Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RAQUEL CORREIA DE LIMA | ||
| Descritores: | INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA COMPRA E VENDA DE COISA DEFEITUOSA REPARAÇÃO VOLUNTÁRIA PELO CONSTRUTOR RESPONSABILIDADE DO VENDEDOR LUCROS CESSANTES | ||
| Nº do Documento: | RP202511111121/24.0T8GDM.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A intervenção de terceiro a título acessório está subjacente a um interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, na consideração da posição processual que deve corresponder ao titular de uma relação de regresso, meramente, conexa com a relação jurídica material controvertida II - O chamado em incidente de intervenção acessória provocada não é sujeito da relação jurídica material controvertida, não é parte principal na causa, já que não é contra ele, mas contra o réu, requerente do chamamento, que é formulado o pedido da acção, razão pela qual, a proceder, é o réu e não o chamado, que deve ser condenado, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões com repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, III - A circunstância de, no caso de compra e venda de coisa defeituosa, (não se aplicando o DL 84/2021 porque não estava em causa um consumidor e um profissional) se concluir que não existia uma presunção legal de que a falta de conformidade existia à data da entrega da viatura, não determina uma nova qualificação do contrato. Implica, apenas, que o autor tem que provar que o defeito existia à data da venda e, não provando, improcede a acção. IV - Se o construtor assume a reparação voluntariamente, o vendedor cumpre uma obrigação que, em princípio, já não lhe era exigível. O comprador beneficia da reparação, mas isso não equivale automaticamente a reconhecer a existência de uma garantia ainda válida. A discussão da garantia deixa de ser relevante quanto à reparação em si, porque o vendedor assumiu o encargo. V - Se a reparação foi efectuada porque o construtor assumiu a reparação, isso não contende com julgar improcedente o pedido de lucros cessantes feito contra o vendedor porque já não se está na pendência da garantia VI - O facto de o fabricante assumir a reparação (fora da garantia legal ou contratual) não afecta a responsabilidade do vendedor e, consequentemente, pode justificar julgar improcedente o pedido de lucros cessantes contra o mesmo. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 1121/24.0T8GDM.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 3 Proc. nº 1121/24.0T8GDM ACÓRDÃO I. RELATÓRIO (transcrição)A... Unipessoal, Lda. sociedade com sede na Estrada ..., ..., ... em Gondomar, titular do NIPC ... intentou a presente acção contra a B..., S.A., sociedade com sede na Estrada ..., ..., ... ..., titular do NIPC ..., alegando, em síntese, que, visando o exercício da sua atividade comercial – o transporte de passageiros em viatura descaracterizada – adquiriu à Ré, em setembro de 2022, um veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Citroen, modelo ..., ao qual foi atribuída a matrícula ..-..-BR. Nessa sequência, relata a Autora que a 24 de novembro de 2023, a viatura ficou imobilizada, devido a uma avaria no motor, tendo sido rebocada para as instalações da Ré, a qual procedeu à substituição do motor, entregando a viatura à Autora a 21 de dezembro de 2023. Seguidamente, relata a Autora que no dia seguinte, 22 de dezembro de 2023, a viatura registou nova avaria, tendo sido novamente rebocada para as oficinas da Ré, porque o motor se encontrava a perder combustível, tendo a Ré procedido à reparação de tal perda no próprio dia. Posteriormente, afirma a Autora que a viatura apresentou um ruído no volante, bem como um cheiro a gasóleo que não existia anteriormente, para além de apresentar anomalias eletrónicas no painel de informações, o que levou o legal representante da Autora a entregar novamente a viatura nas oficinas da Ré a 26 de dezembro de 2023. Neste seguimento, refere a Autora que após várias trocas de e-mails, a viatura apenas lhe foi entregue a 22 de fevereiro de 2024, sendo que a 11 de março de 2024 registou ainda uma perda de óleo no motor, tendo a Autora novamente levado a viatura às oficinas da Ré que realizou um acrescento de óleo no próprio dia. Como consequência do exposto, conclui a Autora que esteve impossibilitada de exercer a sua atividade comercial, continuando a suportar todos os custos inerentes à sua atividade. Refere ainda que na plataforma Uber foi despromovida da categoria Gold para Básico, o que implicou uma perda de clientela e de rendimentos e que a viatura automóvel, adquirida à Ré e propriedade da Autora, sofreu uma diminuição no seu valor patrimonial, uma vez que tem já no seu histórico uma avaria grave com a consequente substituição do motor. Termina pedindo que a Ré seja condenada no pagamento da quantia global de 23.500,00€ (vinte e três mil e quinhentos euros) a título de indemnização por lucros cessantes e danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento. *** Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, deduzindo defesa por exceção e por impugnação.Em sede de exceção, a Ré suscitou a