Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
37/20.3T8LOU.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: REGISTO PREDIAL
RETIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP2021022337/20.3T8LOU.P1
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O registo predial do arquivo oficial das correspondentes Conservatórias tem em vista a identificação e a descrição física, económica e fiscal dos prédios, onde se registam e confirmam todos os direitos de propriedade e outros direitos e ónus sobre os imóveis.
II - A área de um prédio integra essa identificação e descrição física, devendo a mesma coincidir com a existente na matriz predial.
III. - A matriz das Finanças, que se divide em matriz predial rústica e matriz predial urbana, constitui o inventário fiscal de todos os prédios rústicos e urbanos de cada freguesia e concelho, a que se tem de comunicar, antecipada ou posteriormente, quaisquer actos de alteração das características, mudança de utilização ou titular, etc., para poder oficializar esses actos.
III - A retificação da área de um prédio descrito no registo predial poderá ser efetuada pelos mecanismos legais de “dispensa de harmonização”; “abertura ou atualização da descrição” ou “erro de medição”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 37/20.3 T8LOU.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de C… – Juiz 2
Recorrente – B…,
Recorrida – Conservatória do Registo Predial de C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
(1.ªsecção cível)
I – B… interpôs recurso judicial no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de C…, da decisão proferida pela Exm.ª Sr.ª Conservadora do Registo Predial de C… que determinou a recusa de rectificação do teor da descrição registral referente ao prédio rústico sito na freguesia de …, concelho de D…, descrito na Conservatória do Registo Predial de D… sob o n.º 31.
Alegou, para tanto, e em síntese que, o pedido assim recusado tinha por objectivo imediato a alteração, por averbamento, da área descrita do prédio em apreço, de 5.280 m2 para 4.880 m2, tendo sido apresentado para sustentar tal pretensão um levantamento topográfico, e uma declaração assinada pelo requerente e por sua mulher confirmando a alegada área real do prédio. E tinha como objectivo mediato a efectivação da desanexação do prédio do impugnante do artigo matricial 61-AB, titulado por terceiros, com a subsequente autonomização matricial em artigo próprio, o que só seria possível, de acordo com a alegada indicação dos serviços fiscais, através da prévia alteração da área do prédio no respectivo registo predial, acrescentando ter sido o artigo matricial 4926 (apontado na descrição do prédio) suprimido, nascendo a indicação da área do prédio da escritura de divisão, lavrada em 16.05.1983, que atribuiu a titularidade do prédio ao requerente.
Mais terminou o impugnante dizendo não ser compreensível a exigência de uma prévia alteração matricial para deferimento da modificação da descrição constante do registo, quando o respectivo artigo já não existe, servindo o pedido assim formulado na pendência do processo administrativo fiscal, para produzir efeitos a esse nível, atenta a necessária harmonização entre a descrição registral e o pedido de rectificação ou alteração desta na matriz, apelando para o previsto no art.º 28.º, n.º 1, do C.R. Predial.
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A Sr.ª Conservadora, em sede de impugnação judicial de tal decisão, manteve fundamentadamente, a sua recusa.
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Os autos foram remetidos a tribunal, com a instrução das peças pertinentes.
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Foi emitido parecer pelo Digno Magistrado do Ministério Público, o qual concordando com a sustentação de recusa apresentada pela Exm.ª Conservadora do Registo Predial, pugnou pela manutenção da decisão e para tanto, referiu, em síntese que “- A diferença não cabe nos 5% - arte 28.º-A alínea b) CRP; - A matriz ainda não foi rectificada. Muito pelo contrário temos um Parecer que antecipa o indeferimento - Artigo 28.º-C n.º2 a) do CRP; - A declaração do casal proprietário não é a da parte final do artigo 28.º-C n.º2 a) do CRP”.
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Após foi proferida a seguinte decisão: “(…)Conforme decorre da decisão impugnada, os pressupostos que levaram à recusa da pretensão em causa podem resumir-se nestes termos:
I. O prédio insere-se em concelho onde existe matriz cadastral geométrica;
II. Nestas circunstâncias, a admissibilidade de dispensa de harmonização prevista no art.º 28.º-A do C.R.P. não é aplicável, porquanto a diferença de áreas supera a percentagem de 5% prevista na alínea b) do preceito;
III. E, excedendo in casu a diferença tal valor percentual, nenhuma das condições de admissibilidade contidas no art.º 28.º-C, n.º 2, al. a) do C.R.P., se verifica, não satisfazendo a declaração apresentada o estabelecido na parte final da norma;
IV. Antevendo-se, paralelamente, a recusa do pedido de alteração formulado junto dos serviços fiscais, o que obsta à pretendida alteração.
Com efeito, prevê o art.º 28.º, n.º 1, do C.R.Predial que deve haver harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de rectificação ou alteração desta.
E as excepções que a lei prevê admissíveis estão contidas no n.º 2 do preceito e no art.º 28.º-A do diploma, não abarcando o caso em apreço.
Ora, perante a bondade da fundamentação invocada, e apelando o requerente a uma harmonização entre uma descrição registral e um pedido rectificativo da inscrição matricial já antevisto como votado ao insucesso, não encontra o tribunal qualquer fundamento para admitir a pretensão trazida pelo requerente B….
Forçoso será julgar o recurso apresentado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida (…)”.
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Inconformado com tal decisão, dela recorreu de apelação, o impugnante/ /recorrente, pedindo a revogação e substituição por outra que ordene a execução do pedido de rectificação do registo.
O apelante juntou aos autos as suas alegações onde formula as seguintes conclusões:
1. No caso sub judice não está afastada liminarmente a dispensa de harmonização de áreas entre a descrição e a inscrição matricial, uma vez que a área constante da descrição (5.280m2) tem por base uma matriz não cadastral. O único obstáculo que existe é o facto de ao prédio em causa não corresponder actualmente qualquer matriz cadastral e consequentemente não lhe ter sido atribuída qualquer caderneta predial.
2. Precisamente por não existir caderneta predial, a rectificação da área no registo, por erro de medição, tem de ser efectuada por harmonização entre a descrição e o pedido de rectificação ou alteração da matriz, conforme decorre do artigo 28.º n.º 1 do Código do Registo Predial.
3. Não sendo aplicáveis as exigências contidas no artigo 28.º-C n.º2 al. a), que manifestamente só têm lugar quando exista inscrição matricial propriamente dita (caderneta predial), devendo nesse caso ser também emitida a declaração aí prevista.
4. É destituída de qualquer fundamento a afirmação de previsível indeferimento do pedido de rectificação cadastral pendente, cuja certidão consta de fls. 18 e seguintes.
5. Pelo contrário, tal procedimento está em curso e para a sua conclusão é necessário comprovar que a descrição predial se encontra harmonizada com o pedido de rectificação da matriz, tal como é expressamente previsto e exigido pelo artigo 28.º n.º 1 do Código de Registo Predial.
6. A recusa de rectificação da área no registo, confirmada na decisão recorrida, traduz-se em violação directa e frontal do disposto no citado artigo 28.º n.º 1 do C.R.P.
7. Tal violação é também patente na afirmação da Sr.ª Conservadora segundo a qual “sem a rectificação da matriz não pode ser rectificada a descrição”, já que a lei expressamente obriga à harmonização da descrição com o pedido de rectificação ou alteração matricial - artigo 28.º n.º 1 do C.R.P.
8. As condições previstas no artigo 28.º-C n.º2 al. a) não são aqui aplicáveis muito simplesmente porque não existe inscrição autónoma do prédio no cadastro (e caderneta predial), relativamente à qual pudesse ser emitida a declaração aí prevista.
9. Deverá pois ser revogada a decisão recorrida e consequentemente ordenada a execução do pedido de registo.

O Magistrado do M.º P.ª juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Para além do que se deixou consignado no relatório supra, importa tomar em consideração a seguinte factualidade, constante da decisão recorrida e não impugnada:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de D…, freguesia de … sob o n.º 31/19841217, o prédio rústico situado em …, composto de terra de horta, a confrontar a norte com E…, do nascente com Albufeira do …, do sul com F… e do poente com caminho público, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art.º 4926.º.
