Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | PROCESSO DE INVENTÁRIO REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP20241010538/22.9T8ESP-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O novo modelo do processo de inventário continua a prever a remessa das partes para os meios comuns quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão prejudicial não seja compatível com a sua apreciação incidental, nomeadamente porque as limitações decorrentes do disposto nos artigos 292º a 295º do CPC (aplicáveis ex vi do art.º 1091º) afectariam as garantias das partes. II - A remessa dos interessados para os meios comuns só tem justificação quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. III - Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efectiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 538/22.9T8ESP-C.P1 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica de Espinho Relator: Carlos Portela Adjuntos: Isabel Rebelo Ferreira Ana Vieira Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório: No âmbito do processo de Inventário (Competência Facultativa) aberto por óbito de AA e no qual é requerente BB e cabeça de casal CC, foi a dado momento proferido o seguinte despacho que aqui se dá por integralmente reproduzido: “Referência 15731798 Visto. Uma vez que as partes não lograram o almejado acordo, determino o prosseguimento dos autos. Notifique. *** Nos presentes autos de inventário para partilha de bens deixados por óbito de AA, ocorrido no dia 3 de maio de 2022, veio a interessada BB reclamar contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal CC, alegando, (além do mais que foi alvo de acordo conforme resulta da audiência prévia realizada nos autos), o cabeça de casal não relacionou as benfeitorias, (consistentes na construção de raiz de uma habitação de casa de rés do chão, com cerca de 120 m2, composta por cozinha ampla com sala de jantar, 1 sala, 2 quartos, 1 quarto de banho, 1 dispensa e 1 arrumo, com instalação de gás, eletricidade, agua e caixilharia em alumínio), realizadas pela reclamante e pelo seu marido, no prédio urbano relacionado na verba n.º 4 e que constituem a casa ... descrita na caderneta predial já junta aos autos.Com efeito, concretizou que a reclamante e o seu marido, com o conhecimento e consentimento da inventariada e do cabeça de casal, construíram no prédio relacionado sob a verba n.º 4, aquela que veio a ser a única habitação que desde sempre possuíram e onde ainda hoje residem. Por fim, alegou que tais benfeitorias integram o prédio e não podem ser retiradas nem levantadas sem destruição. Juntou prova documental, arrolou testemunhas e requereu a avaliação ao imóvel/benfeitorias. Notificado o cabeça de casal veio este apresentar a sua resposta a fls. 95 e ss, e que aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos. Para tanto, alegou que a factualidade invocada pela reclamante não corresponde à realidade, dado que a habitação em causa – casa n.º ... descrita na caderneta predial já junta aos autos – foi construída por si, cabeça de casal e esposa, a expensas suas, há muitos anos atrás. Na verdade, segundo referiu, quando a Interessada/Reclamante engravidou, os pais, ora de cujus e cabeça de casal, estavam, à data, a construir os anexos (só faltavam as janelas), e como tinham vergonha da situação da gravidez daquela, cederam-lhe o anexo. Enquanto a Interessada/Reclamante ficou a viver no anexo, o Cabeça de Casal e a Inventariada, e os demais filhos, passaram a viver na garagem da casa (a mãe e o pai numa cama, a Reclamante e a outra irmã numa cama e o irmão num colchão no chão, onde havia cimento, areia, tudo para a construção da casa grande). Deste modo, tendo a casa pequena (a n.º 2) sido construída primeiro que a casa grande, certo é que, todos os custos da construção daquela casa foram suportados pelo aqui Cabeça de Casal, sendo que, a Reclamante apenas colocou as janelas. No mais, impugnou todos os documentos juntos pela Reclamante/Interessada, quanto ao sentido, alcance e conclusões que a mesma daqueles pretende fazer extrair, dado que as facturas/guias de remessa/recibos, em causa, além de se mostrarem muitas delas repetidas, outras sem qualquer identificação, e outras ainda, em nome de terceiros que em nada se relacionam com os autos, não comprovam qualquer pagamento realizado pela Reclamante e/ou marido. Até porque, ainda que, o marido da Reclamante se apressasse a ir buscar alguns materiais aplicados na casa, era o Cabeça de Casal que lhe entregava o dinheiro para custear aqueles bens. De resto, a habitação em causa encontra-se em muito mau estado de conservação, pois que, não obstante a Interessada/Reclamante habitar a mesma, por anuência de seus pais, nunca zelou pela sua conservação ao longo dos mais de 30 anos que lá reside. Por fim, referiu, ainda, que se venha a considerar que a Reclamante e marido, possam ter feito algumas obras na casa, sempre as mesmas se destinaram tão só à melhoria das suas condições de habitabilidade, e, como tal, sempre fazem parte integrante da habitação, e não são de todo indemnizáveis até porque, nunca a Interessada/Reclamante pagou qualquer contrapartida pela utilização daquele espaço, em detrimento dos pais e dos irmãos, mesmo após a devida interpelação pelos seus pais, nomeadamente, da Inventariada, sendo que, se alguém está enriquecido à custa do património da Inventariada é a Reclamante, e não qualquer outro. Requereu depoimento/declarações de parte de todos os interessados, e indicou prova testemunhal. Cumpre apreciar e decidir, sendo que, atento o acordo alcançado pelos interessados na audiência prévia, (cfr. ata de 24.01.2024), quanto às demais questões suscitadas na reclamação apresentada contra a relação de bens, a única questão que cumpre apreciar prende-se com as alegadas benfeitorias. Ora, desde já se adianta que a complexidade da matéria de facto controvertida, quer as diligências de prova a produzir não se compadecem com a natureza incidental da reclamação deduzida, maxime, com a natureza especialmente célere da sua tramitação, nem os interesses em causa ficarão suficientemente acautelados com uma apreciação sumária das provas a produzir. Com efeito, nos termos do disposto pelo artigo 1093.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, redacção aplicável, “se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos directos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão de tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns”. Na verdade, o “n.º 1 admite que o juiz se possa abster de decidir incidentalmente a questão litigiosa e remeter as partes para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente, na ótica das garantias de que as partes beneficiam no processo declarativo comum, a sua apreciação e decisão no processo de inventário, atendendo à tramitação simplificada e às limitações probatórias, (que quase só não existem para a prova documental) que caracterizam as decisões tomadas ao abrigo do disposto nos artigos 1105.º, n.º3, e 1110.º, n.º1, alínea a). (…) O artigo não atribui ao juiz um poder discricionário, nem quanto à remessa dos interessados para os meios comuns (n.º1) nem quanto à suspensão da instância (n.º2). O artigo recorre a vários conceitos indeterminados (“complexidade da matéria de facto”, inconveniência da apreciação da matéria de facto, de “forma significativa”, “utilidade prática da partilha”), mas não concede ao juiz, perante a verificação de qualquer das condições enunciadas no artigo, o poder de não remeter os interessados para os meios comuns ou de não suspender a instância. Assim, por exemplo, se o juiz entender que a matéria de facto a apreciar é complexa e, por isso, não é conveniente a sua apreciação no processo de inventário, o juiz não pode deixar de remeter os interessados para os meios comuns. Quer dizer: juízos de conveniência ou de oportunidade não se sobrepõem à necessidade de remeter os interessados para os meios comuns ou de suspender a instância.”, (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in O novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, páginas 50 e 51). Descendo ao nosso caso, verifica-se, que a reclamante vem requerer que se relacione as benfeitorias que, alegadamente, levou a cabo, a expensas suas e do seu marido, no imóvel relacionado nos autos. A tal, opõe-se o cabeça de casal, alegando que (1) quem levou a cabo tais benfeitorias foi o próprio e não a interessada reclamante, (2) a ter levado a cabo alguma benfeitoria, apenas o fez para a sua melhor habitabilidade; (3) e mesmo que assim não se entenda, invoca que a interessada reclamante nunca pagou qualquer valor por viver numa casa pertença da inventariada, motivo pelo qual, se alguém está enriquecido à custa do património da Inventariada é a Reclamante, e não qualquer outro. Ora, a questão, nos presentes autos, passa não só, pelo apuramento de quem levou a cabo as benfeitorias no imóvel identificado na relação de bens, mais concretamente na casa ... do imóvel relacionado nos autos, o valor das mesmas, mas também, a provar-se que foi a interessada reclamante, se opera alguma excepção (nomeadamente abuso de direito) em vir agora reclamar o seu valor. Tal decisão suscita a necessidade de uma larga, aturada e complexa indagação, que se não compadeça com a natureza necessariamente sumária do incidente no inventário. Desde logo porquanto a exposição da matéria de facto quanto à referida reclamação e respectiva resposta necessitaria de ser mais elaborada, mais desenvolvida e mais completa em relação àquela que os interessados apresentaram. Por outro lado, as reclamações num inventário, seguem a tramitação dos incidentes nos termos dos artigos, 292 e ss do CPC, por força do artigo 1091.