Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
502/07.8TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043804
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RP20100413502/07.8TVPRT.P1
Data do Acordão: 04/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 365 - FLS. 125.
Área Temática: .
Sumário: I- A obrigação decorrente da decisão condenatória é, para a apelante, aquela de proceder à eliminação das infiltrações de humidade existentes no piso -1 (sala de actividades) verificadas na janela (em baixo), na porta (em cima) e na junta da parede com a janela (em cima), e infiltrações no piso O (sala polivalente) verificadas nas janelas, porta e chão e na junta da parede com a janela e que sejam decorrentes dos trabalhos executados por ela.
II- Temos, pois, que a sentença recorrida concretizou perfeitamente os locais em que a recorrente ficou adstrita à realização de obras de reparação para proceder à eliminação de infiltrações de humidade.
III- Contudo, ao acrescentar a fórmula “que sejam decorrentes dos trabalhos executados por aquela” está implicitamente a restringir o âmbito de tal obrigação às infiltrações cuja origem consista nos trabalhos executados pela Autora.
IV- Admitindo a existência de outras, porventura verificadas nos mesmos locais identificados, com origem diversa.
V- A definição do âmbito da obrigação da recorrente depende, assim, da verificação de um nexo de causalidade entre os trabalhos executados e as concretas infiltrações que não consta da sentença recorrida.
VI- Os termos em que foi aí proferida tal condenação da recorrente são insuficientes para determinar o conjunto de deveres de prestação a cargo da apelante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º - 502/07.8TVPRT.P1 – Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…………, Lda. com sede na Rua ………, nº …./…, Armazém Leça do Balio apresentou requerimento de injunção contra C………….. CRL com sede na Rua …….., …/…., Porto, reclamando o pagamento da quantia de € 24.715,66 acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal sobre o montante de cada uma das facturas, crédito procedente do fornecimento e montou nas instalações da requerida de uma escada de emergência em duas fases, pelos preços de € 2.464,80 e € 5.751,20, e de obra de acrescento de dois pisos com fachada e janelas de alumínio pelo preço de € 15.584,00, sendo que, de todos os referidos valores, a requerida apenas lhe pagou o montante de € 3.800,00 correspondente ao IVA das facturas n.°s 687, 756 e 757.
A requerida deduziu oposição, dizendo, em síntese, que acordou com a Autora um plano de pagamento do remanescente do preço, o qual só seria pago quando a requerida recebesse um fundo público, o que ainda não ocorreu por culpa da requerente, uma vez que ainda não lhe forneceu o plano de estabilidade da obra. Mais refere que a obra foi executada com defeitos e, em reconvenção, vem pedir a condenação da autora no pagamento de “sanção pecuniária compulsória a computar por cada dia de atraso verificado, contado desde a data em que a Reconvinda se encontra constituída em mora até ao efectivo cumprimento das obrigações convencionais e legais a que se encontra adstrita, em montante que se deixa ao alto e prudente critério de V.Exa””.
A autora respondeu, dizendo que, efectivamente, assinou o acordo referido pela Ré, porque esta afirmava que o recebimento do subsídio ocorreria no prazo de 15 dias a três semanas, tendo sido apenas nessa condição que acedeu assinar o mesmo, e excepcionando a caducidade do pedido reconvencional. Conclui como no requerimento inicial.
No despacho foi o processo julgado isento de nulidades e de excepções que obstem ao conhecimento de mérito, prosseguindo com a selecção da matéria assente e organização da base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento. foi, a final foi proferida sentença, julgando procedente a presente acção e consequentemente condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), logo que esteja verificada a condição suspensiva de que ficou dependente tal pagamento, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar dessa data; e julgando parcialmente procedente a reconvenção, condenando a Autora reconvinda a proceder à eliminação das infiltrações de humidade existentes nos pontos referidos em 8.º) e 9.º) da matéria de facto provada e que sejam decorrentes dos trabalhos executados por aquela.
Mais condenou a Autora reconvinda no pagamento da sanção pecuniária compulsória no montante de € 30,00 por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação (artigo 829.º-A do C. Civil) a contar do trânsito em julgado da presente sentença..