2. Pela Ap. 15 de 1984/12/17 a titularidade de tal imóvel está inscrita na Conservatória do Registo Predial de D…, em nome do ora impugnante/apelante, por aquisição na sequência de divisão de coisa comum.
3. Na verdade e segundo o apelante, por escritura de 16.05.1983, ele e o demais comproprietários do anterior imóvel procederam à divisão do mesmo, tendo-lhe sido adjudicado “uma terra de horta com área de 5.280m2, a confinar do norte com E…, nascente com Albufeira do …, sul com F… e ponte com caminho público”.
4. O referido imóvel, assim resultante dessa divisão e adjudicação tem em sede de matriz predial rústica e em sede de Registo Predial a área de 5.280m2.
6. O concelho de D… tem Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (CGP).

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da alegada ilegalidade da recusa de rectificação do registo.
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Em suma, o impugnante, ora apelante, apresentou em 4.11.2019 um pedido de rectificação do teor da descrição do prédio rústico sito na freguesia de …, concelho de D…, descrito na Conservatória do Registo Predial de D… sob o n.º31. Pretendia, em concreto, que por averbamento, fosse alterada a área do prédio que na descrição consta ser de 5.280m2 e que a mesma passasse a constar a de 4.880m2.
Esse pedido de rectificação do registo foi distribuído à Conservatória do Registo Predial de C…, onde foi objecto de Despacho de Qualificação de Recusa, o qual foi judicialmente impugnado pelo ora apelante, tendo a 1.ª instância julgado o recurso/impugnação judicial improcedente, mantendo a decisão recorrida/impugnada.
O impugnante, ora apelante, mantem-se inconformado.
Vejamos.
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Como é sabido, o registo predial que se efectua na Conservatória do Registo Predial, é o arquivo oficial onde se registam e confirmam todos os direitos de propriedade e outros direitos e ónus sobre os imóveis, sem conhecimento actualizado do qual nenhum acto jurídico (compra, venda, hipoteca, etc.) pode ser realizado sobre um prédio rústico ou urbano, ou sobre uma parte ou fracção destes. Sendo assim, é na respectiva Conservatória do Registo Predial que está registada oficialmente a propriedade de cada prédio e inscrita a identificação dos seus proprietários e de quaisquer outros direitos ou ónus sobre o prédio ou de servidões que o condicionem.
A descrição predial assim “tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios. De cada prédio é feita uma descrição distinta. No seguimento da descrição do prédio, são lançadas as inscrições ou as correspondentes cotas de referência”. Ou seja, as descrições são abertas “na dependência de uma inscrição ou de um averbamento” em nome do titular, cfr. art.ºs 79.º e 80.º do Código do Registo Predial, aprovado pelo DL n.º 224/84, de 29.09, actualizado com as alterações introduzidas, sendo as últimas resultantes da Lei n.º 89/2017, de 21.08 – (C.R.Predial).
O registo compõe-se da descrição predial e da inscrição dos factos e respectivos averbamentos, bem como de anotações de certas circunstâncias, nos casos previstos na lei, cfr. art.º 76.º do C.R.Predial. Sendo que “O registo predial destina se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”, cfr. art.º 1.º do C.R.Predial. Ou seja, é através da informação disponibilizada pelo registo que se pode saber e confirmar qual a efectiva “composição de determinado prédio, a quem pertence e que tipo de encargos (hipotecas, penhoras, etc.) sobre ele incide”. De cada prédio é feita uma descrição predial, e apenas uma, com os elementos previstos na lei, cfr. art.ºs 79.º e 82.º do C.R.Predial.
Por seu turno, a matriz das Finanças, que se divide em matriz predial rústica e matriz predial urbana, constitui o inventário fiscal de todos os prédios rústicos e urbanos de cada freguesia e concelho, a que se tem de comunicar, antecipada ou posteriormente, quaisquer actos de alteração das características, mudança de utilização ou titular, etc., para poder oficializar esses actos.
Para um prédio estar descrito na Conservatória é fundamental inscrevê-lo previamente na matriz das Finanças, obtendo o respectivo artigo e descritivo actualizado, sem o qual não é possível requerer ou alterar o registo do prédio ou formalizar qualquer operação jurídica sobre este. No entanto, “as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”, cfr. art.º 12.º do C.do IMI.
É obrigação dos proprietários proceder à inscrição dos prédios na matriz, bem como à actualização desta, no prazo de 60 dias, pois “a inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer” facto relevante para o efeito, cfr. art.º 13.º do C.do IMI. Para a inscrição ou actualização da matriz, são factos relevantes: que “uma dada realidade física passar a ser considerada como prédio”, isto é, que um terreno ou parcela passe a constituir um prédio autónomo; que o prédio passe de rústico a urbano; que sejam alterados os seus limites; que se concluam obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio; que sejam alteradas as culturas praticadas num prédio rústico»; ou ainda a partir do momento em que se tome conhecimento que o prédio está omisso na matriz ou quando ocorram eventos que façam cessar uma isenção fiscal de que esteja a beneficiar, cfr. art.º supra.“As modificações que se verifiquem nos limites dos prédios, por transmissão de parte deles, parcelamento ou qualquer outra causa”, devem ser comunicadas pelo Serviço de Finanças aos serviços cartográficos, para que possam “os peritos que procedam às alterações previstas (…) quando se justifique, actualizar o mapa parcelar para além das alterações requeridas, com excepção das estremas com outros proprietários; na divisão de prédios, a requerimento dos interessados, o perito pode corrigir a distribuição das parcelas divididas”, cfr. art.º 97.º do C.do IMI.
Em Portugal, enquanto não estiver operacional o Cadastro Predial, (que ainda não existe em vigor em nenhuma parte do País) bem como o número de identificação predial único que caberá a cada prédio (NIP – que substituirá como base de identificação os correspondentes artigos da matriz do Serviço de Finanças e o número da descrição da Conservatória do Registo Predial, associando-lhes os demais dados previstos no sistema, designadamente a titularidade dos seus proprietários), a forma usual de identificação das propriedades é pela caderneta predial, que é um extracto ou ficha da matriz predial do Serviço de Finanças, sendo este o processo usual de identificação dos prédios, mesmo nas zonas onde há Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (pelo qual se não assume a garantia de correspondência com as descrições prediais da Conservatória) e assim, mesmo nestas zonas, são ainda as cadernetas prediais e o artigo da matriz a forma mais comum para a identificação dos imóveis e a base adoptada para qualquer negócio e que apenas existe na metade sul do País e em mais cinco concelhos mais a norte (elaborado nos moldes mais antigos de levantamento de campo e registo manual, embora já em avançado processo de informatização), onde tem manifesta utilidade prática e mesmo validade oficial, ainda que transitória, até à sua substituição pelo novo processo.
Ora, não se pode olvidar que sem que a descrição predial coincida com a da matriz predial das Finanças, e sem que as respectivas inscrições de proprietários titulares estejam em conformidade, não é possível formalizar qualquer transacção ou operação de relação jurídica sobre o prédio.
Preceitua o art.º 28.º do C.R.Predial, sob a epígrafe “Harmonização” que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, deve haver harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de rectificação ou alteração desta.
2 - Na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico a exigência de harmonização é limitada aos artigos matriciais e à área dos prédios.
3 - Nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo deve haver harmonização com a matriz, nos termos dos n.ºs 1 e 2, e com a respectiva descrição, salvo se quanto a esta os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou de simples erro de medição”.
Na falta de correspondência entre a descrição predial e os artigos matriciais, se “a mesma não resultar dos documentos apresentados, pode esta ser suprida por declaração complementar dos interessados que indique expressamente o artigo da matriz em vigor”, ainda que sempre que ocorra substituição das matrizes, o Serviço de Finanças deva “comunicar aos serviços de registo (…) a correspondência entre os artigos matriciais relativos a todos os prédios do concelho ou de uma ou mais freguesias”, cfr. art.º 29.º n.ºs 1 e 2 do C.R.Predial.
Na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos, ainda não submetidos ao cadastro geométrico, a exigência de harmonização é limitada aos artigos matriciais e à área dos prédios, cfr. art.º 28.º n.º2 do C.R.Predial.