º do mesmo diploma legal, o que é, manifestamente, menos garantístico dos direitos das partes, traduzido pela limitação do número de articulados e meios de prova admissíveis. E sendo o problema do apuramento e prova dos factos que integram a autoria de despesas que permitiam a edificação de uma “casa ...”, parece-nos, com todo o respeito por diversa opinião, incompatível com uma indagação sumária, pois que aquelas questões exigem uma instrução mais larga, devendo ser remetidas para os meios comuns. E desta prática nenhum prejuízo vai causar-se aos interessados, já que nos meios comuns desfrutarão dos mais amplos meios de prova, sem subordinação a limites estabelecidos para o processo de inventário. Vale aqui o decidido pelo Ac. da RP de 18.11.2004, acessível in www.dgsi.pt, de acordo com o qual “nos incidentes de reclamação contra a relação de bens há questões em que a índole sumária da prova a produzir no processo de inventário não consentirá fazer decidir aqui, como sejam aquelas questões em que a inexistência de documentos que de per si levem a conclusão segura força a ter como facilmente previsível a impossibilidade de as ver decididas no processo de inventário” e “nestes casos o julgador deve abster-se de decidir de meritis o incidente, remetendo a questão para os meios comuns - única forma de não causar despesas às partes, de abreviar o andamento do processo de inventário e de não praticar actos inúteis que a lei processual proíbe”. Neste sentido, chamamos também à colação, o preconizado pelo TRG de 10.07.2023, acessível in www.dgsi.pt, “I- Em sede de inventário, a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões - incidentais - que importem à exacta definição do acervo hereditário a partilhar. II- No entanto, nos termos do art.º 1093º do CPC, se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas no Inventário tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de decidir, e remeter os interessados para os meios comuns. III – Está nessa situação a avaliação de benfeitorias feitas pelo extinto casal em prédio pertencente apenas ao cc, embora apenas despoletada na Conferência de Interessados, antes da abertura das licitações.” Com efeito, tal como o referido acórdãos nos ensina, “ (…) em sede de inventário, a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões que importem à exacta definição do acervo hereditário a partilhar, podendo no entanto, excepcionalmente, em caso de particular complexidade da matéria de facto a apreciar - e para evitar redução das garantias das partes -, usar da possibilidade prevista no preceito legal em referência (Lopes do Rego, “Comentários ao CPC”, 1999, pág. 715, em anotação ao art.º 1350 do código pretérito). E faz sentido que assim seja, que seja destacada na lei a complexidade da matéria de facto a apreciar – e não a matéria jurídica, onde o julgador se sentirá seguramente à vontade -, dado que é a prova da matéria de facto subjacente às questões suscitadas (que as partes têm o ónus de alegar e provar), que pode tornar-se mais difícil para as partes, com as necessárias limitações das provas a produzir no incidente do Inventário, questão também realçada no preceito em análise, de que a inconveniência da apreciação da matéria de facto implique a redução das garantias das partes. Como bem refere Lopes Cardoso (“Partilhas Judiciais”, 4.ª edição, Vol. I, págs. 544 e ss., ainda com pertinência nesta matéria), devem ser remetidas para os meios comuns as questões incidentais que não possam ser decididas em sede de inventário de “forma sumária”, “não no sentido técnico processual”, mas no sentido gramatical, querendo com isso significar-se “…a simplicidade da prova a produzir, a facilidade da decisão a proferir, a singeleza da questão a apreciar, contrapondo-se assim à da questão de larga indagação a que poria termo decisão, fundamentada em provas minuciosas, complicadas e exaustivas.” São assim dois, em suma, os elementos que autorizam a que o juiz remeta os interessados para os meios comuns: que a matéria de facto a apreciar seja complexa; e que essa complexidade torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes, sendo ao magistrado que cabe aferir dessa situação. Nessa matéria preconiza Lopes Cardoso (ob. citada, pág. 538.3) que “ …tudo deve ser examinado e decidido à luz de um são critério, já para não consentir que no inventário se resolvam questões de alta indagação, já para não excluir as que, aí, podem e devem obter solução adequada”, acrescentando que “A lei limitou-se a formular uma regra, um critério de orientação”, cabendo ao “poder judicial fixar-lhe os limites, definir-lhe os contornos e dar consistência ao seu conteúdo maleável”. Será ainda à luz de um “são critério” que o julgador, para aferir da conveniência de remeter os interessados para os meios comuns, abstendo-se portando de decidir, há-de considerar como dispensável, ou não, a prévia produção de qualquer prova, podendo a ela chegar, quer imediatamente após a mera análise do requerimento do incidente, quer apenas no decurso e após a produção de prova. Ou seja, em face da análise da questão decidenda, respectiva natureza e complexidade da respectiva prova, pode desde logo o Juiz formular um juízo sobre a possibilidade de ela poder ser dirimida no processo de inventário e, na negativa, maxime por ela carecer de alta indagação, deve de imediato o julgador remeter os interessados para os meios ordinários, abstendo-se de decidir “… única forma de não causar despesas às partes, de apreciar o andamento do processo de inventário e de não praticar actos inúteis que a lei de processo proíbe” (Lopes Cardoso, ibidem, pág. 540, e Ac. RG, de 6.11.2012, disponível em www.dgsi.pt). Na formulação de tal juízo deverá ter-se em conta, por um lado, o interesse em ficarem definitivamente resolvidas todas as questões respeitantes à partilha, evitando-se incómodos e despesas com o seu protelamento e, por outro, o interesse das partes em não verem as questões apreciadas e decididas de modo precipitado ou indevidamente fundamentada, em consequência da prova, necessariamente sumária, compatível com a natureza do processo de inventário. Daí que, em tal processo, as questões referentes à relação de bens – matéria mais complexa e sensível na partilha de divórcio -, só devam ser objeto de decisão definitiva, quando seja viável a formulação, a seu respeito, de um juízo com elevado grau de certeza. O que não acontece quando a matéria fáctica subjacente a essas questões revela indesmentível complexidade, e o seu apuramento demanda, designadamente, alegação de factos concretos e a subsequente produção de prova. Não temos dúvidas em afirmar de que foi a pensar nas partes e na redução das suas garantias, que a lei, excepcionalmente, previu a remessa das mesmas para os meios comuns, para aí verem debatidas, amplamente, e com recurso a todos os meios de prova legalmente admissíveis, as suas pretensões (Ac. STJ de 13-10-2009 -Revista n.º 1038-B/1993.S1 - 1.ª Secção), ainda que com o sacrifício que essa remessa lhes possa acarretar.” Conclui-se, pois, que a matéria de facto subjacente à questão suscitada é, pois, bastante complexa, sendo certo que a decisão incidental de tal questão no processo de inventário, por implicar redução das garantias das partes - dada a já apontada limitação dos meios de prova e deficiência factual dos articulados apresentados -, revela-se inconveniente. Como assim e sem necessidade de outras considerações, ao abrigo do disposto no artigo 1093.º, n.º1 do Código de Processo Civil, decido remeter os interessados para os meios comuns quanto à questão agora suscitada. Notifique. *** Notifique o Cabeça de Casal para apresentar nova relação de bens, tal como estipulado no ponto III, da ata da audiência prévia realizada a 24 de Janeiro de 2024.”* A requerente BB veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.O cabeça-de-casal contra alegou. Foi proferido despacho no qual o recurso foi considerado tempestivo e legal, sendo admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Enquadramento de facto e de direito:Como é consabido, o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela apelante/requerente nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº 2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC). No caso é o seguinte o teor das conclusões da apelante BB: 1. O despacho recorrido, ao remeter os interessados para os meios comuns para dirimir a questão das benfeitorias realizadas pela aqui interessada em vida da inventariada, por se tratar de um crédito que lhe pertence, constitui uma decisão de saneamento e de determinação dos bens a partilhar, excluindo da partilha o passivo correspondente às benfeitorias com evidente prejuízo para a Recorrente/interessada nos ulteriores termos do inventário, nomeadamente o mapa de partilha e a posição creditória ou debitória dos Interessados, pois na procedência do recurso a Recorrente passará a figurar também como credora da herança. Pelo que deverá ser admitido o presente recurso e ser atribuído efeito suspensivo ao processo nos termos conjugados da alínea b), n.º 2, e n.º 3 do art.º 1123º do CPC. 2. No despacho de datado de 21/02/2024 e notificado via CITIUS a23/02/2024 (Ref 131755667), que decidiu remeter os interessados para os meios comuns quanto à questão das benfeitorias, o Tribunal fez errada interpretação e aplicação do artigo 1093 nº 1 do Código processo Civil, como a seguir se demonstrará. 3. A inventariada fez testamento público que outorgou no dia 4 de Junho de 2019, no Cartório Notarial de DD, onde legou “Lega o usufruto de todos os seus bens, ao referido marido CC” e à sua filha EE, também interessada neste processo, legou “a raiz ou nua propriedade do prédio urbano, sito na Rua ..., na indicada freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...67, casa ... e casa ..., instituindo-a herdeira da quota disponível da sua herança, em virtude de ser ela quem lhe presta e continuará a prestar toda a assistência que necessita.” 