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Inconformada com o decidido, interpõe a Autora recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1. Não obstante a autora ter assentido na existência da condição suspensiva relativamente ao pagamento da 2a prestação do montante total do preço acordado - o percebimento por parte da recorrida do fundo público - alegou (factos 14º e 15º da Base Instrutória) apenas ter aceitado tal condição no pressuposto de que o recebimento daquele quantitativo ocorreria num curto espaço de tempo, sempre inferior a 15 dias.
2. Não logrou a recorrente a prova dos factos contidos nos quesitos 14 e 15 da base instrutória.
3. Tivesse sido feita prova dos factos 14 e 15, e certamente não se entraria sequer na tarefa de apurar se a condição suspensiva já se havia verificado ou não.
4. A necessidade de provar tal verificação só sucede porque não foi possível demonstrar o alegado em 14 e 15; o que nos confronta com a necessidade, subsidiária, de alegar e provar a verificação da condição suspensiva,
5. Porque essa necessidade só após a prolação de sentença - na 1.a instância - se objectivou, foi entretanto possível obter documento comprovativo de que a tal condição suspensiva acordada se acha verificada.
6. A condição suspensiva acordada está verificada desde 6-1-2006, data em que a recorrida recebeu a última tranche do pagamento do apoio financeiro que lhe concedido. Aliás, dentro dos tais 15 dias que a recorrente alegou! CFR. Documentos n° 1 e 2.
7. Os documentos ora juntos demonstram que efectivamente, o pagamento do apoio financeiro ocorreu nos 15 dias subsequentes à assinatura do acordo de liquidação de divida e plano de pagamento.
8. A obrigação que impendia sobre a recorrida estava já vencida aquando da propositura da acção.
9. Estes documentos, comprovam ainda, a manifesta má fé com que a Ré recorrida litigou neste processo, negando implicitamente ter recebido os fundos ao afirmar que o recebimento dos mesmos estaria dependente de documento a emitir pela recorrente, quando sabia já estar na posse de todo o dinheiro, (quesito n2 ó).
10. Os documentos ora juntos, implicam por si só, isoladamente, a modificação dos factos dados como assentes, designadamente, implicam que se dê como provado que a condição suspensiva acordada entre as partes e da qual ficou dependente o pagamento se acha verificada.
11. Assim, da conjugação do disposto nos artigos 706º e 524º nº 1 e 2 do Código do Processo Civil, resulta a possibilidade da recorrente juntar, com as presentes alegações, os documentos a que acima se faz referência, já que, tal junção, apenas se torna necessária devido ao julgamento proferido na 1.a instância.
12. Impõe-se a alteração da factualidade dada como provada, considerando-se outrossim que a verificação do evento condicionante já ocorreu, aliás, em momento anterior ao da propositura da acção, pelo que a obrigação de pagamento estava já vencida.
13. Ao considerar não verificada a condição suspensiva, mas entendendo inexistir litigio acerca da existência da obrigação, o Mmo Juiz a quo cuidou serem da responsabilidade da recorrente as custas da acção e os honorários do mandatário da recorrida.
14. Constatando-se que não só a obrigação existia como a condição suspensiva do vencimento da mesma se achava verificada desde 6-1-2006, forçoso é concluir que, não podem manter-se os termos daquela condenação,
15. A obrigação era exigível no momento em que foi proposta a acção não podendo por isso aplicar-se o disposto no artigo 662 n.º 3 do Código do Processo Civil, devendo as custas da acção ficar a cargo da recorrida que à mesma deu causa.
16. Foi a recorrente condenada a realizar as obras necessárias à eliminação das infiltrações de humidade referidas nos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada e que sejam decorrentes dos trabalhos executados por aquela, e ainda no pagamento da sanção pecuniária compulsória de €30,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.
17. Tal sanção pecuniária, segundo a douta sentença posta em crise, aplicar-se-á ao atraso contado a partir do trânsito em julgado da sentença.
18. Não estando definidas quais são as infiltrações decorrentes dos serviços prestados pela recorrente, não poderá esta iniciar os trabalhos em que foi condenada, pelo menos até que a obrigação se torne certa/líquida, o que manifestamente se não verifica ainda.
19. Enquanto a recorrente desconhecer que trabalhos tem que realizar, que infiltrações terá de eliminar, a obrigação não está vencida não podendo ser-lhe exigido o respectivo cumprimento e por maioria de razão não lhe pode ser aplicada qualquer sanção pecuniária compulsória.