Pois que os elementos das descrições “podem ser alterados, completados ou rectificados por averbamento” e “os elementos das descrições devem ser oficiosamente actualizados (ou seja, directamente pelos serviços) quando a alteração possa ser comprovada por acesso à base de dados da entidade competente” e em alguns outros casos, cfr. art.ºs 88.º e 90.º C.R.Predial.
Os processos de “suprimento, da rectificação e da reconstituição do registo” iniciam-se “com a apresentação do pedido em qualquer serviço de registo com competência para a prática de actos de registo predial”, pelo qual “o interessado solicita o reconhecimento do direito em causa, oferece e apresenta os meios de prova e indica, consoante os casos”, cfr. art.º 117.º-B do C.R.Predial.
Finalmente, nos termos do previsto no n.º1 do art.º 121.º do C.R.Predial, são os registos inexactos e os indevidamente lavrados que devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito. Donde, a iniciativa da rectificação pode ser do conservador, que actuará, então, oficiosamente, ou dos interessados, a requerimento seu, sendo esta última a modalidade de rectificação que, face às questões enunciadas, ocupará primacialmente a nossa atenção.
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Depois destas linhas gerais, “in casu” e tendo em mente que a área de um prédio é um dos elementos mais importantes da identificação desse prédio – e que por isso, merece menção na descrição predial e que esta deve, igualmente, coincidir com a existente na matriz predial, temos de interpretar as disposições constantes no C.R.Predial no que toca à harmonização dos elementos de identificação do prédio do ora apelante.
Ora, no caso em apreço, é manifesto concluirmos pelo teor dos documentos juntos aos autos que o prédio rústico situado em …, composto de terra de horta, a confrontar a norte com E…, do nascente com …, do sul com F… e do poente com caminho público, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art.º 4926.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de D…, freguesia de … sob o n.º 31/19841217, propriedade do ora apelante, tem na respectiva matriz predial rústica a área de 5.280m2 e, essa mesma área é a que consta da sua descrição predial.
Ao que nos parece resultar das alegações muito pouco concretas e/ou precisas sobre a sucessão de eventos de âmbito fiscal e do cadastro geométrico da propriedade rústica, relativamente ao seu prédio, certo é que o mesmo não provou, minimamente e documentalmente nos autos que o mesmo tenha outro artigo matricial do que o 4926.º da freguesia de …, concelho de D….
Pretende o ora apelante que se rectifique por averbamento a área do dito prédio constante da sua descrição predial, passando dela a contar tão só a área de 4.488 m2.
Preceitua o art.º 28.º-A do C.R.Predial, sob a epígrafe “Dispensa de harmonização” que “Caso exista diferença, quanto à área, entre a descrição e a inscrição matricial ou, tratando-se de prédio não descrito, entre o título e a inscrição matricial, é dispensada a harmonização se a diferença não exceder, em relação à área maior:
a) 20 %, nos prédios rústicos não submetidos ao cadastro geométrico;
b) 5 %, nos prédios rústicos submetidos ao cadastro geométrico;
c) 10 %, nos prédios urbanos ou terrenos para construção.”
Segundo o previsto no art.º 28.º-B, sob a epígrafe “Abertura ou actualização da descrição”:
1 - A área constante da descrição predial pode ser actualizada, no limite das percentagens fixadas no artigo 28.º-A, se o proprietário inscrito declarar que a área correcta é a que consta da matriz.
2 - Se estiver em causa um prédio não descrito, aplica-se o disposto no número anterior, descrevendo-se o prédio com a área constante da matriz, se o interessado declarar que é essa a área correcta.
3 - O recurso à faculdade para proceder à actualização da descrição ou à sua abertura, prevista nos números anteriores, apenas pode ser efectuado uma única vez.
4 - O exercício da faculdade prevista no número anterior deve ser mencionado na descrição”.
E, de harmonia com o disposto no art.º 28.º-C, sob a epígrafe “Erro de medição”:
“1 - Quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, no limite das percentagens previstas no artigo 28.º-A, e não tenha havido recurso à faculdade prevista no artigo anterior, a actualização da descrição pode ser efectuada se o proprietário inscrito esclarecer que a divergência provém de simples erro de medição.
2 - Quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, em percentagens superiores às previstas no artigo 28.º-A, a actualização da descrição é feita nos seguintes termos:
a) Na matriz cadastral, o erro de medição é comprovado com base na informação da inscrição matricial donde conste a rectificação da área e em declaração que confirme que a configuração geométrica do prédio não sofreu alteração;
b) Na matriz não cadastral, o erro a que se refere a alínea anterior é comprovado pela apresentação dos seguintes documentos:
i) Planta do prédio elaborada por técnico habilitado e declaração do titular de que não ocorreu alteração na configuração do prédio; ou ii) Planta do prédio e declaração dos confinantes de que não ocorreu alteração na configuração do prédio.
3 - A assinatura de qualquer proprietário confinante pode ser suprida pela sua notificação judicial, desde que não seja deduzida oposição no prazo de 15 dias.
4 - A oposição referida no número anterior é anotada à descrição”.
In casu” se considerarmos a questão do ponto de vista de dispensa de harmonização, a diferença de área pretendida pelo apelante, tendo em consideração de que o concelho de D… tem Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica (CGP), é de 792 m2, o que é muito superior a 5% admitida por lei (que se situaria nos 264m2), cfr. al. b) do art.º 28.º-A do C.R.Predial, ou seja, não se verificam os pressupostos legais para a dispensa de harmonização.
Atenta essas mesmas percentagens e ainda que a área que consta da matriz é exactamente igual à que consta da descrição predial, também afastada está a hipótese de actualização da descrição, com recurso ao preceituado na al. b) do n.º1 do art.º 28.º-C do C.R.Predial, ou seja, não é situação de actualização da descrição predial e declaração de conformidade à matriz.
Finalmente se considerarmos a hipótese de erro de medição, que é, em suma, uma simplificação significativa do processo de harmonização das descrições prediais com a matriz e os títulos, de modo a facilitar a conciliação dos elementos identificativos dos prédios assim evitando que muitos actos de registo sejam inviabilizados ou excessivamente prolongados. Porque “in casu” considerando que o caso em apreço é de uma matriz cadastral, logo e segundo o preceituado na al.a) do n.º 2 do art.º 28.º-C do C.R.Predial, o erro de medição é comprovado com base na informação da inscrição matricial donde conste a rectificação da área e em declaração que confirme que a configuração geométrica do prédio não sofreu alteração. Desde logo, inexiste qualquer informação da inscrição matricial donde conste a rectificação da área do prédio do apelante, ou seja, não se mostra que a matriz tenha sido rectificada e, aliás, como bem aponta a Sr.ª Consevadora no seu despacho de sustentação, temos um parecer técnico de 23.12.2019 do perito do Instituto Geográfico Português, desfavorável ao deferimento de do pedido de rectificação da área na matriz.
Destarte, também não é caso de erro de medição.
Finalmente, sempre se dirá que cremos que a alegada inexactidão da área do imóvel constante do registo, no dizer do apelante, resulta não só de não ter sido efectuada a necessária alteração/rectificação da área do mesmo constante da respectiva matriz mas, fundamentalmente de erro material quanto a essa mesma área inserta no título que lhes serviu de base, ou seja, da própria escritura pública de divisão de coisa comum e consequente adjudicação, onde na verdade consta que o prédio que foi adjudicado ao ora apelante tem a área de 5.280 m2 e, não outra. Logo, provavelmente, no caso, deveria proceder-se, antes de mais, à rectificação da escritura de divisão de coisa comum e consequente adjudicação, pois que é este título, no dizer do apelante, a raiz das subsequentes desconformidades materiais, matriciais e registrais no que concerne à área do imóvel.
Assim sendo, manifesto é de concluir que inexiste fundamento legal para o deferimento da peticionada rectificação do registo em apreço nos autos. Pelo que se confirma a decisão recorrida.
Improcedem as respectivas conclusões do apelante.
Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 2021.02.23
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues