Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ MANUEL CORREIA | ||
Descritores: | CASO JULGADO FORMAL NULIDADES DA SENTENÇA AGENTE DE EXECUÇÃO LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA RECLAMAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202410249604/07.0TBVNG-G.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Um despacho por via do qual se aprecie questão já apreciada por despacho anterior proferido no mesmo processo não padece da nulidade prevista na 2.ª parte, da alínea d), do n.º 1, do art.º 615.º do CPC, constituindo antes ofensa do caso julgado formal firmado pela primeira decisão. II - Com efeito, a nulidade é um vício que afeta a regularidade formal ou o conteúdo da decisão, uma vez verificada alguma das hipóteses previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 daquele preceito, ao passo que a violação do caso julgado formal contende com os efeitos e limites da decisão proferida, nos termos, inter alia, dos art.ºs 620.º e 621.º do CPC. III - Outrossim, se a nulidade da decisão, uma vez verificada, conduz à sua retificação, suprimento ou reforma (n.º 2 do art.º 615.º e n.º 2 do art.º 617.º do CPC), a violação do caso julgado, por existirem duas decisões contraditórias, conduz à ‘prevalência’ da decisão que transitou em primeiro lugar e à ‘ineficácia’ da decisão posterior (art.º 625.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. IV - Finalmente, a violação do caso julgado, não só admite sempre a admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência (al. a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC), como constitui fundamento autónomo de oposição à execução (alínea f) do art.º 719.º do CPC). V - Além de instituto jurídico diverso do da nulidade da decisão, a violação do caso julgado obedece, assim, a um regime de tratamento especial, que afasta a aplicação de qualquer outro que, em abstrato, lhe pudesse ser aplicado, nomeadamente o da nulidade da decisão, pelo facto de o tribunal ter conhecido de questão de que não pudesse conhecer. VI - Uma decisão judicial considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628.º do CPC), sendo que, em se tratando de despacho que recai unicamente sobre a relação processual, este, a partir do seu trânsito, produz caso julgado formal, passando a ter força obrigatória dentro do processo (art.º 620.º, n.º 1 do CPC). VII - Não produzem caso julgado formal os despachos que se limitem à simples ordenação dos termos do processo, como sejam os de mero expediente, os proferidos no uso legal de um poder discricionário, os de simplificação ou de agilização processual, os que conhecem de nulidades gerais e os de adequação formal (art.ºs 620.º, n.º 2 e 630.º do CPC). VIII - Os despachos que, conhecendo de reclamação da liquidação do julgado apresentada pelo agente de execução, apreciam a questão de saber se na liquidação devem ser ou não computados juros de mora constituem despachos, não destinados a prover ao regular andamento do processo, mas suscetíveis de ‘prejudicar e ofender direitos das partes’, pelo que se trata de decisões virtualmente aptas a produzir caso julgado formal. IX.- Decidindo-se, num primeiro despacho, que na liquidação do julgado devem ser computados juros de mora, embora reformulados de acordo com os demais termos da decisão, mas decidindo-se num despacho posterior proferido no mesmo processo que não há lugar ao cômputo dos juros, há ofensa do caso julgado decorrente daquele primeiro despacho, pelo que os efeitos deste sobrepõem-se aos do segundo, sendo este, quanto àquela questão, ineficaz. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 9604/07.0TBVNG-G.P1 - Recurso de apelação Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto, Juiz 7 Recorrente: Condomínio da Rua ... Recorridos: AA, BB e CC * Sumário …………………………… …………………………… …………………………… * * * - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, I.- Relatório 1.- Condomínio da Rua ... instaurou execução para prestação de facto contra DD e A..., Lda.. Em suporte da sua pretensão, invocou e pediu no requerimento executivo o seguinte: “1º. Por douta sentença transitada em julgado, proferida nos autos da acção declarativa a que a presente acção corre por apenso, foram os ali RR. e aqui executados, condenados a "proceder à realização de obras que reparem os defeitos de construção de que padece o prédio, de forma a repô-lo em perfeitas condições de habitabilidade...". 2º. Desde essa data, até ao momento, os executados não realizaram as referidas obras. 3º. Para a realização das referidas obras, é suficiente o prazo de 30 dias. Pelo que, 4º. Ao abrigo do disposto no artº. 933º nº1 CPC, ex vi artº. 939º nº1 CPC, requere-se a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo de incumprimento pelos executados. 5º. Deixando-se ao prudente arbítrio de Vª. Excelência a fixação da mesma, sugerindo-se o valor diário de € 35,00. Nestes termos, após a citação dos executados, deve ser fixado em 30 dias o prazo para a prestação do facto em que foram condenados, com a sanção compulsória de € 35,00 por cada dia de atraso após esse prazo sem que a prestação de facto se encontre cumprida.”. * 2.- No requerimento executivo, no campo destinado à “liquidação da obrigação”, referiu, ainda, o seguinte:“Os exequentes entendem, com base em orçamento fornecido em 27/6/2005 pela empresa B...-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO CIVIL, LDA, ser suficiente o valor de 28.700,00€, para a realização das obras referidas em 1º. da exposição de factos. O valor referido para execução da obra é meramente indicativo dado ter como base o orçamento, sendo necessária uma nova avaliação do custo das obras, assim como está dependente da prudente fixação pelo Meritíssimo Juíz do valor da sanção pecuniária compulsória.” * 3.- No decurso da execução, o Exequente optou pela prestação do facto por outrem, em razão do que os autos, na sequência de despacho adrede proferido em 17-02-2011, passaram a seguir os termos da execução para pagamento de quantia certa, com o intuito de ser obtido o montante necessário à realização da prestação devida, cujo custo foi, no mesmo despacho, fixado em € 50.100,00.* 4.- Cumprida a tramitação da execução, o agente de execução, sob determinação do tribunal, apresentou nos autos, em 21-05-2020, a liquidação do julgado, contendo, no que aqui importa, os seguintes dizeres:5.- Tal liquidação mereceu, em 02-06-2020, reclamação do executado DD, na qual este, no que aqui importa, invocou, no essencial, o seguinte: i.- os juros de mora e os juros compulsórios liquidados não são devidos, porque inexiste mora, já que a quantia devida (€50.100,00) não se encontra definitivamente fixada; ii.- ainda que existisse mora, seriam indevidos os juros compulsórios, uma vez que não foi judicialmente ordenado qualquer pagamento em dinheiro (art.º 829.º, n.º 4 do CC); iii.- a sanção pecuniária compulsória não é devida, por inexistir sentença a fixá-la; iv.- considerando o valor das transferências e depósitos já efetuados e, bem assim, o valor com que a obra já foi realizada (€ 52.342,95), a responsabilidade do reclamante era de 50% do seu custo, não ultrapassando, por isso, € 26.171,75, inferior ao depositado; v.- estando realizada e paga a obra, não há mora e, consequentemente, juros a liquidar, pelo que a execução deve ser extinta e devolvida a quantia remanescente ao reclamante; vi.- pelo mesmo motivo (estando realizada a obra), a sanção pecuniária compulsória, mesmo que tivesse sido judicialmente fixada e não foi, jamais se justificaria; vii.- é de 50% a responsabilidade do reclamante pelos honorários a pagar ao agente de execução e estando errados os cálculos da quantia exequenda, também está errado o cálculo dos valores que lhe são devidos. * 6.- Ouvido o Ministério Público, sobre a reclamação recaíu, em 02-07-2021, despacho cujo teor, no que aqui importa considerar, assim se reproduz: “(…) No que tange à intempestividade da nota de honorários ou da errada liquidação da quantia exequenda no valor de 50.100,00 Euros não se encontra efetivamente fixada dado o recurso pendente não assiste razão ao Executado. De facto e conforme resulta dos despachos proferidos a fls 214 e 224 a quantia mostra-se fixada e ao recurso interposto a fls. 173 é de agravo e sobe com o primeiro recurso, o qual ainda não sucedeu. Assim sendo e ate decisão final sobre a qual exista recurso o montante exequendo ter-se-á por fixado de acordo com o despacho proferido a fls. 214 e 224. Não existe assim nesta parte erro de liquidação nem intempestividade da mesma. Já quanto aos montantes apresentado pelo SR. AE a título de sanção pecuniária compulsória entendemos não lhe assistir razão em exara-la na liquidação apresentada, nos exactos termos doutamente explanados na douta promoção que antecede. De facto, como muito bem salienta o DMMO “trata-se de uma execução de sentença, instaurada em 17/10/2005 como execução para prestação de facto, em que – além do valor então estimado como necessário para a realização das obras e m causa – foi requerida a aplicação de sanção pecuniária compulsória de € 35 diários, ao abrigo do disposto do CPC então vigente, sendo referidas no requerimento executivo as normas dos artigos 933º e 939º, que têm paralelismo nos atuais artigos 868º e 874º. Foi deduzida oposição à execução, que improcedeu (apenso A). No despacho judicial de 17/2/2011 foi o custo da prestação fixado em € 50.100,00, devendo os autos prosseguir, conforme ficou consignado na douta decisão aludida, nos termos do art.º 935º, nº 2 do CPC então vigente, a que corresponde o atual art.º 870º, nº 2. (O exequente havia declarado, conforme requerimento de 8/5/2007, a fls. 88, que optava pela prestação de facto através de terceira pessoa). (…) No enquadramento processual e substantivo do presente caso, parece-me que a sanção pecuniária compulsória a considerar é a do disposto no nº 4 do art.º 829º-A do PCP. Não se trata de uma prestação infungível, uma vez que pode ser realizada por pessoa diferente do devedor (tanto assim que o exequente optou pela prestação de facto por outrem) – razão pela qual, dada a fungibilidade da prestação, não há lugar ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento, que substantivamente se encontra regulada no nº 1 do art.º 829º-A do CPC”. Desta feita e concordando, nesta parte, na integra com a douta promoção que antecede julgamos procedente nesta parte a reclamação e por não haver lugar á fixação de sanção pecuniária compulsória determina-se que o SR.AE a retire da liquidação efectuada. Já não temos a mesma posição do DMMP quanto aos juros compulsórios De igual forma entendemos não serem devidos juros compulsórios a ser contabilizados, sendo nossa posição ser efectivamente desnecessário, no caso em analise, contabilizar tais juros por entendermos no serem os mesmos devidos. De facto, e como é sabido, a questão da exigibilidade dos juros compulsórios vem sendo debatida na jurisprudência não sendo uniforme. Vejamos pois. Estamos pois, perante a aplicação ao caso concreto do regime previsto no art.º 829-A do Código Civil, segundo o qual: “1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. 3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. 4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”. Este artigo estabelece os casos em que há lugar à sua aplicação não distingue qual a fonte da obrigação havendo de concluir-se que, quer brote a obrigação de indemnizar (em dinheiro) de fonte contratual, ou extracontratual, a tanto não obsta a aplicação da sanção. A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. No presente caso, o título executivo é uma sentença sendo que no requerimento executivo não foram peticionados juros compulsórios. Põe-se a questão de saber se, sendo executada uma obrigação pecuniária de quantia certa, baseada em sentença ou decisão judicial com igual força, a sanção compulsória opera de forma automática - sendo os aludidos juros devidos desde o trânsito em julgado da sentença de condenação (no caso do n.º 4 do referido art.º 829.º-A) - e se deve ser feita oficiosamente a liquidação dos juros, nos termos previstos no art.º 716º, nº 3, do Código de Processo Civil, ainda que o exequente não tenha especificado esse valor no requerimento executivo ou antes se antes a referida sanção tem que ser peticionada. (…) Em suma, a sanção pecuniária compulsória pode ser fixada posteriormente à sentença de condenação, nomeadamente no próprio processo executivo. Carece, no entanto, de requerimento do credor, não tendo por isso efeitos retroactivos.” E o que sucede no caso nos autos? Ora, nos autos o que verificamos com clareza, é que tal pedido não foi formulado pelo exequente no seu requerimento executivo inicial, onde em nenhum momento se alude ao pagamento pelos executados de qualquer montante a título de sanção pecuniária compulsória. Sendo deste modo, não pode pois ser aqui aplicável o disposto no supra citado art.º805º, nº3 do CPC, designadamente no que toca aos “juros compulsórios devidos ao Estado”. Na verdade defendemos, e após estudo sobre a matéria, a posição que entende que não são devidos juros ou sanções compulsórias quando não o forem peticionadas. (…) Por todo o exposto, e dando procedência ao requerido considera-se não serem devidos juros compulsórios e por isso desnecessária a sua contabilização. Perante esta decisão impõe-se igualmente a reformula dos juros de mora cuja liquidação terá efectivaente que ruir considerando ter havido agora sido considerada não existir lugar as sanções acima expostas e considerando o valor entretanto penhorado. Decisão: Assim sendo por todo o exposto e dando parcial procedência à reclamação apresentada pelo executado determino que o SR. E reformule a sua liquidação nos seguites moldes: - exclua o valor relativo a sanção pecuniária compulsória; - exclua o valor relativo a juros compulsórios; - adeque os valores dos juros moratórios considerando a decisão agora proferida e o momento das penhoras. Notifique. (…)”. * 7.- Inconformado com o despacho, o Ministério Público dele interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: “1ª – Trata-se de uma execução de sentença, instaurada em 17/10/2005 como execução para prestação de facto, em que – além do valor então estimado como necessário para a realização das obras em causa – foi requerida no requerimento executivo a aplicação de sanção pecuniária compulsória de € 35 diários. 2ª – Havendo o exequente optado pela prestação de outrem, passou a tramitar-se uma execução para pagamento de quantia certa a fim de ser obtido o montante necessário à realização da prestação devida, estando o custo dessa prestação estabelecido, segundo o douto despacho recorrido, em €50.100,00 (sem prejuízo da recorrência quanto a esse valor). 3ª – Considerando a fungibilidade dessa prestação, são devidos os juros compulsórios previstos no nº 4 do art.º 829º-A do CPC – posição que o Mº Pº aqui defende, radicando o seu interesse em agir na quota-parte do Estado, em função do disposto no nº 3 da referida norma. 4ª – Tal liquidação é oficiosa, devendo ser efetuada pelo agente de execução (art.º 716º, nº 3, do CPC), não carecendo de ser pedida, nem de ser fixada pelo tribunal, uma vez que o direito a ela se constitui automaticamente (conforme a jurisprudência citada) e a quota-parte dos juros compulsórios que caiba ao Estado é matéria subtraída à disponibilidade das partes. 5ª – No caso vertente, uma vez que o exequente optou no decurso da execução pela prestação de outrem, passando a tramitar-se incidentalmente uma execução para pagamento de quantia certa (em função do valor de € 50 1000) -, os juros compulsórios referidos no nº 4 do art.º 829º-A do Código Civil devem incidir sobre o valor da prestação, desde 17/2/2011 (quando a execução seguiu os termos correspondentes ao atual nº 2 do art.º 870º do CPC) até ao conseguimento da quantia exequenda. 6ª – O montante dos juros compulsórios assim estabelecidos destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado – art.º 829º-A, nº 3 do CPC. 7ª – O Tribunal infringiu por conseguinte o disposto nos art.ºs 829º-A, nº 4, do Código Civil, norma que devia ter sido aplicada. 8ª – Assim, deverá a douta decisão recorrida ser substituída por outra em que seja determinado que, na liquidação da quantia exequenda para pagamento da quantia certa a que se refere o nº 2 do art.º 870º do CPC, deverão ser computados os juros compulsórios referidos no nº 4 do art.º 829º-A do Código Civil.” * 8.- Por Acórdão desta Secção do Tribunal da Relação do Porto de 15-09-2022, foi a apelação julgada improcedente e, consequentemente, confirmado o despacho recorrido.* 9.- Em cumprimento do despacho referido em 6, confirmado pelo Acórdão referido em 8, o agente de execução, em 13-12-2022, apresentou nova liquidação do julgado, contendo, no que aqui importa, os seguintes dizeres:* 10.- Por sentença proferida em 12-03-2024 no apenso F, foram EE, AA, BB e CC declaradas habilitadas para, com elas, em substituição do executado DD, falecido na pendência dos autos, prosseguirem os termos da execução principal.* 11.- As executadas habilitadas AA, BB e CC, em 19-03-2024, reclamaram da nova liquidação do julgado do agente de execução referida em 9, nos seguintes termos:“Por Douto Despacho de fls datado de 2/7/2021 o Tribunal decidiu que o Sr A.E. reformulasse a sua deficiente liquidação nos seguintes moldes: 1- exclua ao valor relativo á sanção pecuniária compulsória; 2- exclua o valor relativo a juros compulsórios; 3- adeque o valor dos juros moratórios considerando a decisão agora proferida e o montante das penhoras. A fls dos autos o Sr A.E. apresentou nova liquidação expurgando da mesma os dois primeiros itens, mas mantendo o terceiro com valores incorrectos sempre em desfavor do executado (a exemplo do que sucedera com a anterior), e agora das herdeiras deste! Vejamos: A) 1- Compulsados os autos, cujo decurso já vai longo, constata-se que a decisão condenatória na acção declarativa condenou o executado agora falecido e a Sociedade A... a “ reparar os defeitos de construção de que padece o prédio urbano sito na Rua ..., Freguesia ... ... ... de forma a repô-lo em perfeitas condições de habitabilidade, incluindo a substituição da telha colocada - telha alaço - e a reposição da telha original - telha francesa, bem como as demais obras que se revelem necessárias para esse fim, absolvendo-se os RR dos demais peticionado”. 2- O facto não foi prestado voluntariamente e a exequente executou a sentença. 3- No requerimento executivo foi requerida a prestação do facto por terceiro, tendo sido sugerida sanção pecuniária compulsória e não tendo sido peticionada indemnização moratória. 4- Quanto á sanção pecuniária compulsória foi ulteriormente decidido que a mesma não era devida, bem como os juros compulsórios. Ora, 5- Uma vez que no requerimento executivo (podendo tê-lo sido) não é peticionada indemnização moratória, nem a sentença dos autos declarativos condena em juros, cremos que os mesmos não são devidos, o que se requer seja decidido, ordenando-se nessa conformidade que o Sr A.E. corrija a sua liquidação. Ainda que assim se não entenda: B) 1- Salvo o devido respeito por melhor opinião os juros liquidados encontram-se, em grande parte, prescritos. Com efeito, 2-Tratam-se de juros legais, pelo que estes juros legais a serem devidos, devem sê-lo apenas nos últimos 5 anos face ao disposto no art. 310 d) do C. Civil e Jurisprudência avisada - cf. Ac. Rel. Lisboa 6325/205-2 Desembargador Relator Vaz Gomes; assim sendo, a serem devidos juros, no que não se concede, deverão ser contabilizados apenas os vencidos nos últimos 5 anos, o que se requer. Sem prescindir: C) 1-O Sr A.E. não cumpriu o último ponto do Douto despacho de 2/7/2021, ou seja,” não adequou o valor dos juros moratórios considerando a decisão agora proferida e as penhoras”. 2-Com efeito, os valores penhorados (mais de 30.000,00 euros), já se encontram á ordem, há muito tempo, do Sr A.E. não podendo onerar-se o executado, a agora as herdeiras, com juros uma vez que o mesmo já se encontra desapossado de tais verbas que lhe foram penhoradas!! 3-Destarte, sem prejuízo do que se diz supra e do que se refere ainda infra, se constata que a liquidação se encontra errada, a que acresce ainda o facto da responsabilidade do executado, e agora das herdeiras, ser apenas de 50% das custas e honorários do Sr. A.E! De qualquer das formas e ainda sem prescindir: D) 1-Na liquidação que é alvo da presente reclamação, o Sr A.E. liquidou juros desde a data de 18/2/2011 até 30/11/2022! 2-No entanto, a fls dos autos, foi interposto, pelo executado, recurso para o Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do qual se decidiu que a responsabilidade do executado DD (agora falecido) e A... Lda é conjunta, e não solidária, conforme o exequente pretendia; assim sendo, como é, apenas lhe incumbe o pagamento de 50% do valor fixado na perícia e não a totalidade, decidindo-se, também, a este propósito, no citado Acórdão que as custas do executado são fixadas também na proporção de 50% e não na totalidade. 3- Ora, o que vem espelhado na liquidação do Sr A.E. é que os juros liquidados são-no como se o executado (e agora as herdeiras) fosse responsável pelo seu pagamento integral o que sucede também quanto as custas e honorários o AE. 4-Por outro lado, (ainda que sejam devidos juros e/ou que os mesmos não se encontrem prescritos e sem descurar o referido no ponto C) supra) estes, no limite, apenas se começam a vencer desde o transito em julgado o citado Acórdão ou seja inícios de 2013 e não desde 2011!! 5-O Sr A.E. refere ainda que foi entregue (embora indevidamente) ao exequente a quantia de 20.000,00 euros em 27/12/2011. Ora, se tal quantia foi entregue, como se confirmou ter sido, sobre essa quantia não se pode, nem deve, contabilizar-se juros, o que foi feito pelo Sr AE!!. Com efeito, no valor liquidado de 23.960,15 euros de juros pelo Sr A.E. encontram-se contabilizados esses juros se calcularmos os 11 anos e nove meses que decorreram, á taxa de 4% ao ano, valor este achado como se a responsabilidade do falecido executado fosse solidária e não conjunta, conforme decorre do ponto 3 que antecede!! Termos em que deve ser julgado procedente por provada a presente reclamação decidindo-se que: - que não há lugar a qualquer valor a titulo de juros por não ter sido peticionada a indemnização moratória; - se assim se não entender, que os juros peticionados se encontram em grande parte prescritos apenas sendo contabilizados os vencidos dos últimos cinco anos. - se assim se não entender, que o Sr AE cumpra o decidido na alínea c) que antecede no sentido de adequar o valor dos juros moratórios considerando a decisão proferida e o montante das penhoras. - em qualquer dos casos que a responsabilidade pelos juros devidos pelo executado ascendem apenas a 50% dos valor dos mesmos e que estes não podem incidir sobre os 20.000,00 euros entregues ao exequente em 27/12/2011, bem como (a não ser procedente o alegado nos pontos que antecedem) que apenas se devem contar desde o transito em julgado do acórdão a que se alude supra. - que os valores a titulo de custas e honorários do AE sejam da responsabilidade das herdeiras do executado na proporção de 50%, devendo o Sr A.E. reformular a nota discriminativa conforme superiormente decidido.” * 12.- Ouvido o agente de execução, este bateu-se pela improcedência da reclamação da liquidação, afirmando que esta estava corretamente elaborada, porque em conformidade com o decidido nos autos.* 13.- A reclamação foi atendida na íntegra, por despacho de 18-04-2024, do seguinte teor:“Reclamação de 19.03.2024: Os executados/habilitados AA, BB e CC vieram reclamar da liquidação do julgado apresentada pelo agente de execução, relativamente à previsão/imputação de juros de mora, por, a título principal, sustentarem que os mesmos, não resultando da sentença exequenda ou do pedido executivo, não são devidos. Os executados requerem ainda que a responsabilidade do falecido executado que os ora reclamantes vieram substituir relativamente ao valor a penhorar e às despesas e honorários do agente de execução seja considerada apenas em 50%, na medida da já reconhecida responsabilidade meramente conjunta dos executados. O exequente não respondeu. Decidindo, assiste razão aos executados/habilitados. Na verdade, importa atentar que a presente execução visa a prestação de facto, sem que resulte da sentença exequenda a condenação no pagamento de quantia certa, sendo certo que o próprio exequente não peticiona o pagamento de quantia monetária que tenha sido admitida (apresentou o pedido de pagamento de sanção pecuniária compulsória, mas tal veio a ser indeferido). Assim sendo, não havendo condenação no pagamento de quantia monetária, não há lugar ao pagamento de juros de mora, nos termos do art. 806.º do CC. É verdade que, no caso, se operou a conversão da execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, nos termos do art. 870.º do NCPC, na sequência da avaliação do custo da prestação exequenda. No entanto, tal não implica a condenação dos executados no pagamento da quantia assim apurada, mas apenas visa fixar o valor provisório a penhorar, de modo a que, quando as obras forem feitas por outrem, seja possível pagar ao exequente, no quadro do processo incidental de prestação de contas, nos termos dos arts. 870.º a 872.º do NCPC, importando notar que a definição exata do valor a pagar ao exequente apenas ocorrerá quando forem prestadas as contas das obras, nos termos do art. 872.º do NCPC, momento em que se verificará se o valor penhorado é ou não suficiente para pagar o valor dessas concretas obras. O valor fixado para efeitos de penhora, no quadro do art. 870.º do NCPC não traduz, pois, pelo menos necessariamente, o valor que deverá ser pago ao exequente após a devida prestação de contas – pode ser um outro qualquer valor, dependendo do custo efetivo das obras, inclusive, pode ser um valor inferior, havendo, então, que restituir o excesso penhorado aos executados - e daí que inexista fundamento para liquidar juros de mora, podendo apenas justificar-se a atualização do valor pela taxa de inflação, desde o momento em que foi avaliado o custo da prestação. Acresce que, mesmo que se pretenda interpretar o despacho de 02.07.2021 como admitindo a liquidação de juros de mora, a verdade é que a eventual penhora de valor para além do necessário a custear as obras seria sempre um ato inútil e desnecessariamente afetador do património dos executados (proibido pelo art. 130.º do NCPC), na medida em que, na sequência do exposto quanto ao regime legal aplicável, a definição do valor a pagar ao exequente não decorre do valor da avaliação pericial (ao abrigo do art. 870.º do NCPC), acrescida de juros, mas apenas do custo efetivo da obra, o que terá de ser apreciado no incidente de prestação de contas a apresentar pelo exequente, e apenas nessa oportunidade será possível definir o valor a pagar ao exequente, insista-se, somente por referência ao custo que a obra a realizar venha a implicar. Quanto ao mais que pode relevar, como referem os reclamantes, a responsabilidade do falecido executado que os ora reclamantes vieram substituir relativamente ao valor a penhorar ao abrigo do art. 870.º do NCPC e às despesas e honorários do agente de execução deve ser considerada apenas em 50%, na medida da já reconhecida em recurso (acórdão do apenso B) responsabilidade meramente conjunta dos dois executados iniciais. Nestes termos, julga-se procedente a reclamação e, em conformidade, determina-se: - a exclusão da liquidação do julgado do valor previsto a título de juros de mora; - a imputação ao património do falecido executado, agora substituído pelos executados habilitados, de apenas 50% do valor a penhorar ao abrigo do art. 870.º do NCPC e das despesas e honorários do agente de execução. (…)”. * 14.- Inconformado com esta decisão, veio o Exequente interpor o presente recurso, batendo-se pela sua revogação, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:“A. O despacho recorrido, proferido em 18/04/2024, com a referência Citius 459221618, na reclamação apresentada pelas executadas contra a liquidação do agente de execução, decidiu a exclusão da liquidação do valor previsto a título de juros de mora. B. Sucede que o anterior despacho proferido nestes autos em 02/07/2021, com a referência Citius n.º 426262582, em anterior reclamação apresentada pelo executado, decidiu que seriam devidos juros de mora, devendo ser adequado o respetivo valor. C. Numa interpretação do despacho de 02/07/2021, à luz dos critérios do art. 236.º n.º 1 do Código Civil (CC), aplicável ex vi do art. 295.º do CC, é manifesto que a questão da inclusão de juros de mora na liquidação foi decidida em sentido favorável pelo tribunal, nestes autos. D. Decisão do tribunal de 02/07/2021 que se consolidou, com o trânsito em julgado, fazendo caso julgado formal, nos termos do art. 620.º do CPC, e até caso julgado material, em face do disposto no art. 619.º do CPC. E. Isto é, neste mesmo processo, o tribunal decidiu serem devidos juros de mora, por despacho de 02/07/2021; e decidiu não serem devidos juros de mora, pelo despacho ora recorrido de 18/04/2024. F. Tendo-se já consolidado a decisão tomada no despacho de 02/07/2021 quanto à admissibilidade dos juros de mora, sempre estaria vedado ao tribunal a quo decidir a exclusão destes juros, por se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional quanto a esta questão. G. Na última reclamação apresentada pelas executadas, o tribunal a quo apenas poderia ter conhecido o quantum dos juros de mora, mas não a sua admissibilidade, já decidida em anterior despacho. H. Ao assim decidir, o despacho recorrido ofendeu o caso julgado, tendo conhecido de questão de que não poderia ter tomado conhecimento – a admissibilidade de juros de mora – enfermando da nulidade prevista no art. 615.º n.º 1 al. d) do CPC. I. O próprio despacho recorrido admite que se interprete “o despacho de 02.07.2021 como admitindo a liquidação de juros de mora”. J. Não devendo o despacho recorrido ter considerado “a eventual penhora de valor para além do necessário a custear as obras”, pois tal questão não se encontra sequer arguida pelas executadas reclamantes, para além de se ter esgotado o seu poder jurisdicional quanto a esta questão, pois o custo da prestação encontra-se fixado nestes autos em €50.100,00, por despacho judicial de 17/02/2011, com a referência Citius n.º 12990730, e confirmado no despacho de 02/07/2021, o qual, decidindo anterior reclamação do executado, manteve a quantia exequenda nesse valor. K. Ao decidir como o fez, o despacho recorrido violou os arts. 619.º, 620.º e 615.º n.º 1 al. d) do CPC.” * 15.- Não sendo apresentada resposta ao recurso, foi este admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.* Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* * * II.- Das questões a decidir O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes: i.- da nulidade do despacho recorrido, por ter conhecido de questão de que não podia conhecer (art.º 615.º, n.º 1, al. d), segunda parte, do CPC); ii.- da ofensa do caso julgado. * * * III.- Fundamentação III.I.- Da Fundamentação de facto .- Os factos que aqui importa considerar e que, em função dos elementos constantes dos autos, se mostram provados, são os acima descritos no relatório desta decisão, os quais, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos. * * * III.II.- Do objeto do recurso 1.- Da nulidade do despacho recorrido por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento Invoca o Apelante que o despacho recorrido é nulo pelo facto de o tribunal a quo ter decidido uma questão de que não podia tomar conhecimento. Tal vício está previsto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, nos termos do qual, reportando-nos àquilo que aqui importa considerar, é, de facto, nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Tal disposição legal, apesar de se referir expressamente aos vícios da sentença, aplica-se, também, aos casos em que, como o dos autos, está em causa um simples despacho, por força da remissão operada pelo art.º 613.º, n.º 3 do CPC. A nulidade em apreço está conexionada com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, o qual, no que ao caso importa, impõe ao juiz que, na sentença - aqui, despacho -, se ocupe apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Está, também, conexionada com o disposto no n.º 1 do art.º 613.º do CPC, nos termos do qual, proferida a sentença (ou o despacho), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Ou seja, conjugados tais normativos, há nulidade da decisão com o fundamento aqui em apreço sempre que o tribunal, tal não lhe sendo permitido por lei ou não sendo do seu conhecimento oficioso, se pronuncie sobre questões cuja apreciação lhe não foi pedida pelas partes ou quando se pronuncie sobre questão que já havia sido objeto de apreciação em decisão anterior. Do que se trata aqui é, como decorre dos normativos legais supra transcritos, de um ‘excesso de pronúncia’ do tribunal quanto a questões de que não devesse conhecer, o que afasta, por conseguinte, as hipóteses em que, como refere Rui Pinto, “o tribunal usa de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes, dado o artigo 5.º, n.º 3 [do CPC] o permitir”, ou “aduz argumentos que a parte não apresentara, já que, uma coisa são as questões e, outra, são os argumentos que suportam a resolução daquelas” (in “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar online, maio de 2020, p. 29). In casu, segundo o Apelante o despacho recorrido padeceria do vício em apreço pelo facto de nele se ter decidido questão que já havia sido objeto de decisão em despacho anterior (o referido no n.º 6, supra), violando-se, assim, o caso julgado decorrente desta última decisão. Neste pressuposto, entendemos que não há nulidade atendível. Com efeito, independentemente da questão de saber se o despacho recorrido violou ou não o caso julgado decorrente do anterior despacho (questão que será analisada de seguida), o certo é que, uma coisa é a nulidade de uma decisão e outra a violação do caso julgado firmado por decisão anterior. A nulidade é um vício que afeta a regularidade formal ou o conteúdo da decisão, uma vez verificada alguma das hipóteses previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ao passo que a violação do caso julgado formal (que é o que aqui está em causa), contende com os efeitos e limites da decisão proferida, nos termos, inter alia, dos art.ºs 620.º e 621.º do CPC. Outrossim, se a nulidade da decisão, uma vez verificada, conduz à sua retificação, suprimento ou reforma (n.º 2 do art.º 615.º e n.º 2 do art.º 617.º do CPC), a violação do caso julgado, por existirem duas decisões contraditórias, “concede prevalência à decisão que transitou em julgado em primeiro lugar” e conduz à “ineficácia” da decisão posterior, como decorre dos n.ºs 1 e 2 do art.º 625.º do CPC (v. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pereira de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2022, p. 805). Finalmente, a violação do caso julgado, não só admite sempre a admissibilidade de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência (al. a) do n.º 2 do art.º 629.º do CPC), como constitui fundamento autónomo de oposição à execução (alínea f) do art.º 719.º do CPC). É certo que ao proferir uma segunda decisão sobre questão já anteriormente decidida, o tribunal está a apreciar algo de que, em último termo, não podia conhecer, o que não deixa de se enquadrar na previsão da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aqui em apreço. Como quer que seja, além de instituto jurídico diverso do da nulidade da decisão, a violação do caso julgado tem, como se viu, um regime de tratamento especial, que afasta a aplicação de qualquer outro que, em abstrato, lhe pudesse ser aplicado - trata-se de realidades diversas e não confundíveis entre si. A violação do caso julgado não constitui, pois, vício subsumível à segunda parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, mas vício de natureza diversa e sujeito a regime também ele diverso, a apreciar em sede própria que não no da nulidade da decisão recorrida. Improcede, consequentemente, a pretensão do Apelante aqui em análise. * 2.- Da ofensa do caso julgado .- Está em causa neste recurso a questão de saber se o despacho recorrido, proferido em 18-04-2024, ofendeu o caso julgado decorrente do despacho anteriormente proferido nos autos em 02-07-2021, quanto à questão de saber se na liquidação do julgado devem ou não ser incluídos os juros de mora. Vejamos. A decisão judicial, como decorre do art.º 628.º do CPC, considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação. Em se tratando, como no caso se trata, de despacho que recai unicamente sobre a relação processual, este, a partir do seu trânsito, produz, de harmonia com o n.º 1 do art.º 620.º do CPC, caso julgado formal, passando a ter força obrigatória dentro do processo. Tendo força obrigatória dentro do processo, a decisão torna-se imodificável, não podendo o tribunal voltar a apreciar a questão decidida, já que a ela fica definitivamente vinculado. Trata-se aqui de consequência da dupla função essencial que o caso julgado prossegue, isto é, e como refere Alberto dos Reis: a “função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade)” e a “função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal” (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, p. 92 e 93). Esta dupla função, por sua vez, tem na sua génese a razão de ser do instituto jurídico do caso julgado, com o qual, nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “tornando a decisão em princípio imodificável, [se] visa exactamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação” (in Manuel de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 705). Do caso julgado formal, de acordo com o n.º 2 do citado art.º 620.º do CPC, excluem-se, todavia, os despachos previstos no art.º 630.º. Será esse o caso, de acordo com o n.º 1 deste preceito, dos despachos de mero expediente, bem como dos proferidos no uso legal de um poder discricionário. Isto é, e respetivamente: dos despachos “proferidos pelo juiz para o regular andamento do processo” e dos despachos “que se destinam a ordenar actos que dependem da livre determinação pelo juiz” (v., neste sentido, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra, 1984, p. 249 e 252). Será também o caso, de harmonia com o n.º 2, das decisões de simplificação ou de agilização processual; de decisões proferidas sobre nulidades gerais; e das decisões de adequação formal, a não ser que contendam com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios. Ou seja, de decisões que, em último termo, mais não visam do que introduzir alterações na forma de tramitação dos processos, com o intuito de promover a sua celeridade e eficiência e, portanto, à semelhança dos despachos de mero expediente, decisões que também contendem com o simples andamento do processo. Podemos, assim, retirar a ideia de que o caso julgado formal com os efeitos apontados no citado art.º 628.º do CPC pressupõe uma decisão judicial, mas uma decisão judicial que não se limite à normal ordenação dos termos do processo. A decisão judicial que, uma vez proferida, tem força obrigatória dentro do processo será aquela, por conseguinte, que, pelas suas caraterísticas, é, como se referiu no Acórdão da Relação do Porto de 13-07-2022, suscetível de “prejudicar e ofender os direitos das partes” (Acórdão disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). Resta dizer que a força do caso julgado não se cinge à decisão, enquanto resultado da análise crítica e valorativa de um conjunto de fundamentos, mas abrange, também, esses mesmos fundamentos, por se tratar de pressupostos daquela decisão (v., neste sentido, e entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 12-09-2023, proferido no processo n.º 1636/21.1T8PVZ-A.P1, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). In casu, tendo presente a factualidade assente, deparamo-nos com o seguinte cenário. No decurso da execução, o agente de execução, por determinação do tribunal, apresentou, em 21-05-2021, a liquidação do julgado, na qual - inter alia - computou os juros de mora devidos. Inconformado, além do mais, com a inclusão dos juros de mora, que reputou indevidos, o executado originário DD apresentou reclamação, pedindo precisamente a exclusão daqueles juros de mora. Sobre tal reclamação recaiu, em 02-07-2021, despacho judicial, em que, relativamente à questão dos juros de mora, se afirmou que, perante a decisão a proferir, se impunha a sua “reformulação” e se decidiu ordenar ao agente de execução que ‘adequasse os valores desses juros moratórios considerando a decisão agora proferida e o momento das penhoras”. Este despacho, alvo de recurso (ainda que não atinente à questão dos juros de mora), foi confirmado por Acórdão desta mesma Secção da Relação do Porto, em razão do que o agente de o agente de execução apresentou nova liquidação do julgado, inserindo nela o valor dos juros de mora. As executadas entretanto habilitadas apresentaram nova reclamação da liquidação, insurgindo-se precisamente contra o cômputo dos juros, que consideraram não serem devidos – por não terem sido pedidos no requerimento executivo ou estarem prescritos parte deles – ou estarem indevidamente calculados. Sobre tal reclamação incidiu, finalmente, o despacho recorrido, proferido em 18-04-2024, que, atendendo, na íntegra, a reclamação, determinou, além do mais, a exclusão da liquidação do julgado do valor previsto a título de juros de mora. Chegados aqui, a questão que se coloca é, pois, a de saber se o despacho recorrido, ao decidir a exclusão da liquidação do julgado dos juros de mora, contrariou a decisão anteriormente proferida em 02-07-2021, na parte atinente à indemnização moratória, ofendendo, assim, o caso julgado correspondente. E o certo é que, analisados os termos de ambos os despachos, não parece haver dúvidas de que tal ocorreu, isto é, que houve efetivamente ofensa do caso julgado. Assim, cumpre referir, desde já, que os dois despachos aqui em causa apreciaram a questão de saber se são devidos juros de mora, pelo que se tratou, não de despachos destinados a prover ao regular andamento do processo, mas de despachos suscetíveis de “prejudicar e ofender direitos das partes”. Trata-se, por isso, de despachos virtualmente aptos a firmar caso julgado. Ora, no despacho de 02-07-2021, o tribunal a quo determinou a reformulação dos juros de mora constantes da primeira liquidação do julgado em função do decidido e justificou (fundamentou) a razão pela qual tal reformulação deveria ser feita. O sentido da decisão ínsita a tal despacho não pode ser outro, como tal, que não o de que nele não só foi expressa e especificamente apreciada a questão dos juros de mora, como que o foi em termos de considerar que os juros eram devidos, ainda que devessem ser reformulados. Já no despacho recorrido, o tribunal a quo decidiu exatamente o contrário, isto é, que os juros de mora deveriam pura e simplesmente ser excluídos da liquidação. A situação com que nos deparamos é, pois, e tal como, com propriedade e pertinência, refere o Apelante no seu recurso, uma em que no “mesmo processo, o tribunal decidiu serem devidos juros de mora, por despacho de 02/07/2021; e decidiu não serem devidos juros de mora, pelo despacho (…) de 18/04/2024.” É certo que, no despacho recorrido, são invocados fundamentos para a exclusão dos juros de mora que não haviam sido considerados no primeiro despacho, o que evidencia uma decisão pensada e estruturada no sentido de que não seriam devidos juros de mora. Como quer que seja, a decisão anteriormente proferida entendeu que o seriam e tal decisão, independentemente da valia dos argumentos que sustentaram ambas as decisões e do seu acolhimento à luz do direito aplicável, passou a ter, a partir do seu trânsito, força obrigatória no processo (art.º 620.º, n.º 1 do CPC). E tendo força obrigatória dentro do processo, os seus efeitos sobrepõem-se aos decorrentes da decisão recorrida, sendo esta, consequentemente, na parte atinentes aos juros de mora, ineficaz (art.º 625.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Procede, pois, a pretensão do Apelante, com a consequente revogação do despacho recorrido na parte em que determinou a exclusão dos juros de mora da liquidação do julgado. .- O Apelante, na conclusão J do seu recurso, refere, também, que o despacho recorrido não devia “ter considerado a eventual penhora de valor para além do necessário a custear as obras”, já que, além de não arguida pelas Reclamante, a questão do custo da prestação também já estava decidida pelo despacho de 17-02-2011, fixando-o em € 50.100,00 e tal decisão foi reiterada no despacho de 02-07-2021, que manteve a quantia exequenda naquele valor. Trata-se aqui, contudo, e se bem se percebe a posição do Apelante, de questão que não tem razão de ser. Na verdade, no despacho recorrido, o tribunal a quo determinou, como se viu, a exclusão dos juros de mora da liquidação do julgado e decidiu que a imputação ao património do falecido executado, agora substituído pelos executados habilitados, fosse de apenas 50% do valor a penhorar ao abrigo do art. 870.º do NCPC e das despesas e honorários do agente de execução, mas não proferiu qualquer decisão sobre “o valor necessário para custear as obras”, tal como referido pelo Apelante. É certo que essa expressão consta do despacho recorrido; consta, contudo, não como decisão autónoma de uma questão concretamente submetida à apreciação do tribunal, mas como enunciação de um mero argumento de sustentação da decisão que, na perspetiva do tribunal a quo, havia que proferir quanto aos juros de mora (no sentido da sua exclusão), carecendo de sentido, por isso, a sua consideração neste recurso. Nada há, pois, a apreciar a esse respeito. .- Chegados aqui, uma última questão se coloca e urge apreciar. O despacho recorrido recaiu, como se viu, sobre a reclamação das Executadas habilitadas contra a (segunda) liquidação do julgado efetuada pelo agente de execução. Na reclamação, as Reclamantes insurgiram-se contra a inclusão, na liquidação, dos juros de mora, por entenderem que estes não eram devidos, mas tal pretensão, apesar de inicialmente acolhida no despacho recorrido, terá de soçobrar em virtude da decisão a proferir neste recurso. As Reclamantes, contudo, além da questão de saber se eram ou não devidos juros, suscitaram, também, subsidiariamente, outras questões atinentes, já não à inexistência da obrigação de juros, mas ao montante destes e respetiva data de vencimento (cfr. pontos C e D da reclamação). Ora, porque o tribunal a quo, no despacho recorrido, julgou não serem devidos, de todo, juros de mora, não entrou na apreciação das demais questões suscitadas na reclamação quanto aos juros, porque prejudicadas pela decisão proferida. Mas impondo-se agora a revogação da decisão recorrida, coloca-se a questão de saber qual a solução a dar às demais questões suscitadas na reclamação, as quais, em virtude da decisão a proferir neste recurso, ficam por apreciar. Dispõe a este propósito o n.º 2 do art.º 665.º do CPC que se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo Acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários. Constitui tal preceito uma expressão da regra da substituição ao tribunal recorrido no conhecimento de questões de que este não conheceu, não por omissão indevida de decisão, mas por tal decisão ter ficado precludida pela decisão dada a outras questões, facultando-se à Relação, então, a possibilidade de as apreciar, nos casos em que, como o dos autos, a apelação proceda. Ponto é, contudo, que, como decorre do preceito, “nada obste à apreciação das questões” subsidiárias e a Relação “disponha dos elementos necessários” para o efeito; e o certo é que, no caso, não é curial que tal aconteça. Com efeito, e em primeiro lugar, a necessidade de conhecimento de tais questões não foi sequer suscitada neste recurso, seja pela Apelante (que nisso não teria, naturalmente, interesse), nem pelas Apeladas, que não responderam, sequer, ao recurso. Por outro lado, a apreciação das questões em apreço importaria a consideração de elementos de facto como sejam o dos valores efetivamente penhorados, com base nos quais se liquidariam os juros devidos e a data desde a qual se encontram à ordem dos autos (cfr., nomeadamente, o ponto C da reclamação) e tais elementos de facto não estão devidamente retratados nos autos, mormente neste apenso de recurso. O mesmo é dizer que o conhecimento das questões em apreço implicaria indagação suplementar de elementos de facto no recurso, que, como é bom de ver, não é a sede adequada para o efeito. Finalmente, decidir-se aqui as questões em apreço em primeira linha poderia acarretar, quanto a elas, preterição do duplo grau de jurisdição e, consequentemente, preclusão de um direito processual das partes. Em face do exposto, não se toma conhecimento de tais questões, cabendo à 1.ª instância aferir em que termos é que o deverá fazer. Em suma, procede a apelação, com a consequente revogação da decisão recorrida, no segmento da mesma em que se determinou a exclusão da liquidação do julgado do valor previsto a título de juros de mora. Porque vencidas no recurso, suportarão as Executadas habilitadas as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC). * * * IV.- Decisão Termos em que se decide julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, no segmento da mesma em que se determinou a exclusão da liquidação do julgado do valor previsto a título de juros de mora. Custas da apelação pelas Executadas habilitadas. Notifique. * * * Porto, 24-10-2024 José Manuel Correia Ana Luísa Gomes Loureiro Aristides Rodrigues de Almeida (assinado eletronicamente) |