20. Deve pois a sentença ser revogada nessa parte, devendo a condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória ocorrer apenas após o vencimento da obrigação, isto é, logo que sejam determinadas as infiltrações que incumbe à recorrente corrigir, pois que, por ora, a obrigação é incerta.
21. Sendo a obrigação incerta o prazo para o respectivo cumprimento nunca poderá contar-se do trânsito em julgado, antes, do momento em que a mesma obrigação se torne certa, também daí principiando a aplicação da sanção pecuniária compulsória.
22. Foram assim erradamente interpretados e aplicados as disposições legais previstas nos artigos 1218º e sgts, e 829º-A do CPC.
23. A aplicação das disposições conjugadas dos artigos 706º e 524º nº 2 do CPC impõem a revogação da decisão recorrida e a prolação de uma outra que condene a recorrida no pagamento, considerando que a condição já se verificou e condene ainda a recorrida nas custas da acção,
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A recorrida contra-alegou, sustentando a confirmação do decidido, suscitando, ainda, as questões prévias de o recurso não deve ser admitido, por ausência de sucumbência que o legitime, não obstante o valor da causa, em abstracto, admitir a interposição de recurso; de o requerimento de interposição surgir desacompanhado da respectiva alegação, em infracção do disposto na b) do n° 2 do art. 685-C do Código de Processo Civil; e de ser inadmissível a junção dos dois documentos que a Apelante pretende efectuar com a alegação de recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações (e das contra-alegações, quanto às questões prévias), conforme o estabelecido nos arts. 660°, n.°2, 684°, n.° 3 e 690°, n.° 1, todos do C. P. Civil , salvo quanto a questões do conhecimento oficioso, no presente recurso importa solucionar, além das enunciadas questões prévias, suscitadas pela recorrida, as questões da alteração da matéria de facto, por forma a considerar provado que a condição suspensiva acordada estava verificada desde 6-1-2006, e consequente revogação do decidido quanto a responsabilidade da recorrente pelas custas da acção e pelos honorários do mandatário da recorrida; finalmente, a questão da incerteza da obrigação de realizar as obras necessárias à eliminação das infiltrações de humidade e consequente aplicabilidade desde o trânsito em julgado, da sanção pecuniária compulsória imposta à recorrente.
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É a seguinte a matéria de facto declarada provada pela 1.a instância:
1º)- Autora e Ré acordaram um plano de pagamento nos termos constantes de fls. 14 e 15 cujo teor se dá por reproduzido;
2º)- A Ré pagou à Autora o montante de € 3.800,00;correspondente ao IVA das facturas n.°s 687, 756 e 757;
3º)- Por despacho de 2006/06/22 do Sr. Vereador com o Pelouro do Urbanismo foi aprovado o projecto de arquitectura apresentado pela Ré nos termos constantes do documento de fls. 17 cujo teor se dá por reproduzido;
4º)- A Ré remeteu à Autora as cartas juntas a fls. 18 e 20 cujo teor se dá por reproduzido;
5º)- A Ré remeteu à Autora a carta junta a fls. 24/25 cujo teor se dá por reproduzido;
6º)- A pedido da Ré e no âmbito da sua actividade, a Autora forneceu e montou nas instalações daquela uma escada de emergência em duas fases pelos preços de € 2.464,80 e € 5.751,20, enviando àquela as facturas n.°s 687 e 756 respectivamente em 11/05/2004 e 21/09/2004;
7º)- E efectuou o acrescento de dois pisos com fachada e janelas de alumínio pelo preço de € 15.584,00 enviando-lhe a respectiva factura n.° 757 em 21/09/2004;
8º)- No piso -1 (sala de actividades) verificam-se infiltrações de humidade na janela (em baixo), na porta (em cima) e na junta da parede com a janela (em cima);
9º)- No piso 0 (sala polivalente) verificam-se infiltrações nas janelas, porta e chão e na junta da parede com a janela.
10º)- Os trabalhos da Autora terminaram em Setembro de 2004;
11º)- A Ré não acordou com a Autora a emissão de qualquer projecto de especialidade.
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A recorrida, nas suas contra-alegações, sustenta que o presente recurso não é legalmente admissível por a decisão impugnada não ser desfavorável à recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
Com efeito, o nº 1 do art. 678º do CPC consagra a regra, em matéria de recursos ordinários, de que estes só são admissíveis quando se verifiquem dois requisitos cumulativos: o valor da causa, que terá de ser superior à alçada do tribunal de que se recorre, e o valor da sucumbência, devendo a decisão impugnada ser “desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal; “porém, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atende “somente ao valor da causa”, conforme dispõe a parte final do mesmo preceito.