4. O acervo da herança é constituído única e exclusivamente pelo imóvel legado à filha EE, para além de bens móveis de pouca expressão cujo usufruto foi deixado ao marido. 5. Foi apresentado em tempo a Relação de Bens, sendo que dela reclamou a interessada ora Recorrente acusando a falta de relacionação de benfeitorias da forma seguinte: “as benfeitorias realizadas pela aqui interessada e pelo seu marido, no prédio urbano relacionado na verba nº4 e que constituem nada mais nada menos que a casa ... descrita na caderneta predial já junta aos autos. Efectivamente a aqui interessada e o seu marido, com o conhecimento e consentimento da inventariada e do cabeça de casal, construíram no prédio relacionado sob a verbanº4 aquela que veio a ser única habitação que desde sempre possuíram e onde ainda hoje residem, conforme documentos que se juntam. Tal benfeitoria, consiste numa construção de raiz de uma habitação de Casa de rés do chão, com cerca de 120 m2, composta por cozinha ampla com sala de jantar, 1 sala, 2 quartos, 1 quarto de banho, 1 dispensa e 1 arrumos. Tem instalação de gaz, eletricidade, água, e caixilharia em alumínio. Tais benfeitorias integram o prédio e não podem ser retiradas nem levantadas sem destruição.” 6. Juntou ainda prova documental, foram arroladas testemunhas e foi ainda requerida a avaliação das benfeitorias. 7. Por seu turno, o cabeça de casal apresentou a sua resposta onde, no que toca à questão das benfeitorias refere que “a habitação em causa –casa n.º ... descrita na caderneta predial já junta aos autos – foi construída pelo aqui Cabeça de Casal, a expensas suas, há muitos, muitos anos atrás”; que os anexos já estavam construídos, só faltavam as janelas; que “todos os custos da construção daquela casa foram suportados pelo aqui Cabeça de Casal, sendo que, a Reclamante apenas colocou as janelas.”, e impugnou os documentos juntos. 8. Invocou ainda que “ainda que se venha a considerar que a Reclamante, e marido, possam ter feito algumas obras na casa, sempre as mesmas se destinaram tão só à melhoria das suas condições de habitabilidade, que as mesmas fazem parte integrante da habitação, e não são de todo indemnizáveis, até porque nunca a Interessada/Reclamante pagou qualquer contrapartida pela utilização daquele espaço, em detrimento dos pais e dos irmãos.”, tendo enriquecido à custa do património da Inventariada. Requereu ainda depoimento/declarações de parte de todos os interessados e indicou prova testemunhal. 9. Conforme resulta da simples leitura da resposta apresentada pelo cabeça de casal, em caso algum foi colocada em causa a construção da casa ..., em caso algum foi posto em causa pelo cabeça de casal em que consiste a descrição dessa casa, tendo em conta a reclamação à relação de bens. Apenas se discute quem realizou as benfeitorias, se o cabeça de casal e a sua mulher ora inventariada, ou se a interessada aqui Recorrente e seu marido. 10. A prova de quem realizou as benfeitorias há-de ser feita em conjugação com os documentos juntos e depoimentos das testemunhas, e no que toca ao seu valor, há apenas que deferir a requerida avaliação das mesmas. Nenhuma outra questão haveria a decidir. 11. Pois repete-se, o cabeça de casal aceitou a descrição das benfeitorias pela Interessada recorrente, a saber, “numa construção de raiz de uma habitação de Casa de rés do chão, com cerca de 120 m2, composta por cozinha ampla com sala de jantar, 1 sala, 2 quartos, 1 quarto de banho, 1 dispensa e 1 arrumos. Tem instalação de gaz, eletricidade, água, e caixilharia em alumínio. Tais benfeitorias integram o prédio e não podem ser retiradas nem levantadas sem destruição.”, quando é certo que não nos parece que tenha que ser mais desenvolvida esta descrição, há apenas que avaliar a benfeitoria para que seja determinado um valor, nada mais. 12. Mas apesar disso, o tribunal decide, sem mais, remeter a questão para os meios comuns, quando na verdade não existe fundamento para que a questão das benfeitorias seja remetida para os meios comuns, ordenando desde logo o prosseguimento dos autos de inventário. 13. Nos termos do artigo 1093º, nº 1 do Código Processo Civil, o Tribunal pode remeter para as partes para os meios comuns quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tomar inconveniente a apreciação da mesma por implicar redução das garantias das partes. A matéria referente às benfeitorias neste caso, definitivamente não reveste uma especial complexidade. 14. A apreciação de tal matéria no âmbito deste inventário não afecta minimamente as garantias das partes, dado que foi plenamente observado o direito ao contraditório e foi admitido às partes requerer as provas que bem entendessem, como o fizeram. 15. Restava apenas a produção de prova, quando é certo que a insuficiência de prova não constitui fundamento para que determinada questão não seja apreciada em sede de inventário. As garantias das partes estão neste caso asseguradas. 16. Aliás, o argumento invocado pelo Tribunal a quo, além de não estar devidamente fundamentado, nem sequer permite concluir que a questão venha a ser melhor resolvido nos meios comuns. 17. O único bem da relação de bens submetido à partilha é precisamente o bem onde foi realizada a benfeitoria, a casa ..., não tem existência autónoma, fazendo parte do prédio urbano relacionado na verba nº 4. Por essa razão a benfeitoria deve ser apreciada neste inventário tendo em vista a sua relacionação. 18. O valor da benfeitoria deve ser contemplado no mapa de partilha, impedindo assim que algum interessado fique beneficiado em relação a um qualquer outro. 19. A partilha deve ser efetuada com igualdade e justiça, de um património cujo titular faleceu e por isso se radicou nos seus sucessores, o aqui interessado marido e interessados filhos. 20. Quando na verdade o único prédio da herança foi legado apenas a uma herdeira, e está relacionado por um valor considerável em virtude da benfeitoria realizada pela aqui recorrente. 21. A decisão a quo violou o disposto no artigo 1093, nº 1 do Código processo civil, devendo assim determinar-se que a decisão sobre as benfeitorias reclamadas seja apreciada nestes autos com base na prova a produzir e já produzida documentalmente, e ainda ordenando-se a avaliação da benfeitoria conforme o Requerido. * Quanto ao cabeça-de-casal, o mesmo nas conclusões das suas contra alegações, pugna pela improcedência do recurso e pela confirmação, sem mais, da decisão proferida.* Perante o exposto, resulta claro ser a seguinte a questão objecto do presente recurso:Saber se no despacho recorrido foi feita uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art.º 1093º, nº1 do CPC. Vejamos, pois, recordando aqui qual a redacção da referida norma, à luz da Lei nº117/2019, de 13-09, com entrada em vigor a 01.01.2020: “Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados directos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.” Em anotação ao (novo) regime do processo de inventário, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, págs.10/11, referem o seguinte: “O novo modelo do processo de inventário continua a prever a remessa das partes para os meios comuns quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão prejudicial não se compatibilize com a sua apreciação incidental (arts. 1092º,1,b, 1093º,1 e 1095º,1), nomeadamente porque as limitações decorrentes do disposto nos arts. 292º a 295º (aplicáveis ex vi do art. 1091º) afectariam as garantias das partes. A necessidade desta remessa para os meios comuns é consequência, sob um ponto de vista formal, da estrutura do processo de inventário, e da resolução de inúmeras questões controvertidas em incidentes nominados ou inominados e, sob uma perspectiva substancial, do tipo de questões prejudiciais que podem surgir no processo de inventário (como as respeitantes à interpretação ou validade de um testamento ou à indignidade sucessória de um herdeiro). Estas questões podem ser complexas em matéria de facto, mas o que realmente justifica a remessa dos interessados para os meios comuns não é tanto esta complexidade, mas muito mais a garantia de um processo equitativo a esses interessados”. Mais, em nota prévia aos artigos 1092º e 1093º do CPC, os citados autores dizem o seguinte (obra citada a pág.44): “Os arts. 1092º e 1093º contêm regras verdadeiramente nucleares do regime do inventário, pois que é do disposto neles que depende o que pode ser decidido e o que, apesar de ser relevante para a realização da partilha, não vai ser decidido no processo de inventário. A diferença entre o art.º 1092º e o art.º 1093º é a seguinte: - o art.º 1092º refere-se às questões prejudiciais essenciais, que são aquelas que respeitam à admissibilidade do inventário e à definição dos direitos dos interessados na partilha (cf. art. 1092º,1, b); - o art.º 1093º respeita às questões prejudiciais não essenciais, isto é, àquelas que se referem à determinação do activo e do passivo do património a partilhar (cf. art.º 1093º,1); Mais ainda e em comentário ao art.º 1092º, n.º1, alínea b), do CPC afirmam (obra citada a pág.46): “Para efeito da aplicação do n.º 1, al. b), as questões prejudicais surgidas na pendência do inventário – (…) – só relevam se respeitarem à admissibilidade do próprio processo de inventário ou à definição dos direitos sucessórios ou quotas ideais dos interessados directos na partilha. Não relevam aqui as questões que apenas respeitem à determinação dos bens que integram o acervo hereditário (cf. – art.º 1093.º).” Por fim e em anotação ao mesmo art.º 1093º do CPC, os citados autores fazem constar que (obra citada 32): “As questões prejudiciais abrangidas pelo nº 1 são, fundamentalmente, aquelas que, não dizendo respeito à definição dos direitos sucessórios das partes do processo, se repercutam na determinação quer dos bens que integram o acervo hereditário, quer do passivo pelo qual é responsável o património a partilhar. O nº 1 abrange, por exemplo, os casos em que certo bem foi relacionado pelo cabeça-de-casal como pertencendo à herança ou como tendo determinado conteúdo ou objecto material, mas contra essa relacionação foi deduzida reclamação ou impugnação por qualquer interessado (art.º 1104º, nº 1, al. d)) (…) Sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo hereditário ou o passivo que onera este acervo, a regra é a de que o juiz – como decorrência do principio segundo qual o Tribunal competente para a acção é também competente para conhecer os incidentes que nela se levantam (art.º 91º, nº 1) – deve dirimir todas as questões suscitadas e convertidas que se revelem indispensáveis para alcançar o fim do processo, ou seja, uma partilha equitativa da comunhão hereditária. No entanto, a apreciação incidental, no âmbito do processo de inventário, das questões atinentes à determinação dos bens que integram o património hereditário ou ao passivo deste património nem sempre será possível ou conveniente: a) O n.º 1 admite que o juiz se possa abster de decidir incidentalmente a questão litigiosa e remeter as partes para os meios comuns, quando a complexidade da matérias de facto subjacente à questão tornar inconveniente, na óptica das garantias de que as partes beneficiam no processo declarativo comum, a sua apreciação e decisão no processo de inventário, atendendo à tramitação simplificadas e às limitações probatórias (que quase só não existem para a prova documental) que caracterizam as decisões tomadas ao abrigo do disposto nos – arts. 1105º, n.º 3, e 1110º, n.º 1, al. a). Apenas tem justificação a remessa dos interessados para os meios comuns quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efectiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum (n.º 1). A diminuição destas garantias reflecte-se na impossibilidade de se alcançar uma apreciação e decisão ponderadas em questões que envolvam larga indagação factual ou probatória.” Já para Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, pág. 543, em anotação ao art.º 1092º do CPC, “este artigo (1092º) cura da interferência na marcha do inventário de acções pendentes e da necessidade de suspender a instância com fundamento na discussão externa de questões prejudiciais respeitantes à admissibilidade do inventário ou à definição de direitos de interessados directos na partilha. Fora deste círculo (e da eventualidade de haver nascituros interessados, nos termos do nº 1, alínea c)), em que se verifica uma prejudicialidade “forte”, tendo em conta o reflexo que a decisão a proferir noutra acção é susceptível de produzir no processo de inventário, é de aplicar o regime do art.º 1093º. A conexão com o art.º 1093º permite concluir que qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo, não podendo os interessados ser remetidos para os meios comuns. A lei apenas concede a possibilidade de suspensão da instância do inventário, aguardando o que, com reflexos na resolução de tais questões, esteja sob discussão noutra acção pendente ou não deva ser incidentalmente decidido no inventário”. Os mesmos autores agora em anotação ao art.º 1093º do CPC referem (obra citada, pág.547): “[q]ualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo. Embora deva ou possa ser determinada a suspensão da instância, nos termos do art.º 1092º, os interessados não podem ser remetidos para os meios comuns quanto a tais questões, que são imanentes ao próprio processo de inventário”. (…) Todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cf. art.º 1091º, n.º 1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art.º 91º, n.º 1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns. (…) Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão a área ou os limites de um imóvel envolvendo divergências com terceiros, a arguição da invalidade da venda de bens relacionados no processo de inventário, a invocação por parte de terceiro ou de um herdeiro, da aquisição por usucapião de um bem relacionado (cf. nº 5 do art.º 1105º), a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art.º 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada com a realização de benfeitorias”. A “resolução, no âmbito do processo de inventário, de questões de natureza incidental obedece a uma tramitação menos solene do que a consagrada para o processo comum e mesmo para certos processos especiais, designadamente no que concerne aos meios probatórios admissíveis (arts. 1091 e 1105º, n.º 3), o que poderá justificar que não sejam sacrificados os valores da segurança e da justiça em função da maior celeridade na conclusão do processo de inventário. Para o efeito, será importante apreciar as razões apresentadas, quer no sentido da resolução incidental das questões, quer dos benefícios da remessa para os meios comuns”. E mais adiante: “a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismos, apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns”. Como já antes referia Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. II, 2ª ed., Almedina, 2004, pág.268, em anotação ao art.º 1350º do CPC de 1961, “A decisão incidental das reclamações em sede de inventário não pressupõe necessariamente que as questões suscitadas possam ser objecto, pela sua simplicidade, de uma indagação sumária, mediante apenas certos tipos de prova, “máxime” documental, seguida de decisão imediata: a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões que importem à exacta definição do acervo hereditário a partilhar, podendo no entanto, excepcionalmente, em caso de particular complexidade da matéria de facto a apreciar – e para evitar redução das garantias das partes –, usar da possibilidade prevista no estatuído no n.º 1 do art.º 1093º do CPC.” Percebe-se pois a preocupação do legislador de destacar a complexidade da matéria de facto a apreciar e decidir, em detrimento da matéria, atenta a circunstância de ser a prova da matéria de facto subjacente às questões suscitadas (que as partes têm o ónus de alegar e provar), aquela que se pode afigurar mais difícil para as partes, atentas as necessárias limitações das provas que podem ser produzidas do incidente no âmbito do processo de inventário. Neste sentido a referência expressa do nº1 do art.º 1093º do CPC, de que a apreciação da matéria de facto não implique uma redução das garantias das partes. Regressando ao caso concreto o que verificamos é o seguinte: Diversamente do que defende a apelante BB, o que está em discussão não é apenas “quem realizou as benfeitorias, se o cabeça de casal e a sua mulher ora inventariada, ou se a interessada aqui recorrente e seu marido” (cf. conclusão 9). Valem antes as razões que sustentam a decisão recorrida e que são, recorde-se, as seguintes: “Descendo ao nosso caso, verifica-se, que a reclamante vem requerer que se relacione as benfeitorias que, alegadamente, levou a cabo, a expensas suas e do seu marido, no imóvel relacionado nos autos. A tal, opõe-se o cabeça-de-casal, alegando que (1) quem levou a cabo tais benfeitorias foi o próprio e não a interessada reclamante, (2) a ter levado a cabo alguma benfeitoria, apenas o fez para a sua melhor habitabilidade; (3) e mesmo que assim não se entenda, invoca que a interessada reclamante nunca pagou qualquer valor por viver numa casa pertença da inventariada, motivo pelo qual, se alguém está enriquecido à custa do património da Inventariada é a Reclamante, e não qualquer outro. Ora, a questão, nos presentes autos, passa não só, pelo apuramento de quem levou a cabo as benfeitorias no imóvel identificado na relação de bens, mais concretamente na casa ... do imóvel relacionado nos autos, o valor das mesmas, mas também, a provar-se que foi a interessada reclamante, se opera alguma excepção (nomeadamente abuso de direito) em vir agora reclamar o seu valor. Tal decisão suscita a necessidade de uma larga, aturada e complexa indagação, que se não compadeça com a natureza necessariamente sumária do incidente no inventário. Desde logo porquanto a exposição da matéria de facto quanto à referida reclamação e respectiva resposta necessitaria de ser mais elaborada, mais desenvolvida e mais completa em relação àquela que os interessados apresentaram. Por outro lado, as reclamações num inventário, seguem a tramitação dos incidentes nos termos dos artigos, 292 e ss do CPC, por força do artigo 1091.º do mesmo diploma legal, o que é, manifestamente, menos garantístico dos direitos das partes, traduzido pela limitação do número de articulados e meios de prova admissíveis. E sendo o problema do apuramento e prova dos factos que integram a autoria de despesas que permitiam a edificação de uma “casa ...”, parece-nos, com todo o respeito por diversa opinião, incompatível com uma indagação sumária, pois que aquelas questões exigem uma instrução mais larga, devendo ser remetidas para os meios comuns. E desta prática nenhum prejuízo vai causar-se aos interessados, já que nos meios comuns desfrutarão dos mais amplos meios de prova, sem subordinação a limites estabelecidos para o processo de inventário.” Nestes termos e atenta a manifesta desnecessidade de mais considerações, só resta não conceder provimento ao recurso interposto confirmando assim o que ficou decidido. * Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC): ……………………………………… ……………………………………… ……………………………………… * III. Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se a decisão proferida. * Custas a cargo da apelante/interessada BB (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC). * Notifique.Porto, 10 de Outubro 2024 Carlos Portela Isabel Rebelo Ferreira Ana Vieira |