100 contos e respectivos juros contraídos junto do IGEF, pagando as respectivas prestações» - al. F). 7. A escritura definitiva deveria realizar-se dentro de 180 dias, com a ressalva prevista no § único do art. 32 - al. G). 8. Nos termos do § Único do art. 32 deste mesmo contrato, «constitui responsabilidade da R....., CRL a transferência da titularidade do empréstimo em causa para o seu nome ou a inclusão dessa responsabilidade no empréstimo que vai contrair junto da CGD ficando assim a Uc..... desligada de qualquer compromisso com o IGEF» - al. H). 9. Por carta datada de 2.9.83, e cuja cópia se encontra a fs. 8, a Uc..... requereu ao IGEF permissão «para transferir as responsabilidades inerentes do empréstimo id. em B) para a R....., CRL, nas mesmas condições contratuais, celebrando-se novo contrato entre o IGEF e a R....., CRL pelo valor remanescente do empréstimo» - . 10. A R....., CRL outorgou escritura pública, lavrada no -º Cartório Notarial de....., em 17.7.84, pela qual declarou comprar o prédio referido em 1 - conforme certidão de fís. 62 a 67 - resposta ao quesito 3º, 11. Tendo na mesma escritura sido declarado que “a venda é feita pelo preço de Esc. 76.420.000$00, do qual a Uc..... já recebeu 59.320.000$00, ficando em poder do comprador a importância de 17.100.000$00, para oportunamente fazer o pagamento do referido débito no IGEF, pelo que de todo o preço a vendedora dá a respectiva quitação” - resp. ao quesito 4º. 12. A partir do referido em 5 (contrato promessa de 9.6.83), o IGEF e a R....., CRL trocaram correspondência, pagando e entregando recibos correspondentes ao pagamento das anuidades seguintes. Apreciando sucintamente estes factos, temos que em 25 de Julho de 1979, o IGEF, antecessor do IFADAP, emprestou 17.100 contos à Uc....., quantia de que esta se declarou devedora e para garantia de que constituiu hipoteca sobre dois prédios, hipoteca registada a favor do credor IGEF em 3 de setembro de 1979 e incidente, além do mais, sobre o prédio aqui penhorado. Em 9 de Junho de 1983 a Uc..... promete vender o prédio hipotecado à R....., CRL, livre de quaisquer onus ou encargos, salvo os respeitantes ao dito empréstimo. Em tal contrato promessa a promitente compradora R....., CRL declara assumir total responsabilidade pela amortização do empréstimo e juros, pagando ao IGEF as respectivas prestações, retendo para tanto 17.100 contos do preço de venda do prédio. Em 2.9.83 a promitente vendedora Uc..... pede ao credor IGEF autorização para transferir as responsabilidades inerentes ao empréstimo para a R....., CRL, mas não se sabe se veio a ser celebrado o desejado contrato entre o IGEF e a R....., CRL. Certo é que, a partir do contrato promessa de compra e venda de 9.6.83, o IGEF e a R....., CRL trocaram correspondência, pagando esta e entregando aquele recibos correspondentes às anuidades seguintes. Em 17.7.84, por escritura outorgada no -º Cartório Notarial de....., a Uc..... declara vender e a R....., CRL declara comprar o prédio aqui em causa, prometido vender em 9.6.83 e hipotecado ao IGEF, pelo preço de 76.420 contos. Desta quantia a vendedora declarou ter já recebido 59.320 contos (como dito no contrato promessa), ficando em poder da compradora os restantes 17.100 contos para pagamento do débito ao IGEF. Nesta mesma escritura - em que expressamente se declarou que o prédio negociado estava hipotecado a favor do IGEF para garantia daquele empréstimo nº 23.208, de 17 mil e cem contos -, a compradora R....., CRL declarou que se responsabiliza pelo pagamento do citado débito ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária e assume todas as obrigações emergentes do respectivo contrato de empréstimo número vinte e três mil duzentos e oito. Os negócios não terão corrido de feição à R....., CRL que em Novembro de 1994 dá o prédio de hipoteca à ora Exequente para garantia de avultado crédito. É para obter pagamento deste crédito que a Exequente instaura execução em que vem a ser penhorado o prédio antes dado de hipoteca a favor do IGEF, quando era propriedade da Uc..... e a favor da Exequente quando já era sua dona a R....., CRL. A reclamação do crédito do IGEF, hoje IFADAP, baseia-se na garantia real que é a hipoteca contratada com a Uc..... no recuado ano de 1979 e desde então registada no competente livro da Conservatória do Registo Predial de..... e destina-se a obter pagamento pela venda executiva do prédio hipotecado. Aplicando a estes factos o Direito Ninguém duvida que entre a Uc..... e o IGEF foi, em 1979 e pelo título particular fotocopiado de fs. 4 a 7, celebrado contrato de mútuo oneroso que a lei (art. 1142º e 1145º) define como o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro, com vencimento de juros, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Esta obrigação de restituição impende sobre o mutuário que é o devedor, sendo o mutuante credor ou sujeito activo desta obrigação. Como se dispõe no art. 397º do CC, obrigação é o vínculo por virtude do qual uma pessoa (devedor, obrigado) fica adstrita (amarrada, que vínculo significa nó) para com outra (credor) à realização de uma prestação. Elemento essencial da relação obrigacional é a garantia (ao lado dos sujeitos, do objecto e do facto jurídico sua fonte) que pode definir-se como o conjunto de providências coercivas que o direito predispõe para a tutela da sua posição de credor. A garantia pode ser geral quando concedida a todos os credores pelo simples facto de serem sujeitos activos de obrigações ou credores. É constituída por todos os bens do devedor susceptíveis de penhora - art. 601º e 817ºCC. Já as garantias especiais consistem na afectação voluntária ou legal de outros patrimónios à satisfação do crédito ou a afectação de certos bens do devedor à satisfação prioritária de certo crédito. As garantias especiais são pessoais se têm por objecto a responsabilização de outros patrimónios pelo cumprimento da obrigação ou de atribuição ao credor de direitos especiais sobre certos e determinados bens do devedor ou de terceiro. É o caso da fiança. As garantias reais conferem ao credor o direito de se fazer pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor de certos e determinados bens do próprio devedor ou de terceiro, ainda que esses bens venham a ser posteriormente transferidos. A rainha das garantias reais é a hipoteca que o art. 686º, nº 1, do CC define como garantia especial que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certa coisa imóvel - ou equiparada - pertencente ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. São os chamados direitos reais de garantia que Mota Pinto [Direitos Reais, 1970/71, pág. 135] nos diz serem direitos que conferem o poder de, pelo valor de uma coisa ou pelo valor de seus rendimentos, um indivíduo obter, com preferência sobre todos os outros credores, o pagamento de uma dívida de que é titular activo. Mais do que meros acessórios dos direitos de crédito, os direitos reais de garantia têm natureza jurídica de direitos reais dado que apresentam as notas características destes, designadamente a sequela e o direito de preferência, como é o caso típico da hipoteca. O direito de sequela segue a coisa, persegue-a, acompanha-a, podendo fazer-se valer seja qual for a situação em que a coisa se encontre. Daí que o titular do direito real possa sempre exercer os poderes correspondentes ao conteúdo do seu direito, ainda que o objecto entre no domínio material ou na esfera jurídica de outrem. Ao titular do direito real de garantia (v. g., a hipoteca) assiste o direito de sequela, se a coisa for alienada a terceiro pelo seu proprietário; isto na medida em que esses direitos reais podem ser opostos ao terceiro adquirente para quem a coisa se transmitiu. Ao titular do direito real de garantia assiste a possibilidade de continuar a dar à execução a coisa objecto do seu direito, independentemente de esta pertencer ainda ao proprietário que constituiu a hipoteca, ou já a um posterior adquirente. E é precisamente nessa possibilidade que o titular da hipoteca tem de fazer valer o seu direito, independentemente da transmissão da propriedade, que reside esse direito de sequela [Ibidem, 46, 49 e 50.]. Sendo proibidos tanto o pacto comissório (art. 694º CC) como a cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados (art. 695º), pode o obrigado hipotecário alienar o bem dado de hipoteca porque os actos de alienação ou oneração posteriores ao seu registo são inoponíveis ao credor: no caso de transmissão, ele pode fazer executar a coisa hipotecada no património do adquirente, sendo esta uma manifestação da sequela do direito de hipoteca [L. A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 1997, 144.]. A coisa hipotecada pode ser transmitida, nos termos gerais. Simplesmente, havendo transmissão, a hipoteca, por força da inerência, continuará a acompanhar a coisa enquanto não for expurgada, por permissão e nos termos do art. 721º e ss do CC [Menezes Cordeiro, Direitos Reais, II, 1076, e O. Ascensão, Direitos Reais, 92, 94, 95 e 315.]. Este regime substantivo, singelamente consagrado no art. 818º do CC, obteve clara consagração legislativa na recente revisão processual civil que deu nova redacção ao art. 56º do CPC. Nos termos dos n.os 2 e 3 deste art. 56º, quando os bens dados em garantia pertençam a terceiro, o exequente que queira fazer valer a garantia na execução tem opção entre a propositura da execução contra o terceiro e, mais tarde, se os bens forem insuficientes, o chamamento do devedor ou a propositura da execução, desde logo, contra o terceiro e o devedor [Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 105.]. Três faculdades são aqui concedidas ao exequente: a) - Demandar apenas o devedor; prescindindo da garantia; b) - Intentar a acção executiva unicamente contra o terceiro, a fim de fazer valer a garantia; c) - Instaurar a acção directamente contra o terceiro, para também fazer valer a garantia, e demandar o devedor, de início ou depois de reconhecida a insuficiência dos bens onerados, entretanto penhorados. Se os bens onerados pertencem ao devedor, mas estão na posse de terceiro, pode o exequente demandar juntamente o devedor e o terceiro possuidor (nº 4 do art. 56º). Nas palavras do preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, “cumpre ao exequente avaliar, em termos concretos e pragmáticos, quais as vantagens e inconvenientes que emergem de efectivar o seu direito no confronto de todos aqueles interessados passivos, ou de apenas de algum ou alguns deles, bem sabendo que se poderá confrontar com a possível dedução de embargos de terceiro por parte do possuidor que não haja curado de demandar”. A disciplina contida no nº 2 do art. 56º, que analisamos, representa a adjectivação, em parte, do regime constante do segmento inicial do art. 818º do CC, que diz: “O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiros, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado” [Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 105.]. À transmissão singular de dívidas corresponde o instituto da assunção de dívida, que consiste no acto pelo qual um terceiro (assuntor), se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª edição reproduzida, pág. 571). A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo, nem da identidade da obrigação; o termo transmissão, que figura na epígrafe da secção em que o Código Civil regula a matéria, desde logo inculca a ideia de que a obrigação se transfere, sem perda da sua identidade, ao contrário do que sucedia no antigo direito (art. 802º, nº 2 do Código de Seabra) em que a substituição do devedor era envolvida no figurino conceitual da novação (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 5ª edição, pág. 359). A lei admite a transmissão singular de dívidas em duas modalidades: - por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; - por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor (art. 595º, nº 1, do C. Civil). Em ambos os casos se manifesta o mesmo denominador comum, que constitui o elemento irredutível do fenómeno da transmissão singular da divida: é o consentimento do titular activo da obrigação, num caso dado sob a forma de ratificação, no outro manifestado pela participação directa no contrato, como outorgante (Antunes Varela, ob. cit., p. 370). O antigo devedor pode, ou não, ficar exonerado da obrigação: ficá-lo-á se houver declaração expressa do credor nesse sentido; não a havendo, responde solidariamente com o novo obrigado (nº 2 do referido art. 595º). À primeira hipótese dá-se o nome de assunção liberatória, exclusiva ou privativa de dívida; à segunda, o de assunção cumulativa ou co-assunção de dívida. Mas como adverte Almeida Costa, só na primeira se produz, em rigor, uma verdadeira transmissão singular de dívida (ob. cit., pág. 572). A assunção cumulativa constitui sempre um benefício para o credor, que não perde o primitivo devedor e ganha um outro ao lado dele (Antunes Varela, ob. cit., pág. 371); mas o mesmo parece igualmente suceder com a assunção liberatória; sendo certo que o credor perde o primitivo deve-dor, a verdade é que a exoneração deste, na prática, logra a sua razão de ser na obtenção de um novo devedor de acrescida capacidade patrimonial [Ac. da Relação do Porto, de 16.2.98, na Col. Jur. 1998-I-215.]. Doutrina igual fora proclamada pelo Supremo Tribunal em Ac. de 21.9.95 [Col. Jur. (STJ) 95-III-19.] e é corrente desde os ensinamentos dos Prof. P. Lima e A.Varela, em notas aos art. 595º e ss do seu Código Civil. Sempre se ensinou e decidiu, ainda, que o contrato de transmissão de dívida é válido, independentemente de forma que a lei (art. 219º e 223º) não impõe nem se mostra tenha sido estipulada [Ibidem, 19 e Ac. dito na nota 2, pág. 216.]. Conforme disposto no nº 2 do art. 599º, mantêm-se nos mesmos termos as garantias do crédito, com excepção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor que não haja consentido na transmissão. O mesmo se pode dizer do obrigado que garantiu, por exemplo, mediante hipoteca, o cumprimento de uma obrigação. Pode não querer - é natural que não queira - responsabilizar-se por um terceiro a quem, sem seu consentimento, foi transmitida a dívida. Se, porém, o devedor consentiu que a obrigação fosse assumida por terceiro, implicitamente consentiu em manter a garantia [P. Lima - A. Varela, CC Anotado, I, notas ao art. 599º.]. A hipoteca extingue-se por uma das formas reguladas no art. 730º do CC, como a extinção da obrigação a que serve de garantia. Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos - art. 865º, nº 1 - para o que são citados, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 864º do CPC. Os factos, o Direito e o Recurso De posse destes ensinamentos legais e doutrinários e revertendo ao caso em apreço, temos por certo que a dívida da Uc..... ao IGEF, resultante do empréstimo nº 23.208, foi assumida pela R....., CRL por contrato entre aquela e esta, contrato ratificado pelo credor IGEF que, a partir do contrato promessa de 9.6.83, recebeu da UCAL vários pagamentos e emitiu os correspondentes recibos, tudo nos termos da al. b) do nº 1 do art. 595º. A assunção de dívida teve lugar no contrato-promessa de 9.6.83 quando, além de prometer comprar à Uc..... o prédio dado de hipoteca ao IGEF, a R....., CRL declarou assumir a responsabilidade total da amortização da quantia de 17.100 contos e respectivos juros contraídos junto do IGEF, pagando as respectivas prestações (factos n.os 5, 6 e 8, acima). E repetiu-se, com toda a clareza, quando, em 17.7.84, Uc..... e R....., CRL outorgaram a escritura de compra e venda do prédio hipotecado, em execução do contrato promessa do ano anterior, novamente aí ficando declarado que “a venda é feita pelo preço de Esc. 76.420.000$00, do qual a Uc..... já recebeu 59.320.000$00, ficando em poder do comprador a importância de 17.100.000$00, para oportunamente fazer o pagamento do referido débito no IGEF, pelo que de todo o preço a vendedora dá a respectiva quitação” ou, mais expressivamente ainda, que a compradora se responsabiliza efectivamente pelo pagamento do citado débito ao Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária e assume todas as obrigações emergentes do respectivo contrato de empréstimo número vinte e três mil duzentos e oito. Ainda que sujeita a forma a transmissão de dívida hipotecária, aí está a escritura pública a formalizar assunção de dívida que raramente se viu tão clara. Porém, como nunca se celebrou entre o IGEF e qualquer das devedoras, mormente com a R....., CRL, o contrato de transferência das responsabilidades inerentes a tal empréstimo, como a Uc..... chegou a requerer em 2.9.83 (facto nº 9), nunca houve declaração expressa do credor a exonerar a antiga devedora UCAL. Por isso e nos termos do nº 2 do art. 595º do CC, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado: aquele antigo devedor porque nunca exonerado; a R....., CRL porque assumiu a dívida por contrato com a Uc....., contrato que o credor ratificou ao receber dela prestações e anuidades do empréstimo. Com o que manifestamente improcede o concluído de 1ª a 5ª, embora na parte final desta 5ª conclusão se afirme verdade irrefutável: a dívida subsiste e beneficia da hipoteca sobre o imóvel vendido à R....., CRL. Mas nem era necessária qualquer transmissão de dívida da Uc..... para a aqui executada R....., CRL para esta ser obrigada perante o IGEF pela dívida daquela. Bastava que ela tivesse adquirido, como efectivamente adquiriu, o prédio hipotecado à garantia da dívida. Como se viu e por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário, bem traduzido nos n.os 2 e 3 do art. 56º do CPC, o IFADAP podia executar de imediato o novo proprietário do bem hipotecado. E podendo executar igualmente pode reclamar: a hipoteca mantém-se inerente, grudada ao prédio, apesar de ele ter passado para a esfera jurídica de terceiro que não era o devedor. É por demais evidente que a hipoteca garante a obrigação enquanto esta se não extinguir, quem quer que seja o devedor ou o titular do imóvel onerado. Se fosse como quer a Apelante estava encontrada a forma de destruir a força legal das hipotecas: o devedor alienava o prédio hipotecado e o credor ficava impossibilitado de cobrar o seu crédito. Quando a Exequente outorgou a sua própria hipoteca, mais de dezasseis anos depois do registo da do IGEF, não podia ignorar que a hipoteca primeiramente registada prevalecia sobre a sua, nos termos dos art. 686º, nº 1, do CC e 6º do C. R. Predial, e enquanto não fosse cancelada. Pelo que se desatende o concluído em 7ª e 8ª. Por último e apesar de já no saneador estar dito que não interessava discutir a cessão de créditos à Pa......, insiste a Apelante que por via daquela cessão deixou o IFADAP de ter qualquer crédito sobre a Uc...... Não é isso que resulta da escritura de cessão junta de fs. 21 a 24 e documento complementar de fs. 25 a 35. Como de tal escritura e documento se vê, os créditos cedidos são os resultantes de mútuos de 13.1.82 e de 15.6.83, consolidados em 827.969.020$00, do empréstimo nº 23209, da mesma data do aqui em causa, no valor de 33.600 contos, consolidado em 38.769.926$00, garantidos por hipotecas sobre prédios de....., de....., penhor mercantil e uma livrança, no capital total de 836.696.712$00 e 206.554.720$00 de juros, como reconhecido na Assembleia de Credores do processo de recuperação da Uc....., pendente na -ª secção do -º Juízo cível de...... Foram estes os créditos cedidos e nunca o aqui em apreciação que, de resto e no entendimento do IFADAP, há muito se transmitira para a R....., CRL, compradora o prédio hipotecado. Pelo que se desatende o dito em 6ª. *** Não vem posta em causa nem merece reparo a graduação do crédito reclamado à frente do exequendo.Decisão Termos em que, na improcedência da apelação, se confirma a decisão recorrida, com custas pela Apelante, por vencida - art. 446º, n.os 1 e 2, do CPC. Porto, 09 de Outubro de 2001 Afonso Moreira Correia Albino de Lemos Jorge Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves |