Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
497/08.0GAMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VÍTOR MORGADO
Descritores: ELEMENTOS SUBJECTIVOS DO CRIME
PROVA INDICIÁRIA
Nº do Documento: RP20121219497/08.0GAMCN.P1
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A verificação de estados psíquicos atinentes ao preenchimento dos elementos subjetivos dos tipos de ilícito criminal não é passível, por norma, de qualquer demonstração direta: não existindo confissão do próprio agente, tais estados são apenas revelados por indícios que as regras da experiência e da lógica permitem associar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 497/08.0GAMCN.P1
Origem: 2º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes

Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Para julgamento em processo comum com intervenção de tribunal coletivo, o Ministério Público acusou os arguidos
B…,
C… e
D…,
imputando a prática: aos arguidos B… e C…, em coautoria, de cinco crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo artigo 203º e 204º, n.º2, al. e) do Cód. Penal e de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p., pelas disposições conjugadas dos artigos 23º, 203º, n.º1 e 204, n.º2, al. e) do Cód. Penal; ao arguido D…, a prática, em autoria material, de um crime de recetação, previsto e declarado punível pelo artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento, a final da mesma, o tribunal coletivo julgou a acusação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:
● absolver a arguida B… da prática, em coautoria, dos crimes de furto qualificado que lhe eram imputados;
● condenar o arguido C… pela prática dos cinco crimes de furto qualificado consumados e do crime de furto qualificado tentado por que vinha acusado;
● e condenar o arguido D…, pela prática de um crime de recetação, previsto e declarado punível pelo artigo 231º, nº 1 do Código Penal, na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de 6 €, no total de 3600 €.
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Inconformado com o assim decidido, veio o arguido D… interpor o presente recurso, cujas alegações sintetizou nas seguintes conclusões:
1. O arguido foi condenado, numa pena de multa, no valor global de € 1.800,00, pela prática do crime de recetação, p. e p. pelo n.º 1, do artigo 231.º do CP.
2. O Tribunal Coletivo deu como provado na fundamentação de facto que: “28) O arguido D… atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os arguidos B… e C… se tinham apropriado ilicitamente daqueles objetos, mas ainda assim quis adquiri-los, com o objetivo de obter para si uma vantagem patrimonial, pois bem sabia que aqueles objetos tinham um valor superior ao montante que por eles despendeu.”
3. O Douto Acórdão ora recorrido deu como provado tal facto, com base, única e exclusivamente, nas declarações do arguido C….
4. Contudo, de tais declarações, verifica-se que não podia ter sido tal facto dado com provado.
5. O douto Acórdão ora recorrido padece de nulidade por erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP.
6. Não se provou que o arguido D… tinha conhecimento de que os objetos eram furtados.
7. Nem o arguido C…, único que prestou declarações, nem qualquer outro meio de prova veio comprovar que o arguido D… sabia que os arguidos B… e C… se tinham apropriado ilicitamente daqueles objetos.
8. O tipo subjetivo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 231.º do C.P. é um tipo exclusivamente doloso.
9. Refere, a esse respeito, o penalista Pedro Caeiro, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo II, página 494, que:” Exige-se um dolo específico relativamente à proveniência da coisa: é necessário que o agente saiba efetivamente que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património, pelo que a simples admissão dessa possibilidade, a título de dolo eventual, não é suficiente para o preenchimento do tipo subjetivo…” (sublinhado nosso)
10. Para preencher o tipo subjetivo do n.º 1, do artigo 231.º, do C.P., é necessário que o arguido, nesse caso o D…, soubesse efetivamente que os objetos provinham de um furto.
11. Salvo sempre douta opinião contrária, não basta “presumir” que, pelo facto de o arguido C… ser toxicodependente, o arguido E… teria de ter necessariamente conhecimento de que os bens que lhe vendia eram provenientes de um qualquer furto.
12. Das declarações do arguido C…, não resulta que o arguido D… tinha conhecimento de que as coisas que estava a comprar eram furtadas; pelo contrário, resulta que o arguido D… não era recetador habitual, que desconhece se o arguido D… sabia que estava a comprar objetos furtados; contudo, afirmou, de forma clara e sem margem para dúvidas, que não disse ao arguido D… que tais objetos tinham sido furtados por ele e que, em momento algum, enquanto conversavam, surgiu algum pormenor que revelasse que esses objetos tinham sido furtados.
13. Não se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo legal previsto no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal.
14. Assim, o Tribunal não reuniu as provas necessárias para a formulação da decisão material em condenar o arguido.
15. Assim sendo, “se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido” – cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Vol. I, pág. 213.
16. Em consequência, o Tribunal ofendeu, de forma direta e gravosa, o princípio “in dubio pro reo”, afloração normativa do princípio com assento constitucional da “Presunção de Inocência do arguido até à condenação” – artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
17. Assim, a douta sentença violou, entre outros normativos, os artigos 231º, nº 1, 379.º, nº 1, alínea c), 410.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP e 32.º, n.º 2, da CRP.
SEM PRESCINDIR, e para o caso de assim não se entender, sempre se dirá que:
18. O delito em questão é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias (231.º, n.º 2, do CP).
19. A aplicação de uma pena não privativa da liberdade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º do CP, é ajustada, por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
20. Porém, o Tribunal Coletivo condenou o arguido numa pena de multa de 300 dias, fixando o quantitativo diário em € 6,00, o que dá uma pena de multa de € 1.800,00, sendo essa uma pena injusta, por desproporcionada e manifestamente desajustada.
21. Dispõe o n.º 1 do artigo 71.º do CP que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
22. Por sua vez, o n.º 2 daquele preceito enumera de forma exemplificativa circunstâncias a atender para determinação concreta da pena.
23. Salvo sempre douta opinião contrária, não foram devidamente atendidas tais circunstâncias, mais concretamente, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, para determinação da medida da pena.
24. O arguido D… encontra-se socialmente inserido.
25. Seu único rendimento provém da parca reforma de € 390,00, com a qual sustenta o seu agregado familiar composto por si e sua mulher doméstica, com esse diminuto valor, ainda, paga despesas com renda, água e luz, num total de € 175,00, vivendo da ajuda de familiar, para se alimentar, como melhor consta dos factos provados: “41) O arguido D… permaneceu institucionalizado no E…, em Vila do Conde entre os 8 e os 20 anos de idade tendo concluído o 1º ciclo de escolaridade, ao que se seguiu a sua integração no agregado familiar do avô, atendendo à ausência de condições económicas por parte da mãe, mantendo com este um relacionamento de maior proximidade; o percurso laboral foi regular, tendo desenvolvido atividade laboral no ramo da restauração como empregado de mesa até aos seus 50 anos de idade; casou com 22 anos de idade, tendo desse relacionamento dois descendentes, atualmente maiores de idade; à data dos factos em causa nos autos, mantinha integração no agregado familiar, encontrava-se reformado, padecia de problemas de saúde, tendo sido submetido a intervenções cirúrgicas, situação que se agravou recentemente. Atualmente encontra-se acamado e dependente de cuidados de terceiros, sendo o seu cônjuge o principal apoio à retaguarda, beneficiando ainda de apoio por parte da sua filha; a subsistência do agregado é garantida pela reforma do arguido no montante de cerca de 390€, apresentando como principais despesas o valor da renda, no montante de 22,20€, fornecimento de energia elétrica e água no montante de 150 €”.
26. Os objetos em causa foram entregues à sua proprietária.
27. Mais, consta, igualmente, dos autos, que o arguido D… sofreu, em Março de 2012, um AVC e padece de doença grave, nomeadamente, síndrome demencial, insuficiência renal e diabetes mellitus, o que importa imensas despesas de saúde.
28. Tal pena de multa (€ 1.800,00), não será, nem poderá ser paga pelo arguido, dados os parcos rendimentos do mesmo, mas pelos seus familiares, que não são o agente.
29. Assim, o Tribunal Coletivo não atendeu ao concreto rendimento do arguido.
30. Daí que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido deveria ter fixado uma pena de multa muito inferior.
31. Assim, atendendo ao supra exposto, verifica-se que a multa aplicada é excessiva e ofende o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do CP.
32. O demais em douto suprimento.
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Na sua resposta, o Ministério Público entendeu mostrarem-se validamente provados, no acórdão recorrido, os factos aí imputados ao arguido, ser ajustada e adequada a medida da pena que lhe foi aplicada, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura, razão pela qual o presente recurso não merece provimento, devendo confirmar-se na íntegra o julgado na primeira instância.
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Na presente instância, o Ministério Público reiterou idêntica posição – acompanhando a resposta oportunamente apresentada – entendendo igualmente, por isso, que o recurso não merece provimento.
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Cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Considerações gerais
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Para além da reprodução prévia da parte da sentença recorrida que contém a decisão sobre a matéria de facto (factos provados e não provados) e da respetiva motivação, encontra-se utilidade na identificação das principais questões a decidir.
Tais questões são, fundamentalmente, as de saber:
● se o acórdão recorrido está ferido de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal, por deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento;
● se a decisão recorrida está inquinada por contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e/ou por erro notório na apreciação da prova – vícios estes previstos no nº 2 alíneas b) e c) do artigo 410º do Código de Processo Penal;
● se foi violado o princípio in dubio pro reo;
● subsidiariamente, se a pena aplicada ao recorrente é manifestamente excessiva, devendo ser fixada uma multa de montante muito inferior, dadas as suas condições pessoais.
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B) A factualidade provada e não provada e respetiva motivação (versão da sentença recorrida)
«FACTOS PROVADOS
Resultam provados os seguintes factos:
1) Os arguidos B… e C… mantiveram uma relação e viviam maritalmente no …, em …, neste concelho e comarca de Marco de Canaveses, durante os anos de 2008 e 2009.
2) Na noite de 22 para 23 de Junho de 2008, o arguido C… dirigiu-se ao Edifício F.., sito na freguesia de …, neste concelho e comarca de Marco de Canaveses, com intenção de fazer seus e de integrar nos seu património, dinheiro, valores ou objetos que lá encontrasse.
3) Ali chegado, por forma não concretamente apurada, arrombou a porta de madeira que dá acesso ao estabelecimento comercial “G…”, sito no n.º … do mencionado edifício e à loja de pronto-a-vestir “H…”, sita no n.º … daquele mesmo edifício e subtraiu os seguintes objetos do estabelecimento “H…”, propriedade da ofendida I…:
― Um par de calças de ganga de cor azul, modelo “sportswear” da marca “Ecnesse” de tamanho 38, no valor de €30,00;
― Um par de calças de ganga de cor branca da marca “Miss Two Jeans” do tamanho 32, no valor de €25,00;
― Uma camisola de cor azul de manga curta da marca “Varnagy”, modelo “young fashion” com etiqueta em papel bege, com bolso do lado esquerdo, com as inscrições VMG, de tamanho L, no valor de €15,00;
― Uma camisola de cor azul de manga curta da marca “Varnagy”, modelo “young fashion” com etiqueta em papel bege, com as inscrições VMG, de tamanho L, no valor de €15,00;
― Uma camisola de cor vermelha de manga curta da marca “Varnagy”, modelo “young fashion” com etiqueta em papel bege, com as inscrições VMG, de tamanho L, no valor de €15,00;
― Uma camisola de cor verde de manga curta da marca “Varnagy”, modelo “young fashion” com etiqueta em papel bege, com as inscrições VMG, de tamanho L, no valor de €15,00;
― Um telefone da rede J… de marca Nokia, cor cinza claro e azul, com o IMEI ……………, com n.º ………, no valor de €100,00;
― Um carregador da marca Nokia, modelo …………. de cor preta, no valor de €10,00.
4) De seguida, o arguido C… dirigiu-se ao estabelecimento comercial “K…”, propriedade da ofendida L…, sito no n.º … do mesmo edifício F… e, por forma não concretamente apurada, arrombou a porta que dá acesso ao mesmo e subtraiu do seu interior várias peças de roupa (um body soft sense BSR de cor preta, no valor de €20,84; uma peça de roupa de marca “Loretta soft panty L” no valor de €16,27; um pack “Basic Midi S sloggi Men” de cor cinza, no valor de €12,75; um pack “Basic Midi 4 sloggi Men” de cor branca, no valor de €12,75; um pack “Basic Midi S sloggi” de cor bege, no valor de €12,15; um pack “Basic Midi 4 sloggi” de cor preta, no valor de €12,15; um soutien “Starlet Curves WHFP 75”, no valor de €19,82, seis pares de meias das marcas “Coroa Classic” e “Sibal”, no valor de €9,00), um telefone, um carregador de marca Nokia, com as inscrições “…”, de cor preta, no valor de €10,00 e a quantia de €100,00 em numerário.
5) Com o arrombamento das portas dos mencionados estabelecimentos comerciais o arguido causou às ofendidas um prejuízo patrimonial que não foi possível, em concreto, apurar.
6) Os objetos subtraídos à ofendida I… foram encontrados na posse da arguida B… no dia 23.06.2008, tendo sido devolvidos à sua legítima proprietária.
7) O arguido C… agiu deliberadamente, com a intenção de integrar no seu património os acima mencionados objetos de que se apoderou;
8) Entre as 15:00 horas e as 19:30 horas do dia 25.11.2008, o arguido C… dirigiu-se à residência sita na …, n.º …, neste concelho e comarca de Marco de Canaveses, propriedade do ofendido M…, com intenção de fazer seus e de integrar no seu património dinheiro, valores ou objetos que lá encontrasse.
9) Ali chegado, por forma não concretamente apurada, partiu o vidro da porta da varanda, onde acedeu ao interior daquela residência e subtraiu os seguintes objetos:
― Seis colares em ouro, com o valor aproximado de €1.000,00;
― Um cordão em ouro, com o valor aproximado de €400,00;
― Quinze pulseiras em ouro, com o valor aproximado de €1.060,00;
― Oito pares de brincos, com o valor aproximado de €300,00;
― Seis anéis, com o valor aproximado de €175,00;
― Quatro alianças, com o valor aproximado de €290,00;
― Um prato em prata (tipo salva), com o valor aproximado de €75,00;
― Um bule decorativo, com o valor aproximado de €90,00;
― Um relógio de bolso em prata, com o valor aproximado de €65,00;
― Três pulseiras em prata, com o valor aproximado de €25,00;
― Doze medalhas de vários modelos, com o valor aproximado de €200,00.
10) No dia 26.11.2008, o arguido C… dirigiu-se ao estabelecimento comercial “N…, Lda.”, sito na …, n.º …., R/C, neste concelho de Marco de Canaveses, onde vendeu pela quantia de €60,00, um colar em ouro de malha “barbela”, uma pulseira em ouro com bolas de cor rosa e um par de brincos em ouro em forma de coração.
11) O colar em ouro vendido pelo arguido C… possuía o valor de €56,00, a pulseira em ouro vendida possuía o valor de €30,00 e o par de brincos possuía o valor de €9,00, objectos que foram devolvidos ao seu legítimo proprietário, M…, não tendo sido possível recuperar quaisquer outros dos objetos subtraídos ao ofendido.
12) Com a quebra do vidro da varanda da mencionada residência os arguidos causaram ao ofendido um prejuízo patrimonial no valor de €75,00.
13) O arguido agiu deliberadamente, com a intenção de integrar no seu património os acima mencionados objetos de que se apoderou, não obstante saber que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e em prejuízo do respetivo dono.
14) Entre as 19:00 horas do dia 02.07.2009 e as 17:00 horas do dia 03.07.2009, o arguido C… dirigiu-se à residência sita no …, n.º .., na freguesia …, neste concelho e comarca de Marco de Canaveses, propriedade do ofendido O…, com intenção de fazer seus e de integrar no seu património dinheiro, valores ou objetos que lá encontrasse.
15) Ali chegado, por forma não concretamente apurada, partiu o vidro da janela que dá acesso a um dos quartos daquela residência, onde acedeu ao interior da mesma e subtraiu os seguintes objetos:
― Seis pulseiras em ouro amarelo;
― Dois anéis em ouro;
― Dois colares em ouro amarelo;
― Um colar em ouro amarelo com uma bola em ouro amarelo;
― Três pares de brincos em ouro amarelo;
― Duas medalhas em ouro amarelo;
― Uma cruz em ouro amarelo;
― Um par de brincos em ouro branco;
― Dois fios de prata com duas medalhas;
― Dois colares em prata;
― Uma pulseira em prata;
― Um par de brincos (argolas) em prata,
tudo no valor aproximado de €1.500,00.
16) Com a quebra do vidro da varanda da mencionada residência, o arguido causou ao ofendido um prejuízo patrimonial que não foi possível, em concreto, apurar.
17) O arguido agiu deliberadamente, com intenção de integrar no seu património os acima mencionados objetos, de que se apoderou não obstante saber que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e em prejuízo do respetivo dono.
18) No dia 18.05.2011, cerca das 10:30 horas, o arguido C… dirigiu-se à residência sita no …, na freguesia …, neste concelho e comarca de Marco de Canaveses, propriedade da ofendida P…, com intenção de fazer seus e de integrar no respetivo património dinheiro, valores ou objetos que lá encontrasse.
19) Ali chegado, o arguido deslocou-se para o telhado da mencionada residência, retirando algumas telhas, por forma a introduzir-se no sótão daquela habitação.
20) De seguida, partiu o forro do teto daquela habitação e introduziu-se no interior da mesma, de onde retirou uma toalha de banho e um cobertor.
21) Como se apercebeu que estariam pessoas no interior da residência, o arguido deixou aqueles objetos no sótão, fugindo daquele local, de modo não concretamente apurado;
22) Com a mencionada conduta, o arguido causou à ofendida um prejuízo patrimonial que não foi possível, em concreto, apurar.
23) O arguido agiu deliberadamente, não obstante saber que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e em prejuízo do respetivo dono, o que apenas não logrou fazer por motivos alheios à sua vontade e por ter sido surpreendido pela proprietária daquela residência.
24) No dia 18.05.2009, entre as 15:30 horas e 16:00 horas, o arguido C… dirigiu-se à residência sita na Rua …, n.º …, na freguesia …, neste concelho e comarca de Marco de Canaveses, propriedade da ofendida Q…, com intenção de fazer seus e de integrar no seu património, dinheiro, valores ou objetos que lá encontrasse.
25) Ali chegado, por forma não concretamente apurada, partiu o vidro da janela que dá acesso a uma das divisões daquela residência, onde acedeu ao interior da mesma e subtraiu os seguintes objetos:
― Um computador de marca “HP”, modelo “…”, com o n.º de série ………., no valor de €700,00;
― Uma máquina de filmar de marca Samsung, modelo “……”, de cor cinza, com o n.º de série ……., no valor de €300,00;
― Uma máquina fotográfica de marca Kodak, modelo “…”, de cor cinza, com o n.º de série ………, no valor de €100,00;
― Um colar com três fios em ouro amarelo, no valor de €200,00;
― Um anel com uma pedra branca em ouro amarelo, no valor de €100,00;
― Um anel com três pedras pequenas em ouro amarelo, no valor de €100,00;
― Um colar com uma medalha quadrada, contendo inscrita a letra “A” em ouro amarelo, no valor de €400,00;
― Duas alianças em ouro amarelo, no valor de €100,00;
― Uma pulseira em ouro amarelo, no valor de €100,00;
― Um telemóvel de marca Samsung, de cor preta, no valor de €80,00;
― Um telemóvel de marca Motorola, de cor rosa, no valor de €100,00;
26) No mesmo dia, ambos os arguidos deslocaram-se de táxi para a cidade do Porto, onde o arguido C… vendeu ao arguido D… o computador subtraído à ofendida e, bem assim, a máquina fotográfica e de filmar de marca Samsung, pelo valor global de €180,00.
27) No dia 19.05.2009, foram apreendidos tais objetos ao arguido D….
28) O arguido D… atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o arguido C… se tinha apropriado ilicitamente daqueles objetos, mas ainda assim quis adquiri-los, com o objetivo de obter para si uma vantagem patrimonial, pois bem sabia que aqueles objetos tinham um valor superior ao montante que por eles despendeu.
29) Ainda no dia 18.05.2009, foi ainda recuperado na posse do arguido o telemóvel de marca Samsung.
30) Os objetos recuperados foram devolvidos à sua legítima proprietária.
31) Com a quebra do vidro da varanda da mencionada residência, o arguido C… causou à ofendida um prejuízo patrimonial que não foi possível, em concreto, apurar.
32) O arguido C… agiu sempre deliberadamente, com a intenção de integrar no seu património os acima mencionados objetos de que se apoderou, tendo atuado em comunhão de esforços, na execução de um plano por si delineado e executado, bem como, em divisão de tarefas, para melhor assegurar o êxito das suas intenções, não obstante saber que tais objetos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade e em prejuízo do respetivo dono.
33) O arguido C… sabia que não podia entrar e permanecer no interior daqueles estabelecimentos comerciais e residências naqueles dias, horas e locais, por aqueles meios e objetivos e que, ao arrombar as portas dos mencionados estabelecimentos e residências e ao quebrar os vidros das janelas e portas por onde acedeu ao interior daqueles estabelecimentos e habitações lhe agravava a responsabilidade.
34) Os arguidos C… a D… agiram ainda livre, voluntária e conscientemente com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo, contudo, coibido de as praticar.
35) O arguido C… sofreu diversas condenações pela prática de crimes contra o património, designadamente por decisão de 23/04/1990, pela prática de um crime de roubo, na pena de 4 anos e meio de prisão; por decisão de 13/07/1995, pela prática de um crime de introdução em local vedado ao público, na pena de dois anos de prisão; por decisão de 21/12/1995, pela prática de um crime de burla, na pena de 35 dias de multa à taxa diária de 200$00; por decisão de 20/03/1996, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de três anos de prisão; por decisão de 26/03/2001, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de três anos e seis meses de prisão; por decisão de 17.09.2008, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00€, pela prática de um crime de furto simples; por decisão de 15/12/2009, na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução por um ano pela prática de um crime de furto na forma tentada; por decisão de 26/03/20010, na pena de 12 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p., pelo art. 204º do Cód. Penal; por decisão de 21/01/2004, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática em 30/08/2000 de um crime de furto qualificado, p. e p., pelo art. 203º, 204º, n.º2, al. e) do C.P.; por decisão de 1/04/2009, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5€, pela prática em 12/06/2007 de um crime de furto simples, p. e p., pelo art. 203º do C.P.; por decisão de 7/07/2009, na pena de 10 meses de prisão, pela prática em 13/09/2008 de um crime de furto simples, p. e p., pelo art. 203º do C.P., por decisão de 15/12/2010, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, pela prática em 11/04/2008 de um crime de furto simples, p. e p., pelo art. 203º do C.P., na pena de seis meses de prisão, suspensa por um ano; por decisão de 26/03/2010, na pena de 12 meses de prisão, pela prática, em 12/06/2007, de um crime de furto qualificado; por decisão de 19/11/2010, na pena de 7 anos e seis meses de prisão, pela prática de diversos crimes de furto qualificado, sendo que a totalidade das referidas decisões transitou em julgado.
36) O arguido C… é solteiro; vivia com a sua mãe quando não se encontrava detido; tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade; era toxicodependente à data da prática dos factos.
37) O arguido C… abandonou o seio familiar com 17 anos e, nessa sequência, passou a relacionar-se com indivíduos com comportamentos de marginalidade face à lei, comportamentos esses que o arguido acabou também por adotar, juntamente com o consumo de drogas; revelou, de forma precoce, dificuldades de adaptação ao sistema escolar que abandonou aos trezes anos e sem concluir o 1º ciclo; começou a trabalhar cedo no sector da construção civil, embora com prestação instável, que foi sendo substituída pelo consumo de estupefacientes; este arguido nunca se submeteu a tratamento de desabituação da toxicodependência, permanecendo abstinente por alguns períodos da sua vida e coincidentes com o cumprimento de penas de prisão; quando em liberdade, regressava por períodos curtos de tempo a casa da progenitora com quem mantém proximidade afetiva, acabando sempre por integrar grupos que o estimulavam à assunção de comportamentos delinquentes; aquando da prática dos factos em causa nos autos, este arguido não tinha qualquer atividade laboral; no meio onde vive existe um sentimento de rejeição do arguido, que é considerado como elemento desestabilizador e intimidatório relacionado com a ocorrência de diversos furtos na vizinhança; no estabelecimento prisional concluiu o curso de formação profissional de Pintura da Construção Civil e cumpriu o programa de metadona ministrado pelo Centro de respostas integradas de Vila Real; não tem recebido apoio familiar, devido a problemas de saúde e idade avançada da sua progenitora. Desde que permanece no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, tem-se ocupado com a manufaturação de calçado e desde há 15 dias que se encontra ocupado no serviço da faxina na ala a que pertence; tem dado continuidade ao programa de substituição com metadona.
38) O arguido D… já foi condenado pela prática em 4/03 de 2001 de um crime de recetação, p. e p., pelo art. 231º, n.º1 do Cód. Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 3,00€;
39) A arguida B… já foi condenada pela prática, em 22/10/2008, de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e três meses de prisão; em maio de 2008, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de dois anos e três meses de prisão;
40) A arguida B… tem o 10º ano de escolaridade, abandonando os estudos sem completar o 11º ano. É proveniente de um agregado familiar de modesta condição económica, caracterizando-se a natureza das relações familiares pela harmonia, beneficiando de postura educativa atenta por parte dos progenitores, com especial incidência no que se refere à figura maternal, que assumiu o processo de liderança na educação dos filhos; a dinâmica familiar veio a alterar-se com o falecimento da progenitora, ficando a arguida, então com 17 anos de idade, a residir com o pai, iniciando, por necessidades económicas do agregado, a sua vida laboral ativa. Por volta dos 15 anos de idade, iniciou as suas primeiras experiências de consumo de estupefacientes, haxixe; após o falecimento da mãe, iniciou o consumo de drogas duras, heroína e cocaína, tornando-se dependente do respetivo consumo. Foi submetida a tratamento de desintoxicação no ano de 2007, no Centro de Atendimento a Toxicodependentes, durante aproximadamente uma semana, tendo, contudo, após o regresso à residência recaído nos consumos praticamente de imediato. Posteriormente, no âmbito do programa de inserção elaborado no contexto do RSI de que era beneficiária, foi encaminhada para uma Comunidade Terapêutica, onde permaneceu entre 21 de Julho de 2009 e 4 de Abril de 2010, tendo então optado pela interrupção do processo terapêutico e regresso à residência; encetou, em data anterior a 2008, relacionamento afetivo com o arguido C…, vendo-se, desde então, confrontada com diversos processos judiciais; à data a que se reportam os factos em causa nos autos, o quotidiano da arguida decorria entre a casa do progenitor e do arguido C… e convívio com outros toxicodependentes; o relacionamento entre ambos é caracterizado como disfuncional, sendo apontado como principal fator desestabilizador a dependência relativamente a substâncias psicoativas que ambos experimentavam. A situação económica era precária, sendo referido, como único valor fixo, o recebido no âmbito do RSI; no início de Outubro de 2009, após a detenção do arguido C…, a arguida passou a residir com o pai. Atualmente encontra-se a trabalhar numa fábrica de confeções, para onde foi encaminhada no âmbito do programa Vida Emprego, em parceria com o IEFP, auferindo cerca de 300€ mensais, a que acrescem 189€ no âmbito do RSI. Em Fevereiro de 2011, reiniciou acompanhamento clinico à problemática da toxicodependência, na Equipa Técnica de Freamunde, que veio a interromper mais uma vez, retomando-o depois, tendo sido integrada no programa de metadona a partir de meados do passado mês de Outubro. De acordo com a avaliação técnica, a arguida tem vindo a evoluir positivamente, comparecendo às consultas marcadas e apresentando resultados negativos nas análises de despiste de consumo efetuadas. Atualmente o seu quotidiano é preenchido com a sua atividade laboral, cujo desempenho é avaliado positivamente, permanecendo habitualmente em casa nos tempos livres. Vem desenvolvendo esforços no sentido da sua reorganização pessoal, efetuando tratamento à sua toxicodependência nos moldes determinados clinicamente e integração laboral;
41) O arguido D… permaneceu institucionalizado no E… em Vila do Conde entre os 8 e os 20 anos de idade, tendo concluído o 1º ciclo de escolaridade, ao que se seguiu a sua integração no agregado familiar do avô, atendendo à ausência de condições económicas por parte da mãe, mantendo com este um relacionamento de maior proximidade; o percurso laboral foi regular, tendo desenvolvido atividade laboral no ramo da restauração, como empregado de mesa, até aos seus 50 anos de idade; casou com 22 anos de idade, tendo desse relacionamento dois descendentes, atualmente maiores de idade; à data dos factos em causa nos autos, mantinha integração no agregado familiar, encontrava-se reformado, padecia de problemas de saúde, tendo sido submetido a intervenções cirúrgica, situação que se agravou recentemente. Atualmente, encontra-se acamado e dependente de cuidados de terceiros, sendo o seu cônjuge o principal apoio e retaguarda, beneficiando ainda de apoio por parte da sua filha; a subsistência do agregado é garantida pela reforma do arguido no montante de cerca de 390€, apresentando como principais despesas o valor da renda no montante de 22,20€, fornecimento de energia elétrica e água no montante de 150€.
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Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
I) além do arguido C…, do modo descrito em 2), também a arguida B… se tenha dirigido ao Ed. F…, sito na freguesia … na noite de 22 para 23 de Julho de 2008, juntamente com aquele arguido;
II) a arguida B…, além do arguido C…, tenha atuado do modo descrito em 3) juntamente com aquele arguido, em execução de um plano previamente delineado por ambos e em divisão de tarefas;
III) além do arguido C…, do modo descrito em 4), também a arguida B… se tenha dirigido ao estabelecimento comercial “K…”, juntamente com aquele arguido;
IV) a arguida B…, além do arguido C…, tenha atuado do modo descrito em 4) juntamente com aquele arguido, em execução de um plano previamente delineado por ambos e em divisão de tarefas, em comunhão de esforços, para melhor assegurar o êxito das suas intenções; V) além do arguido C…, do modo descrito em 8), também a arguida B… se tenha dirigido juntamente com aquele arguido, à residência sita na …, propriedade ao ofendido M…;
VI) a arguida B…, além do arguido C…, tenha atuado do modo descrito em 8) e 9) juntamente com aquele arguido, em execução de um plano previamente delineado por ambos e em divisão de tarefas, em comunhão de esforços, para melhor assegurar o êxito das suas intenções;
VII) além do arguido C…, do modo descrito em 14), também a arguida B… se tenha dirigido juntamente com aquele arguido, à residência sita no …, freguesia …, nesta comarca, propriedade do ofendido O…;
VIII) a arguida B…, além do arguido C…, tenha atuado do modo descrito em 14) e 15) juntamente com aquele arguido, em execução de um plano previamente delineado por ambos e em divisão de tarefas, em comunhão de esforços, para melhor assegurar o êxito das suas intenções;
IX) além do arguido C…, do modo descrito em 18) e 19), também a arguida B… se tenha dirigido juntamente com aquele arguido, à residência sita no …, na freguesia …, neste concelho e comarca id. no mesmo facto;
X) a arguida B… tenha ficado no exterior daquela residência, por forma a verificar se não eram vistos por qualquer pessoa;
XI) a arguida B…, além do arguido C…, tenha actuado do modo descrito em 18) a 22) juntamente com aquele arguido, em execução de um plano previamente delineado por ambos e em divisão de tarefas, em comunhão de esforços, para melhor assegurar o êxito das suas intenções;
XII) além do arguido C…, do modo descrito em 24), também a arguida B… se tenha dirigido juntamente com aquele arguido, à residência sita na Rua …, ali identificada, da freguesia …, nesta comarca;
XIII) a arguida B…, além do arguido C…, tenha atuado do modo descrito em 24) e 25) juntamente com aquele arguido, em execução de um plano previamente delineado por ambos e em divisão de tarefas, em comunhão de esforços, para melhor assegurar o êxito das suas intenções;
XIV) o arguido D… pretendesse vender os objetos referidos no facto 26) na feira da …, na cidade do Porto, bem sabendo que obteria pela sua venda valor superior ao por si gasto.
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MOTIVAÇÃO DA CONVICÇÃO DO TRIBUNAL.
A convicção do Tribunal nos termos supra expostos resultou do conjunto das provas oralmente produzidas em audiência de julgamento, mormente dos depoimentos das testemunhas ouvidas, na medida em que refletiram conhecimento direto dos factos, criticamente conjugadas com os documentos juntos ao processo que, à luz da Constituição da República e do Código de Processo Penal, se devem ter como atendíveis em face das circunstâncias da audiência, como de seguida se explicará pormenorizadamente.
Concretizando, o Tribunal valorou:
- os autos de notícia de fls. 3; de fls. 3 a 5 dos autos de inquérito com o n.º 1016/08.4GAMCN; de fls. 3 a 5 dos autos de inquérito com o n.º 579/09.1GAMCN; de fls. 3 a 6 dos autos de inquérito com o n.º 150/09.8GBMCN-B e de fls. 3 a 6 dos autos de inquérito com o n.º 152/09.4GBMCN-B;
- os autos de apreensão de fls. 5 e 6, de fls. 11 dos autos de inquérito com o n.º 1016/08.4GAMCN, de reconhecimento de objetos de fls. 16 e 21 e termos de entrega de fls. 17, 22; de reconhecimento de objetos de fls. 11 e termo de entrega de fls. 12 dos autos de inquérito com o n.º 1016/08.4GAMCN; auto de apreensão de fls. 10 a 12, auto de reconhecimento de objetos de fls. 25 e termo de entrega de fls. 7 dos autos de inquérito com o n.º498/08.9GAMCN, auto de apreensão de fls. 35, de reconhecimento de objetos de fls. 22 e de fls. 50, termo de entrega de fls. 51 e auto de reconhecimento de locais de fls. 41 dos autos de inquérito com o n.º 152/09.4GBMCN-B;
- autos de avaliação e exame direto de fls. 16, 23, 42, de fls. 17 dos autos de inquérito com o n.º 1016/08.4GAMCN, de fls. 23 dos autos de inquérito com o n.º498/08.9GAMCN e de fls. 21 dos autos de inquérito com o n.º 152/09.4GBMCN-B;
- lista de fls. 6 dos autos de inquérito com o n.º 579/09.1GAMCN, assinada pelo ofendido O…;
- declaração de venda de fls. 13 e 14 e recebido de fls. 15 dos autos de inquérito com o n.º 1016/08.4GAMCN
- relatório fotográfico de fls. 11 a 14 dos autos de inquérito com o n.º 579/09.1GAMCN;
- Certificados de registo criminal de fls. 284 a 287, de fls. 301 a 326 e de fls. 364 a 366;
- finalmente os relatórios sociais de fls. 351 e ss, 372 e ss., 373 e ss.
Apenas o arguido C… prestou declarações, remetendo-se a arguida B… ao silêncio, assumindo aquele arguido, no essencial a autoria, mas em execução isolada, do conjunto dos furtos que lhes eram imputados na acusação, nos exatos termos que se tiveram por provados nos factos 2 a 17 e 24 a 33, com exceção daquele que se consusbstancia nos factos 18 a 23, no qual negou qualquer envolvimento, mas aceitando encontrar-se nas imediações da residência da ofendida P…, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar. De resto, ao assumir a execução de todos eles de forma individual, excluiu a arguida D… da execução de cada um deles.
Além do mais, e no que se reporta aos atos que se tiveram por provados em 26 a 28, a convicção do Tribunal assentou ainda, e além do mais que se dirá infra, nas declarações do mesmo arguido, que aceitou ter vendido ao arguido D… os bens ali identificados pelo preço de 180€, que este lhe pagou, tendo-se para tanto deslocado à cidade do Porto de táxi, acompanhado da arguida B….
Discutindo-se por diversas vezes na doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais a relevância e alcance probatório das declarações dos arguidos, tem sido maioritariamente entendido que as declarações do coarguido não se compreendem entre os meios proibidos de prova previstos no art. 126º do Cód. Penal que aí são elencados em duas grandes categorias: umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade. As declarações do coarguido devem, antes, ser analisadas no âmbito do principio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125º do Cód. de Processo Penal são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados, ou seja, para o campo da sua credibilidade do ponto de vista da credibilidade que merecem, no contraponto com o conjunto da prova produzida. A ordem de produção de prova em julgamento repousa nas declarações do arguido, constituindo um meio de prova legalmente admitido, com previsão nos arts. 140º e 340º, al. a) do CPP, existindo, todavia, obstáculos às declarações do coarguido contra o outro ou outros sempre que o coarguido produza declarações em desfavor de outro e aquele, a instâncias do coacusado, se recuse a responder, no uso do direito ao silêncio. Este entendimento jurisprudencial (cfr. Ac. do TC n.º 524/97 do STJ de 25/02/1999, in CJ, STJ, T.VII, pág. 229) veio a merecer integração com a reforma introduzida pela Lei n.º 48/97, de 29/08, no art. 345º, n.º 4 do CPP, no sentido de não poderem valer como meios de prova as declarações do coarguido se este se refugia no silêncio, por tal restrição conduzir a uma inaceitável limitação às garantias de defesa, ao direito ao defensor e ao princípio da igualdade de armas. Outra limitação é a que deriva da particularidade das declarações do coarguido que podem revestir um pendor de autodesculpabilização e incriminação recíproca e multilateral, quem sabe até motivada por desejo de vingança contra o coacusado.
De todo o modo, à parte destes obstáculos, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr., entre muitos outros, os Acs. do STJ de 31/10/2007, proferido no processo n.º 07P630; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 08P694; de 18/06/2008, proferido no processo n.º 08P1971, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt) sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como a respeito dos demais coarguidos, com o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa, apenas lhe sendo vedado intervir como testemunha nos termos do art. 133º, n.º1, al. a) do CPP, precisamente para que não seja sujeito aos ónus que implica tal estatuto.
A prova que tem por base as declarações dos arguidos, admitida que é em nome do ilimitado direito de defesa do arguido, não pode deixar de ser valorada. No entanto e na esteira daquela que é a jurisprudência uniforme do STJ, deverá sê-lo de forma cautelar, no âmbito da situação concreta, com um esforço de análise tendente a averiguar se a coacusação se ancora, de forma complementar, em quaisquer outros meios de prova, por isoladamente ser insuficiente (cfr. os Acs. do STJ de 31/01/2000, proferido no processo n.º 3574/00, de 29/03/2000, proferido no processo n.º 1134/99; de 10/12/1996, proferido no processo n.º 486/97; de 30/11/2000, proferido no processo n.º 2828/00; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 694/08, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt). O Tribunal não está impedido de valorar esse meio de prova livremente como os demais, mas deverá introduzir um crivo mais exigente.
Ora, precisamente quanto à participação nos factos do arguido D…, tendo como presentes as coordenadas enunciadas, consideraram-se, desde logo e como se enunciou, as declarações do coarguido C… devidamente conjugadas com o auto de apreensão de fls. 35 e 36 dos autos de inquérito apensos nº 152/09.4GBMCN, que demonstra a respetiva detenção dos identificados bens – computador, máquina de filmar e fotográfica – os mesmos que o arguido C… afirmou ter vendido ao arguido D… pelo preço de 180€, no mesmo dia em que ocorreram os factos. De todo o modo, tendo presente que os objetos foram apreendidos na posse do arguido D… no mesmo dia do furto e ainda que, sendo o arguido C… toxicodependente, é de presumir, porque o permitem as regras da experiência comum, que o arguido D… recebeu do segundo a máquina fotográfica, mediante a contrapartida que se teve por provada, para que o arguido C… assim pudesse satisfazer o seu vício, só assim alcançando, aliás, a finalidade que o determinou ao furto.
Por outro lado, na consideração de que ambos os arguidos se conhecem e conheciam à data dos factos, de que na mesma data o arguido C… apresentava problemas ligados ao consumo de estupefacientes, posto que era toxicodependente, a normalidade das coisas e as regras da experiência comum permitem-nos a conclusão de que o arguido D… não só sabia que o arguido C… era toxicodependente, como necessariamente, teria de ter conhecimento de que os bens que lhe vendia eram provenientes de um qualquer furto a que se dedicava para sustentar o seu vício.
No mais, o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada, desde logo, o depoimento dos ofendidos, I…, L…, M…, O… e Q…, no que interessa às circunstâncias de tempo, lugar e modo dos furtos de que foram vítimas, e que se reportam, respetivamente, aos descritos em 1 a 15 e 18 a 24 do elenco dos factos provados, completados estes pelo teor das listagens/relação de objetos furtados constantes dos autos de apreensão, de reconhecimento de objetos e termo de entrega, bem como os autos de avaliação e exame direto e lista de fls. 6 dos autos de inquérito com o n.º 579/09.1GAMCN no que tange aos bens subtraídos e respetivo valor.
No que importa à autoria dos factos descritos em 18 a 23 dos factos provados pelo arguido C…, que por ele foi negada, como se disse, o Tribunal atendeu ao depoimento de S…, vizinha da ofendida P…, que relatou ao Tribunal o modo como a sua vizinha e a filha desta, a testemunha S… (relatando-o ambas, nesta parte, de forma coincidente) se aperceberam, pelo barulho que fazia, de que alguém se havia introduzido indevidamente no interior da sua residência, pedindo ambas à testemunha que entrasse em casa com elas pois tinham receio. Esta, acedendo ao pedido das vizinhas, entrou no interior da habitação pela porta da cozinha que estava fechada e, no seu interior, viu o arguido, de costas, logrando ainda assim identificá-lo sem dúvidas, pois conhecia-o bem, como atestou. Referiu ainda que logrou sair sem fazer barulho, de modo que o arguido não se apercebeu da sua presença, chamando de seguida as autoridades. No entanto, quando os agentes da GNR chegaram ao local, já o arguido havia saído do interior da residência da ofendida P…. De resto e quanto ao modo como o arguido entrou na residência da arguida e objetos de que se pretendeu apoderar tal qual se deu como provado, a convicção do Tribunal assentou no depoimento da já mencionada S…, que assim o descreveu ao Tribunal.
Mais se atendeu ao teor dos relatórios sociais juntos aos autos e concernentes aos arguidos, no que importa às respetivas situações pessoais, profissionais e familiares.
Já no que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal ateve-se aos Certificados de Registo Criminal constantes dos autos.
No que diz respeito aos factos que se tiveram por não provados e que diziam respeito à imputação da prática em coautoria de todos os furtos descritos à arguida B…, tendo o arguido C… negado a participação dela em qualquer deles, a verdade é que nenhuma prova se produziu em audiência suscetível de sustentar a participação daquela arguida nos mesmos.
Desde logo, no que se reporta ao furto à residência do ofendido O…, a testemunha T…, sobrinha deste e que se encontrava no local no momento em que vinha o mesmo de ocorrer, afirmou ter visto apenas um homem (que não logrou identificar), sozinho, não se encontrando acompanhado de qualquer outra pessoa. No que se reporta aos factos descritos em 18) a 23), e que dizem respeito à residência da ofendida P…, a testemunha S… afirmou que viu a arguida num anexo próximo da mesma residência. Todavia, considerou o Tribunal que este facto, desacompanhado de qualquer outra prova adicional, designadamente que descrevesse/corroborasse uma atitude de vigilância, não era suficiente para confirmar a participação da arguida nos factos tal qual vinha imputado na acusação.
A acrescer, se é certo que os bens furtados no estabelecimento comercial G…, pronto-a-vestir “H…” e estabelecimento comercial “K…r”, pertencentes às ofendidas I… e L… foram encontrados e apreendidos na posse da arguida, a justificação que o arguido avançou de que deixou os sacos na residência que habitavam em comum, à data, ausentando-se de seguida, de modo que não se encontrava no local no momento em que a GNR ali se deslocou, desacompanhado de qualquer outro elemento probatório que implicasse a arguida diretamente nos atos de execução do furto, lançou a dúvida ao Tribunal quanto à participação da arguida nos mesmos.
Finalmente, insuficiente ainda e pela mesma ordem de razões, a circunstância de a arguida se ter deslocado com o arguido C… ao Porto para vender os objetos furtados ao arguido D… e, finalmente, o que vem plasmado no auto de reconhecimento de locais pela arguida, quanto à indicação do local onde teriam sido vendidos os objetos em ouro furtados da residência da ofendida Q… (cfr. fls. 41 dos autos de inquérito com o n.º 152/09.4GBMCN – B), posto que sequer daquele elemento probatório se pode retirar que foi a arguida quem procedeu à venda daqueles mesmos objetos ou se apenas acompanhou o arguido C…, como este referiu, de resto, no âmbito do relacionamento que então mantinham e que era marcado pela vivência em função da situação de toxicodependentes de ambos.
Em face do exposto e no que diz respeito à participação da arguida nos furtos descritos na acusação ou qualquer outra a outro título, ao Tribunal suscitaram-se dúvidas insanáveis que, de acordo com o princípio do in dubio pro reo levaram a que se tivessem como não provados os factos descrito em I) a XIII) dos não provados.
A restante factualidade dada como não provada resultou da absoluta ausência de prova produzida em audiência e relativa à sua verificação.»
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C) A alegada nulidade por falta de fundamentação
Embora com mal disfarçada falta de convicção, alegou o arguido D… que o acórdão recorrido está ferido de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 alínea c) do Código de Processo Penal.
Esta nulidade pode ocorrer quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões de que devesse conhecer ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. O recorrente não usa de nitidez suficiente para que se perceba de forma límpida o que ele próprio cuida que ocorreu: se o tribunal recorrido cometeu uma omissão de pronúncia, se excedeu o thema decidendum ou o thema probandum.
Uma coisa é certa, atendendo ao que vem alegado, todo o objeto de recurso, na parte em que se foca em matéria de facto, está relacionado com os factos que consubstanciam o elemento subjetivo do crime de recetação.
Com efeito, é percetível que o recorrente pretende pôr em causa que se tenham dado como provados os factos que se encontram vertidos, concretamente, no nº 28 da factualidade assente, com o seguinte teor: “O arguido D… atuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o arguido C… se tinha apropriado ilicitamente daqueles objetos, mas ainda assim quis adquiri-los, com o objetivo de obter para si uma vantagem patrimonial, pois bem sabia que aqueles objetos tinham um valor superior ao montante que por eles despendeu”.
O acórdão recorrido dedica à motivação da prova dos aludidos factos seis longos parágrafos, sendo de frisar que não se limita a considerações genéricas sobre a admissibilidade das provas que considerou, mas aborda e assume, de forma assaz especificada e concreta, as razões da sua convicção – sobretudo nos dois últimos parágrafos que abordam esse tema, cujo conteúdo nos escusamos, por ora, a repetir, pois que já acima constam e que, em outra sede, infra, melhor detalharemos.
Como assinala o acórdão do S.T.J. de 14 de Janeiro de 2009, proferido no processo nº 08P3777 [2], “A nulidade resultante de omissão de pronúncia, patologia da decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP, ocorre quando a decisão é omissa ou incompleta relativamente às questões que a lei impõe [que] o tribunal conheça, ou seja, às questões de conhecimento oficioso e àquelas cuja apreciação é solicitada pelos interessados processuais”.
Se algo não falta no acórdão recorrido é, seguramente, a pronúncia sobre a matéria de facto que tinha que apreciar (porque constava da acusação), nem sobre a respetiva motivação.
Ora, por outro lado, atendendo a que esta factualidade provém, precisamente, da acusação, afigura-se-nos incongruente aceitar que aquilo a que o arguido D… se possa estar a referir seja a um excesso de pronúncia.
A circunstância de o recorrente não estar de acordo com as consequências que das provas produzidas foram tiradas – como quando afirma que das declarações do coarguido C… se verifica “que não podia ter sido, tal facto, dado com provado” [3] – constitui outra questão, que não cabe, por agora, apreciar.
Improcede, pois, rotundamente, a arguição de nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação.
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D) Os alegados vícios de contradição ou erro notório na apreciação da prova
Pretende o recorrente que seja reconhecido que a decisão recorrida está inquinada por contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e/ou por erro notório na apreciação da prova, vícios estes enunciados no nº 2 alíneas b) e c) do artigo 410º do Código de Processo Penal.
Ao colocar estas questões ao nível dos vícios previstos nesta disposição legal, parece o arguido D… abrir mão da reapreciação da prova gravada, com o âmbito previsto nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do mesmo diploma.
Pode mesmo dizer-se que, nesta medida, existe algum desfasamento entre a motivação e as conclusões, uma vez que, naquela, o recorrente extrata segmentos do que o coarguido C… referiu nas suas declarações em audiência de julgamento, enquanto, nestas, o recorrente se cinge ao que “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, como prevê o corpo do nº 2 do artigo 410º, que invoca.
Ainda assim, sempre se dirá que as citações que faz das declarações do coarguido C… nem sequer correspondem à totalidade da “prestação” deste em audiência de julgamento, no que tange aos factos relacionados com o ora recorrente. Na verdade, esse declarante afirmou perante o tribunal que consumia 50 € de drogas por dia e que “a minha vida era roubar”. Mais disse, respondendo a um esclarecimento pedido pela Srª Procuradora, que a venda ocorreu no U… e que ele e o D… se conheciam há mais de 20 anos.
É, pois, muito difícil admitir que o ora recorrente – não podendo deixar de conhecer o longo percurso criminal do C…, a sua toxicodependência, o seu “modo de vida” – pudesse alimentar alguma dúvida sobre se o computador e as câmaras (fotográfica e de filmar) que lhe vendeu (por menos de um sexto do seu valor real, realce-se), eram ou não furtados...
Mas voltando ao estritamente consignado na motivação do acórdão recorrido, põe-se agora em evidência o teor dos dois parágrafos a que já aludimos supra:
«Ora, precisamente quanto à participação nos factos do arguido D…, tendo como presentes as coordenadas enunciadas, consideraram-se, desde logo e como se enunciou, as declarações do coarguido C… devidamente conjugadas com o auto de apreensão de fls. 35 e 36 dos autos de inquérito apensos nº 152/09.4GBMCN, que demonstra a respetiva detenção dos identificados bens – computador, máquina de filmar e fotográfica – os mesmos que o arguido C… afirmou ter vendido ao arguido D… pelo preço de 180€, no mesmo dia em que ocorreram os factos. De todo o modo, tendo presente que os objetos foram apreendidos na posse do arguido D… no mesmo dia do furto e ainda que, sendo o arguido C… toxicodependente, é de presumir, porque o permitem as regras da experiência comum, que o arguido D… recebeu do segundo a máquina fotográfica, mediante a contrapartida que se teve por provada, para que o arguido C… assim pudesse satisfazer o seu vício, só assim alcançando, aliás, a finalidade que o determinou ao furto.
Por outro lado, na consideração de que ambos os arguidos se conhecem e conheciam à data dos factos, de que na mesma data o arguido C… apresentava problemas ligados ao consumo de estupefacientes, posto que era toxicodependente, a normalidade das coisas e as regras da experiência comum permitem-nos a conclusão de que o arguido D… não só sabia que o arguido C… era toxicodependente, como necessariamente, teria de ter conhecimento de que os bens que lhe vendia eram provenientes de um qualquer furto a que se dedicava para sustentar o seu vício.»
Desta simples citação, ressalta que não foram unicamente as declarações do C… (embora importantes pelo que disse e pelo que delas se pode subentender ou inferir) os únicos meios de prova que motivaram o tribunal recorrido a dar como provados os factos assentes sob o nº 28.
Por outro lado, não se vislumbra que haja qualquer contradição entre a fundamentação vertida no acórdão recorrido e os correspondentes factos provados, nem qualquer erro (e, muito menos, notório) na apreciação da prova.
Na verdade, se, para que se desse como provado o elemento subjetivo do crime de recetação, se exigisse que o agente do mesmo o confessasse ou que o vendedor ou cedente lhe tivesse relatado expressamente o modo ilícito por que obteve os objetos recetados, tal equivaleria, na prática, a uma generalizada impunidade mesmo relativamente aos raros casos levados a juízo.
Mas não: a prova dos factos integradores deste elemento subjetivo não está submetida a qualquer prova vinculativa, isto é, não está subtraída à regra geral da livre convicção do tribunal, consagrada no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Como já se referiu, algo diversamente do que se diz nas conclusões, a motivação do recorrente vai no sentido de que teria ocorrido erro de julgamento, na medida em que teriam sido dados como provados factos que não o deveriam ter sido [4].
Ora, vem entendendo, corrente e pacificamente, a jurisprudência que este tipo de erro não se confunde com os vícios previstos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (designadamente com o erro notório) que têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência [5]. Dito de outro modo, o erro notório na apreciação da prova consiste numa insuficiência que só pode ser apurada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza um juízo notoriamente ilógico, arbitrário, de todo insufragável, e por isso incorreto, e que, em si mesmo, não passe prontamente despercebido à observação e verificação comum do homem médio [6].
Quando o recorrente coloca em causa o modo como o tribunal valorou a prova, não está a invocar os vícios do nº 2, mas a questionar o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova, o que só poderia fazer no âmbito do recurso amplo regido pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do mesmo diploma [7].
Não obstante, como já se viu, nem no âmbito da sindicação do erro de julgamento o ora recorrente lograria a modificação da factualidade dada como provada, pois se entende como acertada e adequadamente fundamentada tal decisão.
Improcede, assim, claramente, a arguição pelo recorrente dos vícios a que se refere o nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
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E) A alegada violação do princípio probatório “in dubio pro reo”
Expressa o arguido o entendimento de que foi violado pelo tribunal recorrido o princípio probatório “in dubio pro reo”, ao considerar provados os já aludidos factos consubstanciadores do elemento subjetivo do crime por que foi condenado na 1ª instância.
Estamos, no fundo, perante uma outra forma de tentar pôr em causa a convicção probatória do tribunal recorrido, relativamente a um segmento restrito da factualidade assente, mas de capital importância para a definição da responsabilização penal do coarguido ora recorrente.
Conquanto o princípio da livre apreciação da prova tenha, aqui também, um espaço de aplicação bastante amplo, no âmbito do direito processual penal tem o mesmo que se articular com um outro princípio probatório – que emana do princípio constitucional da inocência do arguido até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, consagrado no nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa – mais conhecido como “in dubio pro reo”.
Como já afirmava Cavaleiro de Ferreira, a página 316 do volume II do seu Curso de Processo Penal (versão de 1955), «Dalguma maneira uma presunção de inocência é o próprio princípio “in dubio pro reo”».
Também Figueiredo Dias sublinha esta substancial equiparação, quando escreve [8] “…enquanto se tome como equivalente do princípio in dubio pro reo, a ‘presunção de inocência’ pertence sem dúvida aos princípios fundamentais do processo penal em qualquer Estado-de-direito”.
Implica este princípio que, quando o tribunal fica na dúvida quanto à ocorrência de determinado facto, deve daí retirar a consequência jurídica que mais beneficie o arguido.
Tal princípio é aplicável após a produção de prova e o seu campo de aplicação implica a existência de uma dúvida razoável que não permite ao julgador afirmar, em consciência e com segurança, que determinado indivíduo cometeu factos pelos quais vinha acusado e foram objeto de análise em audiência de julgamento.
Não é compaginável com um mero capricho ou vontade de absolver por parte do juiz, resultando, sim, da prova que foi produzida e causou no espírito do julgador a dúvida que este não consegue ultrapassar para condenar em consciência.
Tratando-se de um corolário da presunção de inocência, pressupõe a concretização ou materialização de uma dúvida válida sobre a verificação de factos alegados pela acusação ou pela defesa.
A dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, pois não se pode perder de vista que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida [9].
Numa situação de dúvida quanto à factualidade imputada, o tribunal deve, pois, recorrer a tal princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
Debruçando-nos sobre o caso concreto, a alegação do arguido cinge-se, esquematicamente, aos seguintes pressupostos:
- o coarguido C… não informou o recorrente D… de que os objetos que lhe estava a vender eram furtados;
- o recorrente não prestou declarações por se não encontrar em condições para tal, não tendo, por isso, reconhecido que soubesse que o C… tivesse entrado ilicitamente na posse dos bens entre ambos transacionados;
- deste modo, não possuindo o tribunal recorrido provas concretas e insofismáveis de que o recorrente tivesse conhecimento da proveniência ilícita dos bens que comprou, devia quedar-se por uma prudente posição dubitativa, conducente à não prova dos factos subjetivos em causa.
Porém, como já deixámos antever no que anteriormente dissemos, o tribunal recorrido não expressou ter, quanto a esta matéria, quaisquer dúvidas razoáveis, nem tinha motivos para, racionalmente, as ter.
Desde logo, a longa e persistente experiência do coarguido C… enquanto dependente do consumo de drogas ditas “duras” e a sua autorreconhecida compulsão para a prática de crimes contra o património, bem demonstrada pelo seu certificado de registo criminal – com expressão no historial de condenações que se encontra vertido no longuíssimo nº 35 da factualidade provada (que dá conta, designadamente, de várias condenações em prisão efetiva desde 1990) – são circunstâncias que não podem deixar de produzir resultados ao nível da apreciação da prova.
Com efeito, o C… e o ora recorrente já se conheciam há mais de 20 anos, não podendo este ignorar o estilo de vida daquele: o C… admitiu, muito espontaneamente, que a sua vida “era roubar” para sustentar o vício.
A vasta e infeliz experiência do arguido C… levou-o também a pretender atrair sobre si todas as culpas, ciente, como se mostrou, de que todas as penas correspondentes aos crimes da “última vaga” seriam contraídas no cúmulo jurídico que deverá ser efetuado. Através das suas declarações, contribuiu decisivamente para conduzir o coletivo à completa ilibação, nestes autos, da sua companheira (a coarguida B…). Notou-se que também fez os possíveis por não incriminar o ora recorrente, seu conhecido de longa data.
No entanto, várias circunstâncias objetivas conduziram o tribunal coletivo a dar como provados os factos integrantes do elemento subjetivo do crime de recetação.
É consabido que a grande maioria dos tipos de ilícito criminal pressupõe, para o preenchimento dos seus elementos subjetivos, a verificação de estados psíquicos, não passível, por norma, de qualquer demonstração direta. Tais estados são apenas surpreendíveis externamente, com diferentes graus de acerto, por indícios que o pensamento do agente e dos demais atores da cena do crime exteriorizaram no mundo do tangível.
Nestes casos, não existindo confissão do próprio agente (como acontece no caso em análise), apenas as regras da experiência e da lógica permitem associar determinadas ações a certos estados de espírito.
Ora, como adverte Paulo Saragoça da Matta [10], “…tais regras são, em boa medida, regras de probabilidade e mesmo de mera possibilidade e não regras da física.”
Estamos, pois, no domínio das provas indiretas ou indiciárias que, diversamente das provas diretas (que recaem diretamente sobre os factos probandos) incidem sobre “factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar” [11].
As provas indiretas ou indícios «são sinais, marcas, indicações de ocorrência de um crime, são circunstâncias que têm conexão verosímil com o facto incerto a provar, são factos ‘que embora não demonstrando a existência histórica do factum probandum, demonstram outros factos, os quais, de acordo com as regras da lógica e da experiência, permitem tirar ilações quanto ao facto que se visa demonstrar’» [12].
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que, para além dos factos que preenchem o elemento objetivo do crime de recetação pelo qual o recorrente vinha acusado (factos cuja fixação ninguém pôs em causa, pois sobre eles foram produzidas provas diretas irrefutáveis), concorrem os seguintes indícios ou provas indiretas relativamente aos factos fixados sob o nº 28 (que consubstanciam o elemento subjetivo do crime de recetação):
- o coarguido C… afirmou que conhecia o ora recorrente D… há mais de 20 anos;
- o coarguido C… foi, neste período, condenado 12 vezes por crimes contra o património, admitindo ser toxicodependente e que a sua vida “era roubar” para sustentar o seu vício;
- o coarguido C... vendeu ao ora recorrente D… um computador (no valor de 700,00 €), uma máquina de filmar (no valor de 300,00 €) e uma máquina fotográfica (no valor de 100,00 €) – que acabara de furtar nesse mesmo dia – pelo preço global de 180,00 €;
- o coarguido C… residia habitualmente em Marco de Canaveses e o recorrente no Porto.
Mesmo não sendo recetador habitual do coarguido C…, o recorrente D… não podia deixar de conhecer o modo de vida de quem se apresentou para lhe vender, “de uma assentada”, três aparelhos eletrónicos.
O recorrente não devia deixar de estranhar que, vivendo o C… em Marco de Canavezes, se os aparelhos fossem seus, os viesse vender ao Porto a quem nem sequer era comerciante de tal tipo de material.
Por mais desconhecedor que fosse do valor dos aparelhos em causa, nunca lhe poderia escapar que os estava a comprar por um preço muitíssimo inferior ao seu valor real (mais de 6 vezes inferior…).
Todos estes indícios apontam muito claramente para que o recorrente sabia que os bens que adquiriu haviam chegado à posse do C… ilicitamente e que só lhe interessava a compra porque lhe iria dar lucro, pois, como se provou, é pessoa carenciada economicamente.
Não tinha, pois, o tribunal recorrido razões para permanecer perante dúvida razoável que permitisse, quanto à factualidade em causa, o recurso ao princípio probatório “in dubio pro reo” [13].
A fixação de factos feita pelo tribunal recorrido não merece, consequentemente, em nosso entendimento, qualquer censura.
Improcede, pois, claramente, também este fundamento do recurso.
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F) A medida concreta da pena
Prevenindo a possibilidade de a 2ª instância considerar dever manter inalterado o julgamento da matéria de facto efetuado na 1ª instância – hipótese que se veio a verificar – o recorrente não colocou em causa o enquadramento típico de tal factualidade no nº 1 do artigo 231º do Código Penal, que efetivamente se nos afigura não merecer censura.
Entendeu, no entanto, o recorrente que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva, devendo ser fixada uma multa de montante muito inferior, dadas as suas condições pessoais.
O crime cometido pelo recorrente é abstratamente punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
Tendo o tribunal recorrido optado pela pena de multa, nenhuma objeção levantou o recorrente a tal escolha.
A questão que resta abordar tem, pois, a ver apenas com a medida da pena de multa aplicada.
A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa (ver artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal).
Mostrando-se balizada a pena a aplicar pela moldura abstrata de 10 a 600 dias de multa, há que sindicar a determinação da medida concreta de tal pena, tendo em consideração a culpa do arguido e as exigências de prevenção especial e geral das reações criminais (nº 1 do artigo 71º do Código Penal) – prevenção especial de socialização, limitada por limiares mínimos de prevenção geral de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico [14].
Na determinação concreta da pena, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (sob pena de dupla valoração), depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.
O grau de ilicitude do facto – podendo aferir-se, designadamente, pelo valor de mercado dos objetos transacionados e pela diferença entre este valor e o efetivamente pago por eles (920,00 €) – pode considerar-se médio.
As consequências do crime foram praticamente nulas, visto que os bens em causa foram apreendidos no dia seguinte e foram restituídos à sua legítima dona.
A intensidade do dolo não parece ultrapassar a mediania, dentro do desenho típico da infração.
O arguido havia sido já condenado anteriormente por crime idêntico, o que constitui um fator agravativo.
Por outro lado, porém, as condições pessoais do arguido transformaram-se drasticamente até ao momento do julgamento, de tal forma que está agora acamado e dependente do auxílio de terceira pessoa (designadamente da esposa, mas também da filha) por ocorrência de AVC, sendo a subsistência do agregado garantida pela reforma do arguido no montante de cerca de 390€, apresentando como principais despesas o valor da renda, no montante de 22,20 €, fornecimento de energia elétrica e água, no montante de 150 €.
As necessidades de prevenção especial de socialização quedam-se, por isso, por um patamar mínimo, tendo em atenção que o arguido perdeu até a sua capacidade ambulatória, não sendo, de modo algum, previsível que reincida.
Reconhece-se que existem e persistem necessidades de prevenção geral que demandam que a pena não se aproxime de valores próximos do seu mínimo típico.
Julga-se adequado fixar a taxa diária no seu mínimo, isto é, em € 5,00 (cinco euros).
Assim, afigura-se-nos como ajustada (necessária e suficiente) uma pena de 180 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros (as condições económicas do arguido parecem situar-se ao nível do limiar de subsistência).
Deste modo, merece parcial provimento o recurso do arguido D…, no que respeita à medida concreta da pena.
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III – DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo coarguido D… – revogando parcialmente o acórdão recorrido na parte respeitante à medida concreta da pena aplicada ao referido coarguido – condenando-o agora, como autor de um crime de recetação previsto e declarado punível pelo artigo 231º, nº 1 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 5,00 € (perfazendo um montante de 900,00 €).
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Sem custas, nesta instância – nº 1 do artigo 513º do Código de Processo Penal, a contrario sensu.
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Porto, 19 de Dezembro de 2012
Vítor Carlos Simões Morgado
Raul Eduardo Nunes Esteves
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[1] Ver, nomeadamente, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos. do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239).
[2] Relatado por Oliveira Mendes e acessível in www.dgsi.pt.
[3] Assinale-se, além disso, que as provas invocadas pelo tribunal recorrido não consistiram unicamente nas declarações do coarguido C…, diversamente do que o arguido pretende fazer crer.
[4] Sobre a distinção entre erros de julgamento e os vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP, vejam-se, nomeadamente, os acórdãos do S.T.J. de 20/4/2006, processo 06P363 (relatado por Rodrigues da Costa) e de 22/4/2009, processo 303/06.0GEVFX (relatado por Fernando Fróis), publicados www.in dgsi.pt.
[5] Ver, ao nível também das Relações, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/6/2003, processo 1538/02-2 (relatado por Tomé Branco) e de 4/4/2005, processo 1477/04-1 (relatado por Nazaré Saraiva), in www.dgsi.pt.
[6] Com semelhante formulação, ver acórdão do S.T.J. de 7/1/2004, processo 03P3213 (relatado por Henrique Gaspar), in www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, ver, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/1/2006, processo 0516343 (relatado por Joaquim Gomes), in www.dgsi.pt.
[8] Direito Processual Penal, I volume, 1974, página 214.
[9] A este propósito, veja-se Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.
[10] A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, página 231.
[11] Veja-se Francisco Marcolino de Jesus, Os meios de obtenção de prova em processo penal, Almedina, 2011, página 77.
[12] Francisco Marcolino de Jesus, obra e local citados na nota anterior, e Paulo Saragoça da Matta, obra citada na nota 10, página 227.
[13] Assinale-se que, quanto aos factos da acusação sobre os quais se lhe suscitaram dúvidas sérias, teve o tribunal recorrido o cuidado de os considerar não provados, fazendo uso criterioso do princípio in dubio pro reo, cuja violação ora lhe é apontada pelo recorrente, mas, como já vimos, sem fundamento.
[14] Sobre estes dois tipos de prevenção nos quais assenta o nosso sistema essencialmente monista das reações criminais, veja-se J. de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, páginas 54-56.