Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA DO CÉU | ||
| Descritores: | AVALISTA EXCEÇÕES RELAÇÕES IMEDIATAS VIOLAÇÃO DO PACTO DE PREENCHIMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP202510284358/24.8T8LOU-C.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | 1 - O avalista não pode defender-se com as exceções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento. 2 - No domínio das relações imediatas, o avalista, desde que tenha tido intervenção no pacto de preenchimento, pode opor ao portador do título a violação de tal pacto. 3 - É sobre o embargante que recai o ónus de alegar e provar a inobservância do acordo de preenchimento. 4 - Quem invoca a exceção da violação do pacto de preenchimento não pode limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo, tendo de alegar factos concretos dos quais se possa extrair tal abuso. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 4358/24.8T8LOU-C.P1 Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes embargos de executado deduzidos por AA na ação executiva que lhe move A..., Unipessoal, Lda, o embargante interpôs recurso do despacho de indeferimento liminar. Na alegação de recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões: «1º - Vem o presente recurso interposto da Sentença que indeferiu liminarmente a oposição à execução movida pelo aqui Recorrente; 2º - O Tribunal "a quo" fez uma errada interpretação das normas dos artigos 10º e 17º da LULL, mostrando-se assim as mesmas violadas; 3º - O Tribunal "a quo" não podia concluir, como concluiu, que o opoente, aqui recorrente, na petição inicial de embargos, não alegou factos suficientes para determinar a procedência da oposição nem logrou juntar prova; 4º - Impõe-se saber se a petição inicial de embargos está (ou não) em condições de ser recebida; 5º - Impõe-se saber se o avalista pode opor à portadora das letras, a exequente, a exceção de preenchimento abusivo, assim como invocar a nulidade de cláusulas contratuais gerais insertas nos contratos subjacentes e nos respetivos pactos de preenchimento. 6º - Impõe-se saber os factos alegados na petição inicial de embargos são (ou não) suficientes para determinar a procedência da oposição caso venham a ficar provados; 7º - "A..., Unipessoal, Lda." instaurou execução com processo ordinário contra "B... Unipessoal, Lda.", na qualidade de sacado, e BB, CC, AA e DD, na qualidade de avalistas; 8º - Foram dadas à execução duas letras subscritas pela sociedade a favor da exequente; 9º - As letras foram entregues à exequente, em branco, como garantia do cumprimento das obrigações emergentes de contratos de mútuo celebrados entre esta e a aludida sociedade; 10º - As letras foram avalizadas pelos executados antes de estarem preenchidas; 11º - As letras avalizadas têm como pressuposto a relação subjacente ou fundamental; 12º - As avalistas assinaram os pactos de preenchimento juntos aos autos; 13º - A exequente não forneceu elementos que permitam aferir da veracidade do que foi feito constar das letras dadas à execução, designadamente, e no que aos valores apostos diz respeito, qual o montante respeitante ao capital em dívida (e como é que ele foi calculado); qual o referente a juros (taxas aplicadas, datas de vencimento...); e, qual o referente a eventuais encargos e despesas; 14º - Ao apor nas letras valores em dívida sem explicitar como é que os alcançou, a exequente incorreu em preenchimento abusivo das letras dadas à execução; 15º - O opoente não dispõe de elementos que permitam aferir se as quantias apostas nas letras são certas, líquidas e exigíveis, pelo que as letras dadas à execução não constituem títulos executivo; 16º - A exequente não identifica os(s) contrato(s) subjacente(s) à dívida exequenda, nem o(s) apresenta; 17º - O opoente desconhece que contratos de mútuo estão subjacentes ao aval, bem como as cláusulas neles consagradas, pelo que tais contratos são nulos, assim como os respetivos pactos de preenchimento; 18º - A exequente não lhe comunicou nem explicou o conteúdo das cláusulas que regem o(s) contrato(s) alegadamente subjacentes aos títulos executivos, em violação do disposto na al. a) do art.º 8º do DL N.º 446/85, de 25/10; 19º - A exequente agiu em manifesto abuso de direito. 20º - O recorrente, avalista na relação cambiária, deduziu oposição à execução alegando o preenchimento abusivo dos títulos dados à execução bem como a nulidade dos contratos subjacentes e respetivos pactos de preenchimento por violarem as regras imperativas da boa fé e os princípios do DL N.º 446/85 que fixa o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais; 21º - Á luz do disposto no art.° 17° da LULL, o Tribunal "a quo" julgou que o opoente, enquanto avalista das letras dadas à execução, encontra-se, face ao exequente, no âmbito das relações mediatas; 22º - O Tribunal "a quo" entendeu que, no domínio das relações mediatas, o opoente está impedido de suscitar, em sede de oposição à execução, quaisquer exceções fundadas nas relações pessoais com o avalizado, como a exceção peremptória do preenchimento abusivo e a da nulidade das cláusulas contratuais gerais; 23º - É posição dominante na doutrina e na jurisprudência que o carácter literal e autónomo da letra e da livrança só produz efeito quando o título entra em circulação e se encontra em poder de terceiros de boa-fé; 24º - No caso em apreço, os avalistas assinaram o pacto de preenchimento; 25º - As letras dadas à execução ainda se encontram em poder do primeiro beneficiário, ou seja, da entidade que foi concomitantemente sujeito da relação causal (a credora na relação subjacente) - a exequente; 26º - As letras não entraram em circulação, pois não se verificou qualquer transmissão cambiária; 27º - O recorrente, enquanto avalista das letras dadas à execução, encontra-se face à exequente, no domínio das relações imediatas: 28º - Conforme art.º 10° da LULL, nas relações imediatas tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstrata (embora não deixe de o ser); 29º - A disciplina jurídica das letras e livranças destina-se a assegurar a sua fácil circulação, através da proteção de terceiros de boa fé; 30º - A disciplina jurídica das letras e livranças não funciona enquanto o título não ultrapassar o círculo das relações imediatas, ou seja, não entrar em circulação; 31º - Quando as letras são preenchidas pelo seu beneficiário e é ele quem reclama o seu pagamento, nada justifica que o executado não lhe possa opor a exceção de preenchimento abusivo, bem como a da nulidade das cláusulas contratuais gerais, pois tais letras não chegaram a entrar em circulação, estando, ainda, no domínio das relações imediatas. 32º - O Tribunal "a quo" devia ter decidido que opoente e exequente encontram-se no domínio das relações imediatas, e, por consequência, que é admissível a oposição apresentada, sendo legítimo ao embargante opor à exequente a exceção peremptória do preenchimento abusivo dos títulos e a da nulidade das cláusulas contratuais gerais; 33º - Segundo entendimento uniforme da nossa jurisprudência, o ónus da prova das exceções recai sobre o opoente, mas o Tribunal "a quo" andou mal ao concluir que o opoente, aqui recorrente, não alegou factos suficientes para determinar a procedência da oposição, não logrando juntar prova; 34º - Os factos alegados na petição inicial de embargos são suficientes para determinar a procedência da oposição, encontrando-se o mesmo em condições de os provar; 35º - O despacho recorrido deverá ser substituído por outro que determine o prosseguimento da oposição.» A exequente não respondeu à alegação do recorrente. É a seguinte a questão a decidir: - da manifesta improcedência dos embargos. * Importa ter presente que consta do requerimento executivo o seguinte:«I – Da Letra emitida com o número: ... 1º A exequente é dona e legítima portadora e possuidora, de uma letra de câmbio com o nº ..., que se junta como documento n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais. 2º A referida letra, no montante de € 7.718,77 (sete mil setecentos e dezoito euros e setenta e sete cêntimos) foi sacada pela exequente e subscrita e aceite pela B... – Unipessoal, Lda, e também subscrita e avalizada por BB, CC, AA e DD, no dia 02/02/2022. 3º … 4º Na referida letra foi aposta como data de vencimento o dia 06/12/2024. 5º A letra foi emitida na sequência da celebração de contratos de mútuo incumpridos pela B... – Unipessoal, Lda, através da plataforma de financiamento colaborativo gerida pela Exequente. 6º Tanto o aceite como o aval foram dados com a Letra em branco, tendo os Executados, no dia 02/02/2022, emitido e assinado uma autorização de preenchimento de letra, conforme documento nº 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 7º Nesse pacto de preenchimento as referidas outorgantes declaram aceitar que em caso de incumprimento dos contratos de mútuo, autorizavam a exequente a preencher a letra, nomeadamente fixando as datas de emissão e vencimento e quantia em divida, até ao montante de € 20.356,00 (vinte mil trezentos e cinquenta e seis euros) 8º Na sequência do incumprimento dos contratos de mútuo por parte da B... – Unipessoal, Lda, a Exequente, após interpelações várias, preencheu a Letra e comunicou aos outorgantes da letra e respectivo pacto, de que a mesma se encontrava a pagamento. (Doc. 3) … II – Da Letra emitida com o número: ... 14° A exequente é dona e legítima portadora e possuidora, de uma letra de câmbio com o nº ..., que se junta como documento n.º 4, cujo teor se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais. 15º A referida letra, no montante de € 15.709,28 (quinze mil setecentos e nove euros e vinte e oito cêntimos) foi sacada pela exequente e subscrita e aceite pela B... – Unipessoal, Lda, e também subscrita e avalizada por BB, CC, AA e DD, no dia 07/03/2023. 16° … 17° Na referida letra foi aposta como data de vencimento o dia 06/12/2024. 18º A letra foi emitida na sequência da celebração de contratos de mútuo incumpridos pela B... – Unipessoal, Lda, através da plataforma de financiamento colaborativo gerida pela Exequente. 19º Tanto o aceite como o aval foram dados com a Letra em branco, tendo os Executados, no dia 07/03/2023, emitido e assinado uma autorização de preenchimento de letra, conforme documento nº 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 20º Nesse pacto de preenchimento as referidas outorgantes declaram aceitar que em caso de incumprimento dos contratos de mútuo, autorizavam a exequente a preencher a letra, nomeadamente fixando as datas de emissão e vencimento e quantia em divida, até ao montante de € 21.149,00 (vinte e um mil cento e quarenta e nove cêntimos) 21º Na sequência do incumprimento dos contratos de mútuo por parte da B... – Unipessoal, Lda, a Exequente, após interpelações várias, preencheu a Letra e comunicou aos outorgantes da letra e respectivo pacto, de que a mesma se encontrava a pagamento. (Doc. 3) …» * Nos termos do art. 17º da LULL, “as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”O embargante é avalista. “O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado.” “A obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da do avalizado, pois o avalista responsabiliza-se pela pessoa que avaliza, assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título. Com efeito, a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma – art. 32 da LULL.” “Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 26 de fevereiro de 2013, no processo 597/11.0TBSSB-A.L1.S1). «O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do art. 17 LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto. Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário. Contudo, a inoponibilidade não é absoluta, pois tem-se entendido que o princípio da independência das obrigações cambiárias e das obrigações do avalista e do avalizado não obsta a que o avalista possa opor ao portador a excepção de liberação, por extinção da obrigação do avalizado (cf., por ex., Vaz Serra, RLJ ano 113, pág.187). Neste caso, o avalista usa de um meio de defesa que longe de ser pessoal do principal obrigado (atende-se ao regime do art.17 LULL) se comunica aos que solidariamente estejam adstritos ao pagamento da prestação, ou seja, nas hipóteses em que a doutrina qualifica como “falta de causa” ou “falta de fundamento jurídico” do possuidor.» «Sendo a obrigação do avalista autónoma, em princípio não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente (por ex., preenchimento abusivo, nulidade ou incumprimento do contrato, prescrição etc.), salvo quanto ao pagamento, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, porque o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado (subscritora da livrança) e não directamente à obrigação causal subjacente. Porém, já estará o avalista legitimado a excepcionar o preenchimento abusivo se ele próprio interveio no pacto de preenchimento» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 11 de maio de 2022, no processo 703/20.3T8SNT-B.L1.S1). Assim, o embargante, na qualidade de avalista, não pode opor à portadora das letras a exceção da nulidade dos contratos subjacentes. É de salientar que, não sendo o avalista parte nos contratos subjacentes, não lhe tinham que ser comunicadas as cláusulas contratuais gerais que regem esses contratos nem explicado o conteúdo das mesmas. Nos termos do art. 10º da LULL, “se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”. No domínio das relações imediatas, ou seja, quando o título ainda não entrou em circulação, o avalista, desde que tenha tido intervenção no pacto de preenchimento, pode opor ao portador do título a violação do pacto de preenchimento (www.dgsi.pt Acórdão do STJ de 13 de novembro de 2018, processo 2272/05.5YYLSB-B.L1; Acórdão do STJ de 25 de maio de 2017, processo 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1). Nos termos do art. 378º do C.C., “se o documento tiver sido assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído.” Assim, e conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14 de maio de 1996 (www.dgsi.pt Acórdãos do STJ, processo 084633), é sobre o embargante que recai o ónus de alegar e provar a inobservância do acordo de preenchimento. Quem invoca a exceção da violação do pacto de preenchimento não pode limitar-se a afirmar que o preenchimento foi abusivo, tendo de alegar factos concretos dos quais se possa extrair o preenchimento abusivo. Na oposição à execução, o embargante declarou que “não sabe como é que a Exequente calculou o montante constante das letras que preencheu e deu à execução”, “pois que a Exequente nunca justificou, expondo factos concretos, tais montantes”. Contudo, não cabia à exequente alegar como alcançou os valores que apôs nas letras, mas cabia ao embargante alegar o preenchimento pela exequente do espaço das letras destinado à importância em desconformidade com o acordado. O embargante não cumpriu o ónus de alegação. Conforme resulta do art. 732º nº 1 do C.P.C., a manifesta improcedência é um dos fundamentos do indeferimento liminar dos embargos. Assim, bem andou o tribunal recorrido em indeferir liminarmente os embargos por manifesta improcedência. * Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.Custas do recurso pelo recorrente. Porto, 28 de outubro de 2025 Maria do Céu Silva Alexandra Pelayo Rodrigues Pires |