caducidade da garantia do veículo e da ação – exceções já julgadas improcedentes em sede de saneador (despacho ref. 469442139) Em sede de defesa por impugnação, para além de confirmar que a viatura lhe foi entregue a 25 de novembro de 2023 e que procedeu à substituição do motor, a Ré afirma que aquando da deteção do ruído na direção, a viatura se encontrava pronta a circular, tendo sido a Autora a recusar-se a levantar a viatura e a prosseguir a sua atividade comercial. A Ré suscitou ainda o incidente de intervenção acessória provocada da C..., S.A, afirmando o interesse de vir a exercer, em caso de condenação, o direito de regresso perante o fabricante da viatura. A intervenção acessória da C..., S.A foi admitida (despacho ref. 463355831). Citada, a interveniente deduziu defesa por exceção, invocando a ilegitimidade passiva (igualmente julgada improcedente em sede de despacho saneador ref. 469442139) bem como defesa por impugnação, recusando qualquer responsabilidade de indemnização e colocando em causa sobretudo a forma de cálculo dos danos e lucros cessantes alegados pela Autora. Foi proferido despacho saneador (ref. 469442139). Procedeu-se ao julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. no pagamento à Autora do montante de 141,41€ (cento e quarenta e um euros e quarenta e um cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal em vigor a contar da data do trânsito da presente sentença até integral pagamento. ** RECURSONão se conformando com a decisão, veio a Autora interpor recurso. Após motivação, terminou com as seguintes CONCLUSÕES (…) A Ré respondeu, concluindo: (…) ** Antes de mandar subir o recurso o Sr. Juiz pronunciou-se relativamente à nulidade invocada nos seguintes termos:Da nulidade da sentença Em sede de alegações de recurso, invoca a A., desde logo, a nulidade da sentença proferida nos autos, dado ser omisso no dispositivo qualquer referência à interveniente chamada. Atendendo a que a terceira chamada apenas foi admitida a intervir nos autos a título de intervenção acessória, a improcedência da aludida nulidade é, por demais, evidente, afigurando-se desnecessárias quaisquer considerações adicionais. Face ao exposto, cumpre julgar improcedente a nulidade da sentença omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 615º, n.º 1 e 617º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Notifique. ** Colhidos os vistos, cumpre decidir.II.A DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil. Nos presentes autos está em causa: ● A nulidade da sentença por omissão de pronúncia uma vez que no dispositivo não é feita qualquer referência à interveniente chamada. ● A qualificação do contrato celebrado entre Autora e Ré. Como questão prévia surge a admissibilidade, ou não, do documento junto com as alegações. III. FUNDAMENTAÇÃO A. OS FACTOS FACTOS PROVADOS 1) A Autora é uma sociedade por quotas e tem como objeto social o transporte de passageiros em veículo descaracterizado (art.º 1 da PI); 2) A Ré é uma sociedade anónima que tem como objeto o comércio de veículos automóveis, seus acessórios, a sua recolha e a exploração de oficina de reparação de automóveis (art.º 2 da PI); 3) Em momento não concretamente apurado mas seguramente anterior a 08-09-2022, o legal representante da Autora dirigiu-se às instalações da Ré e solicitou aconselhamento quanto ao tipo de veículo a adquirir para o exercício da atividade descrita em 1), tendo-lhe sido recomendado pelos comerciais da Ré um veículo da marca Citroën, modelo ... (art.ºs 3, 4 e 43 da PI); 4) Em momento não concretamente apurado, mas seguramente anterior a 08-09-2022, Autora e Ré acordaram a aquisição por parte da Autora à Ré do veículo automóvel da marca Citroen, modelo ..., matrícula ..-..-BR, pela quantia de 31.485,32€ (trinta e um mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos) (art.º 5 da PI); 5) A 24-11-2023, o motor da viatura referida em 4) deixou de funcionar, tendo a viatura ficado imobilizada no Centro Comercial ... (art.º 6 da PI); 6) Nessa data, a viatura foi rebocada do ... para a oficina da Ré, sita na Estrada ... (art.º 6 da PI); 7) A viatura foi entregue na oficina da Ré a 25-11-2023 (art.º 6 da Petição Inicial e 15 da Contestação); 8) Em data não concretamente apurada, mas nunca anterior a 28-11-2023 ou posterior a 14-12-2023, a Ré procedeu ao diagnóstico da viatura, tendo apurado uma avaria no motor e a necessidade de substituição do mesmo (art.º 16 da Contestação); 9) Uma vez diagnosticada a avaria no motor, a Ré pediu à Autora que lhe entregasse documentação comprovativa da realização das revisões periódicas, a qual foi entregue pelo legal representante da Autora (art.º 7 da PI); 10) Junta a documentação referida em 9), a Ré comunicou à C..., S.A. a existência de uma avaria na viatura, de forma a ativar a garantia do construtor, tendo a C... aceite a substituição do motor (art.º 16 e 17 da Contestação); 11) A Ré encomendou um novo motor, tendo recebido a peça na oficina em data não concretamente apurada, mas seguramente compreendida entre os dias 18-12-2023 e 21-12-2023 (art.º 18 da Contestação); 12) No dia 05-12-2023, às 17h05, o legal representante da Autora, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou à Ré, para o endereço de e-mail <..........@.....> uma mensagem, na qual consta: “Eu AA, como gerente da empresa supra indicada, venho como proprietário da viatura ..-..-BR, Citroen ..., adquirida nova no vosso stand em Setembro do ano transacto, 2022), informar V.Exªs e para os fins tido por convenientes que a minha viatura atrás descrita sofreu uma avaria em 24 de Novembro de 2023 pelas 18h30, nas imediações do Centro Comercial ..., em ..., Gondomar. A viatura não conseguia trabalhar, desconhecendo qual o motivo, pelo que foi necessário o auxílio de um reboque, o qual foi accionado pela Assistência em Viagem do seguro auto da respectiva viatura (D...). A minha viatura foi rebocada pela empresa E..., recolhida durante a noite no parque dessa empresa e entregue nas vossas oficinas no dia seguinte, sábado dia 25 de novembro de 2023 pelas 10h30. Informo V. Exªs que esta viatura, conforme vosso conhecimento, é uma viatura adquirida para o exercício de TVDE e que por esse facto, a partir da data em que foi entregue nas vossas oficinas, não está em funções, não podendo por isso servir a minha empresa na atividade, dando prejuízos a cada dia que passa. Deste modo solicito que a avaria seja reparada o mais breve possível, a fim de não vos solicitar possível indemnização”. 13) No dia 14-12-2023, às 09h08, o legal representante da Autora, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou à Ré, para o endereço de e-mail <..........@.....> uma mensagem, sob o título “Comunicação de Avaria Viatura ..-..-BR”, na qual consta: “Solicito informação sobre o ponto de situação da viatura em assunto (…)” 14) No dia 14-12-2023, às 14h11, BB, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou à Autora um e-mail para o endereço de e-mail <..........@.....>, no qual consta: “Informo que aguardamos a chegada da peça para a sua viatura sendo que a chegada da mesma está prevista para o início da próxima semana. O assessor de serviço contacta-o quando chegar (…)” 15) No dia 15-12-2023, às 08h39, CC, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou à Autora uma mensagem, para o endereço <..........@.....> na qual consta: “Relativamente a sua viatura, informamos que a previsão de entrega da mesma será até no final da próxima semana” 16) No dia 15-12-2023, o legal representante da Autora, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou a CC, para o endereço de e-mail < ..........@..... > uma mensagem, na qual consta: “Acuso a recepção do seu email. Tendo verificado o feedback negativo de alguns clientes B... relativo a várias viaturas, inclusive o modelo que vos adquiri e tendo sabido por vossa informação directa que este modelo em particular tem tido problemas mecânicos/eléctricos por defeito de fabrico, desconhecendo-se qual o motivo, espero não vir a ter mais problemas dentro da garantia e fora dela. Espero também, no futuro, não vir a ter problemas de transparência e de apoio com o B... apesar de neste momento e devido à avaria dentro da garantia ter tido prejuízos financeiros na minha empresa, como devem imaginar por reclamações feitas por clientes, relativas a situações idênticas. Assim, dado que a minha viatura poderá ser entregue no final da próxima semana, solicito orçamento para reparação dum risco no capôt, enquanto está nas vossas oficinas. (…)” 17) A Ré procedeu à substituição do motor da viatura, por um novo, tendo entregue a viatura à Autora no dia 21-12-2023 (art.º 8 da PI); 18) No dia seguinte, o legal representante da Autora apercebeu-se que o motor se encontrava a perder combustível e a viatura foi novamente rebocada para a oficina da Ré (art.º 9 da PI); 19) A Ré procedeu à reparação e entregou a viatura nesse mesmo dia (art.º 10 da PI); 20) Em data não concretamente apurada, o legal representante da Autora apercebeu-se que do volante da viatura provinha um ruído, de volume e persistência não concretamente apurados (art.º 12 da PI); 21) No dia 26 de dezembro de 2023, o legal representante da Autora entregou a viatura nas oficinas da Ré para que fosse verificado o referido ruído (art.º 13 da PI); 22) No dia 26-12-2023, às 17h26, CC, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou uma mensagem para a Autora, através do e-mail <..........@.....>, na qual consta: “Em relação à viatura, continuamos a verificar todos os pontos mencionados. Informamos que a mesma, não ficará pronta hoje. Contudo amanhã entraremos em contacto a facultar todas as informações acerca das verificações efetuadas” 23) No dia 27-12-2023, às 17h24, o legal representante da Autora, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou a CC, para o endereço de e-mail < ..........@..... > uma mensagem, na qual consta: “Boa tarde CC. Como estamos a chegar ao final de um dia de trabalho e como estive à espera de ser contactado sobre o ponto de situação da minha viatura, de acordo com o que referiu no seu anterior email, solicito informação” 24) No dia 27-12-2023, às 18h02, CC, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou uma mensagem para a Autora, para o endereço de e-mail <..........@.....>, na qual consta: “Pedimos pf que amanha por volta das 10h30 se dirija a oficina para voltarmos a testar o carro na sua presença (…)” (art.º 14 da PI); 25) No dia 28-12-2023, às 17h44, CC, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou uma mensagem à Autora, para o endereço de e-mail <..........@.....>, na qual consta: “Em relação a viatura informamos que esta semana vai ser difícil conseguir desmontar a mesma. O ideal caso a viatura esteja a fazer-lhe falta, será vir levantar a mesma e remarcarmos para Janeiro” (art.º 16 da PI e 22 da Contestação); 26) No dia 04-01-2024, às 17h44, CC, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereçou uma mensagem à Autora, para o endereço de e-mail <..........@.....>, na qual consta: “Informamos que relativamente à viatura ainda não conseguimos efetuar o diagnóstico, sendo que neste momento não conseguimos dar uma previsão em concreto, visto que a viatura entrou sem marcação . Caso necessite da mesma poderá vir levantar e agilizar uma nova data”. 27) O legal representante da Autora recusou levar a viatura, deixando-a depositada na oficina da Ré (art.º 24 da Contestação); 28) A Ré endereçou a DD, mandatária da Autora, uma carta datada de 30-01-2024 na qual consta: “A viatura em questão destina-se a fins profissionais e uso intensivo e deu entrada na nossa oficina, sem marcação, num sábado, 25 de novembro de 2023. O diagnóstico foi efetuado no dia 28 de novembro, terça-feira, tendo sido apurada avaria no motor, o qual tinha de ser substituído. O motor foi imediatamente solicitado à marca, mas apenas chegou às nossas instalações no dia 18 de dezembro, o que motivou o atraso da reparação. A reparação da viatura foi imediatamente iniciada e a mesma foi entregue ao proprietário a 29 de dezembro. No dia seguinte, a viatura em questão regressou à nossa oficina com queixas de cheiro a óleo e ruído na zona da coluna de direção. A nossa empresa verificou a viatura tendo resolvido a situação do cheiro a óleo no próprio dia, através de uma intervenção simples. No que respeita ao ruído do interior da viatura, o V/Constituinte foi informado pela nossa empresa que o ruído em questão não coloca em perigo o funcionamento e a segurança do veículo, mas a sua verificação implica a desmontagem do veículo para a qual é necessária marcação, tendo em conta o grande volume de trabalho existente na oficina. Sucede que o V/constituinte, sem qualquer motivo válido, rejeita levantar a viatura das nossas instalações e ainda não procedeu ao agendamento para verificação do ruído. Tendo em conta o exposto, a B... não aceita a substituição do veículo em referência nem a devolução do respetivo preço, pois o mesmo não tem qualquer defeito, muito menos apto a fundamentar a pretendida substituição e/ou devolução do preço. Como temos anunciado nos emails e telefonemas antecedentes, a viatura encontra-se em boas condições de funcionamento e reparada, devendo ser levantada da nossa oficina, pelo que desde o dia 30 de dezembro de 2023, não temos qualquer obrigação de guarda da mesma, cumprindo-nos recordar que, de acordo com o preçário que se encontra afixado nas nossas instalações, nos assiste o direito de cobrar a quantia em vigor por cada dia de ocupação indevida da nossa oficina. (…) 29) No dia 06-02-2024, a Autora, através do endereço de e-mail <..........@.....> endereça uma mensagem à Ré, para o endereço de e-mail <..........@.....>, na qual consta: “(…) Tendo havido divergências na reparação completa, friso completa, devido à avaria que sofreu na data atrás referida e ter sido entregue sem que todas as avarias fossem solucionadas/reparadas; Tendo havido divergências na completa reparação da viatura após Test Drive, para o qual foi o gerente da empresa A..., Unipessoal Ldª convocado pelos vossos serviços a estar presente em data por vós previamente estabelecida. Digo ter havido divergências na completa reparação da viatura, porquanto o chefe das oficinas que acompanhou o Test Drive, confirmou a incompleta reparação da viatura (problemas da caixa de direcção, segundo informação/análise do próprio) e que previsivelmente a viatura ficaria reparada no final da tarde desse mesmo dia; Tendo a empresa A..., Unipessoal Ldª tido conhecimento do teor da vossa carta enviada recentemente à advogada Drª. DD, em que elencou (a vossa carta) o não comprometimento em circulação da avaria presumivelmente na caixa de direcção, situação essa reconfortante que nunca foi apresentada ao gestor da empresa A... para poder circular na via pública em regime TVDE; Vem o gerente da empresa acima indicada, AA, solicitar/requerer à empresa B... que esta se digne passar TERMO DE RESPONSABILIDADE, onde conste não haver impedimento nem perigo para a condução e circulação em regime TVDE na via pública devido a essa anomalia (…)” (art.º 17 da PI); 30) Em data não concretamente apurada, a C... deu autorização à substituição da coluna da direção (art.º 25 da Contestação); 31) A Ré procedeu à substituição da coluna de direção e entregou a viatura à Autora a 22 de fevereiro de 2024 (art.ºs 25 da PI e 25 da Contestação); 32) No ano de 2023, entre os meses de janeiro e setembro, a Autora registou a seguinte faturação (art.º 35 da PI): 33) Nos meses de novembro e dezembro de 2023, a Autora registou a seguinte faturação: 34) No exercício da sua atividade, a Autora suporta as seguintes despesas, que se mantiveram inalteradas durante o período em que a viatura esteve na oficina da Ré: a. 80,00€ mensais por serviços de contabilidade; b. 491,53 de prestação mensal do crédito automóvel; c. 15,39€ de prestação mensal de telefone; d. 1915,65€ de anuidade de seguro automóvel; e. 131,70€ de anuidade de seguro de acidentes de trabalho; 35) Todas as reparações efetuadas na viatura foram custeadas pela C..., SA. (art.º 8 da Contestação); FACTOS NÃO PROVADOS a) O diagnóstico da viatura referido em 8) ocorreu a 28/11/2023 (art.º 16 da Contestação); b) Após a substituição do motor, a Ré entregou a viatura à Autora a 29-12-2023 (art.º 19 da Contestação); c) Após a entrega da viatura referida em 19) e durante a viagem para a sede da Autora, o legal representante da Autora sentiu um cheiro intenso a gasóleo e verificou que o painel de informação da viatura tinha anomalias eletrónicas, não exibindo corretamente a informação. (art.º 11 da PI); d) O ruído referido em 19) não existia antes da intervenção da Ré (art.º 12 da PI); e) A Autora tinha a categoria GOLD na plataforma Uber antes da viatura ter sido rebocada para as oficinas da Ré (art.º 29 da PI); f) A categoria atual da Autora na plataforma Uber é Básico (art.º 29 da PI); g) O legal representante da Autora colocou dinheiro próprio na conta bancária da Autora de forma a pagar as despesas referidas em 34). (art.º 40 da PI); B. O DIREITO Da admissibilidade do documento Apreciando: Nos termos do artigo 423.º, n.º 1, CPC, o momento próprio para a junção de documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa é o da apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes. No entanto, o n.º 2 deste artigo admite a junção de documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, embora a parte se sujeite a sanção tributária por junção tardia caso não logre demonstrar que não os pôde oferecer com os articulados. E o n.º 3 deste artigo determina que após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Após o encerramento da discussão em 1.ª instância, estabelece o n.º 1 do artigo 425.º CPC que só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Relativamente à junção de documentos na Relação rege o artigo 651.º CPC, dispondo que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Mantém-se actual a lição de Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. IV, pg 15-6, que identifica as três hipóteses de superveniência que justificam a apresentação de documentos com as alegações: documentos que não existiam, ou existindo não eram conhecidos, ou sendo conhecidos a parte não pudesse ter feito uso deles. “Nos termos dos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do CPC, apenas é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso quando não tenha sido possível apresentá-los anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido. O documento junto — artigo de jornal sobre alegada extensão da garantia por parte do construtor automóvel — contém factos novos, não alegados nem discutidos na 1.ª instância, não se enquadrando em nenhuma das excepções legais referidas. Por outro lado, a notícia jornalística não constitui prova documental idónea dos factos nela referidos. Assim, não se admite a junção do referido documento. ** Da nulidade da sentença Em sede de alegações de recurso, invocou a A. a nulidade da sentença proferida nos autos, dado ser omisso no dispositivo qualquer referência à interveniente chamada. Como bem disse o Sr. Juiz, “Atendendo a que a terceira chamada apenas foi admitida a intervir nos autos a título de intervenção acessória, a improcedência da aludida nulidade é, por demais, evidente, afigurando-se desnecessárias quaisquer considerações adicionais. “ A intervenção acessória provocada tem subjacente um interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, na consideração da posição processual que deve corresponder ao titular de uma relação de regresso, meramente, conexa com a relação jurídica material controvertida, objeto da causa principal, simples auxiliar na defesa, destinando-se a estender ao chamado o efeito do caso julgado sobre os pressupostos do direito de indemnização, a fazer valer em acção posterior, no exercício do direito de regresso. Com efeito, o chamado em incidente de intervenção acessória provocada não é sujeito da relação jurídica material controvertida, não é parte principal na causa, já que não é contra ele, mas contra o réu, requerente do chamamento, que é formulado o pedido da acção, razão pela qual, a proceder, é o réu e não o chamado, que deve ser condenado, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões com repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, com vista a ajudar a defender o réu e não a defender-se do réu.- cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 6ª edição, 2013, 95 e 96; Miguel Teixeira Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, 1997, 178 a 180. Esta conclusão resulta claramente da lei – cfr. artigo 323.º do Código de Processo Civil: “ 1 - O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes.(…) 4 - A sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 332.º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior ação de indemnização.” Em conclusão, inexiste a invocada nulidade. ** A qualificação do contrato celebrado entre A. e R.O que se decidiu na sentença recorrida? Começou por concluir-se que foi celebrado um contrato de compra e venda – artigo 874º do Código Civil, tendo a Autora assumiu a obrigação de pagar o preço e a Ré a obrigação de entregar a coisa. Perante esta qualificação e no seguimento do que era alegado pela Autora na sua petição, haveria que chamar à colacção o regime da venda de coisa defeituosa, previsto nos artigos 913 a 922 do Código Civil. Escreveu-se na sentença “ a quo” que, “ao remeter para o regime da venda de bens onerados, em síntese, o legislador permite a anulação do contrato por erro ou dolo – remissão do art. 913º CC, bem como o direito de exigir a reparação da coisa, ou, se for necessário, a substituição da mesma. Por outro lado, pode ainda ser atribuída ao comprador uma indemnização nos termos previstos conjugadamente nos art.ºs 913 e 909 e 915, todos do CC. Por fim, pode ser aplicável à venda de coisas defeituosas a redução do preço – cfr. art.ºs 911 e 913 CC. Todas as referidas soluções implicam, no entanto, a verificação de um defeito preexistente à entrega do bem. Concluiu o Tribunal “a quo” que, como a viatura foi adquirida pela Autora em setembro de 2022 (facto provado n.º 4), que a Autora a utilizou no exercício da sua atividade por mais de 12 meses (facto provado n.º 1 e 32) e que a avaria no motor apenas se veio a verificar a 24-11-2023 (facto provado n.º 5), não existiam elementos para concluir pela existência de um vício pré-existente à entrega da viatura. Tendo sido um vício que surgiu posteriormente haveria que aplicar o artigo 921º do Código Civil e, não tendo havido prova de qualquer convenção entre as partes, concluiu que o prazo supletivo de 6 meses já tinha decorrido aquando da primeira entrada da viatura na oficina. Fez notar que não se aplicava ao caso o DL 84/2021 uma vez que tanto a Autora como a Ré são sociedades comerciais, ou seja, não era possível presumir que a falta de conformidade existia ao tempo da entrega da viatura. Deste modo, afastou a aplicação do regime de compra e venda com defeito. Ora, parece-nos que a circunstância de, no caso de compra e venda de coisa defeituosa, (não se aplicando o DL 84/2021 porque não estava em causa um consumidor e um profissional) se concluir que não existia uma presunção legal de que a falta de conformidade existia à data da entrega da viatura, não determina uma nova qualificação do contrato. Implica, apenas, que o autor tem que provar que o defeito existia à data da venda e, não provando, improcede a acção. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.11.2021, tirado no processo 3308/20.5T8LRA.C1, Relator: Falcão de Magalhães “ I – No regime da venda defeituosa, previsto no n.º 1 do art. 913.º do CC, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda. II - E é assim porquanto a execução defeituosa da prestação contratual, como violação do contrato, é um ato ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual. III - No domínio desta responsabilidade presume-se a culpa, mas na falta de norma que o permita o mesmo não acontece relativamente aos restantes requisitos da responsabilidade civil. IV - Assim, há-de ser sobre quem invoca a prestação inexata da outra parte como fonte da responsabilidade que há-de recair o ónus de demonstrar os factos que integram esse incumprimento (facto ilícito), bem como os prejuízos dele decorrentes (dano) – artigo 342º, nº1, do Código Civil. V - Não sendo à compra e venda em causa aplicável o regime jurídico da venda de bens de consumo previsto no DL 67/2003, de 8/4, nem o disposto no artº 921º do C. Civil, a procedência do peticionado pela Autora dependia da prova - que a onerava, enquanto factualidade constitutiva do direito que suportava o pedido (artº 342º, nº 1, do CC) -, da anterioridade do defeito em relação à concretização do contrato e à entrega do veículo.” No caso, entendemos que, de facto, estamos perante um contrato de compra e venda. Não foi a R. quem suportou os custos da reparação da viatura, mas a chamada que era a representante do construtor. Esta posição da chamada aconteceu porque entendeu estar aquele veículo abrangido pela garantia ou por mera cortesia? Isto porque, como supra dissemos, quando já não estamos dentro do período de garantia legal, e se discute judicialmente a existência de um defeito (vício) na coisa vendida, é o comprador (autor) quem tem o ônus de provar que o defeito já existia à data da compra, mesmo que só se tenha manifestado depois. Se o construtor assume a reparação voluntariamente, o vendedor cumpre uma obrigação que, em princípio, já não lhe era exigível. O comprador beneficia da reparação, mas isso não equivale automaticamente a reconhecer a existência de uma garantia ainda válida. A discussão da garantia deixa de ser relevante quanto à reparação em si, porque o vendedor assumiu o encargo. Quanto ao custo da reparação, o debate sobre a garantia deixa de ter interesse prático. Porém, essa discussão pode continuar a ser relevante para outros efeitos. Se o comprador quiser uma indemnização adicional (lucros cessantes, despesas, etc.) a questão volta a ser relevante, porque será preciso saber se o vendedor estava legalmente obrigado (por força da garantia) ou actuou apenas por cortesia. Assim, se foi mera cortesia, o comprador não pode exigir mais — a reparação esgota a “obrigação” que o vendedor quis assumir. Se o defeito voltar a ocorrer poder-se-á discutir se a primeira reparação reabriu ou não o prazo de garantia; se o vendedor agiu “a título de garantia”, pode entender-se que reconheceu a obrigação e, portanto, o prazo renasce Temos, porém, uma certeza: discutir a existência (ou não) de uma garantia não altera a natureza jurídica do contrato celebrado entre as partes. Ou seja, continua a ser um contrato de compra e venda, e não passa, por exemplo, a uma empreitada ou a outro tipo contratual. A garantia não é um tipo contratual — é um mecanismo acessório. O que a lei portuguesa faz é distinguir o contrato principal, compra e venda (artigos 874.º e seguintes do Código Civil) e as obrigações acessórias que podem derivar desse contrato, como a garantia (legal ou contratual), que é uma obrigação acessória do vendedor de responder por defeitos da coisa. Portanto: Mesmo que haja (ou não haja) garantia, o contrato mantém-se como compra e venda. O que muda é apenas o regime jurídico aplicável à responsabilidade do vendedor. O que é que muda, então, quando discutimos a garantia? Se há garantia legal/contratual válida, aplica-se o regime do Decreto-Lei n.º 84/2021 (ou, nos casos residuais, os arts. 913.º e ss. do Código Civil) e o comprador beneficia de certas presunções (ex.: o defeito presume-se existente à data da entrega), há direitos específicos: reparação, substituição, redução do preço, resolução e indemnização. Se já não há garantia, continua a aplicar-se o regime geral da compra e venda defeituosa (artigos 913.º a 922.º do Código Civil), o comprador ainda pode agir, mas tem de provar o defeito e a sua anterioridade (como já discutimos), não havendo presunções a seu favor. Mas o tipo de contrato é o mesmo — o que muda é a intensidade e o regime da responsabilidade do vendedor. A empreitada (artigos 1207.º e seguintes do Código Civil) é diferente da compra e venda porque o empreiteiro se obriga a realizar uma obra, e não a transmitir a propriedade de uma coisa e a responsabilidade por defeitos da obra (art. 1221.º e ss.) tem regime próprio. No caso da venda de um carro, mesmo que o veículo venha com defeito, o objeto é a transmissão de um bem, não a execução de um trabalho. Logo, não se trata de empreitada, mas de compra e venda defeituosa — independentemente de haver ou não garantia. Outra questão se pode colocar: se o vendedor repara o defeito, mas depois se constata que o serviço não ficou bem feito, podemos qualificar esta relação como uma prestação de serviços? Quando o vendedor repara o defeito de um bem (por exemplo, um carro) e essa reparação corre mal, é tentador pensar que estamos perante uma prestação de serviços mal executada, e não apenas uma continuação da compra e venda. Mas a resposta jurídica depende de como e porquê o vendedor fez a reparação. Se a reparação é feita ao abrigo da garantia (legal ou contratual), neste caso, O vendedor repara o bem porque está obrigado pela garantia (legal ou contratual) a eliminar o defeito, A reparação não é um contrato novo, mas um dever acessório que nasce do contrato de compra e venda inicial. Logo, continuamos dentro do regime da compra e venda defeituosa O dever de reparar decorre da obrigação de conformidade (art. 12.º e seguintes do DL 84/2021) ou, fora do âmbito do consumo, da responsabilidade por defeitos da coisa vendida (arts. 913.º ss. CC). Se a reparação não for bem feita, o vendedor continua responsável ao abrigo do mesmo contrato de compra e venda e o comprador pode exigir nova reparação, substituição, redução do preço, resolução ou indemnização. Assim, não há nova prestação de serviços autónoma — há cumprimento defeituoso de uma obrigação pré-existente. Se a reparação for feita fora do âmbito da garantia mediante acordo autónomo, ou seja, o vendedor já não estava obrigado (ex.: prazo de garantia expirado) e ainda assim aceita reparar o veículo, eventualmente mediante pagamento (ou mesmo gratuitamente, mas com um novo compromisso de execução técnica), então o que existe é um novo contrato, juridicamente autónomo. Esse novo contrato é uma “prestação de serviços” ou até uma “empreitada”, consoante o caso - prestação de serviços quando o foco é a actividade (ex.: diagnóstico, limpeza, manutenção geral) ou empreitada quando o foco é o resultado concreto (ex.: substituir motor, reparar sistema elétrico). Se a reparação for mal feita aplicam-se as regras da empreitada ou da prestação de serviços (responsabilidade por defeito da obra ou serviço)- o cliente (comprador original) pode exigir reexecução, redução do preço ou indemnização (arts. 1221.º ss. CC). Concluindo, se a reparação foi feita em cumprimento da garantia, não há novo contrato. A má reparação é novo incumprimento do contrato de compra e venda. Se a reparação foi feita fora da garantia, com acordo autónomo estamos perante uma prestação de serviços (ou empreitada), e a má execução gera responsabilidade contratual própria. Se a reparação foi efectuada porque o construtor assumiu a reparação, isso não contende com julgar improcedente o pedido de lucros cessantes feito contra o vendedor porque já não se está na pendência da garantia O facto de o fabricante assumir a reparação (fora da garantia legal ou contratual) afecta a responsabilidade do vendedor e, consequentemente, pode justificar julgar improcedente o pedido de lucros cessantes contra o vendedor? O vendedor, pela compra e venda defeituosa, responde pelos defeitos existentes à data da venda (art. 914.º CC), mesmo que os ignore. Mas essa responsabilidade depende de o comprador provar que o defeito já existia à data da venda (se a garantia já expirou). Nesta situação o comprador tem de provar o dano (lucros cessantes) e o nexo causal entre o defeito e o dano. Se não houver prova de que o defeito já existia, ou se o vendedor não tiver incumprido qualquer obrigação sua, o pedido indemnizatório não procede. Se o tribunal entender que a garantia legal já tinha expirado, e portanto o vendedor já não estava juridicamente obrigado a reparar, que o defeito foi assumido e reparado pelo construtor, por sua própria conta e que não ficou provado qualquer incumprimento ou omissão do vendedor (por exemplo, demora indevida, ocultação de defeito, etc.) então é coerente julgar improcedente o pedido de lucros cessantes contra o vendedor, porque: O vendedor não responde pelos lucros cessantes se não tinha já obrigação de reparar e não contribuiu culposamente para a demora ou dano, mesmo que o fabricante tenha reparado o defeito. No caso em apreço, intuindo-se que o defeito no veículo resultou de vício de fabrico dado que a respectiva reparação foi integralmente assumida pelo construtor, sem custos para o comprador, já após a caducidade do prazo de garantia legal, importa delimitar o âmbito da responsabilidade do vendedor. A responsabilidade do vendedor, nos termos dos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, circunscreve-se aos defeitos existentes à data da venda. Decorrido o período de garantia, cessa a presunção legal de que o defeito já existia aquando da entrega do bem, recaindo sobre o comprador o ónus de demonstrar tal facto (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil). No caso sub judice, o vendedor não apenas não interveio na origem do defeito, como também não se encontrava vinculado a proceder à reparação, uma vez que a garantia legal já havia expirado. A reparação do veículo foi, de resto, assumida directamente pelo fabricante, no âmbito de um compromisso próprio, autónomo e distinto da relação contratual de compra e venda. Assim, inexistindo incumprimento de qualquer dever contratual por parte do vendedor e não se demonstrando nexo causal entre a sua conduta e os prejuízos alegadamente sofridos pelo autor, designadamente quanto aos lucros cessantes reclamados, deve concluir-se que o vendedor não incorre em responsabilidade civil pelos danos invocados. Consequentemente, é juridicamente sustentável a improcedência do pedido de indemnização por lucros cessantes. Em suma, a responsabilidade, a existir, seria exclusivamente imputável ao construtor, nos termos em que este assumiu a reparação, não se verificando fundamento jurídico bastante para condenar o vendedor no pagamento de qualquer indemnização adicional. Porém, se autor interpôs recurso da sentença que condenou o réu a pagar-lhe a quantia de X, por entender que o valor indemnizatório fixado é manifestamente insuficiente, se o Réu não interpôs recurso, tendo apenas apresentado contra-alegações, conforme resulta do artigo 635.º, n.º 5 do CPC, “o tribunal de recurso não pode, em prejuízo do recorrente, agravar a sua posição relativamente à decisão recorrida”. Nesse sentido, ver Acórdão da Relação de Lisboa de 21-03-2023, tirado no processo 1069/09.8TVLSB.S1, relator Nuno Pinto Oliveira” I. — O princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil está estreitamente relacionado com o efeito de caso julgado formado sobre a decisão recorrida, na parte não impugnada. II. — A expressão efeitos do julgado do art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil deve interpretar-se como reportada à parte decisória da sentença.” IV. DECISAO Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida mantendo-se integralmente a decisão recorrida quanto ao montante indemnizatório de 141,41€ (cento e quarenta e um euros e quarenta e um cêntimos), sem prejuízo de se consignar que, por força da proibição da reformatio in pejus (art. 635.º, n.º 5 CPC), o Tribunal não poderia em caso algum reduzir a quantia fixada, uma vez que apenas o autor interpôs recurso. Custas pela recorrente. Registe e notifique. DN Porto, 11 de Novembro de 2025. (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos) Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990. Raquel Correia de Lima Maria da Luz Seabra Maria Eiró -Voto a decisão |