Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
155/14.7TBLSD-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RP20220504155/14.7TBLSD-G.P1
Data do Acordão: 05/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Ao prever-se no art. 100º da LPCJP que o processo judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária e que, por via desta natureza de jurisdição, o tribunal, nas providências a tomar, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º do CPC), permite-se, por tal via, a possibilidade de o tribunal poder prescindir de se mover dentro do prazo limite de prorrogação da medida de apoio previsto no art. 60º nº2 da LPCJP, se considerar que tal se mostra, designadamente, adequado e proporcionado ao superior interesse da criança e à situação de perigo em que esta se encontra [conforme princípios orientadores da intervenção para a promoção e protecção previstos nas alíneas a) e e) do art. 4º da LPCJP]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº155/14.7TBLSD-G.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo de Família e Menores de Paredes – Juiz 3)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

O presente processo de promoção e protecção respeita a AA, nascido a .../.../2007, filho de BB e de CC.
Em 27/09/2018, foi aplicada ao AA a medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe.
Em 30/10/2018, essa medida foi objecto de revisão urgente e foi aplicada a medida cautelar de apoio junto de outro familiar, os avós maternos, pelo período de seis meses, a rever no prazo de três meses.
Em 17/03/2019, foi proferida decisão de revisão da medida, mantendo-se a mesma por mais seis meses.
Em 23/05/2019, foi realizado debate judicial, em que foram ouvidos o AA e os progenitores. Ouvido separadamente dos progenitores, o AA permaneceu em silêncio.
Naquela mesma data de 23/05/2019, foi homologado por sentença o acordo dos progenitores no sentido da aplicação da medida de apoio junto de outros familiares, os avós maternos, pelo período de seis meses, a rever no prazo de três meses.
Em 10/12/2019, foi proferida decisão de revisão da medida aplicada, mantendo-se a mesma por mais seis meses.
Em 15/07/2020, a progenitora veio requerer a cessação da medida aplicada.
Em 02/09/2020, foi proferida decisão de revisão da medida aplicada, mantendo-se a mesma por mais seis meses.
Em 26/02/2021, foi junto aos autos o Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida.
Em 26/02/2021, o AA, na pessoa do seu Defensor Oficioso, veio informar que pretende a manutenção da medida.
Em 11/03/2021, a progenitora veio requerer a cessação da medida aplicada, reiterando o requerimento de 15.07.20.
O Ministério Público promoveu a manutenção da medida aplicada ao menor por mais seis meses.
Em 22/03/2021, foi proferida decisão de revisão da medida aplicada, mantendo-se a mesma por mais seis meses.
De tal decisão foi interposto recurso pela progenitora, tendo por acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de 1/7/2021 sido julgado o mesmo improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Em 11/10/2021, foi junto aos autos o Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, no qual se concluiu no sentido de propor a prorrogação da medida aplicada de apoio junto de outros familiares, a executar junto dos avós maternos.
Tal parecer foi notificado por ofícios de 12/10/2021 ao pai do menor, ao menor na pessoa da advogada sua defensora, à mãe do menor na pessoa da sua patrona nomeada e aos avós maternos do menor na pessoa da sua advogada.
O menor, através da advogada sua defensora, por requerimento entrado a 14/10/2021, veio requerer que deverá continuar a medida aplicada (de apoio junto dos avós maternos).
A mãe do menor, através da patrona a si nomeada, por requerimento entrado a 14/10/2021, veio dizer que “(…) não se pode conformar com o Relatório Social junto aos autos, que conclui pela manutenção da medida de apoio junto de outro familiar a executar junto dos avós maternos” (ponto 17 de tal peça) e requerer que a medida de apoio junto dos avós maternos cesse ou seja substituída pela medida de apoio junto de outro familiar, a executar na sua pessoa.
Os avós maternos, através da sua advogada, por requerimento entrado a 20/10/2021, vieram requerer que a medida aplicada se deve manter.
Por despacho proferido a 3/11/2021 foi deferida promoção do Mº Pº de 2/11/2021 no sentido de a técnica da EMAT autora do Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, entrado em 11/10/2021, precisar quais as razões em concreto pelas quais entende que a medida de promoção e protecção deve continuar nos moldes já em execução.
Nessa sequência, pelo ISS, através dos respectivos serviços (equipa do SATT/EMAT de Lousada), e a par com outros documentos (que se encontram de fls. 36 a 42 dos presentes autos de recurso), foi enviado o relatório constante de fls. 43 a 45, de 15/12/2021, no qual se conclui que “a medida que melhor acautela o superior interesse do AA é a medida de apoio junto de outro familiar, a executar junto dos avós maternos.

Os autos foram com vista ao Mº Pº, tendo este em 16/12/2021 emitido promoção com o seguinte teor:
Ao menor AA, nascido a .../.../2007 foi aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, a executar juntos dos avós maternos, nos termos do artigo 35.º, n.º1, alínea b), da LPCJP.
Constata-se que são os avós maternos que asseguram todos os cuidados básicos, saúde e de educação do AA. As iniciativas com o objetivo de envolver a progenitora nas rotinas do filho, têm revelado que se mantém a inconsistência e irregularidade do comportamento materno, não conducente com a estabilidade que a criança necessita para um desenvolvimento harmonioso.
A progenitora mantém indicadores de instabilidade relacional, habitacional e laboral, revela falta de colaboração com os serviços e exerce de forma irregular uma participação nas rotinas do filho, pelo que não estão em nosso parecer reunidas as condições para que se possa ponderar a substituição da medida aplicada, nomeadamente para apoio junto da progenitora.
Atento o teor dos relatórios juntos aos autos, e porquanto se mantêm os pressupostos que fundaram a aplicação da medida aplicada, promovo que se prorrogue a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, a executar junto dos avós maternos, por mais seis meses - artigos 35.º, n.º 1, al. a) e 62.º, n.º 3, al. b), da LPCJP-, por ser essa a decisão que, em meu entender, melhor se adequa, no momento presente, à defesa do interesse superior dos menores (cfr. artº 4º, alínea a) e e) da supra referida Lei).

Em 17/12/2021 foi proferida decisão de revisão da medida aplicada, cujo teor é o seguinte:
Nos presentes autos de promoção e proteção instaurados relativamente ao AA nascido a .../.../2007 foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar (avós maternos).
A emat juntou relatório.
Foram cumpridas as formalidades do art 85º, da LPCJP.
O Ministério Público promoveu que se mantivesse a medida já aplicada por 6 meses.
Decisão:
Importa atender aos seguintes factos:

O AA o 7º ano de escolaridade da escola ...
Iniciou as sessões de terapia com frequência semanal.
Beneficia de apoio psicológico
A mãe mudou-se para Lousada.
Mantem contacto regular com o filho, mas sem consistência.
São os avós que asseguram os cuidados essências do AA.
Cumpre decidir:
A aplicação da MPP ao AA em 2014 e depois em 2018
Resultaram da conjugação de vários fatores de risco:
- Dificuldades de aprendizagem do AA associado à falta de assiduidade escolar;
- Comportamento pouco ajustado e apático do AA em contexto escolar, que condicionava a forma como se isolava de todos;
- Negligência ao nível do percurso educativo do AA por parte da progenitora apesar das tentativas de contacto por parte da escola;
- Ausência de acompanhamento clínico junto do AA pela falta de assiduidade às consultas;
- Negligência ao nível dos cuidados de higiene pessoal e habitacional agravada com a presença de número significativo de animais;
- Relação de conflito entre a progenitora com a sua única retaguarda familiar, os avós maternos do AA;
- Resistência à intervenção técnica que motivou a cessação da prestação do Rendimento Social de inserção inúmeras vezes;
- Percurso profissional instável e sem vínculo laboral da progenitora;
Do relatório da EMAT junto aos autos resulta a situação de perigo que esteve na base da aplicação de medida de proteção ao AA se mantém.
A mãe apesar de se comprometer com os Serviços e Técnicos acaba por não concretizar ao que se propõe condicionando de forma significativa e reiterada o desenvolvimento e crescimento do AA. Deixou de beneficiar de acompanhamento técnico de proximidade após a cessação da prestação de Rendimento Social de Inserção por ter faltado a convocatória para renovação do contrato de Inserção Social. Desconhece-se o rendimento que a progenitora auferirá no presente.
Não existe registo de descontos para a segurança social desde 2017.
São os avós maternos que asseguram todos os cuidados básicos, saúde e de educação do AA.
As iniciativas com o objetivo de envolver a progenitora nas rotinas do filho, têm revelado que se mantém a inconsistência e irregularidade do comportamento materno, não conducente com a estabilidade que a criança necessita para um desenvolvimento harmonioso.
Não obstante, mantêm-se os contactos diários do AA com a mãe e irmãos, que coabitam numa habitação contígua à residência dos avós.
Pelo exposto resulta evidente a situação de perigo e que a medida de apoio junto de outro familiar, no caso os avós maternos, é a única que se mostra adequada à situação de facto e capaz de afastar a mesma.
Nos termos do disposto no artigo 62º, nºs 1, 2 e 3, al. c), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro) decido manter a medida de promoção e de proteção aplicada ao AA de apoio junto de outro familiar, avós maternos – por 6 (seis) meses.

De tal decisão veio a progenitora interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões:
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O apresentou alegações de resposta, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Termina as mesmas com as respectivas conclusões:
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Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso – sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso – é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – da nulidade da decisão recorrida por violação do contraditório;
b) – da nulidade da decisão recorrida por falta de audição do menor;
c) – da nulidade da decisão recorrida por decurso do prazo máximo de prorrogação da medida aplicada;
d) – da cessação da medida aplicada.
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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta para o tratamento das questões enunciadas encontram-se referidos no relatório desta peça.
Vamos ao tratamento da enunciada sob a alínea a).
A proposta de prorrogação da medida de promoção e protecção aplicada nos autos ao menor AA (de apoio junto dos avós maternos) foi enunciada no Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida entrado nos autos em 11/10/2021 e tal relatório foi notificado à progenitora, ora recorrente, para sobre ele se pronunciar, logo no dia 12/10/2021, assim como, nessa mesma data, o foi também ao pai do menor, ao menor na pessoa da advogada sua defensora e aos avós maternos do menor na pessoa da sua advogada.
O pai do menor não veio dizer nada aos autos.
Já o menor, através da advogada sua defensora, por requerimento entrado a 14/10/2021, veio requerer que deverá continuar a medida aplicada (de apoio junto dos avós maternos), e também os avós maternos, através da sua advogada, por requerimento entrado a 20/10/2021, vieram requerer que a medida aplicada se deve manter.
Por sua vez, a ora recorrente pronunciou-se sobre tal proposta de prorrogação da medida através do requerimento que deu entrada nos autos a 14/10/2021, onde veio dizer que “(…) não se pode conformar com o Relatório Social junto aos autos, que conclui pela manutenção da medida de apoio junto de outro familiar a executar junto dos avós maternos” e requerer que tal medida cesse ou seja substituída pela medida de apoio junto de outro familiar, a executar na sua pessoa.
A decisão recorrida, que apreciou a proposta de prorrogação da medida e veio a decidir nesse sentido, só veio a ser proferida em 17/12/2021, depois da pronúncia do menor e dos seus avós maternos e de a recorrente se ter pronunciado naqueles termos, e depois até de, por causa daquele seu requerimento, se ter solicitado, e ter sido elaborado, o relatório de 15/12/2021, constante de fls. 43 a 45.
Foi pois claramente cumprido o contraditório prévio à decisão recorrida, tendo sido, designadamente, observados os arts. 84º e 85º (audição do menor, dos pais e dos avós maternos relativamente à revisão para prorrogação da medida) e assegurada a previsão do nºs 1 e 3 do art. 104º (possibilidade de aquelas pessoas requererem diligências e oferecerem meios de prova e observância do contraditório quanto aos factos e à medida aplicável em todas as fases do processo), todos da Lei 147/99, de 1/9 (LPCJP).
Assim, improcede esta questão recursória.

Passemos à questão enunciada sob a alínea b).
Nos termos do art. 84.º da LPCJP, as crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de protecção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e protecção, nos termos previstos nos artigos 4º e 5º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de Setembro.
Por seu turno, e como se precisa no acórdão deste mesmo Tribunal da Relação já proferido em 1/7/2021 no âmbito destes mesmos autos (que referimos no relatório desta peça), naqueles preceitos do RGPTC, sob a alínea c) do nº1 do art. 4º e sob o nº1 do art. 5º, consagra-se o direito do menor a ser ouvido, mas não a sua obrigatoriedade.
No caso, e seguindo o entendimento também já perfilhado naquele acórdão, tratando-se da prorrogação de uma medida que já vinha sendo aplicada e resultando do relatório social junto aos autos a 11/10/2021 que se mantinham os pressupostos da aplicação da mesma e a pertinência de tal prorrogação, mostra-se claramente suficiente a audição do menor através da sua Defensora Oficiosa, como foi feito, não se impondo a sua audição pessoal perante o juiz, que já tinha sido realizada no decurso do debate judicial na sequência do qual foi aplicada a medida.
Como tal, improcede também esta questão recursória.

Passemos à questão enunciada sob a alínea c).
Não estando em causa nenhuma nulidade da decisão recorrida por referência ao art. 615º nº1 do CPC (ex vi do art. 126º da LPCJP), desde logo porque não vem arguida (art. 615º nº4 do CPC), cumpre notar que a lei não comina a prorrogação da medida para além do prazo legal máximo permitido para tal – previsto no art. 60º nº2 da LPCJP – com qualquer nulidade.
Nem sequer por via do disposto no art. 195º nº1 do CPC se poderia chegar a tal nulidade (no caso, de natureza processual), desde logo porque a prorrogação da medida para além do prazo máximo de prorrogação previsto naquele preceito não se pode sequer considerar como prática de um acto que a lei não admite, pois tal prorrogação contende com os termos da aplicação do direito aos factos (com o mérito da causa) e não com a prática de qualquer acto processual indevido.
De resto, cumpre frisar bem que do facto de se discordar em termos de mérito de uma decisão e/ou da fundamentação jurídica que a ela conduziu – como é caso – não decorre a sua nulidade.
Deste modo, improcede também esta questão recursória.

Resta a questão enunciada sob a alínea d).
A medida de apoio junto dos avós maternos, enquanto medida efectiva, foi aplicada ao menor em 23/5/2019, quando este tinha ainda 11 anos de idade (essa mesma medida de apoio começou por ser aplicada a 30/10/2018, mas nesta data apenas enquanto medida cautelar ou provisória, como o permite o art. 92º da LPCJP).
Considerando o prazo legal de um ano de duração de tal medida e a sua prorrogação até aos 18 meses, nos termos previstos no art. 60º nº2 da LPCJP, o prazo final da mesma ter-se-ia esgotado em 23/11/2020.
Não obstante, como se vê do iter processual de que se dá conta no relatório, tal medida tem vindo a ser prorrogada por períodos de 6 meses já posteriores àquela data, tendo a decisão de prorrogação anterior à que baseia o presente recurso, proferida a 22/03/2021, já sido ela própria objecto de recurso anterior e confirmada pelo acórdão desta mesma Relação do Porto de 1/7/2021 que se referiu.
O menor AA tem actualmente 14 anos de idade (nasceu a .../.../2007).
No relatório dos serviços do ISS (EMAT de Lousada) de 11/10/2021, diz-se o seguinte:
Resultados da intervenção e evolução da situação
No âmbito do acompanhamento e das diligências efetuadas, cumpre informar que os avós maternos têm vindo a participar e a colaborar na execução da medida aplicada, decorrente das informações recolhidas junto das entidades envolvidas.
Junto da Escola tem sido possível confirmar que o AA conseguiu transitar de ano letivo com bons resultados escolares.
Apesar de manter um comportamento reservado, o AA tem vindo adquirir mais competências sociais e já tem alguns amigos.
Contudo, segundo a psicóloga da Escola ... de ..., o AA quando retomou as consultas presenciais começou a adotar uma postura de resistência à intervenção especializada pelo que ficou acordado, em reunião realizada no dia 23 de julho com a presença da Dr.ª DD, Terapeuta da Fala da A..., que o melhor seria suspender o referido acompanhamento.
Este acompanhamento seria reiniciado no início do presente ano letivo, depois de passar o período de férias escolares, estando agendada reunião para o dia 14 de outubro.

Perspetiva dos intervenientes
Perspetiva da criança/jovem
Tendo em conta as caraterísticas pessoais do AA não foi possível até ao momento aferir junto dele qual a sua perceção sobre a existência do presente processo e sobre a medida de promoção e proteção aplicada até ao momento.
Perspetiva da família
Ambos os avós maternos manifestam total disponibilidade para continuar a assumir os cuidados junto do AA de forma a permitir que a progenitora se reorganize.
Das diligências efetuadas não foi possível até ao momento esclarecer qual a atual situação familiar de BB uma vez que o agregado familiar não usufrui de acompanhamento técnico por parte de uma entidade de primeira linha após a cessação da prestação de Rendimento Social de Inserção por falta a convocatória enviada pelos serviços.
Perspetiva da rede social de apoio formal e informal
Junto das entidades envolvidas os avós maternos continuam a ser os elementos de maior relevância e importância para o AA na medida em que continuam a esforçar-se para assegurar os cuidados que o mesmo necessita apesar das suas dificuldades económicas e familiares.
No decorrer das diligências efetuadas tem sido evidente a presença diária da progenitora e irmãos mais velhos na vida quotidiana do AA, assim como a postura de afastamento e oposição que estes assumem perante os avós maternos, dificultando desta forma qualquer tentativa de aproximação ou alteração de dinâmicas familiares.
Parecer técnico
Face ao exposto, é nosso parecer que a manutenção do presente processo poderá beneficiar a criança e o agregado familiar que mantém algumas das fragilidades que justificaram a instauração do presente processo, pelo que somos a propor a prorrogação da medida aplicada de apoio junto de outros familiares, a executar junto dos avós maternos, com a vertente do apoio económico, de forma assegurar as despesas inerentes à educação do AA.
Por sua vez, no relatório daqueles mesmos serviços de 15/12/2021 diz-se o seguinte:
(…)
Importa relembrar que os fatores de risco que motivaram a instauração do presente processo, a 30 de janeiro de 2014, assim como a sua reabertura em junho de 2018:
- Dificuldades de aprendizagem do AA associado à falta de assiduidade escolar;
- Comportamento pouco ajustado e apático do AA em contexto escolar, que condicionava a forma como se isolava de todos;
- Negligência ao nível do percurso educativo do AA por parte da progenitora apesar das tentativas de contacto por parte da escola;
- Ausência de acompanhamento clínico junto do AA pela falta de assiduidade às consultas;
- Negligência ao nível dos cuidados de higiene pessoal e habitacional agravada com a presença de número significativo de animais;
- Relação de conflito entre a progenitora com a sua única retaguarda familiar, os avós maternos do AA;
- Resistência à intervenção técnica que motivou a cessação da prestação do Rendimento Social de inserção inúmeras vezes;
- Percurso profissional instável e sem vínculo laboral da progenitora;

são sequentes da inconstância emocional de BB, apesar das tentativas de intervenção de entidades como a Escola Básica ..., A..., onde o AA beneficiava de acompanhamento especializado ao nível de Terapia da Fala, Terapia Ocupacional e consultas de Psicologia e a Equipa de protocolo de RSI da ACIP – Cooperativa de Intervenção Pisco-Social, conforme consta na Avaliação Diagnóstica remetida a 6 de agosto de 2018 e explanadas nas perícias entretanto realizadas a 29 de abril de 2014 e 26 de novembro de 2018.
No mesmo sentido, apesar da medida aplicada a 27 de setembro de 2018, de Apoio junto dos Pais a executar junto da mãe, foi necessário alterar a medida de promoção e proteção tendo sido aplicada a medida cautelar de Apoio junto de Outro Familiar a executar junto dos avós maternos a 31 de outubro de 2018, - sendo que a retaguarda familiar assegurada pelos avós maternos desde sempre existiu e foi uma das razões que justificou, anteriormente, o arquivamento do presente processo a 16 de maio de 2017 - e que se mantêm até ao momento uma vez que não se verificaram as mudanças necessárias nas dinâmicas familiares entre os dois núcleos familiares nos quais o AA se encontra e com quem convive diariamente.
Decorrente da referida convivência diária do AA com a sua mãe e irmãos e os recorrentes recuos e avanços no comportamento do AA tanto em contexto escolar como na A... ao nível das Terapias e consultas de Psicologia, foi necessário em audiência judicial realizada em maio de 2019 consciencializar a progenitora e seus filhos para a necessidade de garantir a estabilidade emocional do filho, reforçando junto do mesmo a importância de colaborar sob pena de ficar mais uma vez retido no ano escolar.
Nas semanas seguintes foi possível verificar uma alteração significativa no comportamento do AA alteração esta que não se verificou a médio nem a longo prazo, conforme consta nos documentos em anexo. Conforme relatório clínico da A..., de 4 de junho de 2021, o AA “é uma criança com muitas dificuldades ao nível das interações sociais, mutismo seletivo, embora melhorado, mantém muitas dificuldades de ordem linguística no que diz respeito à Língua Portuguesa. A nível das interações sociais mantém um perfil pobre, pelo que tem de manter Terapia da Fala e Psicologia Clínica para treino de competências.”
Por esse motivo, entende esta Emat que o contexto mais adequado para a auscultação da criança sobre a sua situação e projeto de vida é através do acompanhamento psicológico que tem vindo a decorrer com a Dra. EE, Psicóloga da Escola ... e no âmbito da intervenção da A... (relatórios de acompanhamento em anexo).
No decorrer da reunião realizada, no dia 14 de outubro, BB informou que de facto não concorda com a manutenção da medida aplicada e referiu reunir condições para assegurar os cuidados que o filho necessita. BB referiu também que juntamente com o seu companheiro está a explorar um estabelecimento comercial, sito na freguesia ..., no concelho de Santo Tirso, onde pretende residir quando o AA lhe for entregue judicialmente.
Mais informou que mantém a habitação, sita na freguesia ... em Paços de Ferreira, onde reside a sua filha FF.
Neste sentido, pretende esta Emat avaliar as condições laborais de BB em Santo Tirso, assim como as condições habitacionais da casa onde atualmente reside, no concelho de Lousada, tendo em conta as fragilidades anteriormente identificadas relativas a desorganização do espaço habitacional no qual o agregado familiar materno reside.
De igual forma, irá esta Emat articular com o Pelouro do Ambiente e Bem Estar dos Aninais da Câmara Municipal ..., uma vez que a casa onde reside atualmente a filha de BB já esteve referenciada junto dos Serviços Camarários, pelo facto de existirem inúmeras queixas relativas à existência de elevado número de animais, que colocavam em risco a saúde pública, apesar das inúmeras advertências efetuadas pela Autarquia e Serviço de Proteção da Natureza da GNR.

Parecer técnico
No âmbito do acompanhamento da execução da medida, realizada em articulação com as entidades envolvidas, constata-se que são os avós maternos que asseguram todos os cuidados básicos, saúde e de educação do AA. As iniciativas com o objetivo de envolver a progenitora nas rotinas do filho, têm revelado que se mantém a inconsistência e irregularidade do comportamento materno, não conducente com a estabilidade que a criança necessita para um desenvolvimento harmonioso. Não obstante, mantêm-se os contactos diários do AA com a mãe e irmãos, que coabitam numa habitação contígua à residência dos avós.
Atendendo que a progenitora mantém indicadores de instabilidade relacional, habitacional e laboral, revela falta de colaboração com os serviços e exerce de forma irregular uma participação nas rotinas do filho, considerámos que a medida que melhor acautela o superior interesse do AA é a medida de apoio junto de outro familiar, a executar junto dos avós maternos.
Dos dados e análise efectuadas em tais relatórios resulta, à evidência, que, como se diz na decisão recorrida – transcrevendo o que consta sob o parecer técnico do segundo relatório referido – são os avós maternos que asseguram todos os cuidados básicos, saúde e de educação do menor AA, revelando a progenitora, ora recorrente, inconsistência e irregularidade de comportamento expectável enquanto mãe, além de manter indicadores de instabilidade relacional, habitacional e laboral.
Resulta também que o menor AA, residindo com os avós maternos, mantém contactos diários com a mãe e irmãos, os quais, não obstante manterem uma postura de afastamento em relação a tais avós, coabitam numa habitação contígua à residência destes.
Esse convívio, como também se ponderou no acórdão desta Relação já proferido nos autos a 1/7/2021, é positivo e permitirá reforçar os laços com aqueles familiares, do que decorre que se a medida de apoio junto dos avós for cessada existe o risco de o AA ser afastado do convívio destes, redundando em seu prejuízo.
Ao prever-se no art. 100º da LPCJP que o processo judicial de promoção e protecção é de jurisdição voluntária e que, por via desta natureza de jurisdição, o tribunal, nas providências a tomar, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º do CPC), permite-se, por tal via, a possibilidade de o tribunal poder prescindir de se mover dentro do prazo limite de prorrogação da medida de apoio previsto no art. 60º nº2 da LPCJP, se considerar que tal se mostra, designadamente, adequado e proporcionado ao superior interesse da criança e à situação de perigo em que esta se encontra [conforme princípios orientadores da intervenção para a promoção e protecção previstos nas alíneas a) e e) do art. 4º da LPCJP].
A prorrogação da medida, como se vê da fundamentação da decisão recorrida (supra transcrita), teve como base a estrita ponderação daqueles itens, devidamente apoiada nos relatórios dos serviços do ISS (equipa do SATT/EMAT de Lousada) de 11/10/2021 e 15/12/2021 que se referiram.
Considerando o que se veio de analisar e referir, há toda a pertinência em que, como proposto naqueles relatórios e com a expressa concordância dos avós maternos e do menor, através da advogada sua defensora, e com base na não sujeição a critérios de legalidade estrita mas antes por via de um critério de conveniência e oportunidade, próprio da natureza da jurisdição voluntária (art. 987º do CPC), tal medida de apoio junto dos avós maternos se mantenha, não obstante, como vimos, já se mostrar esgotado o prazo legal máximo assinalado a tal medida no art. 60º nº2 do LPCJP [neste sentido, da prorrogação da medida para além do seu prazo máximo de duração por via da natureza de jurisdição voluntária do processo de promoção e protecção, além do acórdão desta mesma Relação já proferido nos autos a 1/7/2021, vide o acórdão desta mesma Relação de 6/3/2012, proferido no proc. nº43/09.9TBCPV-A.P1, relatora Maria Cecília Agante, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, improcede a pretensão da recorrente no sentido de cessação da medida.

Face ao que se veio de analisar e decidir anteriormente, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custa pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário a si concedido.
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Porto, 4 de Maio de 2022
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim