Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2149/10.2T2AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: INCIDENTE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
INTERVENÇÃO ESPONTÂNEA
INADMISSIBILIDADE LEGAL
Nº do Documento: RP202405072149/10.2T2AVR.P1
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A intervenção principal visa, perante uma ação pendente entre duas partes, proporcionar a terceiros, que a lei designa por intervenientes, o litisconsórcio ou a coligação com alguma daquelas.
II – Porém, a intervenção principal, espontânea ou provocada, não é admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha.
III – Situação que se verifica quando a autora pretende a anulação, declaração de ineficácia ou resolução de doações efectuadas por si e pelo “chamado”, ao passo que este, em sentido contraposto, pretende que essas doações se mantenham.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2149/10.2 T2AVR.P1

Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 3

Apelação

Recorrentes: AA; BB (recursos principais); CC (recurso subordinado)

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Alberto Taveira e Fernando Vilares Ferreira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A autora DD intentou ação declarativa com forma ordinária, no Juízo de Comércio de Aveiro, contra os réus AA, BB e EE, alegando em resumo que:

A autora e o primeiro réu são (ainda) casados no regime da comunhão geral de bens, estando em curso ação de divórcio.

Os 2º e 3º réus são filhos do casal.

Na constância do seu casamento, a autora e o primeiro réu fundaram uma sociedade, atualmente “A... – SGPS, SA”.

No dia 9.9.2009 a autora e o 1º réu seu marido, cada um detentor de ações na sociedade, celebraram um acordo designado de doação com encargos, através do qual, cada um deles, doou as ações que possuía aos seus filhos, na proporção de metade para cada um.

Cada um dos cônjuges não tem legitimidade para, desacompanhado do outro, dispor do seu lote de ações, o que torna anuláveis as referidas doações, por força do disposto nos artigos 1687º e 287º, nº 2 do Cód. Civil.

As mencionadas doações foram feitas, além de outros, com os seguintes encargos:

Cláusula 3 - II – a) À Primeira Outorgante mulher ser-lhe-á também concedida uma remuneração mensal vitalícia equivalente a quatro salários mínimos nacionais, bem como a utilização de uma viatura automóvel e as respectivas despesas de manutenção.

Cláusula 5 c) - Os donatários deverão assegurar a boa convivência familiar, fazendo com que a presente doação em nada afecte a mesma.

À data do acordo, o segundo réu já era dono de ações representativas de 30% do capital social da A..., passando com as doações acima referidas a ser acionista maioritário.

Ora, após a outorga do acordo atrás referido, considerando-se, desde logo, senhor da maioria das acções, o segundo réu começou a gerir a sociedade a seu bel prazer, ignorando a vontade ou sequer a opinião da autora e da terceira ré e do marido desta, que também é acionista.

Esta conduta, apoiada pelo 1º réu, causou graves conflitos familiares, existindo um corte de relações entre a autora e o 1º e 2º réus e entre os réus entre si.

Até ao presente, a autora não recebeu qualquer remuneração do grupo A..., designadamente nos termos da cláusula terceira das doações que se têm vindo a referir.

Conclui pedindo que:

Sejam anuladas as doações a que os autos se referem, por força do disposto no art. 1687º do Código Civil.

Se assim não se entender, deve ser declarada a ineficácia das ditas doações, com base no número 2 da respetiva cláusula terceira.

Ainda quando assim não se entenda, devem ser declaradas resolvidas as mesmas doações por força do disposto do número dois da respetiva cláusula quinta.

Citado, o réu AA apresentou contestação, alegando em resumo que:

O tribunal materialmente competente para conhecer desta acção é um Juízo Cível e não um Juízo de Comércio.

As ações em causa nos presentes autos integram a comunhão conjugal.

A autora não tem legitimidade para peticionar a anulação, a ineficácia ou a resolução da doação relativamente às ações do aqui réu.

A ação devia ser proposta por marido e mulher, litisconsórcio necessário, o que no caso não sucede.

Os mesmos fundamentos permitem sustentar a ilegitimidade passiva do réu.

A autora e o 1º réu nas doações já referidas declararam pretender doar, doaram e reciprocamente consentiram na doação.

Não há, pois, qualquer causa de anulabilidade da doação, sendo que o direito de a invocar se encontra caducado.

Os donatários em nada contribuíram para as desavenças entre a autora e o réu marido, sendo essas desavenças motivadas pela mudança de comportamento da autora.

Até hoje os donatários têm pautado a sua atuação no sentido de garantirem que a administração e gestão de todas as sociedades do grupo A... fosse pautado por altos níveis de profissionalismo e têm entre si continuado uma “boa convivência familiar”.

As doações só se tornam válidas e eficazes decorrido o período de dois anos contado desde 9.9.2009.

Assim, só nessa data serão devidos à autora os benefícios previstos na cláusula terceira.

A presente ação configura um caso de abuso de direito.

Conclui pedindo que:

- Seja determinada a incompetência material do Juízo do Comércio para decidir da ação;

- Se declare a ilegitimidade ativa da autora com a consequente absolvição dos réus da instância;

- Se declare a ilegitimidade passiva do réu aqui contestante;

- Se determine a improcedência da ação.

Também os réus BB e EE vieram contestar, invocando a incompetência material do Juízo de Comércio, a ilegitimidade ativa da autora e a ilegitimidade passiva do réu.

Impugnam, por outro lado, a matéria vertida na petição inicial alegando que:

As doações foram feitas com autorização recíproca de ambos os cônjuges, acrescendo que sempre estaria caducado o direito de anular a doação.

Ainda não se venceu a obrigação prevista na cláusula 3º e, mesmo a entender-se que essa obrigação estava vencida, existiria mora e não incumprimento definitivo.

As relações entre os donatários são boas, existindo um perfeito entendimento entre eles.

Também a relação entre os donatários e o pai se mantem boa.

A autora, a partir do verão de 2010, passou a adotar comportamentos de desentendimento com o marido e a refletir na relação com os filhos todo o mal estar que sente.

Concluem pedindo que:

- Se decida que o Juízo de Comércio é incompetente para decidir do objeto do processo;

- Se declare que a autora, desacompanhada do marido, é parte ilegítima para propor a ação e que, consequentemente, se absolvam os réus da instância;

- Sem conceder, se julgue a ação não provada e improcedente.

A autora veio apresentar réplica pugnando pela improcedência das exceções.

Foi determinada a incompetência material do Juízo de Comércio para decidir do objecto dos autos, sendo estes remetidos ao Juízo de Grande Instância Cível de Anadia (atualmente Juízo Central Cível de Aveiro).

Por despacho de 25.11.2011 foi julgada procedente a exceção de ilegitimidade invocada pelos réus e, em consequência, foram estes absolvidos da instância.

Na sequência deste despacho veio a autora requerer a intervenção principal de AA, ao seu lado, ao abrigo do art. 269º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, sendo, por despacho de 11.5.2012 deferida essa intervenção e este admitido a intervir como parte principal e associado da autora.

Em 28.5.2022 o chamado AA interpôs recurso deste despacho, ao qual respondeu a autora em 12.6.2022.

Porém, a Mmª Juíza “a quo”, por despacho de 21.6.2012, não admitiu tal recurso, considerando-o processualmente inoportuno e frisando que a impugnação do despacho em causa deverá ser feita no recurso que venha a ser interposto da decisão final.    

Entretanto, o chamado AA veio apresentar articulado superveniente alegando em resumo que:

Ele e a autora decidiram, de comum acordo, doar as ações que cada um detinha, resolvendo apartar-se da vida das sociedades.

A cláusula 5º visou apenas salvaguardar o bom relacionamento entre os donatários.

Era convicção e vontade dos doadores que o início do cumprimento dos encargos só se operaria após 9.9.2011, isto é, após a doação se tornar válida e eficaz.

Desde essa data, os donatários sempre se disponibilizaram para darem cumprimento à cláusula 3º, o que não foi aceite pela autora.

O divórcio do casal ficou a dever-se à conduta da autora e a factos por esta encenados e inventados, relativos a supostas agressões de que teria sido alvo, e arrastando os filhos nessa contenda.

O fim pretendido pela autora é a partilha dos bens do casal, nela incluindo tudo o que puder.

A admissão do chamamento viola o princípio da estabilidade da instância.

Conclui pedindo que:

a) Seja julgada procedente a invocada exceptio mutatis libelli com todas as consequências legais daí decorrentes;

b) Se declare que o citado que não faz seus os articulados da autora, e que renova aqui integralmente o constante do seu articulado de contestação, bem como a contestação dos restantes réus;

c) Se julgue a ação improcedente.

A autora veio responder impugnando o teor do articulado do autor/chamado e articulando os seguintes factos supervenientes:

Na constância do casamento com o chamado, a autora sempre teve à sua disposição uma viatura, viatura esta que lhe foi retirada pelos donatários, o que configura a violação da cláusula terceira.

Em reunião do Conselho de Administração da A... SGPS – SA de 24.3.2011, o chamado AA e os réus deliberaram proceder à venda de todas as participações da sociedade nas diversas empresas do grupo, pretendendo assim anular o valor económico dessa sociedade.

O que veio a ser concretizado através de Assembleia Geral, na qual a autora foi impedida de participar.

Nessa assembleia deliberou-se também a alteração do nome da sociedade que passou a chamar-se B..., SGPS, SA e mudou-se o local da sua sede, que corresponde a um edifício velho, degradado e acanhado.

Estas deliberações tiveram como objetivo e importaram a total destruição da A....

No dia 31.5.2011, no âmbito de uma providência cautelar intentada pela autora veio esta a tomar conhecimento do valor de venda das participações da A.../B... – SGPS.

Constatou que essas participações foram vendidas por 6 milhões de euros, cerca de um terço do seu valor a uma sociedade de nome C..., SGPS, SA, sendo que no negócio tanto a vendedora como a compradora foram representadas pelo réu BB.

A C... tem a mesma natureza jurídica, o mesmo objecto, o mesmo CAE, a mesma forma de se obrigar, o mesmo fiscal e a mesma sede da antiga A....

Finalmente o respetivo Conselho de Administração é constituído pelas mesmas pessoas que constituíam o Conselho de Administração da A... SGPS – ou seja pelos dois réus e pelo chamado.

Com esta conduta os réus e o chamado tiveram como objectivo desviar do património comum da autora e do chamado a totalidade dos valores inerentes à A... – SGPS.

Acresce que o produto da venda das participações sociais da A... SGPS nas empresas do grupo não entrou, efetivamente, nos cofres da dita A... (agora B...).

A referida conduta integra grave violação dos deveres do chamado e dos réus enquanto administradores da A... SGPS, SA e constituem grave violação da cláusula quinta, alíneas a) a e) da doação em causa nos autos.

Conclui-se como na petição inicial e na réplica, agora com a acrescida causa de pedir constituída pelos factos supervenientes alegados.

O chamado veio responder ao articulado superveniente, impugnando o seu teor.

Também os réus vieram responder ao articulado superveniente alegando em resumo que:

A viatura que estava entregue à autora precisava de diversas reparações, pelo que a A... exigiu a sua entrega.

Depois de reparada, os réus adquiriram a viatura à A... para poderem proporcionar à autora a sua fruição, o que esta recusou, alegando qua a viatura não estava segura, o que não corresponde à verdade.

A venda das ações da A... SGPS foi feita no âmbito da atividade da mesma.

Não houve qualquer intenção de excluir a autora. No entanto, tanto ela como o ex-marido, pai dos réus, já não são sócios e, portanto, não havia qualquer razão para participarem na constituição da empresa ou a qualquer outro título.

A conduta da autora, nomeadamente a presente acção, teve graves consequências na atribuição de financiamento bancário à A... e foi, nesse contexto, que se criou a C....

Concluem como na contestação.

A autora apresentou articulado impugnando o alegado pelo chamado e pelos réus.

Procedeu-se a realização de audiência prévia, com elaboração de despacho saneador que relegou para final o conhecimento da caducidade do direito da autora.

Fixou-se a matéria assente e elaborou-se a base instrutória.

Na pendência da ação faleceu a autora DD, prosseguindo os autos na pessoa do habilitado CC, herdeiro testamentário da autora.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

Respondeu-se à matéria da base instrutória e, por fim, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e declarou resolvida a doação a que se referem os pontos 4 a 6 dos factos provados, com fundamento na violação da cláusula 3, número 2.

Inconformado com o decidido, o chamado AA interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. A instância iniciou-se pela proposição da acção, tendo o acto da proposição passado a produzir efeitos após a citação dos Réus nos autos (art. 267º, nºs 1 e 2 CPC).

2. Citados os Réus, entre os quais o aqui Recorrente, a instância deve manter-se a mesma, quanto às pessoas, ao pedido, e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. (art. 268º CPC).

3. O princípio da estabilidade da instância que veicula a ideia de que, citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, é excepcionado, na sua vertente subjectiva, pela intervenção de terceiros (art. 268º e 270º, al. b)), como sustenta Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, pág. 81 e sgts.

4. (esclarecendo de seguida que) O conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte, que envolve a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, alguma providência judicial tendente à tutela de um direito.

5. (E que) Na intervenção principal ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa. O terceiro é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal. Trata-se de cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica da titularidade do interveniente substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.

6. Visa a intervenção principal (seguindo ainda o mesmo Autor) perante uma acção pendente entre duas partes, proporcionar a terceiros, que a lei designa por intervenientes, o litisconsórcio ou a coligação com alguma daquelas,

7. e não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha.

8. O artigo 269 CPC foi redigido para permitir chamada a juízo de quem, até aí, não estava em juízo. Se a intervenção foi requerida antes do trânsito em julgado e o chamamento for admitido, a instância não chega a extinguir-se, como que se reanima; se, porém, o poder reconhecido à parte por este preceito vier a ser exercido nos trinta dias imediatos ao trânsito, a instância, que se extinguiu, renova-se ou ressurge. A instância renovada não é nova instância; mantêm-se, pois, os efeitos da proposição da acção a que se refere o art . 267.° (Rodrigues Bastos, in vol. II das Notas ao Código de Processo Civil, 3ª edição, na pág. 22, em anotação ao art. 269º CPC).

9. Se nos casos em que o chamamento é exercido nos trinta dias imediatos ao transito, a instância que se extinguiu renova-se – instância renovada que não é uma nova instância, tudo se passa como se ela nunca tivesse estado extinta (Ac. RP de 10/02/1994 acima citado) ! - por maioria de razão, requerida a intervenção antes deste trânsito, e admitido o chamamento, a instância não chega a extinguir-se, como que se reanima.

10. O seguimento do processo implica a renovação da instância, no entendimento de que esta ressurge, ou, que fica sem efeito a extinção derivada da absolvição da instância. (Prof Alberto dos Reis, no seu Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, pág 71 acima já citado).

11. A Autora requereu o chamamento antes do trânsito … e chamou à acção o aqui Recorrente … que nela era já parte …

12. O chamamento não devia ser admitido porquanto foi chamado quem já é parte.

13. O art. 269º CPC apenas se aplica a quem não está em juízo, e não consente interpretação no sentido ser processualmente admissível chamar à acção quem nela é já parte.

14. Mas, ainda que académicamente assim se não entenda, admitido o chamamento, o certo é que a instância não se chegou a extinguir relativamente a todos os Réus! Incluindo o Recorrente!

15. O Recorrente, o Réu AA, ao contrário do entendimento plasmado na fundamentação à decisão de que se recorre, não “… “perdeu” aquela qualidade de Réu“

16. Ao fundamentar a decisão no nº 2 do art. 269º CPC, a Mma Srª Juíza “a quo” ocupa-se de questão não suscitada, com o que viola o disposto no art. 660º nº 2 CPC.

17. A decisão de que se recorre, na prática, consubstancia verdadeira mutati libelli, que aqui se invoca como excepção. Com interpretação ao disposto no art. 269º CPC, que a letra e o espírito do preceito não consente. Em consequência do que fica violado o disposto no art. 268º CPC.

18. Porquanto é processualmente inadmissível, uma mesma pessoa, numa mesma acção judicial, ser Réu, ter contestado a acção e, posteriormente, ser aí admitido a intervir, como parte principal, ao lado da parte contrária, seja – como é o caso - sem ter perdido ainda essa qualidade de Réu, mas mesmo tal tivesse já acontecido …

19. A douta decisão de que se recorre, nos termos e com os fundamentos que decorrem do aqui alegado, viola o disposto nos art. 26º, 267º, 268º, 269º e 660º todos do CPC.

I I -

20. O Recorrente AA não se conforma com resposta de não provado proferida pelo Tribunal a quo quanto à matéria constante do nº 43 da base instrutória, nem com os fundamentos em que a sustenta, e também não se conforma com a resposta ao nº 79 daquela base instrutória.

21. Nos autos foi produzida prova documental e testemunhal suficiente para que seja alterada a resposta a esta matéria de facto, em consequência do que, deve o constante do nº 43 ser dado como provado e o constante do nº 79 ser dado como não provado.

22. São os seguintes os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa aos pontos da matéria de facto aqui impugnados:

1. as actas das assembleias gerais da A... SGPS, SA, juntas aos autos a fls…, de 22/01/2010 e de 15/07/2010

2. o procedimento cautelar de arrolamento, Proc. nº 342/10.7T6AVR-B

3. O processo nº 914/11.2T2AVR, Acção de Anulação de Deliberações Sociais

4. o segmento assinalado do depoimento do Recorrente AA

5. o segmento assinalado das declarações do Réu BB

23. Os processos judiciais acima referidos (Proc nº *** e Proc nº 914/11.2T2AVR), nomeadamente o neles por DD, alegado, praticado, requerido e peticionado, impõe decisão diversa à proferida pelo Tribunal a quo no que concerne ao constante do número 43 da base instrutória e à interpretação efectuada à vontade real dos doadores.

24. A Relação deve, assim, ao abrigo dos poderes constantes do art. 662º do CPC, nos seus nºs 1 e 2, al. b) e c), alterar a decisão proferida sobre esta matéria de facto, uma vez que a prova produzida e documentos bastantes impõem decisão diversa, ou, por cautela, deve ordenar a renovação da produção de prova quanto a este facto, por haver dúvidas sérias sobre o sentido da real vontade de doadora, ordenando-se, em face desta dúvida fundada, a produção de novos meios de prova; ou anulada a decisão proferida na 1.ª instância, por forma a que contem do processo todos os elementos que permitem a alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida quanto a este ponto.

I I I -

25. Nada opondo o Recorrente quanto ao decidido pelo Tribunal a quo no que denomina segundo ponto - ineficácia da doação – “… que improcede, nesta parte a pretensão desta” o mesmo já não sucede quanto às conclusões que o antecedem e que se transcrevem

… Embora as partes estabeleçam “a não produção de qualquer efeito” parece que o que pretenderam, de facto, foi dar a possibilidade aos doadores de, no prazo de dois anos resolverem contrato, caso se verifique alguma das circunstâncias elencadas no nº 1 da Cláusula Quinta.

De facto, contrariamente à letra da cláusula a doação produziu efeitos, e era a vontade dos doadores e donatários que assim fosse. ...

Assim, a cláusula ao referir que a doação não produz de qualquer efeito não materializa a real vontade dos doadores.

conclusões que devem ser julgadas improcedentes.

26. Em causa uma doação de acções, enquanto valores mobiliários.

27. A real vontade dos doadores, a real vontade do Recorrente nesta doação e que decorre do conteúdo do documento: “… É pretensão dos primeiros outorgantes, e a título de liberalidade, doar as acções de que são titulares … nos termos a seguir explanados” acções que se encontram “… devidamente tituladas e emitidas em nome dos Primeiros Outorgantes … “ mas, que, como pretendem “… subordinar os efeitos jurídicos deste contrato, à verificação de determinados comportamentos dos donatários, durante um período de dois anos, contados a partir da data de assinatura do presente contrato … “ SÓ “… findo o indicado período de dois anos, a presente doação torna-se perfeitamente válida e eficaz” !

28. Por ser essa a vontade real dos doadores,

1. o facto de terem MANTIDO em seu poder essas acções, que não entregaram aos donatários, e o de NÃO TEREM PROCEDIDO “… à inscrição nos títulos da respectiva declaração de transmissão, bem como diligenciarão no sentido de se proceder ao seu averbamento junto da sociedade emitente.” fazendo por isso expressamente constar da clausula sétima de tal contrato (em parte acima já transcrita): ”Tornando-se a presente doação válida e eficaz, quer nos termos da cláusula Quinta quer nos termos do número um da cláusula sexta supra, os primeiros outorgantes, ou o primeiro outorgante sobrevivo, respectivamente, procederão à inscrição nos títulos da respectiva declaração de transmissão, bem como diligenciarão no sentido de se proceder ao seu averbamento junto da sociedade emitente.”

2. a DD, na qualidade de accionista da A... – SGPS, S.A., ter participado nas suas Assembleias Gerais de 22/01/2010 e de 15/07/2010

3. de no procedimento cautelar de arrolamento que correu termos sob o nº 342/10.7T6AVR-B, requerente DD ter requerido, e aí ter sido efectuado, o arrolamento daquelas acções

4. de no dia 01/04/2011 a DD ter sido convocada, na qualidade de accionista, para uma Assembleia Geral da sociedade A... – SGPS, S.A., a ocorrer no dia 20/04/2010 e de, por isso, no dia 18/04/2011, invocando essa qualidade, ter-se deslocado à sua sede para obter cópia da proposta de 24/03/2011, do seu Conselho de Administração

5. de a DD, como Autora, e a assembleia geral de 20/04/2010, invocando a sua qualidade de accionista, ter intentado uma acção de anulação das deliberações aí tomadas nessa Assembleia Geral de Accionistas de 20/04/2011, acção que ainda corre os seus termos legais sob o nº 914/11.2T2AVR,

6. onde sob o nº 42 da petição inicial que aí apresentou inequivocamente afirma, referindo-se aos Réus, que “E estão incompatibilizados com a A., por esta ter impugnado uma doação com encargos e com eficácia diferida feita pela A. e pelo ex-marido, aos filhos do casal, precisamente das acções da A... – SGPS, SA” (…)

29. A real vontade da DD foi a mesma do ora Recorrente: a de que a doação não produzisse efeitos imediatos e a de que os encargos estabelecidos na cláusula terceira apenas eram devidos a partir de 09/09/2011.

30. Se o momento em que os encargos estabelecidos eram devidos fosse o da data da outorga do documento, 09/09/2009, na sua cláusula terceira teriam feito consignar que “ Ao Primeiro Outorgante … é-lhe concedido … “ e que “ À Primeira Outorgante … é-lhe também concedido … “ e não, como o fizeram “Ao Primeiro Outorgante … ser-lhe-á concedido … “ e “À Primeiro Outorgante … ser-lhe-á também concedido … “.

31. Consabido, numa sociedade anónima, a diferença de poderes que se verifica entre quem é o detentor ou o titular das acções constitutivas do seu capital social e quem integra o seu conselho de administração …

32. O facto de o Recorrente AA ter deixado ”… de acompanhar o evoluir dos negócios” não a que se conclua, como o faz a sentença recorrida, que “De facto, contrariamente à letra da cláusula a doação produziu efeitos, e era a vontade dos doadores e donatários que assim fosse.

Por isso, após a doação, a administração da sociedade deixou de estar nas mãos do Chamado, passando para a os filhos como resulta da matéria provada.”

33. Os doadores, na sequência da outorga do documento datado de 09/09/2009, denominado “doação com encargos”, não entregaram aos donatários as acções nominativas acima referidas; não colocaram – nem o pretenderam fazer, como resulta do acima acabado de referir – nos respectivos títulos a transmissão a favor dos donatários, e não procederam – nem o pretenderam fazer, como resulta do acima acabado de referir – ao registo junto da sociedade da transmissão ali referida.

34. Este artigo 102º do Código dos Valores Mobiliários (CVM) e no que concerne à transmissão de valores mobiliários titulados nominativos, exige que a transmissão de ações nominativas, fora do mercado bolsista, se efectue através da declaração de transmissão nos respectivos títulos e registo na conta do adquirente ou registo nos livros da sociedade, formalidades ad substanciam que os doadores, com o constante daquela clausula sétima, quiseram acautelar diferimento.

35. Estas normas do CVM são um requisito de produção de efeitos, quer perante a sociedade, quer perante terceiros.

36. As acções tituladas nominativas são, cumulativamente, unidades de participação social e de valor, representadas por títulos e registadas, pelo que a sua transmissão apenas tem eficácia plena, ocorrendo um acto translativo material e o seu registo, conforme resulta da leitura dos artigos 102º, nº 1, 55º, nº 1, e 56º do Código dos Valores Mobiliários. O que, no caso, não só não sucedeu como, e no imediato, os doadores não pretenderam que sucedesse.

37. Do conteúdo do documento escrito datado de 09/09/2009, denominado “Doação com encargos” decorre que, para os doadores, para o Recorrente, a vontade real foi a de que a transferência das suas acções nominativas, só iria ocorrer findo o período de dois anos contados a partir da data da sua assinatura, uma vez que, só nessa altura, é que a doação se tornaria “perfeitamente válida e eficaz”.

38. Da letra deste documento resulta que os doadores não pretenderam que a transmissão das acções se operasse por mero efeito do contrato, mas que só operasse, decorrido aquele prazo, com a tradição para os donatários das acções devidamente endossadas, ou seja, com a declaração de transmissão (pelos doadores) escrita em tais títulos, em conformidade com o art. 102º nº 2 do Código dos Valores Mobiliários.

39. Tal significa que a transmissão das acções não se operaria por mero efeito do contrato “nem apenas e só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo” (do Ac. STJ de 15/05/2008, relator Juiz Conselheiro Santos Bernardino).

40. Restringido o presente recurso ao dispositivo da sentença que nestas alegações vai impugnado, delimitando-o, o Recorrente excluí deste recurso o segmento decisório desta sentença que, ao debruçar-se sobre “… Vejamos, então se se verifica o referido incumprimento: …” decidiu que “… Assim, face a esta matéria factual, conclui-se que não resultou provada matéria que pudesse configurar o incumprimento da acima referida cláusula quinta alínea c). …” e, referindo que “… Em articulado superveniente, a Autora vem invocar também o incumprimento da cláusula quinta, atendendo à factualidade descrita nos pontos 43 a 65 dos factos provados. … “ e que ” … No entanto, não parece que esta conduta preencha qualquer uma das circunstâncias da cláusula quinta. … “ decidiu “… que improcede, nesta parte a pretensão desta. …” .

41. Avança a sentença recorrida para “ … Vejamos agora se foi incumprida a cláusula terceira com o consequente direito de resolução concedido à Autora.”. Ora, o Recorrente não se conforma, com as conclusões constantes deste segmento da sentença que se transcreve, que devem ser julgadas improcedentes e, por isso, delas aqui se recorre:

“ … Como questão prévia à de saber se os Réus incumpriram esta cláusula contratual há que discutir o seu âmbito, isto é, se a mesma tinha aplicação imediata, a partir do momento em que foi efectuada a doação, como pretende a Autora, ou se essa cláusula só teria aplicação decorridos os dois anos previstos na cláusula quinta, como pretendem os Réus.

No entanto, a doação produziu imediatamente efeitos, como já atrás foi referido.

Ora, não se vislumbra qualquer motivo para, entendendo-se o que fica exposto, entender-se que os encargos previstos na cláusula terceira só seriam devidos decorridos dois anos passados sobre a data da outorga da doação. Nem tal entendimento tem fundamento na letra do contrato celebrado, não permitindo a cláusula sexta do contrato entendimento diverso.

e, mais adiante,

“… No entanto, a doação produziu imediatamente efeitos, como já atrás foi referido.

Ora, não se vislumbra qualquer motivo para, entendendo-se o que fica exposto, entender-se que os encargos previstos na cláusula terceira só seriam devidos decorridos dois anos passados sobre a data da outorga da doação. Nem tal entendimento tem fundamento na letra do contrato celebrado, não permitindo a cláusula sexta do contrato entendimento diverso.

De facto, dispõe a cláusula sexta que “a presente doação torna-se também eficaz, antes de decorrido o período de dois anos, no caso de falecimento de qualquer um dos doadores”.

Ora, esta cláusula não permite concluir que, de forma geral e abstrata as partes quiseram suspender a eficácia da doação pelo período de dois anos, o que aliás, conforme já foi referido, não aconteceu, pois os Réus assumiram, de imediato, a nova posição que passaram a ter nas empresas.

O que com esta cláusula se quis foi retirar ao doador sobrevivo, em caso de falecimento do outro doador, a possibilidade de resolver a doação com fundamento em alguma das circunstâncias referidas na cláusula quinta. Nada mais.

O Chamado alega que a Autora até à interposição da presente acção nunca reclamou o pagamento de quaisquer quantias, o que significaria que ela própria entendeu que essas prestações não lhe eram devidas.

Ora, quanto a estas considerações cumpre referir o seguinte:

- A acção foi proposta em Dezembro de 2010, isto é 09 meses antes de se perfazer o tal prazo de 2 anos e, desde logo, a Autora invoca o não pagamento das prestações.

Não invoca o não cumprimento da cláusula relativamente à viatura porque, nesta altura, em Dezembro de 2010, essa obrigação estava a ser cumprida.

- A ruptura conjugal só se verificou em Julho de 2010, sendo provável que, até esta data, a Autora não tivesse exigido o cumprimento da cláusula porque, vivendo em comunhão de bens com o seu marido, objectivamente, não tivesse necessidade da quantia a que, formalmente tinha direito.

Assim, entende-se que não pode ser concedido qualquer valor interpretativo do teor do contrato, ao facto de a Autora só ter exigido as prestações em Dezembro de 2010 e não anteriormente.

Conclui-se, pois, que a Autora tinha imediatamente direito quer ao pagamento das mensalidades descritas no contrato quer ao uso de viatura, a partir da data da outorga da doação, isto é, desde Setembro/outubro de 2009.

O não pagamento dessas quantias fez incorrer os Réus em incumprimento contratual. …

42. Deve ser revogada a interpretação da declaração negocial efectuada pelo Tribunal a quo ao conteúdo do documento, denominado “Doação com encargos”, na medida em que atenta contra a literalidade do texto e vai contra os interesses em causa, nomeadamente os do aqui Recorrente que aí é também doador.

43. O Tribunal a quo, se na dúvida sobre o sentido da declaração negocial, não podia ter adoptado, como o fez, um sentido que não tem no documento um mínimo de correspondência e que atenta contra o que foi a real vontade do Recorrente enquanto doador.

44. O Recorrente a par da DD foi doador.

45. Quanto a saber-se da vontade dos doadores ao celebrarem o contrato referido em E) e F) quanto aos encargos referidos na cláusula terceira, o Recorrente não teve, nem tinha que ter, um interesse divergente do da doadora DD.

46. O Tribunal a quo, tendo tido ficado elucidado com o que foi a vontade real do doador Recorrente, não podia, como o fez, ignorá-la. Nem podia concluir que a real vontade dos doadores é desconhecida.

47. O Tribunal a quo apenas se podia cingir aos critérios previstos nos arts. 236º a 238º do Código Civil se essa vontade real fosse desconhecida.

48. A doação não produziu imediatos efeitos.

49. O Recorrente transmitiu sempre aos donatários seus filhos que a obrigação de cumprirem com os encargos previstos na cláusula terceira só ocorria ultrapassado o prazo de dois anos.

50. Até à propositura da presente acção, nunca a doadora DD, junto do Recorrente ou dos donatários seus filhos, expressou diferente entendimento.

51. O doador ora Recorrente, AA, nunca questionou os filhos donatários ou lhes imputou um qualquer incumprimento susceptível de fundamentar a resolução da doação e até hoje nunca a pretendeu, por uma qualquer forma legalmente admissível, resolver, anular ou tornar ineficaz. Pelo menos, das acções de que era titular.

52. Esta acção deveria ter sido proposta por ambos os cônjuges: pela DD e pelo aqui Recorrente AA. Apenas foi proposta por DD. Não fosse a impossibilidade (no que concerne ao suprimento desta ilegitimidade) que a própria DD criou, ao avançar sem o Recorrente, e, sobretudo, ao demandar o Recorrente, à data ainda seu cônjuge, como um dos Réus, para suprir esta ilegitimidade, teria duas possibilidades: ou o Recorrente, cônjuge faltante, intervinha no processo, fazendo-o espontaneamente ou por virtude da intervenção requerida pelo cônjuge autor … ou o cônjuge faltante, apesar de requerida a sua intervenção, não querer intervir na causa ou, tendo intervindo, não querer ratificar os actos anteriormente praticados. Ora

53. Nenhuma destas possibilidades se verificava, na medida em que o Recorrente AA já era Réu na acção … e não ratificava, nem ratificou os actos praticados pela DD.

54. Admitindo-se, aqui apenas academicamente, que a acima assinalada impossibilidade não se verificava, restaria à DD tentar suspender os termos da processo e obter o suprimento judicial do consentimento do Recorrente, só após o que e concedido que fosse, se fosse, o suprimento do consentimento, a então Autora DD, como cônjuge demandante, passaria a ter legitimidade para, só por si, conduzir a acção, coisa que, manifestamente, não fez.

55. O Recorrente não deu o seu consentimento ou o seu acordo à doadora para intentar a presente acção judicial.

56. Deve improceder a inaceitável “probabilidade” referida na sentença recorrida, A ruptura conjugal só se verificou em Julho de 2010, sendo provável que, até esta data, a Autora não tivesse exigido o cumprimento da cláusula porque, vivendo em comunhão de bens com o seu marido, objectivamente, não tivesse necessidade da quantia a que, formalmente tinha direito.

57. Isto porque, se a ruptura conjugal se verificou no dia 29/07/2010, se o documento que titula a doação é de 09/09/2009 e se a presente acção entrou em Juízo no dia 28/12/2010, o expectável, o razoável, seria que, pelo menos durante aqueles cerca de cinco meses que mediaram entre a separação (29/07/2010) e a entrada desta acção (28/12/2010) a DD que já não vivia ” … em comunhão de bens com o seu marido…” não tivesse vindo interpelar os Réus ao cumprimento. E, como ficou provado, não o fez …

58. Das conclusões acima aqui já avançadas resulta a improcedência do segmento da sentença recorrida onde se conclui que

“… Finalmente, há que discutir se a doação só deve ser resolvida relativamente às participações sociais de que a Autora era dona ou se deve ser resolvida a doação, na sua totalidade.

Ora, a doação foi feita em conjunto pelos doadores, através de um único contrato, existindo o consentimento recíproco para a sua alienação.

Assim, a resolução da doação também deve operar na sua totalidade. “

59. Também com este fundamento, e improcedendo esta conclusão da sentença recorrida de que Assim, a resolução da doação também deve operar na sua totalidade deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente. Ou, no limite, e assim não se entendendo, pelo menos, no que concerne à resolução da doação quanto às acções de que o Recorrente era titular.

60. Ao contrário do que conclui a sentença, de tudo o acima alegado deve concluir-se

1. que a Autora não tinha imediatamente direito quer ao pagamento das mensalidades descritas no contrato quer ao uso de viatura, a partir da data da outorga da doação, isto é, desde Setembro/outubro de 2009;

2. que o não pagamento dessas quantias fez incorrer os Réus em definitivo incumprimento contratual;

3. e que, a entender-se existir cláusula resolutiva, e a entender-se que a Autora tinha imediato direito ao pagamento, esta deve ser objecto de adequada apreciação valorativa, baseada no respeito pelo princípio da boa fé, devendo concluir-se estarmos perante um incumprimento levíssimo, ou insignificante, atentas as legítimas divergências interpretativas, e atentos os factos provados sob os nºs 27º a 30º;

61. A clausula resolutiva, interpretada no sentido em que o fez o Tribunal a quo, importa manifesto conflito com o princípio da boa fé contratual e traduz-se numa fraude ao princípio do art. 809º do Código Civil, importando a nulidade daquela.

62. Não estão, nos autos, preenchidos todos os pressupostos para que possa operar a resolução da doação invocada pela Autora.

63. Ponderadas todas as circunstâncias bem como equilíbrio global do negócio, atentos os interesses de cada interveniente, a entender-se existir o referido incumprimento por parte dos donatários, este não assume a necessária gravidade para que a resolução da doação possa ser pedida e, sobretudo, atendida, nos termos em que o foi.

64. A apreciação valorativa que o Tribunal a quo fez da referida cláusula resolutiva redunda numa permissão ao chamado direito resolutivo arbitrário que vai contra aquele princípio da boa fé, contra o equilíbrio das prestações e contra a globalidade dos diferentes interesses em causa, que não se pretenderam beliscados por este incumprimento que não foi consciente ou voluntário, nem desejado, e que facilmente era reparável, como se vê da matéria provada nos autos … ao que acresce, se fosse previsto, teria sido acautelado !

65. Ao peticionar a resolução da totalidade da doação a que se referem os pontos 4 a 6 dos factos provados, com fundamento na violação da clausula terceira número II, a Autora DD incorre no vício do abuso de direito, nos termos do disposto no art. 334º do Código Civil. Segundo o aí disposto, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.

66. Atentas tais regras, resulta evidente que deve proceder esta pretensão recursiva, que se sustenta em duas das hipóteses mais típicas do abuso de direito: o venire contra factum proprium e a supressio.

67. A decisão recorrida nos termos e com os fundamentos que decorrem do acima alegado, viola o disposto, entre outros, nos arts. 34º, 236º a 238º, 334º, 801º a 809º e 1.684º do Código Civil; 55º, nº 1, 56º e 102º nºs 1, 2, al. c) e 5 do CVM, e 23, 24, 25 e 1.425) cfr 18º, nº 2) do (A)CPC.

Termos em que julgado procedente o presente recurso, deve a decisão que julgou “… procedente o incidente de intervenção principal provocada de AA, como associado da Autora.”, e, em consequência, mandou citar “... o chamado, agora como Autor – cfr art 327 nº 1 CPC. Custas pelos Réus – cfr art. 446º nº 1 e 2 CPC Anote na capa …” ser revogada e substituída por outra que, julgue improcedente esse incidente de intervenção principal provocada do Recorrente AA, como associado da Autora, com as todas as demais e legais consequências daí decorrentes,

por cautela,

e da sentença, deve a decisão que julgou “… parcialmente procedente a acção e declaro resolvida a doação a que se referem os pontos 4 a 6 dos factos provados, com fundamento em violação da clausula 3, número II. Custas pelo Chamado e Réus

ser revogada e substituída por outra que, julgando a acção totalmente improcedente dela absolva o Recorrente e os Réus, condenando a Autora, na pessoa do habilitado CC, no pagamento da totalidade das custas.

Também inconformado com o decidido interpôs recurso o réu BB que formulou as seguintes conclusões:

A) Da matéria de facto

1. Conjugando a redacção do contrato de doação com os comportamentos dos doadores e donatários posteriores à outorga da doação e com as declarações prestadas pelas partes interessadas em audiência de julgamento resulta que era vontade das partes que os encargos só eram devidos decorridos que fossem dois anos após a outorga da doação com observância dos comportamentos previstos na cláusula quinta;

2. Impõe-se a alteração da matéria de facto, devendo o quesito 43º ser dado como provado;

3. Resulta dos autos e das declarações prestadas em audiência de julgamento pela ré Dra EE e pela testemunha Dr. FF que a autora, após a briga com o ex-marido, procurou que os filhos tomassem o seu «partido» e com eles deixou de se relacionar pois, como afirmou, «quem não é por mim, é contra mim»;

4. Pelo que o quesito 112º deve ser dado como provado;

B) Da matéria de direito

5. Resulta da letra das cláusulas do contrato que a doação só se tornava válida e eficaz decorridos que fossem dois anos com observância dos comportamentos previstos na cláusula quinta;

6. Sendo essa a vontade dos doadores e donatários;

7. As acções são nominativas e nunca foram entregues aos donatários, bem como nunca foi aposta nos respectivos títulos qualquer transmissão a favor dos donatários;

8. Na interpretação que fez do contrato a Meritª Juíza concluiu que «contrariamente à letra da cláusula», a doação produziu efeitos desde a sua outorga pelo que as prestações reclamadas eram devidas;

9. Interpretação que fez baseada em puras conjecturas e sem que nesse sentido tivesse sido feita qualquer prova;

10. Para fundamentar essa interpretação refere que após a doação a gestão da sociedade passou para os réus;

11. Quando na verdade os réus já tinham a gestão da sociedade antes da doação;

12. A própria autora teve comportamentos de onde resulta que, ela própria, estava convencida que a doação só seria válida e eficaz decorridos os dois anos; efectivamente,

13. Continuou a participar nas assembleias-gerais da sociedade;

14. No processo n.º 914/2011 afirmou de forma expressa, no artº 42º da sua petição inicial, que a doação tinha eficácia diferida;

15. E no arrolamento de bens que requereu previamente à acção de divórcio pediu o arrolamento das acções considerando que a doação das mesmas ainda não se tinha consumado;

16. Os donatários e o doador marido sempre entenderam que as prestações só eram devidas decorridos os dois anos porque era essa a interpretação que faziam do contrato;

17. Sendo que a autora lhes reforçou esse entendimento ao nunca ter reclamado o pagamento das prestações durante 15 meses;

18. Não se provou que os donatários tivessem incumprido com os comportamentos estabelecidos na cláusula quinta;

19. Nesta acção a autora alegou, mas não provou, que, aquando da celebração do contrato de doação entre doadores e donatários, tenha sido acordado que os benefícios daquele acordo seriam devidos a partir da data da sua outorga - cf resposta de «Não Provado» ao quesito 69º;

20. Ao partir do princípio de que a cláusula sétima do contrato de doação devia interpretar-se contrariamente ao que nela claramente está escrito a Meritª Juíza fez uma evidente incorrecta interpretação do contrato;

21. E para reforçar esse errado entendimento fez toda uma série de conjecturas que não têm o menor suporte nem no contrato nem na prova produzida;

22. Bem pelo contrário, a prova produzida aponta toda ela no sentido inverso das conjecturas da Senhora Magistrada;

Sem conceder,

23. Mesmo que se entenda que as prestações eram devidas desde a outorga da doação, esse suposto incumprimento não seria grave, antes seria desculpável; de facto

24. É perfeitamente plausível a interpretação que os réus fizeram do contrato.

25. A própria autora ao não reclamar as prestações durante 15 meses e ao continuar a comparecer nas assembleias-gerais fomentou no espírito dos réus a convicção de que a interpretação que faziam do contrato era a correcta;

26. Com a intenção de porem termo ao litígio, os donatários propuseram-se pagar as prestações supostamente em dívida (de 2009 a 2011) desde que um parecer jurídico, obtido de forma consensual pelas partes, entendesse que tais prestações eram devidas, o que a autora recusou;

27. Decorridos os dois anos (2011), no cumprimento do previsto no contrato, os donatários iniciaram o pagamento das prestações por cheques enviados à autora;

28. Não tendo esta procedido ao levantamento desses cheques;

29. A cláusula resolutiva está sujeita a uma apreciação valorativa, baseada no respeito pelo princípio da boa fé;

30. A terem interpretado mal o contrato, o erro dos réus assume uma gravidade mínima, perfeitamente compreensível e desculpável;

31. Ao considerar grave esse suposto erro a sentença vai contra os princípios que ela própria enuncia e faz uma apreciação valorativa errada do suposto erro dos réus;

32. Ao fomentar nos donatários a ideia de que a interpretação que faziam era a correcta e ao surpreendê-los depois com esta acção, a autora agiu com violação do princípio da boa fé, com abuso de direito;

33. A sentença, ao decretar a resolução da doação, no enquadramento que resulta da letra do contrato e da prova produzida, violou também o princípio da proporcionalidade;

Mas esta acção não devia sequer ter sido admitida, porquanto

33 - As participações sociais eram bens comuns do casal.

34 - Nos termos do nº 3 do artº 1678 do CC cada um dos cônjuges tem legitimidade para actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal mas os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges;

35 - A regra é a da direcção conjunta, regra que vigora como direito imperativo – cf artº 1699 nº 1 alínea c) do CC.

36 - Constituem actos de administração ordinária, que cada cônjuge pode praticar isoladamente, aqueles que atendam às necessidades ordinárias e quotidianas da família, que não comportem decisões de fundo, susceptíveis de impedir ou condicionar a sua direcção conjunta – cf Ac RP de 21.02.2018

37 - Manifestamente um pedido de resolução dum contrato de doação não é um acto de administração ordinária pelo que carecia do consentimento de ambos os cônjuges. Se a autora pretendia praticar o acto, contra a vontade do então marido, teria que recorrer previamente à via judicial para pedir que lhe fosse suprido o consentimento.

38 - A autora limitou-se a requerer a intervenção do doador marido tendo este manifestado a sua oposição à resolução do contrato.

39 - A partir daí esta acção não devia ter prosseguido sem que antes a autora obtivesse o suprimento do consentimento do chamado.

40. A sentença fez incorrecta interpretação e violou o disposto nos artºs 236º, 238º, 334º, 808º, 1678º, 1684º e 1699º todos do CC, bem como o artº 102º do CVM e 28º-A do CPC (em vigor à data).

Termos em que a sentença deve ser revogada absolvendo-se os réus do pedido.

O autor/habilitado CC, por seu turno, interpôs recurso subordinado, formulando a final as seguintes conclusões:

I. Quanto à decisão sobre a matéria de facto – respostas aos números 69, 92º, 93º e 114º da Base Instrutória

1. Da própria letra do contrato em questão nestes autos resulta claro que os donatários se obrigaram a cumprir os encargos ali estabelecidos, a partir da data da outorga do próprio contrato.

2. É o que resulta inequivocamente da expressão “desde já se comprometem a cumprir escrupulosamente os encargos supra identificados, sob pena de, não o fazendo, poder ser pedida a resolução da presente doação” (…).

Na verdade,

3. A referida expressão “desde já” não faria qualquer sentido, seria completamente redundante, inútil e despropositada, se não significasse que os donatários teriam de passar a cumprir, de imediato, os encargos em questão.

Acresce que,

4. Com a outorga do contrato em questão, os doadores transmitiram, aos donatários, seus filhos, a gestão de todas as empresas de cujas acções eram titulares, ficando privados daquilo que constituía a sua fonte de rendimentos.

5. Sendo do conhecimento de todos os outorgantes, nomeadamente dos donatários que, pelo menos a doadora sua mãe não teria outra fonte de rendimentos que, a partir da data do contrato em questão, lhe permitisse assegurar a sua subsistência, nomeadamente nos dois anos subsequentes à assinatura do contrato.

6. Pelo que nunca a referida doadora poderia prescindir do recebimento da prestação mensal estabelecida, logo a contar da data de assinatura do contrato de doação.

Cumpre ainda sublinhar que,

7. Ao contrário do que sustentam os Recorridos, ao outro doador, o Chamado AA, ao longo dos referidos dois anos, sempre foi paga a mensalidade em questão apesar de ter cessado as suas actividades nas empresas – conferir resposta ao quesito 10 do relatório pericial junto aos autos, nomeadamente dos esclarecimentos juntos aos autos, pelos Senhores Peritos em 10.11.2021 (esclarecimento 5), fls 1898 do 7º Volume. Conferir ainda a resposta ao número 3 da Base Instrutória. Conferir também declarações do Recorrido AA, aos minutos 45.23 e 50:09 da sessão do julgamento do dia 09.02.2023, tendo sempre presente que a partir da outorga da doação aqui em causa, este Recorrido deixou de ter qualquer actividade nas empresas, continuando sempre a receber uma prestação mensal.

Assim,

8. Todos os factos apurados e expostos, interpretados à luz das regras da experiência comum, impõem a conclusão de que a resposta ao citado número 69 da Base Instrutória deverá ser positiva.

9. Quanto à resposta dada aos números 92º e 93º da Base Instrutória, afigura-se-nos inteiramente conforme à prova produzida, nomeadamente as conclusões do relatório da Polícia Judiciária a fls.1384 do 5º volume dos autos.

10. Relatório que a testemunha GG, Especialista Superior da referida Polícia inteiramente confirmou, aos minutos 06:30 a 07:00 do seu depoimento na sessão de julgamento do dia 10:02:2023.

11. Acontece, apenas, que a redacção da mencionada resposta, mormente na sua última oração, por não acompanhar a sequência cronológica dos factos, pode suscitar alguma incompreensão, razão pela qual, com a devida vénia, entendemos que tal resposta merecerá a seguinte rectificação:

- O produto da alegada venda das participações sociais da A... SGPS nas empresas do Grupo entrou nos cofres da A..., agora B..., mas dela tinha saído antecipadamente para os sócios aqui RR. a fim destes provisionarem a conta da C... e esta poder emitir cheques de valor correspondente ao declarado na dita transacção.

Os cheques passados pela A... SGPS a favor dos sócios BB e EE, com o referido valor atribuído à dita transacção, foram emitidos pela A... a descoberto, descoberto esse apenas compensado com o depósito dos cheques emitidos pela C... de valor correspondente ao preço declarado na dita transacção, de modo que a A... não teve qualquer encaixe financeiro com a transacção em causa.

Por outro lado,

12. A afirmação incluída na reposta ao número 114º da Base Instrutória, segundo a qual a compra e venda das participações referidas em I) e J) dos Factos Assentes se integra no âmbito do objecto social da sociedade A... S.A. constitui uma decisão sobre a matéria de direito.

13. Constitui, aliás, decisão sobre a questão de direito nuclear na presente acção.

14. Em sede de decisão sobre a matéria de facto, na resposta ao referido quesito 114º apenas se poderá dar como provado que do fim social da A..., SGPS, S.A. faz parte a compra e venda de participações sociais.

II. Quanto à questão de direito

1. Os factos apurados, nomeadamente as respostas aos números 82º a 85º, 91º a 93º e 96º da Base Instrutória permitem concluir que a actuação dos donatários, aqui Recorridos, excede largamente a simples transacção de participações sociais, da A... SGPS, S.A. para a C....

Na verdade,

2. Dos referidos factos provados resulta que os donatários conceberam e executaram uma verdadeira estratégia de aniquilação da A..., SGPS, SA. que passou pela alteração da denominação social para uma denominação aviltante e pejorativa, pela mudança de sede desta sociedade, de um edifício “moderno, amplo e funcional” para uma simples sala arrendada num qualquer primeiro andar, pela alienação das suas participações sociais em quase todas as empresas que controlava, participações que os próprios donatários avaliavam em mais de seis milhões de euros, sem que a empresa alienante recebesse qualquer encaixe financeiro e, finalmente, a alienação da imagem de marca ....

3. Com este conjunto de medidas os donatários/Recorridos conduziram deliberadamente a A... SGPS a uma actividade residual.

4. A referida A... SGPS, SA. era uma das empresas do Grupo A... – seguramente a mais relevante – cujas acções foram objecto do “Contrato de doação com encargos” a que estes autos se referem, pelo que a conduta dos donatários sumariada na conclusão 3 supra não pode deixar de se considerar um grosseira violação das alíneas a), b) e e) da cláusula Quinta do contrato em questão.

5. A douta sentença recorrida desvaloriza por completo o facto de a A... SGPS, S.A. ser detentora de personalidade jurídica própria, diferente da personalidade jurídica da C... e da dos respectivos accionistas.

Deste modo,

6. A conduta dos Recorridos não pode deixar de se considerar violadora dos comportamentos impostos no nº 1 da cláusula Quinta do contrato aqui em causa, violação que, nos termos do nº2 dessa mesma cláusula terá de importar o reconhecimento da total ineficácia da doação em causa.

7. A douta sentença recorrida viola as normas dos artigos 236º e seguintes do Código Civil.

Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente devendo, em consequência:

a) Dar-se como provada a matéria de facto constante do número 69 da Base Instrutória;

b) Na resposta aos números 92 e 93 da Base Instrutória deverá dar-se por provado que:

- O produto da alegada venda das participações sociais da A... SGPS nas empresas do Grupo entrou nos cofres da A..., agora B..., mas dela tinha saído antecipadamente para os sócios aqui RR. a fim destes provisionarem a conta da C... e esta poder emitir cheques de valor correspondente ao declarado na dita transacção.

Os cheques passados pela A... SGPS a favor dos sócios BB e EE, com o referido valor atribuído à dita transacção, foram emitidos pela A... a descoberto, descoberto esse apenas compensado com o depósito dos cheques emitidos pela C... de valor correspondente ao preço declarado na dita transacção, de modo que a A... não teve qualquer encaixe financeiro com a transacção em causa.

c) Na resposta ao número 114º da Base Instrutória apenas se poderá dar como provado que do fim social da A..., SGPS, S.A. faz parte a compra e venda de participações socias, eliminando-se a demais matéria incluída nesta resposta por constituir decisão sobre a questão de direito nuclear nestes autos;

Finalmente deverá

d) Declarar-se a total ineficácia do “Contrato de doação com encargos” a que os autos se referem, conforme estabelece o nº 2 da Cláusula Quinta do aludido contrato, por incumprimento, pelos donatários, das alíneas a), b) e e) do nº 1 da mesma cláusula.

O autor/habilitado CC respondeu aos recursos interpostos pelo chamado AA e pelo réu BB.

O réu BB, por seu lado, respondeu ao recurso interposto pelo autor/habilitado CC.

Os recursos foram admitidos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se e limitado pelas conclusões que neles foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


*

As questões a decidir são as seguintes:

I. Impugnação do despacho proferido em 11.5.2012 que deferiu a intervenção principal provocada de AA como associado da autora, apurando-se se esta é admissível ou não (recurso do chamado AA);

II. Impugnação da sentença proferida em 17.7.2023: i) reapreciação da decisão da matéria de facto; ii) resolução das doações efetuadas em 9.9.2009 pela autora DD e por AA; iii) abuso do direito [recursos do chamado AA e dos réus BB e EE];

III. Impugnação da sentença proferida em 17.7.2023: i) reapreciação da decisão da matéria de facto; ii) ineficácia das doações efetuadas em 9.9.2009 pela autora DD e por AA [recurso subordinado do autor habilitado CC].


*

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

1 - A Autora e o Autor Chamado contraíram casamento católico, no regime da comunhão geral de bens, no dia 29/12/1962.

2 - Desse casamento nasceram os filhos, aqui réus, BB e EE, únicos filhos do casal.

3 - No âmbito dos autos 342/10.7T6AVR do juízo de família de Aveiro foi decretado Divórcio entre os Autores.

4 - No dia 9 de Setembro de 2009, a Autora e o Autor Chamado, seu marido, na qualidade de doadores, e o segundo e terceira Réus, na qualidade de donatários, celebraram um acordo que consignaram em documento particular, por todos subscrito, sob a designação “Doação com encargos”.

5 - Nos termos do mencionado documento, à data da celebração do acordo, o Autor Chamado era possuidor de 1.977.404 (um milhão novecentas e setenta e sete mil quatrocentas e quatro) acções do valor nominal de um euro cada uma, representativas de 51,36% do capital social da “A... – SGPS,SA”, NIPC ..., com sede no ..., freguesia ..., concelho de Albergaria-a-Velha, com o capital social de €3.850.000.00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Albergaria-a-Velha sob o número de pessoa colectiva, e a Autora era titular e possuidora de 9.390 (nove mil trezentas e noventa) acções de valor nominal de um euro cada uma, representativas de 0.24% do capital social da mesma sociedade.

6 - Em tal documento (“Doação com encargos”), as partes declararam que:

“Considerando que:

I – O Primeiro outorgante marido é titular e legitimo possuidor de 1 997 7404 (um milhão novecentas e setenta e sete mil quatrocentos e quatro) acções do valor do valor nominal de um Euro cada uma e representativas de 51,36% do capital social da sociedade “A... – SGPS,S.A.”, NIPC ..., com sede no lugar ..., freguesia ..., concelho de Albergaria-a-Velha, com o capital social de €3.850.000,00, e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Albergaria-a-Velha sob o seu número de pessoa coletiva;

II – A Primeira outorgante mulher é também titular e legitima possuidora de 9390 (nove mil trezentas e noventa) acções do valor nominal de um euro cada um e representativas de 0,245 do capital social da já identificada sociedade “A... –SGPS,S.A.”.

III – É pretensão dos primeiros outorgantes, e a título de liberalidade, doar as acções de que são titulares ao segundo e terceira outorgantes, nos termos a seguir explanados.

Assim, e atendendo aos princípios da boa-fé conjugado com o princípio da liberdade contratual, entre os outorgantes acima identificados é celebrado o presente contrato de doação com encargos, o qual se regerá pelas seguintes cláusulas, e no que for omisso, pelo Código Civil.

Cláusula primeira

1. Pelo presente contrato os Primeiros outorgantes doam ao Segundo e Terceira outorgante as acções da sociedade “A... – SGPS, S.A.”, de que são titulares da seguinte forma:

a) O Primeiro outorgante marido divide o lote de 1.977.404 acções em dois lotes iguais, cada um com 988.702 acções e doa um a cada um do Segundo e Terceira outorgantes;

b) A Primeira outorgante mulher divide o lote de 9.390 acções em dois lotes iguais, cada um com 4.695 acções e doa um a cada um do Segundo e Terceira outorgante;

2. Os primeiros outorgantes declaram desde já que a presente doação é feita a favor dos seus únicos herdeiros legítimos, pelo que é sua pretensão dispensá-la, nos termos e para os efeitos do artigo 2113º do Código Civil, da colação.

Segunda

1. As acções ora doadas encontram-se livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades e são transmitidas com todos os direitos e obrigações a elas inerentes.

2. As acções encontram-se devidamente tituladas e emitidas em nome dos Primeiros Outorgantes.

Terceira

1. A presente doação é feita com os encargos a seguir identificados:

I – a) Ao Primeiro Outorgante marido, a atendendo à qualidade de fundador de todas as empresas do Grupo A..., ser-lhe-á concedido o livre acesso a todas e quaisquer instalações das sociedades do Grupo A..., bem como a manutenção do seu gabinete de trabalho existente, à data, na sede social.

b) Remuneração mensal de valor igual à que aufere, vitalícia, incluindo ajudas de custo, viatura e despesas de manutenção da mesma, actualizada anualmente, de acordo com os índices de actualização aplicados à renumeração dos membros do Conselho de Administração.

II – a) À Primeira Outorgante mulher ser-lhe-á também concedida uma renumeração mensal vitalícia equivalente a quatro salários mínimos nacionais, bem como a utilização de uma viatura automóvel e as respectivas despesas de manutenção.

2. O Segundo e a Terceira outorgante, desde já se comprometem a cumprir escrupulosamente os encargos supra identificados, sob pena de, não o fazendo, poder ser pedida a resolução da presente doação.

Quarta

No caso de ser pretensão do segundo e terceiro outorgante alienar as acções ora doadas, compromete-se, desde já, a pagar aos doadores o equivalente a 10 (dez) anos das renumerações identificadas nas alíneas a) do ponto I e a) do ponto II do número um da cláusula terceira.

Quinta

1. Os Primeiros outorgantes pretendem, ainda, subordinar os efeitos jurídicos deste contrato, à verificação de determinados comportamentos dos donatários, durante um período de dois anos, contados a partir da data de assinatura do presente contrato, a saber:

a) Os donatários deverão pautar a sua actuação no sentido de garantir que a administração e a gestão de todas as sociedades do Grupo A..., seja pautada pelos mais altos níveis de profissionalismo;

b) Os donatários deverão assegurar que a administração e a gestão de todas as sociedades do Grupo seja organizada atendendo ao interesse social para que se atinja o desenvolvimento da actividade empresarial;

c) Os donatários deverão assegurar a boa convivência familiar, fazendo com que a presente doação em nada afecte a mesma;

d) Os donatários deverão assegurar que todas as decisões tomadas no seio de cada uma das Sociedades são tomadas com o mais elevado grau de consenso entre si;

e) Os donatários devem promover o desenvolvimento económico das várias empresas do Grupo A..., reforçando o seu valor social.

2. No caso de se verificarem, durante o período mencionado no ponto um, qualquer um dos comportamentos identificados no número anterior, a presente doação não produz qualquer efeito e as acções revertem, automaticamente e sem necessidade formalidade prévia, para os doadores.

3. No caso de não se verificarem os comportamentos já referidos no ponto um, e findo o indicado período de dois anos, a presente doação torna-se perfeitamente válida e eficaz.

Sexta

1. A presente doação torna-se também eficaz, antes de decorrido o período de dois anos, no caso de falecimento de qualquer um dos doadores

2. No caso de falecimento de qualquer um dos donatários, e de acordo com o estipulado no artigo 960º do Código Civil, as acções revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, a favor dos doadores, nos exactos termos da presente acção.

Sétima

Tornando-se a presente doação válida e eficaz, quer nos termos da cláusula Quinta quer nos termos do número um da cláusula sexta supra, os primeiros outorgantes, ou o primeiro outorgante sobrevivo, respectivamente, procederão à inscrição nos títulos da respectiva declaração de transmissão, bem como diligenciarão no sentido de se proceder ao seu averbamento junto da sociedade emitente.

Oitava

Segundo e Terceira outorgantes expressamente declararam que aceitam a presente doação, nos exatos termos aqui exarados.

Nona

Os Primeiros outorgantes reciprocamente autorizam a presente doação, nos exatos termos aqui explanados.”

7 - À data do acordo referido em 6, o Réu BB já era dono de acções representativas de 30% do capital social da A..., enquanto a Ré EE era dona de acções representativas de 18% do capital social da “A...”

8 - Na sequência da outorga do documento referido em 5 e 6, os Autores promoveram uma festa em família, tendo a Autora referido que estava emocionada e satisfeita com a doação das acções aos filhos.

9 - Após o acordo referido em 6 o Autor/Chamado (AA) deixou de acompanhar o evoluir dos negócios.

10 - E o marido da Ré EE, durante anos director comercial da A..., foi gerir as explorações de coelhos e no matadouro, em ... e em ....

11 – Também após o acordo referido em 6 o Réu BB foi aumentado em seis salários mínimos, dois por cada nova empresa que passou a administrar e o vencimento da Ré EE não sofreu qualquer actualização.

12 – E o Réu BB levantou parte dos suprimentos por ele feitos à sociedade.

13 - O Réu BB esteve de baixa por doença, cerca de um ano, recebendo o respectivo subsídio da segurança social, cumulando tal subsídio com os vencimentos que o grupo “A...” lhe pagava e com compensações pagas pelos seguros.

14 - Correu termos sob o nº 475/10.0GAALB nos serviços do Ministério Público de Albergaria-a-Velha procedimento criminal intentado pela Autora contra o Autor AA, por factos ocorridos no dia 29/07/2010, tendo em sede de julgamento o Autor sido absolvido do crime que lhe é imputado.

15 - Essa queixa teve origem numa discussão da Autora com o seu ex-marido, AA sendo que, na sequência dessa discussão, a Autora foi viver para casa do irmão onde residiu durante alguns meses.

16 - Nessa queixa ficou a constar que a discussão se ficou a dever a um desentendimento causado por divergência quanto ao funcionamento de um televisor.

17 - Em data não concretamente apurada, ao entrar em casa, com o objectivo de recolher algumas roupas e objectos pessoais, a Autora encontrou um “segurança”, à porta que a impediu de entrar.

18 - A Autora cortou relações com o Autor AA, seu marido.

19 - O Réu BB, sua mulher e sua filha deixaram de conviver e de falar com a Autora, de a visitar, de lhe telefonar e de a convidar para as suas reuniões e festas familiares, como antes faziam.

20 - Tornando-se frias e distantes as relações entre a Autora e o Réu BB, a mulher deste e as filhas do casal.

21 - Até há cerca de cinco anos, a convivência entre donatários manteve-se inalterada em relação à que existia antes do contrato de doação.

22 - Assim, os donatários visitavam-se regularmente, faziam refeições em conjunto, eram convidados reciprocamente em festas dos aniversários dos cônjuges e dos filhos, iam em conjunto, a convívios familiares e a reuniões de amigos comuns, passavam, em conjunto, datas festivas, nomeadamente os dias de consoada e passagem de ano e interessavam-se reciprocamente pelos problemas de saúde, de bem-estar, de projectos, de passeios, do crescimento dos filhos.

23 - Em algumas questões da vida societária os donatários não têm a mesma opinião, expressam e defendem os seus pontos de vista, mas tem sido possível, quase sempre, e também depois do contrato de doação, tomar as deliberações por unanimidade.

24 - A convivência entre os donatários e o pai mantém-se inalterável.

25 - Ao imporem a cláusula quinta alínea c), a preocupação dos doadores apenas teve a ver com o facto de se assegurarem que os donatários continuariam a manter, entre si, uma boa convivência familiar, mas não impor-lhes a obrigação de assegurar uma boa convivência entre doadores.

26 - Até ao presente, a Autora não recebeu qualquer remuneração do grupo A..., designadamente nos termos da cláusula terceira do contrato referido em 5 e 6.

27 - Relativamente ao mês de Setembro de 2011, por carta de 16/08/2011; de Outubro de 2011, por carta de 11/10/2011; de Novembro de 2011, por carta de 11/11/2011; de Dezembro de 2011, por carta de 14/12/2011; de Janeiro de 2012, por carta de 12/01/2012 e de Fevereiro de 2012, por carta de 13/02/2012, os donatários, atendendo ao n.º II a) da cláusula 3.ª do contrato referido em 5 e 6, remeteram à Autora cheques que, em cada mês, e no valor global de €1.940,00, titulavam a quantia mensal ali prevista.

28 - Na carta enviada pelos Réus à Autora a 29 de Setembro de 2011, os mesmos referem o seguinte:

“Como muito bem sabe, o espírito da doação era o de as prestações só serem devidas decorridos que fossem os dois anos previstos na cláusula quinta.

Entendemos igualmente que essa é a solução que resulta de uma interpretação correcta do contrato.

Resulta, porém, da sua carta de 15 de Setembro que perfilha um entendimento diferente, que vai no sentido de que as prestações deviam ter tido início em 09 de Setembro de 2009.

Surpreende-nos tal entendimento porquanto nunca nos interpelou para fazermos qualquer prestação, o que seria natural se realmente esse fosse o seu entendimento.

No entanto, não queremos que o litígio subsista, se apenas estiver em causa o serem ou não devidas as prestações de 09 de setembro de 2009 a 09 de Setembro de 2011. Não temos dúvida em satisfazer as 48 prestações em causa se o entendimento correcto for o de que as prestações são devidas.

Portanto, vimos propor que se submeta o contrato de doação à apreciação de um jurista que ambas as partes aceitem como idóneo, com o compromisso de que o entendimento desse jurista a todos vincule”

29 - A Autora não procedeu ao levantamento de nenhum dos cheques em causa, nem procedeu à sua devolução.

30 - Pelo que os donatários lhe comunicaram que suspenderiam o envio de cheques.

31 -Só em 28 de Dezembro de 2010, com a presente acção, a Autora veio invocar o incumprimento da cláusula 3º, sendo que, até então nunca interpelou os réus donatários para a cumprirem.

32 - Na constância do casamento com o Chamado, a Autora sempre teve à sua disposição um veículo automóvel, que à data da separação era um ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-XM.

33 - Por carta registada com AR, subscrita pelos dois Réus donatários, como administradores da A..., datada de 2 de Março de 2011, os referidos donatários exigiram à Autora a devolução do mencionado veículo automóvel, no prazo de 48 horas.

34 - Como a Autora pedisse explicações para esta exigência, os mesmos Réus, por carta por eles subscrita, como administradores da A..., reiteraram a sua pretensão de restituição do veículo.

35 - As cartas referidas em 33 e 34, segunda parte, supra, foram enviadas pela A... – Rações para animais SA, a quem a viatura pertencia e em nome de quem estava registada.

36 – A viatura foi devolvida à A... - Rações para animais SA, com utilização de um pronto-socorro solicitado pela Autora.

37 - Os Réus decidiram recusar o pagamento desses serviços.

38 – Durante o período que esteve entregue à Autora a viatura sofreu um acidente.

39 - Em 08.09.2011 os Réus puseram à disposição da Autora a viatura, indicando onde a mesma podia ser levantada.

40 - A Autora recusou o veículo posto à disposição.

41 - Quando os Réus propuseram facultar de novo carro à Autora, haviam decorrido cerca de quatro meses, sem que os Réus manifestassem qualquer propósito de entregar, à Autora, aquele ou outro veículo.

42 - A viatura sempre esteve e está segura, tendo a A..., SA, em 2011, optado por fazer o seguro na D....

43 - No dia 1 de Abril de 2011, a A. recebeu uma convocatória para Assembleia Geral de Accionistas da A... – SGPS, S.A. designada para o dia 20 do mesmo mês, com a seguinte ordem de trabalhos:

“Ponto um: Discutir e deliberar sob a proposta de venda das participações sociais das sociedades: “A... – Rações para Animais, S.A.; “A... – Sociedade Imobiliária, S.A.”; A... Transportes, S.A.; “E..., S.A. ; “F..., S.A.”; “ G..., S.A.”; “H..., S.A.” e “I..., Lda”, conforme proposta apresentada pelo Conselho de Administração em vinte e quatro de Março corrente ano.

Ponto dois: Discutir e deliberar sobre a alteração da redação do artigo primeiro (firma) e do número um do artigo segundo (sede social) do pacto social.-

Ponto três: Discutir e deliberar sobre renúncias apresentadas pelos membros do conselho de Administração, datadas do pretérito dia 29 de Março.

Ponto quatro: Discutir e deliberar sobre a nomeação de novos membros para os cargos vagos.”

44 - No dia 20 de Abril de 2011, reuniu a Assembleia-Geral de accionistas da A... S.G.P.S., S. A., sendo o seguinte o teor da acta da Assembleia-Geral em questão:

“ACTA NUMERO ONZE:

Aos vinte dias do mês de Abril de dois mil e onze, pelas dezassete horas, reuniu na sede social sita no lugar ..., freguesia ..., Concelho de Albergaria-a-Velha, a assembleia geral da sociedade “A... – SGPS, S.A.”, com o capital social de três milhões oitocentos e cinquenta mil euros, NIPC ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Albergaria-a-Velha sob o seu número de pessoa colectiva.--------------------

Encontravam-se representados os accionistas representativos de noventa e oito vírgula oitenta e um por cento do capital social, conforme lista de presenças e cartas de representação que ficam a fazer parte integrante da presente acta.----------------------------

Assumiu a presidência a Exma. Sra Dra. HH, secretariada pela Exma Sra. Dra. II que verificaram a regularidade da reunião, com a seguinte ordem de trabalhos.----

“Ponto um: Discutir e deliberar sob a proposta de venda das participações sociais das sociedades: “A... – Rações para Animais, S.A.; “A... – Sociedade Imobiliária, S.A.”; “A... – transportes, S.A., “E..., S.A.; F..., S.A.; “ G..., S.A.”; “H..., S.A.” e “I..., Lda”, conforme proposta apresentada pelo conselho de Administração em vinte e quatro de Março do corrente ano.-------

“Ponto dois: Discutir e deliberar sobre a alteração da redação do artigo primeiro (firma) e do número um do artigo segundo (sede social) do pacto social.-------------------

Ponto três: Discutir e deliberar sobre renúncias apresentadas pelos membros do Conselho de Administração, datadas do pretérito dia 29 de Março.----

Ponto quatro: Discutir e deliberar sobre a nomeação de novos membros para os cargos vagos.

Aberta a sessão foi de imediato levado a votação o assunto incluído no ponto um da ordem de trabalhos, tendo o mesmo obtido a seguinte votação:----------

- O acionista AA aqui representado pela Exma Sra. Dra. HH absteve-se;-------------------------------------------

- Os accionistas BB e EE aqui representados pela Exª Sra. Dra HH votaram a favor.----------

Passando à analise do assunto incluído no ponto dois da ordem de trabalhos, foi proposta à Assembleia a alteração da firma da sociedade para “B... – SGPS, SA” assim como a alteração da sede social para a Rua ..., nº ... – 1º andar fracção F, freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, o qual teve a seguinte votação:--

- O acionista AA aqui representado pela Exma Sra. Dra. HH absteve-se;-------------------------------------------

- Os accionistas BB e EE aqui representados pela Exª Sra. Dra HH votaram a favor.-

Face ao ora aprovado, é agilizada as redações dos artigos primeiro e do número um  do artigo segundo, as quais passarão a ser as seguintes:-------------

ARTIGO 1º

A sociedade adopta a firma “B... –SGPS.S.A.”.----------------------------

ARTIGO 2º

1. A sociedade é na Rua ..., Fracção F, ... freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha.------------------------------------

2. (Mantém-se).------------------------------------------------------------------

3. (Mantém-se).------------------------------------------------------------------

De seguida foi levado a votação a assunto incluído no ponto três da ordem de trabalhos, relativo à renúncia apresentada pelos membros do conselho de administração desta sociedade, nos seguintes termos:---------------------------

- Exmo Sr. AA renuncia ao cargo de Presidente do Conselho de Administração comunicada por carta datada de 29 de Março último.--

- Exmo Sr. BB, renúncia ao cargo de vogal do Conselho de Administração comunicada por carta datada de 29 de Março último.---------------------

- Exma Sra. EE renuncia ao cargo de vogal do Conselho de Administração comunicada por carta datada de 29 de Março último.------------

Levado à votação este ponto do dia obteve os seguintes resultados:---------

- O accionista AA representado pela Exma Sra Dra HH absteve-se;----------------------------------------------------

- Os accionistas BB e EE representados pela Exma Sra Dra HH votaram a favor.-----------

Por último e passando à análise do assunto incluído no ponto quatro da ordem de trabalhos foi levado à discussão a única proposta apresentada para o preenchimento dos cargos sociais ora vagos, composta com os seguintes elementos:-----------------------------

Para o cargo de Presidente do Conselho de administração o Exmo Sr. Dr. BB, casado, residente na Rua ... em ..., Albergaria-a-Velha;------------------------------------------------------

Para o cargo de Vogal do conselho de administração a Exma Sra EE, casada, residente na Rua ..., ..., Albergaria-a-Velha; ------------

A proposta ora apresentada teve a seguinte redacção:---------------------------

- O accionista AA representado pela Exma Sra Dra. HH absteve-se;----------------------------------------------------

- Os accionistas BB e EE representados pela Exma Sra Dra. HH votaram a favor.---

45 - No dia 18 de Abril de 2011, pelas 14,30 horas, a Autora deslocou-se à sede da A... para obter cópia da proposta do Conselho de Administração, de 24 de Março de 2011, referida no ponto um da ordem do dia, da “nova redacção” dos artigos do pacto social, mencionada no ponto dois e das renúncias mencionadas no ponto três da dita ordem de trabalhos, constantes da convocatória referida em 43.

46- Sendo tais elementos recusados à Autora., alegando o funcionário da A... – SGPS.,SA que a atendeu que só lhe fornecia tais elementos mediante a exibição das acções de que é titular ou de documento comprovativo do respectivo depósito.

47 - A Autora nunca teve em seu poder as ditas acções, as quais nunca lhe chegaram a ser entregues pela empresa.

48 - A Autora participou nas Assembleias Gerais de 31/03/2006, 1/08/2006, 22/01/2010 e 15/07/2010, sem que lhe fosse exigido a exibição das acções, não estando presente nas reuniões da Assembleia Geral n.º 3, n.º 4, n.º 5, n.º 7, n.º 8, n.º 10, n.º 11 e n.º 12.

49 - Com a mesma alegação, a Autora foi impedida de participar na Assembleia-Geral de 20 de Abril de 2011.

50 - Só após 21 de Abril de 2011 a Autora teve conhecimento que, na Assembleia-Geral de Accionistas da A..., SGPS, ocorrida em 20 de Abril de 2011, referida em 44, se deliberou vender todas as participações sociais daquela sociedade nas empresas do grupo, e só então teve, também conhecimento de que, na Assembleia Geral se deliberou:

a) Que a sociedade passava a denominar-se B... –SGPS,SA

b) Que passava a ter a sua sede no número ... da Rua ..., em Albergaria-a-Velha.

51 - Todas as participações sociais alienadas na sequência da deliberação referida em 44 foram adquiridas pela Sociedade “C... – SGPS, SA, outorgando os respectivos contratos em representação da “B... –SGPS, SA” cuja anterior denominação era “A... – SGPS, SA”, os réus BB e EE, e em representação da C..., o Réu BB.

52 - Até à referida deliberação, a A... tinha a sua sede num edifício moderno, amplo e funcional, no lugar ..., freguesia ..., Albergaria-a-Velha.

53 - Em consequência da deliberação relativa ao ponto dois da ordem de trabalhos, da Assembleia Geral de Accionistas, a sede da empresa passou para a Rua ..., nº ..., 1º andar, fracção F, da freguesia e concelho de Albergaria-a-Velha, a que corresponde a uma única sala que não pertence à sociedade, sendo arrendada.

54 - A C..., SGPS tem a mesma natureza jurídica, o mesmo objecto, o mesmo C.A.E., a mesma forma de se obrigar e o mesmo Fiscal Técnico da anterior A...- SGPS, SA.

55 - Tem sede exactamente no mesmo local onde a A... a tinha, até à Assembleia-Geral de 20 de Abril de 2011.

56 - E o respectivo Conselho de Administração é constituído pelas mesmas pessoas que constituíam o Conselho de Administração da A... – SGPS – ou seja, pelos dois Réus e pelo Chamado.

57 - A constituição da C... foi registada pelas 9h53m do dia 24 de Março de 2011, sete minutos antes de reunir o Conselho de Administração da A..., que se pronunciou sobre a venda das participações sociais nas empresas do grupo à dita C....

58 - No grupo de empresas de que foram alienadas participações, existem três cuja denominação contém a palavra A....

59 - O produto da alegada venda de participações sociais da A... – SGPS nas empresas do grupo entrou nos cofres da A... (agora B...) mas dela tinha saído antecipadamente para sócios aqui réus, a fim de estes provisionarem a conta da C..., e esta poder comprar a A..., ficando a conta desta, momentaneamente, a descoberto.

60 - As vendas referidas em 51 provocaram uma diminuição muito acentuada na actividade da A... SGPS, SA.

61 - A compra e venda de participações sociais referida em 44 e 51 integrou-se no âmbito do objecto social da sociedade A..., SA de compra e venda de participações sociais.

62 - A respectiva deliberação foi tomada em Conselho de Administração, cujos membros decidiram levar este assunto a uma Assembleia-Geral.

63 - Em 27.12.2010 foram solicitados 5 financiamentos à Banco 1..., de 500.000,00€ cada um, pelas seguintes empresas do grupo:

a) A... – Rações para animais;

b) A... Sociedade Imobiliária SA;

c) A... Transportes SA;

d) H... SA;

e) E... SA.

64 - As transmissões referidas em 44 e 51 efectuaram-se em 28 de Abril de 2011.

65 - O Autor Chamado, AA é administrador da C....


*

Passemos à apreciação do mérito dos recursos.

I. Impugnação do despacho proferido em 11.5.2012 que deferiu a intervenção principal provocada de AA como associado da autora, apurando-se se esta é admissível ou não

1. Em 25.11.2011 foi proferido o seguinte despacho judicial:

“(…)

Vieram os Réus nas suas contestações invocar a excepção de ilegitimidade activa da Autora e, com os mesmos fundamentos da ilegitimidade passiva do Réu AA.

Refere o Réu AA que nos termos do disposto no art.º 28.º do CPC há litisconsórcio necessário quando a Lei exija a intervenção de todo os sujeitos da relação jurídica. Alega a Autora, sob o nº 1 da p. i., que a Autora e este Réu são casados no regime da comunhão geral de bens. Na comunhão conjugal existe um património colectivo. Um património com dois sujeitos que dele são titulares e que globalmente lhes pertence. Essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges por quotas ideais, antes pertence aos cônjuges em bloco. Assim, quer o lote de acções da Autora, quer o lote de acções do Réu seu marido, são bens comuns (art. 1732º C.C.) A alienação ou oneração de participações sociais não é um acto de administração ordinária. Na gestão dos bens comuns a regra, imperativa (1699º, nº 1 al. c) do C.C.), é a da direcção conjunta (art. 1678º, nº 3 do C.C.).

Carece do consentimento do cônjuge não considerado sócio, a alienação ou oneração de participação social. Assim, a Autora não tem legitimidade para peticionar, sobretudo nos concretos termos em que o faz, e com os fundamentos em que o faz, o pedido de anulação, ou de ineficácia ou de resolução da doação relativa às acções do aqui Réu, renovando a alegação de que a presente acção devia ser proposta por marido e mulher – litisconsórcio necessário o que, no caso, não sucede, pelo que se verifica, consequentemente, ilegitimidade plural activa (art. 18º n.º 1 e 28.º nº 1 do CPC; art.º 1682.º-A n.º 1 al. a) do Cód Civil).

Com base nos mesmos fundamentos, invoca a sua ilegitimidade passiva.

Os Réus BB e EE referem que quanto à gestão dos bens comuns, a regra é da direcção conjunta (artº 1678 nº 3 CC in fine), regra essa que vigora como direito imperativo - artº 1699 nº 1 alínea c). A Autora não alegou qualquer facto de onde se possa inferir que tivesse a administração dos lotes das acções doadas ou, ao menos, a administração do lote de que era titular, de forma a beneficiar da previsão do n.º 2 do art.º 1678.º CC; se a ambos os cônjuges cabia a administração dos lotes das acções, ao pretender anular a doação feita pelo casal, a Autora propõe-se exercer um acto que não é de administração ordinária pelo que só pode ser praticado por ambos os cônjuges – nº 3 do artº 1678 CC. Sem conceder, nem o facto de ser a Autora titular de um lote de acções, altera a regra básica da administração civil conjunta desse lote. E, ainda que se, por hipótese, cada qual tinha a administração do lote de que era titular, nos termos previstos no nº 2 do artº 1682 CC, não pode a autora pretender anular a doação feita pelo marido. Pela natureza da relação jurídica, estamos perante um caso de litisconsórcio necessário em que a acção só podia ser proposta por ambos os doadores – art.º 28.º CPC. Ao propor esta acção desacompanhada do marido, a autora é parte ilegítima. Aliás, o marido da autora, nesta acção, só podia figurar como autor, nunca como réu, pelo que existe aqui também uma ilegitimidade passiva.

Respondeu a Autora referindo que é certo que a Autora e o Réu AA são (ainda) casados no regime da comunhão geral de bens, donde resulta que ambos os lotes de acções doados integram o património comum do casal. Também é verdade que, no regime da comunhão geral de bens, nenhum dos cônjuges pode dispor dos bens comuns desacompanhado do outro.

Porém, no caso dos autos o que a Autora pretende é a restituição, ao património comum, dos lotes de acções doados e não a sua alienação. Na verdade, a procedência de qualquer dos pedidos formulados nesta acção terá como necessária consequência a restituição ao património comum das acções objecto das doações aqui em causa. Ou seja, embora não esteja formalmente configurada como acção de reivindicação, esse será o resultado mediato da procedência dos pedidos formulados. A Autora não pode ser impedida de defender judicialmente o património comum, por falta de acordo com o ainda seu marido quanto à propositura desta acção, assistindo-lhe legitimidade para intentar sozinha a presente acção, quer no que toca ao seu lote de acções, quer ao lote de que o marido é titular, por força do disposto no nº 2 do artigo 1405º do Código Civil, aplicável por força dos artigos 10º e 1404º, ambos do mesmo diploma.

Quanto à legitimidade passiva do Réu AA, se as doações objecto desta acção fossem puras e simples, o Réu AA seria parte ilegítima. Mas, as cláusulas terceira e quinta das doações em causa importam contrapartidas a favor dos doadores. Contrapartidas essas que têm um valor económico consideravelmente mais elevado a favor do Réu AA, do que a favor da Autora, pelo que a procedência dos pedidos formulados nesta acção importará a extinção de todos esses direitos do Réu AA, de onde resulta a sua legitimidade passiva.

Cumpre decidir:

A questão que se coloca não é fácil de dirimir. Se bem que numa primeira análise pendemos para a tese da Autora, tanto assim que lhe formulámos um convite para se pronunciar, nos termos do disposto no art.º, 3.º, n.º 3 do C.P.C., a propósito de um eventual abuso de direito ao pedir a anulação do negócio com base da falta de consentimento do cônjuge, o que não faria sentido em face da procedência da excepção agora em apreço, o certo é que, melhor ponderada a questão, e não obstante as boas razões invocadas pela Autora, nomeadamente no que diz respeito à perda de direitos do Réu AA com a procedência da acção, o que lhe confere interesse em contradizer - cfr. art.º 26.º, n.s 1 e 2, parte final, do CPC -, consideramos ser inultrapassável a disposição do art.º 28.º do C.P.C., em confronto com o disposto nos artigos 325.º, n.º 1, 327.º, n.º 3 e 328.º, n.s 1 e 2, al. a), todos do C.P.C., que permitem que este Réu apresente a sua versão dos factos, em articulado autónomo, ainda que subjectivamente (não processualmente) antagónica com a da (co-)Autora.

Vejamos.

Nos presentes autos, a Autora, DD intenta a presente acção declarativa sob forma de processo ordinário contra AA, BB e EE, pedindo que sejam declaradas anuladas as doações de acções da sociedade que está na origem da actual sociedade A... – SGPS,SA, que a Autora e o Réu AA, casados, fizeram aos Réus BB e EE, seus filhos, e subsidiariamente pede a declaração de ineficácia daquelas doações e ainda subsidiariamente a sua resolução.

Como fundamento do pedido de anulação invoca o facto de cada um dos cônjuges (Autora e Réu AA) terem doado o respectivo lote de acções de que cada um era titular sem o consentimento do outro (cônjuge), em violação do disposto no art.º 1687.º do Código Civil.

Como fundamento da ineficácia, subsidiariamente pretendida, invoca a cláusula quinta daquele contrato, nos termos da qual os primeiros outorgantes subordinaram os efeitos jurídicos do contrato em causa à verificação de determinados comportamentos por parte dos donatários, durante um período de dois anos, contados a partir da data da assinatura do contrato, ou seja, 9 de Setembro de 2009, dispondo a alínea c) da mencionada cláusula que “os donatários deverão assegurar a boa convivência familiar, fazendo com que a presente doação em nada afecte a mesma” , dispondo do n.º2 da mesma cláusula que “No caso de se verificarem, durante o período mencionado no ponto um, qualquer um dos comportamentos identificados no número anterior, a presente doação não produz qualquer efeito e as acções revertem, automaticamente e sem necessidade de qualquer formalidade prévia, para os doadores”, alegando factos que revelam esta situação.

Como fundamento do pedido de resolução, também subsidiariamente formulado, invoca o facto de as doações terem sido efectuadas com encargos, que não foram cumpridos pelos donatários, estipulando a cláusula “Terceira " no seu ponto 2. que tal facto é fundamento de resolução da doação.

Ponto assente é que o negócio de doação em causa foi outorgado pela Autora e Réu AA como doadores. Assim, nos termos do disposto no art.º 28.º, n.º 1 do C.P.C., não nos restam dúvidas, tendo em conta os pedidos formulados, que estamos perante um acaso de litisconsórcio necessário activo.

Não deixa a Autora de acertadamente referir que a procedência da acção poderá acarretar para o Réu AA a perda de direitos, tendo este interesse em contradizer a versão dos factos apresentada pela Autora, aliás como é evidente pela contestação já apresentada nos autos por este.

Porém, a legitimidade das partes afere-se em face da causa de pedir, num plano processual e não num plano subjectivo. A legitimidade afere-se pela posição das mesmas em face da relação material controvertida. E, no caso dos autos, tendo em conta a relação material controvertida invocada e o disposto no art.º 28.º do C.P.C. não restam dúvidas que a presente acção teria que ser intentada por ambos os doadores. E, o facto de um dos litisconsortes não concordar com os termos da acção, não coarcta os direitos do outro, que pode chamá-lo a intervir como seu associado - cfr. art.º 325.º, n.º 1 do C.P.C. - podendo este deduzir articulado autónomo, eventualmente discordando da versão dos factos da Autora inicial - cfr. art.º 327.º, n.º 3 do C.P.C. - sendo ambas as versões objecto de prova e constituindo, a final, a sentença que vier a ser proferida caso julgado em relação a ambos - cfr. art.º 328.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do C.P.C.-, dado tratar-se de litisconsórcio necessário.

Carece, pois, a Autora, desacompanhada do doador AA, de legitimidade activa para intentar a presente acção, por preterição de litisconsórcio activo necessário - cfr. art.º 28.º, n.º 1 do C.P.C., razão pela qual o Réu AA é parte ilegítima nos autos, enquanto tal (na qualidade de Réu).

Termos em que deverá proceder a excepção de ilegitimidade invocada pelos Réus.

A ilegitimidade processual é uma excepção dilatória que importa a absolvição da instância -cfr. art.º 493.º, n.º 2 e art.º 494.º, al. e) do C.P.C..

Face ao exposto, julgo procedente a excepção de ilegitimidade invocada pelos Réus e em consequência absolvo os mesmos da instância.

(…)”

Face a este despacho que absolveu os réus da instância, a autora, ao abrigo do art. 269º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil de 1961, veio requerer, em 21.12.2011, a intervenção principal de AA ao seu lado, a fim de assegurar a sua legitimidade.

Tanto AA como os réus BB e EE se opuseram à admissão do incidente de intervenção principal, o qual, contudo, viria a ser admitido por despacho de 11.5.2012 com a seguinte argumentação:

“(…)

Nos presentes autos em que os Réus foram absolvidos da instância por ilegitimidade da Autora, por preterição de litisconsórcio activo necessário com o co-doador das acções cujo acto de doação pretende atacar, veio esta, para suprir tal falta de legitimidade activa, nos termos do disposto no art.º 269.º, n.º 1 do C.P.C., requerer a intervenção principal daquele co-doador AA, como sujeito activo da mesma relação controvertida.

Deduziram oposição todos os Réus, pugnando pela inadmissibilidade legal do incidente. Invocam todos o mesmo fundamento para tal inadmissibilidade legal, qual seja, o de o incidente em causa se destinar a chamar terceiros à acção, o que não sucede no caso dos autos dado o chamado ter sido já citado como Réu e contestado, não podendo o mesmo assumir, assim, a qualidade de Autor nos mesmos autos.

Cumpre decidir.

Nos termos do disposto no art.º 269.º, n.º 1 do C.P.C., "Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325.º e seguintes." Refere-se no n.º 2 que "Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera-se renovada (...)."

Por sua vez, dispõe o art.º 325.º, n.º 1 do C.P.C. que "Qualquer das partes pode chamar a juízo qualquer interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária."

Destina-se este incidente a fazer intervir na causa os co-titulares da mesma relação material controvertida, seja do lado activo ou do lado passivo.

No caso dos autos, tendo em conta a causa de pedir invocada, considerou-se que a Autora, desacompanhada do co-doador, não tinha legitimidade activa para pôr em causa (por anulação, ineficácia ou resolução) a doação feita por ambos os doadores, por preterição de litisconsórcio necessário activo, nos termos do disposto no art.º 28.º, n.º 1 do C.P.C..

Foi em face desta decisão que a Autora, como meio de suprir tal ilegitimidade (activa), veio suscitar o presente incidente de intervenção principal provocada do co-doador AA.

Entendem os Réus ser tal incidente legalmente inadmissível uma vez que o visado não é terceiro, tendo sido citado como Réu e contestado, não podendo o mesmo assumir, assim, a qualidade de Autor nos mesmos autos.

Porém, sem razão.

Vejamos. Nos presentes autos todos os Réus foram absolvidos da instância por ilegitimidade da Autora, por preterição de litisconsórcio activo necessário com o co-doador das acções cujo acto de doação pretende atacar.

Mas além disso, o Réu AA foi ainda considerado parte ilegítima enquanto tal, ou seja, como Réu, tendo em consequência sido absolvido da instância.

Assim, em face de tal absolvição, já transitada em julgado, o Réu AA "perdeu" aquela qualidade de Réu.

Por outro lado, o procedimento previsto no art.º 269.º do C.P.C. destina-se a regularizar a instância por falta de determinada pessoa em juízo, renovando-se a instância extinta - cfr. n.º 2. Mas esta renovação só se opera em relação a quem não foi absolvido da instância com qualquer outro fundamento. Ou seja, no caso dos autos, a renovação só opera em relação à Autora e aos Réus BB e EE, mas não em relação ao Réu AA, absolvido da instância, não só por preterição de litisconsórcio activo, mas também por se ter entendido ser parte ilegítima, do lado passivo.

Assim, não se verifica a confusão processual entre Réu e Autor do chamado, a que aludem os Réus, motivo pelo qual não há qualquer impedimento legal ao deferimento do incidente.

Termos em que, face ao disposto nos artigos 269.º, n.º 1 e 2 e 325.º, n.º 1, todos do C.P.C., julgo procedente o incidente de intervenção principal provocada de AA, como associado da Autora.

Cite o chamado, agora como Autor - cfr. art.º 327.º, n.º 1 do C.P.C..

(…)”

O chamado AA, discordando do decidido, em 28.5.2012, interpôs recurso deste despacho, o qual, porém, não viria a ser admitido, porquanto a Mmª Juíza “a quo”, em despacho de 21.6.2012, o considerou processualmente inoportuno, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses previstas no art. 691º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil de 1961, frisando que a impugnação do despacho em causa deverá ser feita no recurso que venha a ser interposto da decisão final.   

Vejamos então.

2. Um dos princípios estruturantes do processo civil é o da estabilidade da instância que vem previsto no art. 268º do Cód. de Proc. Civil de 1961 [art. 260º do atual CPC], onde se estatui que «citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei

Daqui resulta que a instância é inicialmente conformada pelo autor na petição inicial nos seus elementos subjetivos (“quanto às pessoas”) e objetivos (quanto “ao pedido e à causa de pedir”). Porém, até ao momento da citação, o autor pode ainda alterar a conformação por si efetuada, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, sem prejuízo da não retroatividade dos efeitos da proposição que se reportem apenas à nova petição que apresente. Já com a citação do réu fixam-se os elementos definidores da instância, que seguidamente só é alterável na medida em que a lei geral, nos artigos seguintes, ou uma lei especial o permita – cfr. LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág, 477.

Uma das possibilidades de modificação encontra-se consagrada no art. 269º do Cód. de Proc. Civil de 1961[1], em vigor à data da decisão recorrida proferida em 11.5.2012, que corresponde ao art. 261º do atual Cód. de Proc. Civil, cuja epígrafe é “modificação subjetiva pela intervenção de novas partes”, onde se preceitua o seguinte:

«1. Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325º e seguintes.

2. Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância, extinta, considera-se renovada, recaindo sobre o autor ou reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado.»   

Assim, se durante a fase dos articulados alguma das partes se apercebe de que não está em juízo um interessado com direito a intervir, pode chamá-lo aos autos de acordo com o disposto nos arts. 325º e segs. do Cód. de Proc. Civil de 1961.

Se o não faz, o juiz profere despacho declarando essa falta e absolvendo o réu ou reconvinte da instância. Conforme escreve JACINTO RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª ed., 2000, págs. 22/23), “[é] para essa situação que foi redigido este preceito, que obvia aos inconvenientes daquela absolvição ao permitir ao autor ou reconvinte que provoque aquele chamamento até que o despacho absolutório transite em julgado. É um caso de modificação subjectiva da instância, consentida pela lei por evidente razão de economia processual. Aliás aqui não se trata de modificação que produza o aparecimento de uma nova relação jurídico-processual, justificativa da invocação da exceptio mutati libelli; o que acontece é ter-se verificado que essa relação processual foi irregularmente constituída, irregularidade que não permite ao juiz pronunciar-se sobre a demanda. Quer dizer, a modificação não surge como um acto dispositivo da parte, mas como um remédio para fazer convalescer a instância.”

Prossegue este ilustre Juiz Conselheiro: “A faculdade conferida por este artigo pode ser exercida até trinta dias após o trânsito do despacho que declarou a ilegitimidade. Há que distinguir: se a intervenção foi requerida antes do trânsito em julgado e o chamamento for admitido, a instância não chega a extinguir-se, como que se reanima; se, porém, o poder reconhecido à parte por este preceito vier a ser exercido nos trinta dias imediatos ao trânsito, a instância que se extinguiu, renova-se ou ressurge.”

Por fim, observa que “[a] instância renovada não é nova instância; mantêm-se, pois, os efeitos da proposição da acção a que se refere o art. 267º”.

Deste modo, se se declara admitido o chamamento, a instância, estando extinta, considera-se renovada. Como tal, por força desta renovação, tudo se passa como se a instância nunca tivesse estado extinta, aproveitando-se todos os atos processuais anteriormente praticados que não fiquem prejudicados pela atuação dos chamados.

A absolvição da instância fica sem efeito. A instância, que se extinguira pela absolvição, ressurge agora por força do disposto no referido art. 269º. Pretende-se, ao cabo e ao resto, que o processo continue a correr com a intervenção das novas pessoas, o que implica necessariamente a renovação da instância.[2]

Em suma: Tal como se afirma no sumário do Ac. Rel. Porto de 10.2.1994 (CJ, ano XIX, tomo I, págs. 232/235[3]), “[p]or força da renovação da instância nos termos do art. 269º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, tudo se passa como se ela nunca tivesse estado extinta.”

3. No caso dos autos, a autora DD, sendo nessa altura casada com AA sob o regime da comunhão geral de bens, intentou em 16.12.2010 a presente ação contra os réus AA, BB e EE, peticionando, em primeira linha a anulação das doações efetuadas em 7.9.2009 por força do disposto no art. 1687º do Cód. Civil.

Caso assim não se entenda pede a resolução dessas doações ou a declaração de ineficácia das mesmas.

Sucede que todos os réus foram citados e que todos contestaram.

Por preterição de litisconsórcio necessário ativo, todos invocaram a ilegitimidade ativa da autora e também, por consequência, a ilegitimidade passiva do réu AA.

Esta exceção viria a ser julgada procedente, através do despacho de 25.11.2011, com a correspondente absolvição da instância de todos os réus.

A autora, valendo-se da faculdade que lhe é conferida pelo art. 269º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil de 1961 e ainda antes do trânsito em julgado da decisão absolutória dos réus, veio requerer a intervenção principal provocada de AA para intervir nos autos ao seu lado.

A decisão recorrida acolheu a pretensão da autora e admitiu a intervenção principal de AA, que fora absolvido da instância enquanto réu, agora como associado da autora.

Daqui decorre que, através do incidente de intervenção, deferido pela 1ª Instância, o que aqui se questiona em via recursiva, a autora, nestes autos, converteu o réu AA em seu associado.      

Ora, a intervenção provocada prevista nos arts. 325º e segs. do Cód. de Proc. Civil de 1961 integra-se na secção III [do capítulo III, título I, livro III] que tem a designação “intervenção de terceiros”.

Conforme escreve SALVADOR DA COSTA (in “Os Incidentes da Instância”, 4ª ed., Almedina, pág. 79), “o conceito de terceiro contrapõe-se ao conceito de parte que envolve a ideia de pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, alguma providência judicial tendente à tutela de um direito.”   

Na intervenção principal, em que ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa, o terceiro, que poderia acionar inicialmente em termos de litisconsórcio ou de coligação, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal.

Procede-se assim à cumulação no processo da apreciação de uma relação jurídica da titularidade do interveniente substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.

A intervenção principal visa, perante uma ação pendente entre duas partes, proporcionar a terceiros, que a lei designa por intervenientes, o litisconsórcio ou a coligação com alguma daquelas.

A intervenção pode ocorrer do lado ativo ou do lado passivo, assumindo o interveniente, no primeiro caso, a posição de co-autor e, no segundo, a posição de co-réu.

É espontânea quando resultar da iniciativa do interveniente.

É provocada se foi implementada por iniciativa de alguma das primitivas partes na ação, sendo admissível nos casos de litisconsórcio ou de coligação com os sujeitos da causa principal, ou seja, quando o interveniente seja titular de um interesse em intervir igual ao do autor ou do réu.

Contudo, conforme salienta SALVADOR DA COSTA (in ob. cit., págs. 79/80), cuja exposição temos vindo a seguir, “[a] intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha”, tal como também não é permitido que, através deste incidente, o autor substitua o réu contra quem, por erro, dirigiu a ação.[4]  

O interesse substantivo contraposto do chamado obsta à intervenção, o mesmo sucedendo com o seu interesse processual contraposto. Ou seja, não se pode proceder, através do incidente de intervenção principal, à cumulação de interesses contrapostos, substantivos e/ou processuais.

Acontece que no caso “sub judice” essa contraposição entre os interesses da autora DD e do agora chamado AA é manifesta.   

4. Na decisão recorrida entendeu-se que o réu AA foi absolvido da instância com dois fundamentos – por preterição de litisconsórcio necessário ativo e também por ter sido considerado parte ilegítima enquanto réu -, ao passo que os dois outros réus – BB e EE – foram absolvidos da instância apenas com base naquele primeiro fundamento.

Ora, como esta absolvição da instância transitou em julgado, sustentou-se na decisão recorrida que AA perdeu, por ilegitimidade, a qualidade que tinha nos autos – de réu.

Argumentou-se que o procedimento previsto no art. 269º do Cód. de Proc. Civil de 1961, que se destina a regularizar a instância por falta de uma determinada pessoa em juízo, com a sua renovação nos termos do seu nº 2, só opera relativamente a quem não foi absolvido da instância com qualquer outro fundamento.

Daqui resulta que no caso dos autos a renovação da instância só opera quanto à autora e aos réus BB e EE, mas já não quanto ao réu AA, uma vez que este foi absolvido da instância não apenas em virtude da preterição de litisconsórcio necessário ativo, mas também por ser ele próprio parte ilegítima do lado passivo.   

E no seguimento desta argumentação, por se ter entendido que a renovação da instância prevista no art. 269º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil não produziu os seus efeitos em relação ao réu AA, que perdeu essa qualidade, concluiu a 1ª Instância não existir impedimento legal ao deferimento do incidente de intervenção principal quanto a este.

Salvo melhor opinião, não perfilhamos este entendimento.

A autora ao requerer a intervenção principal de AA a fim de assegurar a sua legitimidade ativa, não tendo sido impugnada a anterior decisão que absolvera todos os réus da instância, o que significa ter esta transitado em julgado, teve como propósito essencial a renovação da instância nos termos do art. 269º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil de 1961, embora na sua perspetiva AA tivesse perdido a qualidade de réu a partir do momento em que foi chamado a intervir nos autos como associado da autora.

Com efeito, na sua ótica, a instância renova-se, mas essa instância renovada já não tem como parte o réu AA, que por ter sido declarada a sua ilegitimidade passiva deixou de o ser.

Acontece, porém, que o art. 269º do Cód. de Proc. Civil de 1961 se destina a assegurar a intervenção de novas pessoas nos autos, pessoas essas que deveriam estar no processo e não estavam, o que motivara anterior decisão absolutória da instância por ilegitimidade.

Só que AA já se encontrava no processo como réu e, por isso, a disciplina deste preceito legal não lhe pode ser aplicada. Não pode passar, num mesmo processo judicial, de réu para associado da autora.

Além disso, mesmo aceitando-se o discutível entendimento de que, pese embora a operada renovação da instância, esta não englobaria AA, pois perdera a qualidade de réu, não pode a intervenção principal deste ser acolhida, isto porque existe uma evidente contraposição dos interesses substantivos e processuais, por um lado, do chamado e, por outro, da autora, ao lado de quem se pretende que intervenha.   

E, como já atrás se referiu, através do incidente de intervenção principal não se pode proceder à cumulação de interesses substantivos contrapostos. 

Contraposição de interesses que resulta manifesta se tivermos também em atenção que o chamado, tendo sido citado para os efeitos do art. 327º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil de 1961, veio oferecer um longo articulado, que concluiu no sentido de:

a) Se julgar procedente a invocada exceptio mutatis libelli com todas as consequências legais daí decorrentes;

b) Se declare que o citado não faz seus os articulados da autora, e que renova integralmente o constante do seu articulado de contestação, bem como a contestação dos restantes réus;

c) Se julgue a ação improcedente.

Aliás, essa sua posição processual em tudo se compagina com a contestação que já antes apresentara enquanto réu, evidenciando interesses totalmente opostos aos da autora.[5]

Se a autora, entretanto falecida, pugnava, ao intentar a presente ação, pela integral anulação das doações efetuadas, em 9.9.2009, por si e pelo seu marido AA, de quem entretanto se divorciou, ou subsidiariamente, pela sua declaração de ineficácia ou pela sua resolução, este, ao invés, pugnava e pugna pela improcedência dessa ação e, consequentemente, pela manutenção das doações, em sintonia com a posição assumida nos autos pelos réus BB e EE.    

Ora, o incidente de intervenção principal não é de admitir quando são contrapostos os interesses substantivos e/ou processuais do chamado e da parte ao lado da qual se pretende a sua intervenção, contraposição essa que no caso dos autos – e salvo melhor entendimento – se nos afigura ocorrer, de modo evidente, entre os interesses da autora e do chamado AA.    

Com efeito, a autora pretende a anulação, declaração de ineficácia ou resolução das doações realizadas, em 9.9.2009, por si e por AA, que abrangeram a totalidade das ações que estes possuíam na “A... – SGPS, SA”[6], ao passo que este em sentido contraposto pretende que essas doações se mantenham.

Deste modo, sem necessidade de outros considerandos, impõe-se a procedência do recurso interposto por AA, no seu primeiro segmento, com a revogação da decisão proferida em 11.5.2012 que deferira a sua intervenção como associado da autora.

A procedência deste recurso, com a rejeição da intervenção principal de AA, faz com que a instância não se possa considerar renovada nos termos do art. 269º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil de 1961, assim subsistindo a anterior decisão de 25.11.2011, transitada em julgado, que absolvera todos os réus da instância por ilegitimidade.[7]

Como consequência desta procedência, fica sem efeito o que foi processado após o despacho de 11.5.2012, aí se incluindo a audiência de julgamento realizada e também a sentença proferida em 17.7.2023.

Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento de todos os recursos que incidiram sobre essa sentença interpostos pelo chamado AA e pelos réus BB e EE e ainda pelo próprio autor/habilitado CC (recurso subordinado).


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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):

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DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo “chamado” AA do despacho proferido em 11.5.2012 e, em consequência, revoga-se este despacho, que se substitui por outro que rejeita a intervenção principal daquele como associado da autora e a subsequente renovação da instância daí decorrente.

O conhecimento dos recursos interpostos da sentença final proferida em 17.7.2023 mostra-se prejudicado.

As custas relativas ao recurso interposto do despacho de 11.5.2012, pelo seu decaimento, serão suportadas pelo autor/habilitado CC.

Sem custas, os demais recursos não conhecidos.


Porto, 7.5.2024
Rodrigues Pires
Alberto Taveira
Fernando Vilares Ferreira [VENCIDO: Confirmaria a decisão sob recurso, que admitiu a intervenção principal do ora Apelante AA, do lado ativo, pelos fundamentos nela exarados, e sem perder de vista um princípio estruturante do nosso ordenamento jurídico, assente na ideia de que as normas de direito processual têm por fim essencial servir os interesses presentes nas normas do direito substantivo, e não impor-se-lhes.
Atente-se que o incidente de intervenção principal em questão, assente primordialmente na necessidade de suprir a ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário, resultou da defesa assumida pelo então 1.º Réu, agora Apelante, e da subsequente decisão do tribunal que concluiu pela procedência da invocada exceção de ilegitimidade e, consequentemente, pela absolvição dos Réus.
O caminho seguido pela Autora foi, afinal, o único que então lhe foi indicado pelo tribunal, porquanto não podendo AA assumir a qualidade de Réu, sob pena de ilegitimidade processual ativa e passiva, apenas restava a possibilidade de assumir a qualidade de interveniente do lado ativo.
A via alternativa do suprimento do consentimento a que se alude na nota de rodapé n.º 7, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 28.º-A, n.º 2 e 1425º do CPCivil, na redação então em vigor, foi pura e simplesmente desconsiderada pelo tribunal quando julgou procedente a exceção de ilegitimidade, sendo certo que, a ter-se como a via adequada no caso, se impunha ao tribunal que fixasse previamente prazo à Autora para obtenção do suprimento do consentimento, sob pena de absolvição da instância, eventualmente com suspensão da instância[8].
No caso, mercê das vicissitudes ocorridas, julgamos que a circunstância de o Interveniente assumir uma posição divergente da Autora não constitui fundamento bastante para a improcedência do incidente, porquanto, independentemente da posição processual assumida, o facto é que o ora Apelante não deixou de poder defender ao longo de cerca de 14 anos os seus interesses na ação, e isso é o que mais importa à luz do “processo equitativo”.]
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[1] Redação dos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12.12 e 180/96, de 25.9.
[2] ALBERTO DOS REIS, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 71.
[3] Relator Abílio de Vasconcelos.
[4] Cfr. Ac. STJ de 15.2.2007, CJ STJ, ano XV, tomo I, págs. 72/78, relator OLIVEIRA ROCHA.
[5] Escreve SALVADOR DA COSTA (in ob. cit., pág. 124): “Provocando o autor a intervenção principal de uma pessoa como sua associada, pode esta oferecer articulado próprio ou declarar que faz seu o articulado por ele apresentado, mas não lhe é permitido deduzir contestação no sentido da apresentada pelo réu nem fazer sua a que por ele foi apresentada.” (sublinhado nosso).
[6] AA possuía 1.977.404 ações e DD possuía 9.390 ações.
[7] Anota-se que, ao invés do caminho trilhado assente no incidente de intervenção principal provocada, a solução processual que melhor se adequaria aos presentes autos, tratando-se de ação, que tal como a autora a configurou, deveria ter sido proposta por ambos os cônjuges, então ainda casados, por incidir sobre a totalidade das ações que ambos detinham na “A...”, seria, na inexistência de acordo, a do suprimento do consentimento do agora “chamado” AA ao abrigo do disposto nos arts. 28º-A, nº 2 e 1425º do Cód. de Proc. Civil de 1961. A nosso ver, era essa a via processual a adotar antes da propositura da ação pela autora, sendo que também teria sido possível segui-la após a posterior decisão de absolvição da instância, com suspensão nesse caso dos termos da causa.
[8] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES / PAULO PIMENTA / LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2020, Almedina, p. 70.