Ora, no caso vertente, foi pela A., ora apelante, deduzido pedido inicial no valor de € 24.715,66 (€ 20.000 de capital e o restante correspondendo a juros moratórios); tendo a Ré, sem formular qualquer pedido concreto e, menos ainda, sem quantificar o respectivo valor, concluído “no que à matéria de reconvenção diz respeito, vem a Requerida/Reconvinte pedir que V. Exa. se digne a condenar a Requerente/Reconvinda ao pagamento de sanção pecuniária compulsória a computar por cada dia de atraso verificado, contado desde a data em que a Reconvinda se encontra constituída em mora até ao efectivo cumprimento das obrigações convencionais e legais a que se encontra adstrita, em montante que se deixa ao alto e prudente critério de V. Exa”. A decisão recorrida julgou a procedente a acção, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), logo que esteja verificada a condição suspensiva de que ficou dependente tal pagamento, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar dessa data; e julgou parcialmente procedente a reconvenção, condenando a Autora reconvinda a proceder à eliminação das infiltrações de humidade existentes nos pontos referidos em 8º) e 9º) da matéria de facto provada e que sejam decorrentes dos trabalhos executados por aquela. Condenou ainda a Autora reconvinda no pagamento da sanção pecuniária compulsória no montante de € 30,00 por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação e no pagamento dos honorários do mandatário da Ré. Do que decorre que, relativamente àquela que era a pretensão inicial da A., constante do requerimento de injunção, aquela decaiu pela totalidade dos juros peticionados, tendo ainda que suportar o montante, ainda desconhecido, dos honorários do mandatário da Ré. À data da propositura da acção, o valor da alçada dos tribunais de comarca era de 3740,98 euros, nos termos do n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção conferida pelo artigo 3.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, sendo este o valor atendível para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 678.º citado. Não é aplicável aos presentes autos o artigo 5.º do Decreto-Lei nº 303/2007 de 24-08-2007, que alterou a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, porquanto nos termos do art.º 11º do Dec-Lei 303/2007, as disposições do novo diploma não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor. Assim sendo, o valor da sucumbência a atender, correspondente à metade do valor da alçada da primeira instância, é de 1870,49 euros. Valor esse que é excedido pelo correspondente aos juros moratórios que a decisão recorrida não reconheceu. Acresce que, de acordo com o aí decidido, terá ainda a A., ora recorrente, que suportar o custo dos honorários do mandatário da recorrida e o custo dos trabalhos necessários à eliminação das aludidas infiltrações de humidade, em valores que não são ainda conhecidos e que poderão exceder a quantia de 1870,49 euros.
Do que decorre que o valor da sucumbência já liquidado permite, por si só, a interposição de recurso. Ainda que assim não fosse, dever-se-ia fazer uso da excepção prevista na parte final do nº 1 do citado art. 678º, atendendo somente ao valor da causa.
Improcede, pelo exposto, tal questão prévia.
A exigência legal de o requerimento de interposição de recurso vir acompanhado a alegação do Recorrente decorre da actual redacção do n° 2 do art. 684°-B do Código de Processo Civil, introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007. Ora, nos termos do art.º 11.º desse diploma, as suas disposições não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que foi a de 01/01/2008. De onde que só os recursos das decisões proferidas em processos instaurados em data posterior seguem o regime de recursos introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, valendo, quanto aos presentes autos, o que vigorava antes das alterações introduzidas pelo aludido diploma.
Improcede também tal questão prévia.
A questão fulcral da presente apelação respeita à junção dos documentos efectuada pela apelante com as suas alegações de recurso. Tais documentos prendem-se com o recebimento pela recorrida de um fundo público de que dependia o vencimento da segunda prestação a cargo da Ré, no montante de € 20.000,00.
Será permitido à recorrente, nesta fase processual, a junção dos documentos em apreço?
A regra é a de que os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos correspondentes - art. 523º nº 1 do CPC. Não sendo apresentado nesse momento, pode ainda parte que deles pretende fazer uso apresentá-los até ao encerramento da discussão em primeira instância, sob cominação de multa, caso não faça prova de que não pôde apresentá-los no momento devido (nº 2 do art. 523º). “Depois do encerramento da discussão em primeira instância só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” - (art. 524º nº 1). E à junção de documentos para instruir recurso de apelação refere-se o art. 706º do CPC, nos seguintes termos:
1. As partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere ao art. 524º, ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
2. Os documentos supervenientes podem se juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, professores ou técnicos.
3. É aplicável à junção de documentos e pareceres, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 542º e 543º, cumprindo ao relator autorizar ou recusar a junção.
A primeira situação vertida no nº 1 reporta-se aos casos excepcionais configurados no art. 524º, e que são dois: o nº 1 refere-se aos documentos que se destinam a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa; o nº 2, aos documentos que se destinam a fazer prova de factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
O caso vertente enquadra-se claramente naquele primeira previsão, uma vez que com a junção requerida pretende a apelante fazer prova de fundamentos da acção, relacionados com o vencimento da obrigação reclamada, que, por escassez de meios probatórios, não logrou alcançar na 1ª instância. Esta junção só será admissível, contudo, se fizer prova de que lhes fora impossível proceder a tal junção até ao encerramento da discussão em primeira instância. Em abstracto, tal impossibilidade pode ocorrer numa de três situações:
a) o documento ainda não se tinha formado à data do encerramento da discussão em primeira instância (impossibilidade objectiva), estando o apresentante impedido de diligenciar no sentido da sua produção;
b) o documento já existia naquele momento, mas a parte desconhecia a sua existência (impossibilidade subjectiva), estando o apresentante impedido de, com normal diligência, dele ter conhecimento;
c) o documento já existia naquele momento, tendo a parte conhecimento dessa existência, mas não pôde dispor dele para o juntar até àquele mesmo momento. (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág:11).
Em qualquer dos casos, sempre terá o apresentante de fazer prova dessa impossibilidade, dela dependendo a admissibilidade da junção com as alegações de recurso.
Quanto à junção de documentos com as alegações de um recurso a que se refere a parte final do artigo 706.º do CPC – “no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância” - ela “só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão da 1ª instância e não abrange a hipótese de a parte pretender juntar a alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância, com o fundamento de que fora surpreendida com o desfecho da acção que perdera, quando contava ganhar” (cfr. Ac. desta Relação de 31-10-2000, JTRP00030297, acessível através de www.dgsi.pt). Estando aqui em crise o vencimento da obrigação reclamada, que à recorrente incumbia demonstrar, questão que foi amplamente debatida na 1.a instância, exorbita manifestamente da previsão da parte final do art.º 706.º do CPC.
No caso vertente, a apelante alegou apenas, para justificar tal impossibilidade de junção dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, que “foi entretanto possível obter documento comprovativo de que a tal condição suspensiva acordada se acha verificada”. Nada diz sobre se os documentos inexistiam ou estava impedida de diligenciar no sentido da sua obtenção, ou se só em momento posterior a sua existência lhe chegou ao conhecimento. Tão pouco ofereceu prova de qualquer circunstancialismo justificativo da junção em sede de alegações de recurso, cujo ónus lhe incumbia. Mercê de tal omissão, está este Tribunal impedido de averiguar da veracidade dos motivos invocados, que aliás não vêm suficientemente concretizados e foram postos em causa pela recorrida. Julgou-se no Ac. desta Relação de 17-03-2005, JTRP00037837 (Rel. Des. Ataíde das Neves), acessível através de www.dgsi.pt, que “para os efeitos dos art. 706º e 543º do CPC, a prova da impossibilidade de junção de documentos até ao encerramento da discussão em primeira instância, quando impugnados pela parte recorrida os factos justificadores, constitui incidente a processar nos termos dos art. 302º a 304º, e 377º n.2, todos do CPC”. Incumbindo, por isso, ao recorrente, nos termos do art. 303º do CPC oferecer os meios de prova pertinentes, designadamente a prova testemunhal que os factos em causa não dispensariam, para que, por paridade de tratamento com a situação vertida no art. 377º nº 2 do CPC, fosse ordenada a baixada do processo à 1ª instância, para aí ser julgado o incidente.
Não tendo a recorrente oferecido quaisquer meios de prova, limitando-se a alegar os factos, ficou prejudicada a demonstração da impossibilidade de junção dos documentos até ao encerramento da discussão em primeira instância, assumindo este momento natureza preclusiva da possibilidade de junção desses documentos em recurso, impõe-se a rejeição dos documentos em apreço nos termos do art. 543º do CPC, ex vi do art. 706º do mesmo diploma, ficando, em consequência, prejudicada a apelação na parte respeitante à alteração da matéria de facto e modificação do decidido quanto ao vencimento da obrigação e exigibilidade de juros, e, bem assim, a responsabilidade pelas custas da acção e honorários do mandatário da Ré.
Sustenta ainda a recorrente não haver lugar à sanção pecuniária compulsória em que foi condenada, porquanto a prestação de facto a cujo cumprimento tal sanção visa compelir, “de realizar as obras necessárias à eliminação das infiltrações de humidade referidas nos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada e que sejam decorrentes dos trabalhos executados por aquela” (sublinhado transcrito), não é líquida e certa, visto não estarem definidas quais são as infiltrações decorrentes dos serviços prestados pela recorrente. Pelo que, enquanto a recorrente desconhecer que trabalhos tem que realizar, que infiltrações terá de eliminar, a obrigação não está vencida, não podendo ser-lhe exigido o respectivo cumprimento, bem como ser-lhe aplicada qualquer sanção pecuniária. Vejamos.
O que torna exigível a obrigação é o facto do vencimento. Obrigação exigível é a que está vencida, podendo o credor pedir o cumprimento; se o devedor se recusa a cumprir, pode promover a execução para obter o equivalente do cumprimento voluntário: a satisfação coactiva.
Obrigação ilíquida é aquela cujo conteúdo tem carácter genérico, ou melhor, não está ainda fixado ou determinado. A indeterminação tanto pode dizer respeito ao quantitativo, como no caso da obrigação de dinheiro, como à natureza e espécie da prestação: é o caso da prestação de facto, quando não se sabe, com precisão e especificadamente, qual o facto que há-de ser prestado (cfr. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol, I, 3ª ed., p. 443 e ss.).
No caso vertente, a obrigação decorrente da decisão condenatória é, para a apelante, aquela de proceder à eliminação das infiltrações de humidade existentes nos pontos referidos em 8º) e 9º) da matéria de facto provada e que sejam decorrentes dos trabalhos executados por ela. Os itens 8º) e 9º) da matéria de facto referem-se a infiltrações de humidade no piso -1 (sala de actividades) verificadas na janela (em baixo), na porta (em cima) e na junta da parede com a janela (em cima), e infiltrações no piso 0 (sala polivalente) verificadas nas janelas, porta e chão e na junta da parede com a janela. Temos, pois, que a sentença recorrida concretizou perfeitamente os locais em que a recorrente ficou adstrita à realização de obras de reparação para proceder à eliminação de infiltrações de humidade. Contudo, ao acrescentar a fórmula “que sejam decorrentes dos trabalhos executados por aquela” está implicitamente a restringir o âmbito de tal obrigação às infiltrações cuja origem consista nos trabalhos executados pela Autora. Admitindo a existência de outras, porventura verificadas nos mesmos locais identificados nos pontos 8.º e 9.º, com origem diversa. E só as primeiras está a recorrente obrigada a reparar.
A definição do âmbito da obrigação da recorrente depende, assim, da verificação de um nexo de causalidade entre os trabalhos executados e as concretas infiltrações que não consta da sentença recorrida. Os termos em que foi aí proferida tal condenação da recorrente são insuficientes para determinar o conjunto de deveres de prestação a cargo da apelante.
Nesta conformidade, trata-se, com efeito, de obrigação ilíquida, de conteúdo incerto, devendo ser objecto de prévia liquidação para que o respectivo cumprimento seja exigível à recorrente. Como tal, não pode dar lugar a qualquer sanção pecuniária compulsória, senão após a respectiva liquidação, e não a partir do trânsito em julgado, como em 1.a instância se julgou.
Procedem, assim, as conclusões 16.a a 22.a, impondo-se, nessa parte, a modificação do decidido.

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que a Autora reconvinda no pagamento da sanção pecuniária compulsória no montante de € 30,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação aí imposta a contar do trânsito em julgado da sentença. No mais, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante e pela apelada na proporção, respectivamente de 9/10 e de 1/10.

Porto, 2010/04/13
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira