Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1226/15.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS NO LOCADO
CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
LIMITES OBJECTIVOS
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Nº do Documento: RP201606061226/15.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 06/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 627, FLS. 123-131)
Área Temática: .
Sumário: I - O instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.
II - A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
III - A autoridade do caso julgado não se verifica relativamente a matéria de facto considerada não provada noutro processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1226/15.8T8PNF.P1 - APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome (1617)
Adjuntos: Desem. Sousa Lameira
Desem. Oliveira Abreu
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO

B… e mulher C…, com os sinais dos autos, vieram intentar a presente acção declarativa com processo comum contra D… e E…, com os sinais dos autos, pedindo que sejam os réus, solidariamente, condenados no pagamento aos autores dos montantes de €78.000, a título de danos patrimoniais, e de €20.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegam ter sido arrendatários de uma habitação, durante largos anos, sendo que os réus e ante possuidores, seus senhorios, nunca realizaram obras de conservação do imóvel, o qual veio a ruir, o que determinou a caducidade do contrato de arrendamento existente, por perda da coisa; ficando os autores forçados a procurar alojamento junto de familiares, onde ainda se encontram por favor e em condições precárias.
Indicam os danos que a situação exposta lhes causou.
Citados, apenas um dos demandados apresentou contestação, excepcionando a prescrição do direito exercido e o caso julgado absolutório, mais pugnando pela improcedência da acção, porquanto a queda/derrocada do edifício o não foi por culpa sua, sendo certo que inexigível a realização de obras do vulto das que eram exigidas, atento o valor irrisório da renda. Sempre nunca os AA mesmos interpelaram os senhorios para a realização de quaisquer obras, tendo antes obstado à execução daquelas, a pretexto de uma indemnização indevida e astronómica.
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Foi elaborado despacho saneador, conhecendo-se as excepções e no qual se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova.
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Instruído o processo, após julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo):
Tudo visto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condeno os RR a satisfazerem aos AA (conjuntamente) a quantia de 4.000 EUR e a cada um dos AA ainda a quantia de 2.500 EUR, ambas acrescidas de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Absolvo-os do mais peticionado.
Custas na proporção do decaimento.”.
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Inconformados, o réu D… (recurso independente) e os autores (recurso subordinado) apelaram, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

Recurso do réu

A. Nos pontos 1.º a 18.º das alegações de recurso que aqui se consideram integralmente reproduzidas por uma questão de economia processual apresentam-se os motivos da manifesta desadequação do quantum indemnizatório de € 9.000,00 determinado pelo Tribunal recorrido, o qual implicaria, na prática, que os réus devolvessem todo o montante pago pelos arrendatários aos senhorios durante toda uma vida (51 anos) num total de € 1.958,40, fazendo com que estes tivessem gozado o locado de forma absolutamente gratuita e ainda por cima recebem no final do contrato um acréscimo de € 7.041,60, o qual corresponde a 2.200 meses de renda, ou seja 183 anos e meio de renda!
B. Nos artigos 19.º a 33.º das alegações de recurso que aqui se consideram integralmente reproduzidas por uma questão de economia processual são expostas as razões (alicerçadas e suportadas firmemente nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se transcreveram) que, tendo em conta o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais, levam a não se considerar ilícita a omissão de realização de obras no locado, fazendo soçobrar os fundamentos da sentença recorrida ao atestar tal ilicitude.
C. Nos artigos 34.º a 42.º das alegações de recurso que aqui se consideram integralmente reproduzidas por uma questão de economia processual é impugnada a decisão da matéria de facto constante dos pontos 9 e 10 dos factos não provados constantes da sentença, considerando-se que os mesmos deveriam ter sido considerados provados de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova previstos nos artigos 341.º e seguintes do Código Civil, devendo em consequência seguir-se o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça expresso nos Acórdãos citados para efeitos de se considerar que inexistiu qualquer mora dos réus na realização de obras, inexistiu qualquer ilicitude na sua não realização e pelo contrário, é abusiva a conduta dos autores/recorridos, levando à revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
D. Nos artigos 43.º a 66.º das alegações de recurso que aqui se consideram integralmente reproduzidas por uma questão de economia processual é impugnada a decisão da matéria de facto constante do facto não provado no seu ponto 3.º, sendo objecto do presente recurso a decisão de eliminação dos temas de prova tal matéria constante do ponto 5.º desses mesmos temas da prova, a qual impediu ao recorrente produzir a competente prova (a corroborar a já existente prova indiciária constante das diversas comunicações à Câmara Municipal de … juntas com a contestação ou ainda a comunicação do mandatário constante dos factos assentes).
E. O Tribunal recorrido interpretou e aplicou assim erradamente o disposto nos artigos 334.º do Código Civil, 341.º e seguintes do mesmo diploma e ainda princípios fundamentais do direito como a proporcionalidade e da equivalência das atribuições patrimoniais.
Nestes termos, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância.

Recurso subordinado dos autores

1. Vem o presente recurso subordinadamente interposto da douta sentença que julgou apenas parcialmente procedente a ação condenando os RR a pagarem aos AA, aqui Recorrentes, as quantias de €4.000 (conjuntamente, a título de danos patrimoniais) e de €2.500 (a cada um, a título de danos patrimoniais), ambas acrescidas de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
2. Conforme se mostra inequivocamente provado nos autos, os AA sofreram graves e relevantes danos decorrentes do incumprimento definitivo e culposo da obrigação de assegurar o gozo do arrendado por parte dos RR.
3. Isto porque os RR e os anteriores senhorios nunca realizaram obras de conservação no imóvel, que veio a ruir e a determinar a caducidade do contrato de arrendamento perda da coisa.
4. Aos olhos dos AA, os factos dados como provados não merecem contestação em razão da sua sustentação na prova testemunhal produzida em audiência e, sobretudo, em certidão judicial da decisão proferida no âmbito de ação anterior, com diferente causa de pedir (o Proc. 1826/09.5TBAMT, melhor id. nos autos).
5. Ali se prescreveu, com autoridade de caso julgado, que a perda do arrendado era unicamente imputável aos RR senhorios e que daí advinha a obrigação de indemnizarem os AA pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos, pretensão que, no entanto, teria de ser exercida em ação autónoma cuja causa de pedir consistisse no interesse contratual negativo e, em alguns danos, no instituto da responsabilidade extracontratual.
6. É, no fundo, apenas com quantum indemnizatório apurado em 1ª instância que os AA não se conformam, já que que a medida da indemnização globalmente fixada apresenta-se demasiado reduzida se analisada à luz do que entendem ser os critérios legais aplicáveis – arts. 483º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º CC.
7. Assim, os AA entendem ter sofrido um dano na medida da diferença entre o que se encontravam a pagar aos RR e o que terão de despender a título de rendas por habitação em condições equivalentes.
8. De facto, caso o contrato não tivesse caducado por ação culposa dos RR ou caso os AA não tivessem celebrado esse contrato mas outro à época – com senhorio diverso, relativamente a diferente imóvel – e manter-se-iam hoje a coberto dos consabidos benefícios decorrentes da sua antiguidade, nomeadamente num quadro legal mais favorável, com rendas muito inferiores aos valores que presentemente se praticam no mercado, obedecendo a um processo de atualização progressivo e rigoroso, capaz de acautelar as necessidades dos agregados familiares mais idosos e de menores rendimentos.
9. Atendendo a que a A. mulher só atingirá a idade da esperança média de vida da população portuguesa em 06.02.2029, até lá decorrerão 260 meses desde a data em que os AA se mostram impedidos de usar o arrendado (01.07.2007), que à renda média mensal apurada nos autos de €300, perfazem um total €78.000.
10. Ora, ainda que o Tribunal tivesse entendido a ocorrência de desproporcionalidade entre tal valor e o montante das rendas pagas pelos AA aos RR, o que não se concede, nem assim podia fixar arbitrariamente uma indemnização conjunta de apenas €4.000.
11. Aliás, a decisão em crise cria o paradoxo de a indemnização por danos patrimoniais ser até inferior ao que é globalmente atribuída aos AA por conta de danos não patrimoniais (€5.000 no total, valor que igualmente se reputa por modesto).
12. Nem mesmo o facto de se convocar a equidade poderia justificar tamanha redução dos valores do pedido já que, conforme repetido à saciedade pela jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça, a indemnização equitativa deve ser fixada procurando o justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos ou arbitrários, nem com miserabilismos indemnizatórios.
13. À luz do designado interesse contratual negativo, não se pode deixar de considerar que os AA sofreram danos patrimoniais equivalentes à diferença entre o que se encontravam a pagar aos RR e o que terão de despender a título de rendas por habitação em condições equivalentes até ao fim de vida, sendo manifestamente insuficiente a atribuição em conjunto de uma indemnização de apenas €4.000.
14. E o mesmo juízo de insuficiência se manifesta no que se reporta ao quantum dos danos não patrimoniais dados como provados nos autos.
15. Afinal, «devem ter-se como graves danos (não patrimoniais) que se traduzem na perda do local onde os autores instalaram a sua residência» – Ac. STJ, de 13.07.2010, Proc. 60/10.6YFLSB.
16. Para além do que se disse já a propósito da indemnização equitativa e que aqui novamente se convoca, a ponderação das lesões não patrimoniais tem ainda que dar expressão à gravidade dos danos e ao propósito de simultaneamente compensar o lesado e sancionar o lesante.
17. Para ressarcimento dos danos não patrimoniais apurados é manifestamente insuficiente a condenação dos RR no pagamento da quantia de €2.500 a cada um dos AA, justificando-se equitativamente a sua revisão em alta e mais próxima dos €20.000 peticionados.
18. Em face do que se deixa demonstrado, a douta decisão recorrida violou o disposto nos arts. 483º, 496º, 562º, 563º, 564º e 566º CC.
19. Também por tudo quanto se deixa vertido, deve ser negado provimento à Apelação do R., não merecendo a douta sentença a censura que este lhe opõe, nem enfermando de qualquer outro vício ou erro de julgamento para lá do que se apontou no presente.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a douta sentença em crise revogada e substituída por decisão que julgue a ação totalmente procedente, por provada, ou pelo menos parcialmente procedente em razão superior ao julgado em 1ª instância, sempre se negando provimento à Apelação do R..

Não houve resposta à alegação, os apelados defendem o decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4, e 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC).

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

Na alegação do recurso e respectivas conclusões, o réu D…, para além de impugnar a decisão sobre a matéria de facto integrada na sentença e a sua condenação com base na responsabilidade civil contratual, questiona (ver conclusão D.) o despacho proferido na audiência de julgamento, de 24/11/2015, do seguinte teor:
Desde logo, como é jurisprudência e doutrina unânimes, no âmbito do C.P.C. anterior à redacção actualmente vigente, e, por maioria de razão, se impõe agora, em face da natureza perfeitamente instrumental da definição dos temas da prova, a selecção daqueles não se constitui com a força do caso julgado, sequer formal, razão pela qual é possível, a todo o tempo e mesmo apenas em sede de sentença final, a consideração como assentes de factos levados aos temas da prova, desde que confessados, plenamente provados por documento ou revestidos da autoridade do caso julgado.
Donde, desde logo improcedente a 1.ª das objecções pelo Réu à pretendida alteração/eliminação.
Considerada outrossim a natureza meramente indiciária ou perfunctória do juízo probatório em sede de Procedimento Cautelar, inatendível também a argumentação in fine de contradição entre o facto sob o ponto 16 da decisão do Procedimento Cautelar junto aos autos a fls. 111 e seguintes e aquele cuja consideração como provado e a eliminação dos temas da prova vem requerida.
No que mais importa agora, cabe remetermo-nos para a exposição já feita em sede de audiência prévia quanto à distinção entre excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado, que vem a ser, novamente, convocada no requerimento que antecede. Ora, quando se considere agora que os factos que se constituem como causa defendendi nestes autos e levados aos temas da prova sob o ponto cuja eliminação se requer correspondem aos factos que sob os artigos/pontos 12º a 16º da Sentença constante de fls. 57 e seguintes, já transitada, foram ali havidos por não provados, sendo outrossim que os mesmos ali, isto é, naqueles autos, se prefiguravam como facto constitutivo da pretensão reconvencional julgada improcedente, os mesmos integram-se, manifestamente, na figura/previsão da autoridade de caso julgado.
Assim é que, para fundamentar uma pretensão indemnizatória, os ali e aqui novamente Réus alegaram e não provaram os precisos factos que, novamente, invocaram em sede defensional e que sob o ponto 5º dos temas da prova, indevidamente, se consideram passíveis de “nova” decisão e que, verificada melhor a Sentença constante dos autos, transitada, e pelo exposto se considera inadmissível.
Assim, como se requer, decide-se da eliminação do ponto 5º dos temas da prova, por se opôr a autoridade do caso julgado, constituída pela falta de prova dos factos sob os artigos/pontos 12º a 16º da Sentença de fls. 62 e ss. dos autos, confirmada pela de fls. 75 e seguintes. E, nos termos da menção em sede de audiência prévia à eficácia do juízo probatório daquela, se terá de haver como definitiva a falta de prova daqueles factos.”.
Cumpre, desde logo, apreciar esta decisão interlocutória, regularmente impugnada (artº 644º, nº 3, do CPC).
O tema de prova enunciado na audiência prévia sob o nº 5 é o seguinte:
“5. Foram inúmeras as tentativas dos réus para que os autores permitissem a realização de obras, tendo estes manifestado sempre a sua expressa oposição e só permitindo que fossem realizadas obras se recebessem uma contrapartida financeira de € 50.000,00.”.
Na decisão sobre a matéria de facto integrada na sentença recorrida consta do item “factos não provados” o nº 3 exactamente com a mesma redacção do descrito nº 5 dos temas de prova.
Na respectiva motivação a julgadora da 1ª instância afirma, no que concerne:
A convicção do tribunal no que interessa aos factos havidos por provados e por não provados fundou-se:
Decisiva ou relevantemente no teor da decisão junta a estes autos por certidão, por via da autoridade do caso julgado ali formado, em conformidade com a força ou eficiência do juízo probatório ali realizado, em conformidade com a exposição/enquadramento em sede audiência prévia, para a qual, por brevidade, novamente nos remetemos. Assim, determinantemente, os factos havidos por não provados sob 3. a 8.”.
Constata-se, assim, que a julgadora a quo baseou a sua decisão no teor do aludido despacho (impugnado) proferido na audiência prévia, ou seja, na autoridade do caso julgado eventualmente decorrente do decidido no processo nº 1826/09.5TBAMT, e não na análise de qualquer meio de prova produzido na audiência de julgamento ou durante a instrução.
Recorde-se, antes de mais, que, no dispositivo da sentença proferida naquele processo nº 1826/09, confirmada por acórdão desta Relação, de 19/05/2014, julgou-se improcedente quer a acção como reconvenção, com a consequente absolvição dos pedidos. Nessa sentença, considerou-se, na respectiva fundamentação, verificada a caducidade do contrato de arrendamento urbano em causa.
Justifica-se a invocação, na presente acção, da autoridade do caso julgado eventualmente constituída pela falta de prova dos factos sob os artigos/pontos 12º a 16º da sentença de fls. 62 e ss. dos autos, ou seja, a prolatada no mencionado processo nº 1826/09?
Pensamos que não.
De acordo com o nº 1, do 580º, do CPC, a excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso e tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (nº 2 do normativo).
Distingue a lei o caso julgado material do caso julgado formal.
O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (art.s 620º e 628º do CPC).
O caso julgado material, que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (artº 619º do CPC).
Importa diferenciar a autoridade do caso julgado (efeito positivo do caso julgado) de sentença e a excepção do caso julgado da mesma sentença (efeito negativo), pois que constituem efeitos diversos da mesma realidade jurídica.
Fala-se em excepção de caso julgado quando a eadem quaestio se suscita no processo ulterior como thema decidendum do mesmo processo e fala-se em autoridade de caso julgado quando a eadem quaestio se suscita no processo ulterior como questão de outra índole (fundamental ou mesmo tão somente instrumental).
“O instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.
O caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo posterior quando o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para a apreciação do objecto processual posterior” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/2/1998, acessível em www.dgsi.pt).
“ […] Quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção do caso julgado no processo posterior, ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalente um efeito vinculativo, a autoridade do caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção do caso julgado material”.
[…] “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (…), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica.
“Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva a “repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ/325º, p. 171, 176 e 179).
A força e autoridade de caso julgado (material) significa que, decidida com força de caso julgado material uma determinada questão de mérito, não mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente, tão somente, a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu.
Em princípio, segundo alguma doutrina, os limites objectivos do caso julgado confinam-se à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma (Castro Mendes, Dir. Proce. Civil, 1980,III, pág.282, e Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pág. 152, Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio Nora, Manual Proce. Civil,1985, pág.714, Anselmo de Castro, Dir. Proce. Declaratório, 1982,III,pág.404, e Manuel Andrade, Noções Elementares de Proce. Civil,1976,pág.334 e 335).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado. Entende-se que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação do juízo final, da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no artº 621º do CPC (ver, entre outros, os acórdãos do STJ, BMJ nº 353º/352, 388º/377 e CJ/STJ, 1997,II,165, e de 01/06/2010, 12/07/2011, 15/01/2013, 08/11/2013, 21/03/2013, 26/03/2015, 07/05/2015 e 16/02/2016, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Como ensina o Prof. Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 578), reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
“A nós afigura-se-nos, ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.” (RODRIGUES BASTOS, Notas ao CPC, 3ª ed., pág. 202).
Os limites objectivos do caso julgado abrangem o objecto do processo, ou seja, todas as questões que o juiz deve resolver, mesmo que suscitadas pelo réu em sua defesa desde que interessem ao conhecimento e decisão do litígio.
Em suma, nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.
Do expendido, importa reter, no essencial, que uma sentença pode servir como fundamento da excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção já foi, total ou parcialmente, por aquela definido; quando o autor pretenda ver reconhecido, na nova acção, o mesmo direito que já lhe foi negado por sentença proferida noutra acção - identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte.
No entanto, saliente-se, em matéria de fundamentação de facto, mesmo após o trânsito em julgado da respectiva sentença, não ocorrerá, em princípio, caso julgado, ou seja, a extensão objectiva da respectiva eficácia no novo processo – artº 621º, do CPC.
Dispõe o nº 1, do artº 581º, do CPC, que se repete a causa “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Assim, duas acções só serão idênticas quando, numa e noutra, as partes sejam as mesmas, o objecto seja o mesmo (“numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”) bem como a causa de pedir.
A autoridade do caso julgado dispensa, em princípio, essa tripla identidade (ver Ac. do STJ de 29/05/2014, acessível em www.dgsi.pt).
Feitas estas considerações, importa reter que a matéria de facto em causa, enunciada com tema de prova na audiência prévia (ponto 5.) e depois retirada desse âmbito no decurso da audiência de julgamento, foi considerada não provada na sentença proferida no processo nº 1826/09 (correspondendo, no essencial, ao vertido nos nºs 12 e 13 dos factos não provados).
Como se sabe, da resposta negativa a determinada matéria de facto apenas resulta que se não provou essa factualidade, mas não que se demonstrasse o facto contrário, tudo se passando como se essa matéria não tivesse sido articulada/alegada.
Significa isto, a nosso ver, que aquela factualidade inexistente não foi considerada para a apreciação de qualquer questão que constituísse antecedente lógico da decisão proferida nos referidos autos.
Como predito, em matéria de fundamentação de facto, mesmo após o trânsito em julgado da respectiva sentença, não ocorrerá, em princípio, caso julgado, ou seja, a extensão objectiva da respectiva eficácia no novo processo.
Por isso, no que concerne aos factos tidos por não provados na acção nº 1826/09, não se impõe, salvo melhor opinião, a autoridade do caso julgado na presente acção.
O ponderado na fundamentação de direito no sentido de que “da caducidade deste contrato de arrendamento nasceu para os réus (locadores) a obrigação de indemnizar os autores (locatários) pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela parda do locado (…)” não vincula o julgador/sentenciador da presente acção, sendo certo que foi decidido, com trânsito em julgado, na audiência prévia, no cotejo das duas acções, julgar improcedente a excepção do caso julgado.
Com efeito, esta acção não se destina a fixar os limites quantitativos de um direito de crédito (indemnizatório) já reconhecido judicialmente aos demandantes mas a determinar a existência desse eventual direito e a definir o quantitativo do mesmo.
Assiste, pois, razão ao apelante quando conclui que a decisão de eliminação dos temas de prova da matéria constante do ponto 5. desses mesmos temas da prova impediu o recorrente de produzir a competente prova, eventualmente a corroborar a já existente prova indiciária constante das diversas comunicações à Câmara Municipal de … juntas com a contestação ou, ainda, a comunicação do mandatário constante dos factos assentes.
Decorre do expendido que a decisão interlocutória deve ser revogada e dar-se a oportunidade aos réus de produziram prova, designadamente testemunhal, sobre o referido tema de prova, tudo com vista à justa composição do litígio (arts. 6º e 411º, do CPC).
A revogação daquele despacho implica, necessariamente, a repetição do julgamento dada a eventual possibilidade de ser modificada a decisão final (artº 660º do CPC).
Por isso, fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso independente bem como do recurso subordinado.
Procede, assim, o concluído na alegação do recurso independente no tocante à decisão interlocutória.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto da mencionada decisão interlocutória proferida na audiência de julgamento, revogando-se essa decisão, ficando sem efeito os actos processuais realizados posteriormente à referida decisão, sentença incluída, devendo incluir-se nos temas de prova a matéria enunciada com tema de prova na audiência prévia no ponto 5., ficando sem efeito o julgamento e demais actos processuais subsequentes, sentença incluída, seguindo-se a adequada tramitação prevista no CPC.
Custas da apelação pelos apelados.
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Anexa-se o sumário.

Porto,06/06/2016
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 663º, nº 7, do CPC):

I- O instituto do caso julgado material é analisado numa dupla perspectiva: como excepção de caso julgado e como autoridade de caso julgado.
II- A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.
III- A autoridade do caso julgado não se verifica relativamente a matéria de facto considerada não provada noutro processo.

Caimoto Jácome