Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | FALTA DE OBRAS NO LOCADO ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO LIQUIDAÇÃO DOS DANOS EQUIDADE CONTRATOS DE EXECUÇÃO CONTINUADA | ||
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Nº do Documento: | RP20210701182/19.8T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/01/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Se o senhorio permite que o estabelecimento de restauração locado sofra danos que põem em causa o seu funcionamento e levam ao seu encerramento, e não efetua as devidas reparações, assiste ao inquilino a exceção de não pagamento da renda. II - Os danos resultantes do encerramento do restaurante são danos-consequência da inércia do senhorio e estão abrangidos pela obrigação de reparação. III - O recurso ao dispositivo do art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil (liquidação oportuna) depende do juízo que se formar em face das circunstâncias concretas de cada caso sobre a possibilidade de determinação do valor exato dos danos. Se esse juízo for afirmativo, será de aplicar aquele normativo; de contrário, deve aplicar-se o art.º 566°, n.º 3, do Código Civil; ou seja, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal deve julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. IV - Em princípio, a regra da retroatividade dos efeitos da resolução contratual não é aplicável nos contratos de execução continuada, de que são exemplo os contratos de locação. V - Se antes das infiltrações de água nas instalações do restaurante conducentes ao seu encerramento, ocorreram factos determinantes da resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio --- cessão de exploração do restaurante sem comunicação ao locador --- e o contrato vem ser resolvido judicialmente com esse fundamento, na ação, nem por isso deixa de assistir ao inquilino o direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da inércia do locador relativamente às obras e à manutenção do estado de encerramento do estabelecimento que justificou a exceção de não pagamento da renda. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 182/19.8T8PVZ.P1 (Apelação – 3ª Secção) Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. B…, residente na Rua …, nº .., ….-… …, instaurou ação declarativa comum contra C… e D…, casados entre si no regime geral de comunhão de bens e residentes na …, .., em …, Matosinhos, alegando essencialmente que adquiriu, por trespasse, um restaurante instalado no r/ch de um edifício propriedade dos RR., de que o A. é arrendatário, tendo cedido a sua exploração, já prestigiado, a E… em maio de 2017. Preparava-se o A. para retomar a exploração direta do seu estabelecimento quando, no início de novembro de 2017, por causa de obras que decorriam no andar de cima, destinado a habitação, passou a haver infiltrações de água no restaurante que levaram ao seu encerramento, com cessação antecipada da cessão de exploração. Os danos materiais foram-se avolumando e o R. marido, no ano de 2018, prontificou-se a repará-los e a indemnizar o A. pelos lucros cessantes, mas nada fez. A reparação dos danos que o A. descreveu como tendo sido causados pelas obras que os RR. levaram a cabo custará não menos de € 79.594,38. Privado da sua única fonte de rendimento, as dívidas do A. atingiram o volume de € 9.307,96. O A. estava a negociar um trespasse no valor de € 140.000,00 que não se concretizou por se manter a o encerramento do estabelecimento e mau estado das suas existências, sem qualquer solução. Com a exploração direta pelo A. a partir de dezembro de 2017, este iria obter um lucro médio mensal de € 4.919,56, mas o imóvel deixou de cumprir os requisitos para o funcionamento de um estabelecimento de restauração. Desde janeiro de 2018 que o A. deixou de pagar as rendas, o que foi aceite pelos RR. proprietários das instalações do restaurante e do 1º andar onde as obras decorreram. O A. alegou danos não patrimoniais emergentes daquela situação causada pelas obras dos RR., pretendendo uma compensação a esse título no valor de € 2.000,00, a que faz acrescer € 5.000,00 por danos de imagem e credibilidade do restaurante. Concluiu o seu articulado com o seguinte pedido: «(…) • Serem os Réus condenados ao pagamento da quantia de 292.856,62€ (duzentos e noventa e dois mil oitocentos e cinquenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais que se discriminam: - 79.594,38€ (setenta e nove mil quinhentos e noventa e quatro euros e trinta e oito cêntimos) relativos às reparações a realizar no restaurante do Autor; - 9.307,96€ (nove mil trezentos e sete euros e noventa e seis cêntimos) relativos às dívidas acumuladas devido ao encerramento do restaurante do Autor; - 140.000,00€ (cento e quarenta mil euros) relativos à perda de chance do negócio de trespasse; - 63.954,28€ (sessenta e três mil novecentos e cinquenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) relativos aos lucros cessantes; • Serem os Réus condenados ao pagamento da quantia de 7.000,00€ (sete mil euros) a título de danos não patrimoniais que se descriminam: - 2.000,00€ (dois mil euros) relativos ao desgaste psicológico sofrido pelo Autor; - 5.000,00€ (cinco mil) relativos aos danos de imagem, prestígio e credibilidade do restaurante do Autor; - Serem os Réus condenados ao pagamento dos danos patrimoniais futuros, até ao estabelecimento comercial do Autor reunir condições de abertura ao público; - Acrescido dos competentes juros de mora vencidos desde a citação até ao efectivo e integral pagamento da quantia peticionada. • Ser reconhecido que nenhuma quantia é devida pelo Autor aos Réus a título de pagamento de rendas atenta a excepção de não cumprimento invocada; Remete-se para apuramento em sede de liquidação de sentença o montante dos danos patrimoniais futuros e lucros cessantes do que o Autor e a partir desta data são ainda não determináveis nem quantificáveis.» Citados, os RR. contestaram a ação, tendo alegado essencialmente que: - O A. não soube rentabilizar o seu estabelecimento comercial, estando este em declínio sob a exploração daquele; - Ocorreu uma pequena inundação, que foi reparada e o estabelecimento continuou em funcionamento; - Os RR. assumiram reparar os danos verificados e indemnizar o A. por um valor justo; - Nem todos os danos invocados foram causados pelas obras realizadas no andar de cima, mas por falta de conservação do imóvel; - O A. não pode pedir uma indemnização pelos danos sofridos, mas exigir dos RR. a sua reparação, o que não fez; - Desconhecem a que dívidas se reporta o A., sendo que este não pode pedir simultaneamente o rendimento que deixou de obter pela exploração do restaurante e os valores das despesas com a sua exploração, por ser daqueles que sairiam os montantes necessários ao pagamento das referidas despesas; - Os pedidos formulados são contraditórios entre si, pois que o A. peticiona simultaneamente quantias que pressupõem que o contrato de arrendamento se manteria e a quantia de € 140.000,00 que pressupunha o seu trespasse; - O A. não perdeu o que peticiona a título de lucros cessantes, sendo o valor destes, no máximo, no valor mensal de € 614,94, sendo que o A. teria ainda de proceder ao pagamento mensal da renda. Os RR. deduziram ainda pedido reconvencional contra o A. e os fiadores do contrato de arrendamento, F.. e G…, requerendo a sua intervenção como reconvindos. Fizeram terminar assim o seu articulado da contestação/reconvenção: «(…) I) deve a acção intentada pelo autor ser julgada totalmente improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido; II) Deve o pedido reconvencional ser julgado provado e procedente, e em consequência, ser: i) Declarado judicialmente resolvido o contrato de arrendamento não habitacional celebrado em 20.09.2013 entre o autor e réus, por incumprimento contratual do autor reconvindo: a) por violação de cada um dos deveres referidos, nos termos dos artigos 1036º, nº 1, 1038º, al.s a), b), d), e) e h); 1048º, nº 1, 1083º nºs 1 do C.Civil e cláusulas 9ª e 12ª do contrato de arrendamento; b) por verificação do fundamento (encerramento por mais de um ano, sem fundamento relevante) do disposto no artº 1083º nº 2, al. d) do CC.; c) por verificação do fundamento [cessão de exploração sem autorização do senhorio] – cláusula décima do contrato de arrendamento; ou sempre por falta de comunicação ao senhorio da cessão de exploração - artigos 1109º, nº2, 1038º, als. f e g) do Código Civil; d) por falta de pagamento de rendas por período igual ou superior a três meses. ii) Condenado o autor reconvindo ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante de € 21.000,00 [vinte e um mil euros], acrescida das vincendas e até efectiva entrega do locado; iii) Condenado o autor reconvindo ao pagamento de indemnização pela mora no pagamento das rendas vencidas até ao presente, no montante de € 11.500,00 [onze mil e quinhentos euros], acrescido de indemnização vincenda pelo não pagamento das rendas vincendas, no caso da resolução do contrato ser determinada por diferente causa da falta de pagamento de rendas; iv) Condenado o autor reconvindo ao pagamento de indemnização, nos termos dos artigos 197º a 254º, 221º e 222º da reconvenção, em montante a apurar em sede de execução de sentença; v) Condenado o autor reconvindo ao pagamento de indemnização no valor de € 10.000,00 [dez mil euros], a título de danos morais sofridos; vi) Condenados os intervenientes F… e G… no pagamento da quantia total equivalente às responsabilidades do autor reconvindo, na qualidade de fiadores, para o que devem ser citados. Subsidiariamente, vii) Caso se entenda pela procedência do pedido formulado pelo autor e pela improcedência do pedido reconvencional, deve o autor sempre ser condenado, i) ao pagamento das rendas vencidas e não pagas, no montante de € 21.000,00 [vinte e um mil euros], acrescida das vincendas; ii) ao pagamento de indemnização pela mora no pagamento das rendas vencidas até ao presente, no montante de € 11.500,00 [onze mil e quinhentos euros], acrescido de indemnização vincenda pelo não pagamento das rendas vincendas; Devendo o pagamento destes créditos operar por compensação. viii) Sempre condenando o autor reconvindo e intervenientes chamados ao pagamento de juros de mora, contabilizados desde a data da citação, sobre os montantes em que forem condenados.» O A. replicou mantendo a sua alegação inicial, rejeitando todos os fundamentos invocados para a resolução do contrato de arrendamento e requerendo a condenação dos RR. como litigantes de má-fé com fixação da quantia indemnizatória num valor nunca inferior a € 2.000,00. Os RR. responderam à réplica pedindo a improcedência da matéria de exceção e a sua absolvição do pedido de condenação como litigantes de má fé. O Tribunal admitiu a intervenção principal provocada dos reconvindos, F… e G…, relativamente à matéria reconvenção, tendo estes apresentado articulado a fazer seus os articulados do A. Teve lugar a audiência prévia e foi posteriormente proferido despacho saneador, antecedido da fixação do valor da ação (e reconvenção) em € 368.356,62. Foi ali definido o objeto do litígio, foram especificados factos considerados provados e foram elaborados os temas de prova. O tribunal pronunciou-se ainda sobre os meios de prova, tendo inclusivamente ordenado a produção de prova pericial cujo relatório foi objeto de reclamação dos RR. e esclarecimentos pelo Sr. perito. Após várias vicissitudes, teve lugar a audiência final, em três sessões, findas as quais foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: I - Quanto à acção: a) Condena os Rs. C… e D… a pagar ao A. B… a quantia de 7.800,00 euros (sete mil e oitocentos euros) a título de danos patrimoniais; b) Condena os mesmos Rs. a pagar ao A. a quantia de 2.000,00 euros (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais; c) Condena os mesmos Rs. a pagar ao A. a quantia que se vier a liquidar e relativa aos rendimentos que deixou de auferir desde Fevereiro de 2019 até à data desta decisão, no valor mensal de 600,00 euros; d) Condena os mesmos Rs. a pagar ao A juros de mora sobre as quantias referidas a contabilizar deste a citação, nos termos definidos nesta decisão, à taxa de 4%, até integral pagamento, sendo aplicável qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa de juro enquanto aquele não se verificar. e) Reconhece que o A. não tem de proceder ao pagamento das rendas relativas ao imóvel arrendado após Janeiro de 2018 com fundamento na excepção de não cumprimento do contrato. f) Absolve os Rs. quanto ao mais peticionado pelo A.. II - Quanto à reconvenção: a) Declara a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o A. e os Rs.. b) Condena o A. a entregar o imóvel arrendado aos Rs. livre de pessoas e bens. c) Absolve o A. e os intervenientes reconvindos F… e G… quanto ao mais peticionado pelos Rs. reconvintes. Custas da acção e reconvenção por A. e Rs. na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o decaimento do A. em 6/10 e dos Rs. em 4/10, porquanto o A. viu cessado o contrato de arrendamento e teve decaimento considerável em face da pretensão indemnizatória deduzida, nos termos do art. 527º do C. P. Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que ao primeiro foi concedido.» * Inconformados com a sentença, dela apelaram os RR. reconvintes, tendo produzido alegações com as seguintes CONCLUSÕES:«a) É recorrida a sentença que julgou a acção e reconvenção parcialmente procedente; b) A sentença recorrida errou na fixação da matéria de facto provada e não provada bem como no julgamento de determinadas questões; c) O objecto do recurso delimita-se aos seguintes pontos: - Decisão do tribunal de considerar provado que o estabelecimento comercial não tinha condições para estar em funcionamento, por facto imputável aos réus; - Decisão do tribunal de considerar que o autor não tinha de pagar rendas durante o período em que o restaurante esteve fechado; - Decisão do tribunal de considerar que não há lugar à resolução do contrato do arrendamento por falta de pagamento de rendas, por não uso do locado por mais de um ano e por falta de conservação e manutenção do arrendado e dos bens existentes no locado, a cargo do autor; - Decisão do tribunal de considerar que os réus devem pagar ao autor as quantias em que foram condenados. d) A sentença recorrida fixou erradamente os factos provados 15, 23, 25, 26 e 38, e os não provados i) e p). dos factos incorrectamente dados como provados i) o facto 15, na sua redacção, mostra-se incompleto[1]: - a redacção do facto 15 é a seguinte: E… fez cessar o acordo de cessão de exploração, com efeitos a 23/12/2017. - porém, o documento 13 junto com a petição inicial prova que a cessação do contrato de cessão de exploração ocorreu em 22 de Novembro de 2017 e com efeitos reportados 23 de Dezembro de 2017. - com base no teor do documento 13, impõe-se a alteração do facto 15 para a seguinte formulação: 15. E… fez cessar, por comunicação escrita de 22/11/2017, o acordo de cessão de exploração, com efeitos a 23/12/2017. - A transcrição para os factos provados, também da data em que a E… cessou o contrato de exploração é importante para se perceber que não foi a entrada de água imputável aos réus [ocorrida em Dezembro de 2017 – facto provado 16] o motivo para a cessação da exploração, na medida em que à data de 22.11.2017, tal entrada de água ainda não tinha ocorrido. ii) o facto 23 mostra-se incorrectamente dado como provado[2]: - o facto 23 equivale a mera conclusão, pelo que, deve ser expurgado da matéria de facto; - não obstante, o autor não logrou provar a impossibilidade do restaurante estar em funcionamento, como era seu ónus; - a prova produzida – relatório pericial e documento 15 junto com a petição inicial – foi indevidamente valorada e/ou desconsiderada pelo tribunal, decorrendo daí o erro na apreciação da prova; - os factos provados 25 e 26 da sentença bem como o relatório pericial demonstram que os danos ocorridos no estabelecimento comercial por força da entrada de água de Dezembro de 2017 foram residuais e não impeditivos do restaurante ter actividade; - por sua vez, as fotografias juntas como documento 15, atendidas pelo tribunal para fundamentar a condenação dos réus, não permitem a prova do facto, por contrariadas pelo relatório pericial, por descontextualizadas e não explicadas pelo autor; - o valor reduzido dos danos imputáveis à entrada de água permite também perceber a sua pouca gravidade e extensão, quando reportada ao momento da infiltração e à decisão do autor de não abrir o restaurante; - a realidade documentada é que o autor não tinha capacidade para explorar o restaurante, pelo que, antes aproveitou-se da entrada de água ocorrida em Dezembro de 2017 para o não reabrir e fazer exigências desproporcionadas aos réus; - a correcta análise do relatório pericial e do documento 15 junto com a petição inicial impõem que o facto seja eliminado dos provados e a sua transiçãor para os não provados. - a alteração do facto justifica-se pela circunstância do tribunal ter condenado os réus no pagamento de indemnização com base na impossibilidade do autor explorar o restaurante, fruto dos danos sofridos, e por facto imputável àqueles, o que se entende como errado. iii) os factos 25 e 26 mostram-se incorrectamente dados como provados [parcialmente]. Nos seguintes termos[3]: - quanto ao facto 25, a prova produzida – relatório pericial – foi indevidamente valorada e/ou desconsiderada pelo tribunal: O relatório pericial não afirma que o pavimento das salas do restaurante foi totalmente danificado pela entrada de água. O que afirma é que a sua substituição só é viável na sua totalidade por ser piso flutante. No relatório pericial, na resposta ao quesito a) dos indicados pelos réus, o perito diz expressamente que os pavimentos das salas não apresentam danos assinaláveis e que apenas numa das salas, nota-se a existência de fissuras entre as tábuas que indiciam a infiltração. Deste modo, o que se deveria ter dado como provado é que a infiltração de água no rés-do-chão, proveniente das obras do 1º andar provocou a deterioração apenas de parte do pavimento da sala do restaurante que era em soalho flutuante, que necessita de ser inteiramente substituído. O relatório pericial não confirma que a deterioração de 20% dos tectos de madeira das salas do restaurante e dos painéis em madeira da sala grande seja imputável à entrada de água; cf. resposta do sr. perito à reclamação ao relatório pericial apresentada pelos réus, nas al.s a), nº 3 e 4. Embora tal percentagem conste do quadro anexo ao relatório pericial, aquela resposta à reclamação é inequívoca, razão pela, qual deve considerar-se existir lapso no quadro anexo quando faz constar essa menção percentual. Impõe-se a alteração do facto 25, passando dele a constar apenas: 25. A infiltração de água no rés-do-chão, proveniente das obras do 1º andar, provocou: - a deterioração de parte do pavimento das salas do restaurante que era em soalho flutuante que necessita de ser inteiramente substituído; - a deterioração de cerca de 20% dos rodapés, que têm de ser reparados. - quanto ao facto 26, por força da alteração ao facto 25, deve passar apenas a constar: 26. A reparação dos danos referidos ascende: - 3.475,98 euros para a substituição do soalho das salas do restaurante; - 195,84 euros para a reparação de 20% dos rodapés das salas do restaurante; Todavia, caso assim não se entenda, deve sempre ser eliminado do facto 26 a afirmação de que a reparação de 20% dos tectos da sala do restaurante tem o valor de € 902,00, devendo substituir-se pela afirmação de que tal reparação tem o valor de € 502,60, conforme quadro anexo ao relatório pericial. - A relevância da alteração dos factos 25 e 26 prende-se com a circunstância do valor dos danos influir naturalmente na determinação da sua gravidade e grau de extensão, para efeito de perceber se o restaurante podia ou não funcionar. - O meio de prova que impõe a eliminação e alteração dos factos 25 e 26 são o relatório pericial e a resposta do sr. perito à reclamação efectuada ao relatório pericial. iv) o facto 38 mostra-se incorrectamente dado como provado[4]: - este facto contende com os danos verificados e consequente impossibilidade do autor ter o restaurante em funcionamento. - eliminado o artigo 23 dos provados, nomeadamente, não demonstrando o autor que o restaurante estivesse impossibilitado de funcionar, por facto imputável aos réus, naturalmente caem por terra todos os danos não patrimoniais alegados por si e que se baseiam na perda dos lucros cessantes e na existência de uma situação de facto impossibilitadora do desenvolvimento de uma actividade económica, com as angústias e preocupações daí advenientes. dos factos erradamente dados como não provados i) o facto i) deve ser eliminado dos não provados e transitar para os provados[5]: - o autor, antes da cedência da exploração a terceiro, retirou, no ano de 2016, em cerca de 10 meses de exploração, um rendimento bruto de € 38.459,27, o que dá um rendimento bruto mensal de cerca de € 3.845,00; facto provado 10. - o autor, no ano de 2017, em cerca de pouco mais de 4 meses de exploração, retirou um rendimento bruto de € 10.036,18, o que dá um rendimento bruto mensal de cerca de € 2.500,00; facto provado 11; - ao rendimento bruto temos de subtrair todas as despesas inerentes [renda mensal de € 1.400,00, salários dos funcionários, seguros, encargos com compras, água, gás, electricidade, etc], pelo que, decorre perceptível que o autor nenhum montante retirava da exploração do restaurante, apenas acumulando prejuízos; - demonstrando-se os prejuízos sofridos ou nulos rendimentos aquando da sua exploração, que a actividade de restauração implica uma grande capacidade de trabalho e espirito de sacrifício, e paralelamente, que os danos provocados pela entrada de água de Dezembro de 2017 foram mínimos e de pequena monta, é manifesto que o autor não quis reassumir a exploração do restaurante a partir de Janeiro de 2018; - a estratégia do autor foi invocar perante os réus avultados danos e indemnização – traduzido em sede judicial nos pedidos formulados na petição inicial - para justificar a decisão de não reabrir, estratégia que, quanto à avultada indemnização e imensa quantidade de reparações, não vieram a ser confirmadas – quase na totalidade – em juízo; - com base nas regras da experiência comum, conjugado com a interpretação dos factos provados supra referidos, deve ser eliminado dos não provados o facto i). - deve passar a constar dos factos provados o seguinte: O A. não quis reassumir a exploração do restaurante a partir de Janeiro de 2018. ii) O facto p) deve ser eliminado dos não provados e transitar para os provados[6]: - a sentença dá como provado uma série de danos que nada têm a ver com as inundações e com os factos imputáveis aos réus [facto provado 27º, 29º [parcialmente], 30º, 31º [parcialmente], 32º, 33º, 34º, 35º [parcialmente] e 37º; - o relatório pericial é claro ao referir que a maioria dos danos que se constataram no locado não derivaram da entrada de água ocorrida no locado, mas apenas da falta de conservação, limpeza e arejamento do estabelecimento comercial, a cargo do autor; - quanto aos equipamentos e materiais danificados, era obrigação do autor conservá-los e cuidar deles, obstando à sua degradação; [cf. cláusula Décima Segunda do contrato de arrendamento]; - demonstrado que assim não sucedeu, deve ser eliminado dos não provados o facto p); - deve passar a constar dos provados o seguinte: p) O A. omitiu os seus deveres de manutenção do espaço arrendado e bens locados. - O meio de prova que impõe a alteração é o relatório pericial. e) A modificação da matéria de facto impõe que o tribunal declare a resolução do contrato de arrendamento por: - falta de pagamento de rendas [art. 1083º, nº3 do Código Civil [em virtude da desaplicação do instituto da excepção de não cumprimento [art. 428º e segs. do CC]], - por não uso do locado por mais de um ano, sem fundamento relevante [art. 1083º, nº2, al. d) do CC], - por incumprimento do dever de conservação e manutenção do espaço arrendado e bens do locado [cláusula 12ª do contrato de arrendamento e 1083, nº 1 do CC]. f) Há erro de julgamento no segmento da sentença que decidiu que o autor não tinha a obrigação de efectuar o pagamento de rendas vencidas de Janeiro de 2018 e até à data da sentença[7]; g) No regime do arrendamento, a excepção de não cumprimento tem um limitado campo de aplicação, admitindo-se o seu funcionamento com base na proporcionalidade e adequação entre o incumprimento e a recusa de pagamento; h) Com base no princípio da proporcionalidade e adequação, em face do incumprimento do senhorio na realização de obras, o arrendatário deve adoptar uma conduta proporcional à falta daquele; i) No caso, os danos decorrentes da entrada de água em Dezembro de 2017 não assumiram dimensão relevante que impedisse o estabelecimento comercial de funcionar, nem legitimam a decisão mais radical tomada pelo autor de não abrir aquele estabelecimento; j) O autor afirmou em tribunal que estava impossibilitado de abrir o restaurante com fundamento num extenso leque de danos, cuja reparação computou num custo de € 79.594,38 [conforme pi]; k) Em sede judicial, a quase totalidade desses danos não se provaram; l) Quanto muito, os danos dados como provados – de pequena monta – apenas poderiam legitimar que o autor se arrogasse ao direito de: - reduzir a renda proporcionalmente ao tempo da privação ou à extensão desta (Artigo 1040º, nº1, do Código Civil); ou - realizar ele próprio as obras, podendo efectuar posteriormente a compensação do seu crédito pelas despesas com a realização das obras com a obrigação de pagamento da renda (Artigos 1074º, nº3, e 1036º do Código Civil). m) Esta era a solução adequada e proporcional para o caso, não se mostrando proporcional – nem tutelado pelo direito - que, tendo o locado danos de pouca gravidade, no valor de € 3.951,57 [embora sejam de valor inferior, conforme impugnação da matéria de facto], o tribunal ratifique a opção radical do autor de fechar o restaurante, com a consequente condenação dos réus ao pagamento de cerca de € 25.000,00, acrescidos de 3 anos de rendas perdidas, equivalentes a cerca de € 58.000,00; n) É ilegal a decisão de condenar os réus ao pagamento de indemnização e de absolver o autor do pagamento das rendas vencidas. o) A falta de pagamento de rendas representa incumprimento contratual do autor, o que é causa de resolução do contrato de arrendamento, sendo também devidas pelo autor as rendas em falta. p) Ao não assim decidir, o tribunal recorrido violou os artigos 428º, 1036º, 1038º, al. a), 1040º, 1048º e 1083º, nº 3 do Código Civil. q) Há erro de julgamento no segmento da sentença que não declarou a resolução do contrato de arrendamento por não uso do locado[8]. r) Não havendo fundamento para o estabelecimento comercial estar fechado, procede este fundamento de resolução. s) Ao não assim decidir, o tribunal recorrido violou o artigo 1083º, nº2, al. d) do Código Civil. t) Há erro de julgamento no segmento da sentença que não declarou a resolução do contrato de arrendamento por falta de conservação e manutenção do locado e respectivos bens[9]. u) Provado que a maioria dos danos verificados no locado não contenderam com qualquer acto da responsabilidade dos réus, quanto a estes verifica-se incumprimento contratual do autor, que não conservou nem tratou de cuidar dos respectivos equipamentos e do próprio locado. v) O autor violou a sua obrigação contratual, nomeadamente, a cláusula 12ª do contrato de arrendamento, o que é fundamento de resolução do contrato, nos termos do artigo 1083º, nº 1 do CC. w) A decisão do tribunal viola, portanto, o artigo 1083º, nº 1 do Código Civil e cláusula 12ª do contrato de arrendamento. x) Há erro de julgamento quanto à decisão de condenação no pagamento dos valores referidos nas alíneas a), b) e c) da sentença recorrida[10]; y) O tribunal condenou os réus ao pagamento de quantia mensal de € 600,00, referente aos rendimentos que o autor deixou de auferir face à conduta daqueles; z) A fixação do valor de € 600,00 mensais baseia-se no valor mensal que o autor recebia de terceiro [E…], no âmbito do contrato de cedência de exploração celebrado entre ambos; cf. facto provado 7 e folhas 27 da sentença; aa) É errado o assim decidido porque foi dado como não provado que a cessação da exploração por terceiro tivesse sido determinada pela entrada de água, por qualquer encerramento do restaurante ou por qualquer facto imputável aos réus; facto não provado b); bb) Quando a entrada de água imputável aos réus ocorreu, e que o tribunal considerou como impossibilitadora do restaurante funcionar, o contrato de cessão de exploração já tinha sido denunciado; cc) Razão pela qual não se pode ficcionar que o autor retiraria aquele rendimento de € 600,00 mensais, para efeito de fixação de valor de indemnização; dd) A fixação da indemnização, tal como efectuada pelo tribunal, só seria admissível se o autor tivesse provado o nexo de causalidade entre a cessação da exploração pela E… e os factos imputáveis aos réus, ou seja, que aquela exploração tinha terminado por responsabilidade dos réus, o que não sucedeu; ee) É ilegal a decisão do tribunal de fixar o valor de € 600,00 mensais, como aquele que o autor deixou de auferir, com base em contrato de cessão de exploração, cuja respectiva cessação não foi determinada por acto dos réus; ff) O autor – que tinha o ónus da alegação e prova – não provou os prejuízos [lucros cessantes] necessários para a fixação de indemnização; gg) O autor alegou na petição inicial que o valor dos lucros cessantes – a título de rendimento extraído da exploração do restaurante – a que tinha direito era equivalente ao rendimento bruto auferido nos anos de 2016 e 2017 [artigos 46º e 47º da pi], no correspondente montante total de € 63.954,28, tendo formulado o respectivo pedido de condenação. hh) Os valores que o autor alegou auferir na exploração do restaurante, antes de o ceder à E…, são os que constam dos factos provados 10 e 11. ii) No ano de 2016, o autor retirou um rendimento bruto mensal de cerca de € 3.845,00. jj) No ano de 2017, retirou um rendimento bruto mensal de cerca de € 2.500,00. kk) Se considerarmos que ao rendimento bruto temos de subtrair todas as despesas inerentes [renda de € 1.400,00, salários de funcionários, seguros, encargos com compras, água, gás, electricidade, reparações correntes, etc], facilmente se percebe que o autor mensalmente nada retirava da exploração do restaurante, apenas acumulando prejuízos. ll) Razão pela qual, o tribunal devia ter considerado que os réus não tinham qualquer valor a pagar ao autor a título de lucros cessantes; mm) O tribunal recorrido, ao não decidir pela improcedência dos pedidos formulados pelo autor a título de rendimentos que deixou de auferir na exploração do restaurante, violou as regras do ónus da prova e as inerentes à fixação dos lucros cessantes; artigos 342º e 564º do CC. A assim não ser entendido, nn) Sempre deveria ter o tribunal analisado o caso atendendo à realidade derivada do COVID. oo) Ou seja, é facto notório e público [sem necessidade de alegação e prova] que, a partir de Março de 2020 e até ao presente, os estabelecimentos de restauração (i) ou estiveram fechados ou (ii) pouca actividade tiveram. pp) Sendo assim, a fixação da indemnização, referente aos meses de Março de 2020 até à data da sentença, deveria ter sido determinada em valor inferior aos € 600,00 mensais, até porque esta quantia tem como pressuposto que o estabelecimento comercial do autor estivesse aberto e o mercado a funcionar normalmente. qq) O tribunal recorrido, ao assim não decidir, violou as regras de fixação da indemnização previstas no artigo 564º do CC. rr) Quanto à condenação dos réus no pagamento de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais [alínea b) do dispositivo], se eliminado o facto provado 38, conforme supra requerido, automaticamente deve ser julgado sem efeito e anulada a condenação neste segmento; Subsidariamente ao supra alegado, ss) Há erro de julgamento na análise dos efeitos decorrentes da decisão que declarou a validade da resolução do contrato de arrendamento por falta de comunicação aos réus da cessão de exploração efectuada pelo autor a terceiro[11]. tt) A cessão da exploração efectuada pelo autor a terceiro em 12.05.2017 – facto provado 6 – não foi comunicada aos réus nem autorizada por eles – facto provado 40 -; uu) A falta de comunicação aos réus dessa cessão é acto ilícito, da autoria do autor, e foi praticado em momento anterior aos actos da autoria dos réus e que fundamentaram a decisão condenatória; vv) Portanto, o autor foi o primeiro a violar a relação contratual quando não comunicou a cessão da exploração no prazo legal estabelecido no artigo 1109, nº2 do Código Civil. ww) Os réus consideram que o tribunal viola a lei e o princípio material de justiça quando condena os réus por factos ilícitos da sua autoria quando já previamente a esses factos, o autor tinha violado os termos do contrato de arrendamento, a qual significava sem mais a sua extinção, por resolução. xx) Se o autor não tem de pagar rendas pela violação do contrato por parte dos réus, ocorrida em Dezembro de 2017, também estes não deveriam ter de pagar qualquer valor por essa violação, pois o autor tinha sido o primeiro a violar o contrato. yy) O tribunal errou ao não declarar a eficácia retroactiva da resolução do contrato de arrendamento, para efeito de obstar à condenação dos réus ao pagamento das quantias em que foram condenados. zz) Porque em causa estamos perante uma situação em que os réus não receberam qualquer renda desde Janeiro de 2018, o que significa que nem sequer o tribunal poderia ter considerado que tinha ocorrido uma relação sinalagmática entre as partes durante este período em que o estabelecimento comercial esteve fechado. aaa) Neste ponto, ao não decidir pela absolvição dos réus, o tribunal recorrido violou o regime legal dos artigos 1038º, als. g) e 1109º, nº2 do Código Civil.» (sic) Terminam pedindo a revogação da sentença e a absolvição dos RR. de todos os pedidos, que se declare o contrato de arrendamento também resolvido por falta de pagamento de rendas, por falta de uso do locado por mais de um ano e por falta de manutenção e conservação do locado, por facto imputável ao autor, e ainda que o A. e reconvindos sejam condenados no pagamento das rendas vencidas, desde Janeiro de 2018 até entrega do locado. * Não foram oferecidas contra-alegações. * Foram colhidos os vistos legais.II. As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil). Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido. Estão para apreciar e decidir as seguintes questões: 1. Erro da decisão proferida em matéria de facto; 2. A modificação da matéria de facto e a resolução do contrato de arrendamento por: a) Falta de pagamento de rendas; b) Não uso do locado por mais de um ano, sem fundamento relevante; e c) Incumprimento do dever de conservação e manutenção do espaço arrendado e bens do locado. 3. O erro na condenação dos RR. no pagamento dos valores referidos nas alíneas a), b) e c) da sentença, ou seja, a condenação em indemnização por danos patrimoniais, em indemnização por danos não patrimoniais e na quantia que se vier a liquidar relativa aos rendimentos que o A. deixou de auferir desde fevereiro de 2019 até à data da sentença, no valor mensal de € 600,00. 4. A resolução do contrato de arrendamento, a sua eficácia retroativa e o seu efeito relativamente à condenação dos RR. no pagamento das indemnizações. * III.* O tribunal deu como provados os seguintes factos: Provados antes da discussão da causa 1. Por acordo escrito de 20/09/2013, nos termos de fls. 23 que aqui se consideram reproduzidos, os Rs. declararam dar de arrendamento a H…, Unipessoal Ldª que, por sua vez declarou aceitar, o rés-do-chão do imóvel sito na … para aí instalar e desenvolver a sua actividade de restauração, sendo a renda inicial de 1.250,00 euros e a partir do segundo ano de contrato de 1.400,00 euros, fazendo-se expressa menção que aquele se encontrava equipado com os bens que constantes do anexo A e que estes eram também objecto de locação - fls. 27 e 28. 2. Desse documento consta como cláusula décima que à segunda outorgante (arrendatária) é expressamente proibido o subarrendamento do local arrendado. 3. Desse documento consta como cláusula décima segunda que a segunda outorgante (arrendatária) deve fazer um uso prudente do arrendado, sendo a seu cargo todas as obras de conservação do bom estado do funcionamento das instalações da rede de distribuição e água, electridade e saneamento, que sirvam o arrendado, bem como a manutenção dos pavimentos, tectos, paredes, janelas e vidros, obrigando-se ainda ao pagamento da água municipalizada e de energia eléctrica que for consumida no arrendado. 4. Por acordo escrito de 29/02/2016, e que consta dos autos a fls. 41 e aqui se considera reproduzido, H…, Unipessoal Lda declarou vender ao A. o estabelecimento comercial referido, operando os seus efeitos a 18/04/2016, pelo preço de 60.000,00 euros, fazendo parte a relação de bens e equipamentos dele constante. 5. Por acordo escrito de 01/02/2016, e que consta dos autos a fls. 28 e aqui se considera reproduzido, assinado por H…, Unipessoal Ldª, os Rs. e os intervenientes F… e G…, os primeiros aceitaram substituir os fiadores do acordo referido em 1 por F… e G…, ficando englobados na locação os bens agora identificados no anexo A, a fls. 34, de onde constam: - dois aparelhos de ar condicionado; - um balcão frigorífico; - duas arcas frigoríficas; - uma máquina de lavar louça; - forno em inox; - fritadeira eléctrica; - uma máquina de gelo; - um micro-ondas; - um latão de lixo; - um fogão a gás; - um fogão a lenha; - uma balança relógio; - uma mesa de escritório; - máquina de café; - moinho de café; - armário para roupa; - dois escaparates. 6. Por acordo escrito de 12/05/2017, nos termos de fls. 48 cujo teor aqui se considera reproduzido, o A. declarou ceder a exploração do restaurante a E…, que declarou aceita-la. 7. A cedência referida em 4 foi efectuada pelo prazo de um ano, renovável automaticamente por iguais períodos enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes, ficando acordado o pagamento do valor mensal de 600,00 euros a que acrescia o valor da renda de 1.400,00 euros a entregar ao A.. 8. O A. não paga rendas aos Rs. deste Janeiro de 2018. 9. O estabelecimento comercial de restaurante que funcionava no rés-do-chão arrendado encontra-se encerrado desde Janeiro de 2018. Realizada a audiência, resultaram ainda provados os seguintes factos essenciais: 10. No ano de 2016, considerando o período posterior a 29/02/2016, o A. declarou um rendimento bruto de 38.459,27 euros por “prestação de serviços efectuados a pessoas singulares sem actividade empresarial”. 11. No ano de 2012, considerando o período até 12/05, o A. declarou um rendimento bruto de 10.036,18 euros por “prestação de serviços efectuados a pessoas singulares sem actividade empresarial”. 12. Em Setembro de 2017, os Rs. iniciaram a execução de obras profundas no 1º andar do imóvel onde estava instalado o restaurante, que também lhes pertencia, visando torna-lo habitável para utilização da filha do casal, ficando responsável pela sua execução a empresa I…, Ldª, como empreiteira. 13. Em Novembro de 2017, mas quando ainda se mantinha a cessão de exploração do estabelecimento, por via das obras realizadas no 1º andar, ocorreu entrada de água no restaurante, levando ao seu encerramento. 14. Após a limpeza da água e uma reparação efectuada pelo empreiteiro, o restaurante ainda reabriu sob a exploração da referida E…. 15. E… fez cessar o acordo de cessão de exploração, com efeitos a 23/12/2017. 16. A execução das obras no 1º andar determinou nova entrada de água no rés-do-chão, ainda em Dezembro de 2017, tendo ocorrido várias reuniões entre o A., a filha dos Rs. e a empresa que estava a realizar essas obras, no sentido de serem reparados os danos causados no restaurante pela entrada da água. 17. A empresa que estava a realizar as obras no 1º andar assumiu o seu dever de reparar os danos que a entrada de água causou no restaurante. 18. Não foram realizadas quaisquer obras de reparação após tais reuniões. 19. Após ter reunido com os Rs. em Março de 2018, estes assumiram a sua obrigação de reparar os danos que a entrada de água causou no restaurante. 20. Em 13/06/2018, a empresa que estava a realizar a obra do 1º andar dirigiu-se ao estabelecimento para efectuar uma reparação no tecto da cozinha e o A. não permitiu a sua entrada, alegando que aguardava uma resposta dos Rs. quanto à natureza das obras que seriam realizadas no imóvel. 21. As partes continuaram em negociações para alcançar um acordo que resolvesse a situação criada no estabelecimento comercial pelas obras realizadas no 1º andar do imóvel, que não foi alcançado. 22. As obras continuaram a realizar-se no 1º andar do imóvel. 23. Desde Dezembro de 2017, o A. está impossibilitado de promover a exploração do restaurante. 24. O estado do rés-do-chão tem vindo a degradar-se desde o encerramento do estabelecimento comercial. 25. A infiltração de água no rés-do-chão, proveniente das obras do 1º andar provocou; - a deterioração do pavimento das salas do restaurante que era em soalho flutuante que necessita de ser inteiramente substituído; - a deterioração de cerca de 20% dos rodapés, dos tectos de madeira das salas do restaurante e dos painéis em madeira da sala grande que têm de ser reparados. 26. A reparação dos danos referidos ascende: - 3.475,98 euros para a substituição do soalho das salas do restaurante; - 195,84 euros para a reparação de 20% dos rodapés das salas do restaurante; - 902,00 euros para a reparação de 20% dos tectos das salas do restaurante - 237,00 euros para a reparação de 20% dos painéis em madeira da sala grande. 27. As caixas de aparelho do ar condicionado que se encontram na parede superior da fachada do restaurante encontram-se deterioradas. 28. A sua substituição, que implica necessariamente a substituição do aparelho que se encontra colocado no interior do estabelecimento, ascende a 4.100,00 euros. 29. As portas interiores de acesso às salas do restaurante apresentam algumas deficiências de funcionamento, em cerca de 25%, resultante do seu uso e idade, importando a sua reparação a quantia de 140,00 euros. 30. As janelas não fecham convenientemente, sendo necessário substituir as ferragens que se encontram deterioradas pelo encerramento do estabelecimento e as consequentes condensações, importando esta substituição a quantia de 75,00 euros. 31. As madeiras das portas e portadas dos móveis das instalações sanitárias incharam com a absorção de água, não sendo o material utilizado o adequado o que, considerando o uso que teve e as condensações resultantes do encerramento do estabelecimento, justificam o estado em que se encontram, necessitando de ser substituídas e importando a sua substituição a quantia de 430,00 euros, sendo 30% imputável à inundação. 32. O mosaico cerâmico da cozinha apresenta-se deteriorado, sendo que o seu uso normal e a suas limpezas diárias provocam tal deterioração, importando a sua reparação em 464,40 euros. 33. Alguns equipamentos da cozinha apresentam pontos de oxidação nas superfícies que não obstam ao seu funcionamento, estando mais relacionados com a falta de ventilação do espaço e consequentes condensações do que com a inundação verificada. 34. As obras realizadas no 1º andar partiram três telhas das ombreiras, importando a sua reparação em 75,00 euros. 35. O tapete limpa-pés encontra-se deteriorado, importando a sua reparação em 155,00 euros, sendo imputável ao encerramento do estabelecimento resultante da inundação apenas 38,75 euros. 36. Os tectos falsos do piso superior / armazém estão empenados, orçando a sua reparação em 112,00 euros, imputável à inundação. 37. As portas exteriores necessitam de manutenção. 38. A situação do restaurante, o seu estado e a impossibilidade de o ter em funcionamento e a demora na resolução desta situação causam ao A. tristeza e angústia. 39. O A. retirava da actividade explorada no restaurante o seu único rendimento. 40. O A. não comunicou aos Rs. a cedência de exploração do estabelecimento comercial a E…, nem esta foi autorizada pelos Rs.. 41. Os electrodomésticos locados e pertencentes aos Rs. que se encontram no estabelecimento necessitam de revisão para voltar a funcionar, considerando que estão há mais de um ano sem utilização. 42. Em Agosto de 2018 foi facturado ao A. o valor de 115,93 euros a título de consumo de gás no estabelecimento comercial. 43. De Julho a Setembro de 2018 foi facturado ao A. o valor de 474,15 euros a título de consumo de electricidade. 44. Estando o estabelecimento comercial encerrado o A. poderia ter cancelado os contratos de fornecimento de gás e electricidade. 45. Os Rs. casaram em 07/02/1963 e sem convenção antenupcial. 46. O R. aufere a quantia de 334,44 euros a título de pensão de reforma. 47. A R. aufere a quantia de 281,00 euros a título de pensão de reforma. 48. A falta de pagamento das rendas pelo A. causa aos Rs. sofrimento. * O tribunal deu como não provada a seguinte materialidade:a) O negócio desenvolvido pelo A. apresentasse excelente rentabilidade. b) Tivesse sido a entrada da água e o encerramento do restaurante a determinar que E… tivesse antecipado o fim da cessão de exploração. c) Os demais danos alegados pelo A.. d) A reparação dos fanos alegados pelo A. esteja orçada em 79.594,38 euros. e) O A. tivesse algum negócio em vista de trespasse do estabelecimento pelo valor de 140.000,0 euros. f) O lucro que o A. alega que teria se o estabelecimento estivesse em funcionamento. g) A entrada do A. para a exploração do estabelecimento representasse a sua ruína. h) O A. se atrasasse no pagamento da renda. i) O A. não tivesse querido reassumir a exploração do restaurante a partir de Janeiro de 2018. j) Aquando da inundação de Novembro, a mesma não tivesse sido comunicada ao senhorio e sido resolvida. k) O A. não tivesse informado os Rs. atempadamente das inundações verificadas. l) Logo em Janeiro de 2018 o A. tivesse começado a criar obstáculos a que fossem feitas as reparações. m) O A. tivesse impedido o acesso ao restaurante, para além do que resulta dos factos provados. n) O A. tivesse condicionado a realização de reparações ao pagamento da indemnização. o) O encerramento do estabelecimento tivesse provocado estragos nos equipamentos que foram locados pelos Rs.. p) O A. tivesse omitido os seus deveres de manutenção do espaço arrendado e bens locados. q) A situação descrita e relativa aos danos do estabelecimento / arrendado cause aos Rs. angústia e tristeza. * IV.* Passamos a conhecer da apelação, segunda mesma ordem lógica da impugnação recursiva. 1. Erro da decisão proferida em matéria de facto Os RR. recorrentes deram cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art.º 640º do Código de Processo Civil. Especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, indicaram os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e especificaram ainda a matéria que, concretamente, ambicionam que seja dada como provada. Especificando, impugnaram os pontos dados como provados em 15, 23, 25, 26 e 38, e os não provados i) e p) da matéria dada como não provada, como se segue: Quanto à matéria dada como provada: 15. E… fez cessar o acordo de cessão de exploração, com efeitos a 23/12/2017. Pretendem: 15. E… fez cessar, por comunicação escrita de 22/11/2017, o acordo de cessão de exploração, com efeitos a 23/12/2017. Meio de prova: Documento nº 13 junto com a petição inicial; 23. Desde Dezembro de 2017, o A. está impossibilitado de promover a exploração do restaurante. Pretendem a sua eliminação por o considera conclusivo e por os danos terem sido residuais e não impeditivos do funcionamento do estabelecimento de restauração. Meios de prova: Relatório pericial e doc. 15 junto com a petição inicial (na sua perspetiva, incorretamente interpretado pelo tribunal). 25. A. infiltração de água no rés-do-chão, proveniente das obras do 1° andar provocou: - A deterioração do pavimento das salas do restaurante que era em soalho flutuante que necessita de ser inteiramente substituído; - A deterioração de cerca de 20% dos rodapés, do tetos de madeiradas salas do restaurante e dos painéis em madeira da sala grande que têm de ser reparados. Pretendem: 25. A infiltração de água no rés-do-chão, proveniente das obras do l.º andar, provocou: - A deterioração de parte do pavimento das salas do restaurante que era em soalho flutuante que necessita de ser inteiramente substituído; - A deterioração de cerca de 20% dos rodapés, que têm de ser reparados. Meios de prova: Relatório pericial e resposta à respetiva reclamação. 26. A reparação dos danos referidos ascende: - 3.475,98 euros para a substituição do soalho das salas do restaurante; - 195,84 euros para a reparação de 20% dos rodapés das salas do restaurante; - 902,00 euros para a reparação de 20% dos tetos das salas do restaurante; - 237,00 euros para a reparação de 20% dos painéis em madeira da sala grande. Pretendem: 26. A reparação dos danos referidos ascende: - 3.475,98 euros para a substituição do soalho das salas do restaurante; - 195,84 euros para a reparação de 20% dos rodapés das salas do restaurante; Ou, caso assim não se entenda, que sempre sejas eliminada a afirmação de que a reparação de 20% dos tetos da sala do restaurante tem o valor de € 902,00, devendo substituir-se pela afirmação de que tal reparação tem o valor de € 502,60. Meios de prova: A alteração do anterior ponto 25, o relatório pericial e a resposta do perito à respetiva reclamação. 38. A situação do restaurante, o seu estado e a impossibilidade de o ter em funcionamento e a demora na resolução desta situação causam ao A. tristeza e angústia. Pretendem a sua eliminação. Causa da eliminação: A eliminação do ponto 23 dos factos provados. Quanto à matéria dada como não provada: i) O A. não tivesse querido reassumir a exploração do restaurante a partir de Janeiro de 2018. Pretendem que seja dado como provado, com o seguinte teor: i) O A. não quis reassumir a exploração do restaurante a partir de Janeiro de 2018. Meios de prova: Análise interpretativa dos factos provados nos pontos 10 e 11 e a aplicação das regras da experiência comum. p) O A. tivesse omitido os seus deveres de manutenção do espaço arrendado e bens locados. Pretendem: p) O A. omitiu os seus deveres de manutenção do espaço arrendado e bens locados. Meios de prova: Relatório pericial. Como refere A. Abrantes Geraldes[14], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto. Ensina Vaz Serra[15] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação. Vejamos então. Cotejando aquela fundamentação factológica, logo ressalta a importância dos depoimentos do A. e de seus pais, as fotografias de fl.s 45 verso a 47, documento de fl.s 51 verso, entre outros ali referidos, a prova pericial, relacionando-a com várias fotografias (fl.s 72 a 89), referindo, designadamente que “(…) as fotografias documentam evidente entrada de água no restaurante (e encontram-se a cores no suporte informático do processo), proveniente do andar de cima que escorre pelas paredes e que se acumulou nos tectos falsos. São incompatíveis com o funcionamento de um restaurante, razão pela qual tem de se reportar a período posterior à inundação inicial e que foi debelada, tendo o restaurante chegado a reabrir”. A sentença refere-se ainda aos depoimentos testemunhais de J…, K…, L…, M…, N…, O… e P…, mas dando-lhes pouca relevância na formação a sua convicção que, a dado passo, caraterizou assim: “Numa análise crítica do conjunto da prova produzida, percebe-se a razão pela qual o Tribunal a qualificou de pouco exuberante, resumindo-se os depoimentos relevantes aos do próprio A., da amiga da filha dos Rs., que com ela acompanhou as obras realizadas, e ao responsável pela empresa que realizou as obras”. Mas, consignemos aqui excertos do juízo crítico efetuado pelo tribunal logo de imediato: “Conjugados estes com os demais elementos de prova e o que foi alegado pelos próprios Rs. no seu articulado, não tem o Tribunal dúvidas sobre os factos que resultaram demonstrados e sobre a não prova dos demais. Começamos por referir que, se não existisse fundamento para que, por causa das obras do 1º andar, o estabelecimento comercial estivesse encerrado, dificilmente se compreenderia que os Rs. tivessem equacionado pagar ao A. “um valor justo” como referem na sua contestação (art. 75º), numa situação em que não estavam a receber qualquer quantia a título de renda já desde Janeiro de 2018, sendo que os danos verificados se devem à entrada de água. Aliás, este aspecto é por demais relevante pois que, ao longo de todo o período em que negociaram (e os Rs. situam o termo destas em Agosto de 2018, art. 185º), nenhuma interpelação fizeram ao A. no sentido daquele pagamento, não o tendo feito posteriormente, sendo do A. a iniciativa da presente demanda para o que requereu apoio judiciário ainda em 17/06/2018. Ou seja, apesar das parcas reformas (mas não tendo solicitado idêntico benefício), os Rs. nada requereram contra o A., sabendo que não recebem rendas há mais de um ano, sendo o valor mensal desta de 1.400,00 euros. Estes factos, conjugados com os elementos fotográficos juntos aos autos, as declarações do A. e as sucessivas reuniões mantidas sem que o assunto das rendas tivesse sido falado, permitem ao Tribunal afirmar que o estado do imóvel não permitia o funcionamento do estabelecimento comercial, como, com dificuldade é certo, acabou por ser admitido pela amiga da filha dos Rs. e que até estes achavam legítimo que as mesmas não estivessem a ser pagas pelo A.. (…)”. A complexidade da situação de facto, a evidente necessidade de conjugar vários meios de prova que o tribunal e os recorrentes valoraram de modo diferente e uma necessária visão de conjunto das circunstâncias, levam-nos a desenvolver uma investigação probatória que poderá estar para além da concretização dada pelos recorrentes e pela decisão recorrida, o que faremos na medida do que se afigurar necessário à boa decisão de facto, ao abrigo da primeira parte da al. b) do nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil. Ponto 15 Este facto radica essencialmente no documento nº 13 junto com a petição inicial[16], que corresponde à carta de rescisão do contrato de cessão de exploração do restaurante do A., assinada pela cessionária, da qual consta, como data da sua emissão, o dia “22 de novembro de 2017”. O próprio A., em declarações de parte, referiu em audiência que lhe foi enviada e entregue em mão e nenhuma outra prova permite sequer admitir a dúvida sobre a veracidade daquela data como correspondente às circunstâncias em que foi entregue ao demandante. O ponto 15 passa a ter a redação proposta pelos recorrentes, o que, no entanto, não permitirá extrair a conclusão por eles tirada de que, naquela data de rescisão, ainda não tinha ocorrido qualquer inundação no estabelecimento. Para tanto basta atentar no ponto 13 dos factos provados, não impugnado. O ponto 15 passa a ter o seguinte teor: 15. E… fez cessar, por comunicação escrita de 22.11.2017, o acordo de cessão de exploração, com efeitos a 23.12.2017. Ponto 23 O ponto 23 é algo conclusivo, mas não deixa de corresponder a um facto ilativo legítimo que pode ser explicitado. Mesmo uma testemunha muito próxima dos RR., J…, que coabita com a filha dos RR. (Q…) no 1º andar do edifício onde está instalado o restaurante “S…” e que visitou o interior do estabelecimento comercial após as infiltrações, reconheceu que, por causa da água que nele entrou durante a execução das obras no 1º andar e dos danos dali emergentes, principalmente no piso flutuante junto da sua entrada e no armazém, não ficou em condições de receber clientes e de poder funcionar como estabelecimento de restauração. Disse aquela testemunha que “nas condições em que ficou o restaurante quando ocorreram as infiltrações, diria que o restaurante não podia funcionar” e que “enquanto não se arranjasse o chão não era possível por o restaurante a funcionar”. Por isso, o B… fechou o estabelecimento. Disse aquela testemunha que, além do mais, a água provocou o empolamento do chão junto à porta de entrada do r/chão que impediu ou dificultava muito o funcionamento físico da própria porta (os simples atos de abrir e fechar). Para que o restaurante não possa funcionar, não é necessário que o seu piso se encontre totalmente destruído. Basta que esteja parcialmente deteriorado, danificado pelas infiltrações de água ou qualquer outra causa. O restaurante vive de clientela e esta procura qualidade e conforto. Não é um espaço onde se entra e sai de imediato; mas um espaço onde se permanece e convive durante a tomada de refeições. Do relatório pericial extrai-se que “existem diversas zonas em que o pavimento e rodapés das salas se encontra deteriorado” e que, “dado que o pavimento das salas é soalho flutuante não se afigura aconselhável proceder a reparações pontuais. Deste modo atribuímos a este artigo o valor assinalado na tabela anexa e consideramo-lo totalmente devido à inundação havida. Quanto ao material do rodapé consideramos que 20 % deve ser objeto de reparação conforme tabela”. De acordo com o ponto 36, não impugnado, os tetos falsos do piso superior/armazém estão empenados, sendo este efeito imputável à inundação. Como, muito propriamente, se referiu na motivação de facto da sentença, “um restaurante não é uma casa que pode ter ou não todas as divisões habitáveis. Um restaurante vive da imagem que projecta, para além do valor próprio, sendo impensável que um local que se destina a ser utilizado pelo público, com conforto, se apresente aberto nas condições que as fotografias documentam, não sendo exigível ao A., arrendatário, que o limpe quando foram as obras realizadas em benefício dos senhorios que causaram tal estado de degradação”. Estas conclusões não podem surpreender os RR. quando eles próprios --- depois de até a sociedade empreiteira por eles contratada ter aceitado a responsabilidade, mas não ter efetuado as reparações --- assumiram perante o A. a responsabilidade pela reparação dos danos causados nas instalações do estabelecimento (instalações a eles pertencentes) para que o restaurante pudesse retomar o seu funcionamento. Vejam-se os pontos 12, 13, 14, 16, 17, 18 e 19, que não foram objeto de impugnação. O ponto 23 passa a ter o seguinte teor explicitado: 23. Desde dezembro de 2017 que, por causa das infiltrações e dos danos dali resultantes, também devido à subsistência da falta de reparações e ao encerramento, o restaurante “S…” não reúne as condições necessárias ao seu funcionamento, designadamente para receber clientes e servir refeições. Ponto 25 Do relatório pericial (respetiva pág. 5) emerge expresso: “(…) Consideramos 20 % de deterioração em que se observam anomalias do teto falso. Não confirmamos que tal se deva à inundação. Poderá ser quando muito devido à paragem de funcionamento do restaurante e condensações associadas.” Do mesmo relatório pericial (respetiva pág. 15) consta: “Nos tetos falsos em madeira observam-se várias anomalias resultantes das humidades instaladas devidas quer à inundação, quer à falta de ventilação dos espaços.” Nos esclarecimentos escritos posteriormente prestados pelo Sr. perito consta: “3- Teto das salas em madeira - Considerei a verba de 502,60 € (20%) como custo das reparações das deficiências observadas que não confirmamos se devam às inundações, mas que resultaram a meu ver da paragem do funcionamento e condensações associadas.” No que concerne ao chão das salas, o Sr. Perito é muito claro quando afirma que todo o chão tem que ser substituído, ou seja, o efeito danoso emergente das infiltrações de água repercutiu-se sobre o funcionamento de todo o chão; não funciona sem a sua total substituição, o que, em si mesmo representa um dano, uma perda total. Quanto aos painéis laterais em madeira da sala maior, resulta do relatório (respetiva pág. 6): “Situação semelhante ao teto do item anterior. Consideramos 20 % de deterioração em que se observam anomalias do teto falso. Não confirmamos que tal se deva à inundação. Poderá ser quando muito devido à paragem de funcionamento do restaurante e condensações associadas”. Consta da resposta à reclamação: “4- Painéis laterais em madeira - Considerei a verba de 237,00 € (20%) como custo das reparações das deficiências observadas que não confirmamos se devam às inundações, mas que resultaram a meu ver da paragem do funcionamento e condensações associadas.” O ponto 25 deve ser cindido nos seguintes dois pontos: 25. A infiltração de água no rés-do-chão, proveniente das obras do l.º andar, provocou: - A deterioração do pavimento das salas do restaurante que era em soalho flutuante que necessita de ser inteiramente substituído; - A deterioração de cerca de 20% dos rodapés, que têm de ser reparados. 25-A- A falta de reparação e limpeza das instalações do estabelecimento na sequência das infiltrações de água e o seu encerramento determinaram, por condensações também associadas às infiltrações, o empolamento dos tetos de madeira das salas do restaurante e dos painéis em madeira da sala grande que têm de ser reparados. Ponto 26 Os RR. pretendem a eliminação dos dois parágrafos relativos ao custo da reparação dos tetos das salas do restaurante e dos painéis em madeira da sala grande, por força da alteração que preconizaram para o ponto 25. Trata-se de danos e de reparações necessárias ao bom funcionamento do restaurante, independentemente da sua causa e da imputação da responsabilidade. Assim resulta claramente do relatório pericial e dos esclarecimentos posteriormente prestados pelo Sr. perito. Deve manter-se o ponto 26, apenas com a correção do custo da reparação dos tetos das salas do restaurante que não foi avaliado em 902,00, mas em € 502,60, como resulta evidente do anexo ao relatório pericial (respetiva pág. 20)[17], confirmado na resposta à reclamação. 26. (…) - 502,60 euros para a reparação de 20% dos tetos das salas do restaurante; (…). Ponto 38 O fundamento da impugnação reside na insubsistência do ponto 23. Não demonstrada impossibilidade de funcionamento do restaurante por facto imputável aos RR. --- dizem os recorrentes --- “caem por terra todos os danos não patrimoniais alegados por si e que se baseiam na perda dos lucros cessantes e na existência de uma situação de facto impossibilitadora do desenvolvimento de uma actividade económica, com as angústias e preocupações daí advenientes”. Ora, o ponto 23 não foi eliminado, ao contrário do que os RR. pretendiam. Para além disso e ainda que assim não fosse, o conjunto dos factos provados traduz uma situação danosa que, independentemente da atribuição da responsabilidade, acarretou tristeza e angústia para o A. Justifica-se, no entanto, uma ligeira alteração deste ponto em função da modificação introduzida no ponto 23. Passa a ter o seguinte teor: 38. A situação do restaurante, o seu estado e a demora na resolução desta situação causam ao A. tristeza e angústia. Relativamente à matéria dada como não provada Alínea i) Alegam os recorrentes que o A. não quis reassumir a exploração do restaurante a partir de janeiro de 2018. Não há elementos de prova que permitam retirar tal conclusão. Mesmo admitindo que, face aos pontos 10 e 11, o A. não obteve um rendimento líquido elevado, ficou patente nas suas declarações de parte o seu interesse pela sua exploração, direta ou através de outrem podendo sempre tentar o seu trespasse. Era um restaurante afamado e muito bem frequentado, principalmente no tempo da D. T…, a sua anterior proprietária. Do conjunto dos depoimentos, incluindo da testemunha J…, o A. manifestou sempre interesse na realização das obras de reparação e desenvolveu sucessivos esforços nesse sentido, com contactos junto dos RR. e da sociedade empreiteira, traduzidos também em reuniões realizadas sem sucesso por, em boa verdade, apesar de algumas promessas, nem a sociedade empreiteira nem os RR. terem iniciado qualquer reparação dos danos causados pelas infiltrações. Não olvidamos que foram feitas afirmações de que o A. recusou a reparação; não compareceu para abrir a porta do restaurante quando um carpinteiro (a testemunha M…), subempreiteiro da empreiteira I…, Lda. se apresentou um dia para fazer reparações nas instalações do restaurante. Mas, a verdade é que o A. tinha razões para suspeitar de que a intervenção proposta não correspondia à reparação necessária, faltava um plano adequado de correção dos vícios originado com as infiltrações que os AA. não queriam assumir e, mantinham-se, por isso, naquela data, e prosseguiram as negociações entre eles e o A. Como assim, nem os RR. consideraram ter havido da parte do A. uma recusa definitiva na realização dos trabalhos reparatórios das instalações do restaurante, o que, aliás, sempre justificaria alguma troca de correspondência confirmativa daqueles propósitos e convicções. Nas suas declarações, o A. aceitou que não abriu a porta ao carpinteiro em determinado dia, mas explicou que o fez porque não ia corrigir os vícios cuja reparação se impunha, não tendo os RR. aceitado fazer as obras que se deviam realizar em consequência das infiltrações. As regras da experiência apontam para a necessidade de reparar ante o esforço desenvolvido pelo A. nesse sentido, e não para a recusa da reparação por parte do A., ainda que tenha exagerado na alegação da dimensão do seu prejuízo. Não há fundamento probatório justificativo da matéria da al. i) dada como não provada. Com efeito, deve manter-se como não provada. Alínea p) Defendem os RR. que o A. omitiu os seus deveres de manutenção do espaço arrendado e bens locados; assim porque uma grande parte dos danos verificados pela perícia não resultou das infiltrações. O que resulta da perícia é que, não tendo parte dos danos resultado diretamente das infiltrações, eles ficaram a dever-se, em grande parte, também à forma como a questão das infiltrações foi resolvida, ou melhor, não foi resolvida, com encerramento do estabelecimento e consequentes condensações e acumulação de humidades. Nada resulta da perícia que signifique deficiente manutenção ou conservação das instalações do estabelecimento em momento anterior às sucessivas infiltrações que ali ocorreram, e nessa hipótese, se algumas anomalias são imputáveis ao A. ou aos RR. seus senhorios. A não imputação de certos vícios às infiltrações de água significa apenas que o Sr. perito não logrou estabelecer o respetivo nexo causal; não traz prova do facto contrário, nem impede a prova deste, pois que, não obstante a força daquela prova, ela está submetida à livre apreciação do tribunal (art.º 389º do Código Civil). A matéria da al. p) deve manter-se como não provada. Termos em que procede parcialmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. * 2. A modificação da matéria de facto e a resolução do contrato de arrendamentoJá na análise jurídica dos fundamentos da sentença, os RR. passaram a defender que o deferimento da pretendida modificação da decisão em matéria de facto teria de conduzir à resolução do contrato de arrendamento, por três fundamentos: a) Falta de pagamento de rendas; b) Não uso do locado por mais de um ano, sem fundamento relevante; e c) Incumprimento do dever de conservação e manutenção do espaço arrendado e bens existentes no locado. Os RR. não lograram obter, pela totalidade, as modificações pretendidas. Não obstante, houve modificação da decisão. Vejamos se foi relevante relativamente a qualquer um dos referidos fundamentos de resolução. a) A resolução do contrato por falta de pagamento das rendas Dado o trespasse do estabelecimento comercial de restauração “S…”, em que foi trespassante H…, Unipessoal Lda. e trespassário o aqui A. B…, celebrado em 29.2.2016, o A. passou a ocupar a posição de arrendatário, até então daquela sociedade, no contrato de arrendamento que esta havia celebrado com os RR. no dia 20.9.2013. Na qualidade de arrendatário das instalações do restaurante, ficou obrigado no pagamento da respetiva renda, no valor mensal de € 1.400,00 (cláusula 9ª do contrato). Ao arrendamento para fins não habitacionais, na expressão do art.º 1067º, nº 1, do Código Civil[18], como é o caso (antes designado arrendamento comercial) são também aplicáveis os fundamentos de resolução previstos no art.º 1083º, enquanto causa geral de cessação do contrato de arrendamento urbano (art.º 1079º), tendo as respetivas normas natureza imperativa, salvo disposição em contrário (art.º 1080º). O pagamento da renda constitui a principal obrigação do locatário (art.º 1038º, al. a)). Sendo o arrendamento um contrato sinalagmático, com obrigações correspetivas, relacionadas entre si por um vínculo de correlatividade, de tal modo que cada uma é o motivo da existência da outra, à obrigação principal do locador de entregar ao locatário a coisa locada e de lhe assegurar o gozo dela para os fins a que se destina (art.º 1031º, al.s a) e b)), corresponde a obrigação primária e essencial do locatário de pagar a respetiva renda (art.º 1038º, al. a)). A resolução do contrato de arrendamento, seja ela judicial ou extrajudicial[19] (art.º 1047º), resulta sempre, por aplicação das regras gerais da resolução, da iniciativa de uma das partes e tem por base a impossibilidade do cumprimento ou incumprimento contratual pela outra parte (art.ºs 432º e seg.s, 801º, 802º e 1083º, nº 1). Num sentido mais próprio, consiste na extinção da relação contratual por declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do contrato. Ao contrário da revogação, a resolução processa-se sempre através de um negócio jurídico unilateral. Consequentemente, nesta situação, a extinção do contrato ocorre por decisão unilateral de uma das partes, não sujeita ao acordo da outra. A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado (e não discricionário), no sentido de que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu exercício (art.º 432°, n° 1)[20]. Assim, mas no que concerne, especificamente, à resolução do contrato de arrendamento, hão de ter-se por verificados os requisitos legais previstos no nº 2 do art.º 1083º, de cujo corpo emerge que “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento,…”. Se a resolução provier do senhorio, ocorrerá designadamente pela verificação de algumas das alíneas ali previstas. Em todo o caso, dispõe o subsequente nº 3 que “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, …”. Trata-se de uma situação que, desde que preenchida, torna de per se inexigível para o locador a manutenção do arrendamento. Basta que a situação de mora no pagamento da renda seja igual ou superior a três meses para se dever considerar existir, automaticamente, incumprimento grave da obrigação do locatário determinante da não exigibilidade de manutenção do contrato. É suficiente a mora no pagamento de uma única renda.[21] Isto significa que, caso o arrendatário demore três meses ou mais a pagar uma renda que seja, se configura, sem mais, fundamento de resolução extrajudicial do contrato. Tal não se altera pelo facto de o arrendatário ter procedido (posteriormente) ao pagamento de rendas que igualmente se tenham vencido (ou de encargos ou despesas).[22] O A. não paga as rendas aos RR. desde janeiro de 2018, situação que se mantinha quando, um ano depois, instaurou a ação. Em princípio, haveria fundamento para que os RR. resolvessem o contrato de arrendamento, por falta de pagamento das rendas por parte do A. inquilino. Mas, a sentença recorrida deixou expresso: «Ora, na situação dos autos, temos por certo que a impossibilidade de o A. gozar o imóvel arrendado para os fins a que este se destina, restaurante, permite que o mesmo invoque a excepção de não cumprimento do contrato, recusando o pagamento da renda enquanto o referido gozo não lhe voltar a ser concedido, com a realização das obras necessárias no arrendado e que resultam demonstradas para a reabertura do restaurante. Procede assim o pedido formulado, reconhecendo-se que o A. pode recusar-se a pagar aos Rs. a renda devida invocando a excepção de não cumprimento do contrato até que se mostrassem realizadas as obras necessárias para a reabertura do restaurante.» Ora, desde dezembro de 2017 que, por causa das infiltrações e dos danos dali resultantes, também devido à subsistência da falta de reparações e ao encerramento motivado por tal situação, o restaurante “S…” não reúne as condições necessárias ao seu funcionamento, designadamente para receber clientes e servir refeições. Os RR. senhorios assumiram a reparação dos danos que impediam a reabertura do restaurante causados pela sua obra do 1º andar, mas não a realizaram, deixando o A. na situação de não poder exercer o seu mais elementar direito emergente do contrato: o gozo das instalações com a afetação comercial a que se destinava. Da modificação da decisão em matéria de facto nada resultou de relevante quanto à causa do encerramento do restaurante: as infiltrações provindas da obra do 1º andar, os seus efeitos danosos sobre as instalações do restaurante, determinantes do seu encerramento e a agravação dos danos, por sua vez, resultante do seu não funcionamento, numa relação causa-efeito que encontra a sua origem relevante naquele facto inicial. A recusa de pagamento está diretamente ligada ao aparecimento daqueles defeitos. Não havendo nos contratos bilaterais prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. É o que dispõe o nº 1 do art.º 428º, no sentido de que, nos contratos sinalagmáticos, assim, com obrigações correspetivas, a parte que não esteja obrigada a cumprir antes da parte contrária, pode recusar a sua prestação enquanto a outra parte não cumprir a obrigação a que está contratualmente obrigada. Há uma recusa temporária de cumprimento justificada pelo atraso, incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso da parte contrária. O negócio pode ainda ser cumprido, tendo o excipiente vontade de cumprir, mas as circunstâncias do incumprimento por banda da parte contrária justificam que o não faça sem que a outra parte cumpra primeiro ou em simultâneo. Como refere José J. Abrantes[23], o principal efeito da exceção é a dilação do tempo de cumprimento da obrigação de uma das partes até ao momento do cumprimento da obrigação da outra. A exceção tem como função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor, sem por sua vez, cumprir a obrigação correspetiva a seu cargo ou, sem, pelo menos, oferecer o seu cumprimento simultâneo. É, pois, uma causa justificativa de incumprimento das obrigações. A exceção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente, há apenas suspensão da exigibilidade da sua obrigação; ou seja: o excipiente pode legitimamente recusar a sua prestação, sem que, com isso, incorra em mora. Dada a natureza do contrato de arrendamento, admite-se a exceção de não cumprimento do contrato. No caso, face a todas as circunstâncias provadas, em boa fé, não era exigível ao A. que pagasse a renda enquanto os RR. não fizessem as obras necessárias à reposição do estado do r/chão na situação em que se encontrava antes das infiltrações, assim viabilizando o seu funcionamento. A primeira infiltração ocorreu em novembro de 2017, quando o restaurante estava a ser explorado pela cessionária E… (e marido U…), mas ocorreu nova infiltração em dezembro de 2017, altura em que, cessado antecipadamente o contrato de cessão de exploração, o A. se viu obrigado a encerrar o espaço por falta de condições de funcionamento. E não é por as reparações serem de baixo custo que deixam de ser determinantes de danos muito relevantes para o funcionamento do restaurante, ou que justificam a inércia dos RR. na sua reparação. Pelo contrário, não apresentando uma expressão económica muito significativa, por maioria de razão se impunha aos RR. uma rápida intervenção reparatória, prevenindo os maiores prejuízos que acabaram por acontecer devido a seu encerramento. Por conseguinte, por força da exceção do não cumprimento do contrato, o A não estava obrigado a pagar a renda e, como tal, não ocorreu o referido fundamento de resolução contratual. b) Não uso do locado por mais de um ano, sem fundamento relevante Outro fundamento de resolução do contrato é “o não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no nº 2 do artigo 1072º” (art.º 1083º, nº 1, al. d)). Provados que estão os motivos pelos quais aquele espaço deixou de ser utilizado --- que aqui não vamos repetir, por desnecessidade --- não tendo os reconvintes afastado aqueles fundamentos e estando o espaço em causa destinado exclusivamente ao exercício do comércio de restauração, é manifesto que desde fins de dezembro de 2017 o A. estava impedido, por culpa dos RR. e sem culpa sua, de o destinar efetivamente ao fim do contrato. Tal fundamento de resolução só existiria se o incumprimento do A. no não uso do locado lhe fosse imputável, tornando inexigível aos RR. senhorios a manutenção do contrato de arrendamento (art.º 1083º, nºs 1 e 2). Não tendo os RR. provado este fundamento de resolução (que invocaram também na reconvenção), não podem através dele obter a resolução do contrato. c) Incumprimento do dever de conservação e manutenção do espaço arrendado e dos bens existentes do locado Este é o último dos referidos três fundamentos de resolução invocados pelos apelantes. Alegam que a maior parte dos danos verificados no locado não contenderam com qualquer ato da responsabilidade dos RR. e que foi o A. que não conservou nem tratou de cuidar dos respetivos equipamentos e do próprio locado, assim violando a cláusula 12ª do contrato de arrendamento, o que constitui fundamento de resolução do contrato, nos termos do art.º 1083º, nº 1, do Código Civil. A referida cláusula contratual dispõe: «A Segunda Outorgante deve fazer um uso prudente do arrendado, sendo a seu cargo todas as obras de conservação do bom estado de funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, electricidade e saneamento, que sirvam o arrendado, bem como a manutenção dos pavimentos, tectos, paredes, janelas e vidros, obrigando-se ainda ao pagamento da água municipalizada e da energia eléctrica que consumir no arrendado.». Do art.º 1038º, al. d), resulta que o locatário tem por obrigação não fazer da coisa locada uma utilização imprudente e, segundo o art.º 1031º, al. b), é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que esta se destina. Não podendo também esta questão sem decidida sem respeito pelos factos provados, mas em função deles, não vemos de onde se possa colher a violação do dever de boa conservação do espaço locado com consequências danosas pelas quais o A. possa ser responsabilizado. Como observámos já, a causa do encerramento do estabelecimento não é imputável ao A., mas aos RR. (pontos 13, 16, 17, 18, 19 e 23 dos factos provados) e os prejuízos verificados respeitam diretamente ao dano evento e ao dano consequência, sendo o encerramento do restaurante um efeito da inaptidão do espaço para o seu devido funcionamento de acordo com o fim a que o arrendamento se destinou e grande parte dos danos uma consequência desse encerramento (24, 25, 26 a 37 e 41 dos factos provados). Não há qualquer prova de que as deteriorações não relacionadas com as infiltrações de água e com o consequente encerramento do estabelecimento sejam resultantes de falta de manutenção exigível ao A., nomeadamente a deterioração das caixas de aparelho do ar condicionado que se encontram na parede superior da fachada do restaurante, as deficiências de funcionamento das portas interiores de acesso às salas do restaurante que resultam do seu uso e idade, a deterioração do mosaico cerâmico da cozinha, que é própria do seu uso normal e das suas limpezas diárias. Quanto à necessidade de manutenção das portas exteriores do restaurante, ainda que se admitisse ser da responsabilidade do A., jamais poderia configurar um ato de incumprimento contratual de tal modo grave que justificasse a inexigibilidade, para o senhorio, de manutenção do arrendamento, enquanto fundamento de resolução do contrato. Improcede também este fundamento de resolução contratual. * 3. O erro na condenação dos RR. no pagamento dos valores referidos nas alíneas a), b) e c) da sentençaEstá em aqui colocada em crise a condenação dos RR. em indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais e na quantia que se vier a liquidar relativa aos rendimentos que o A. deixou de auferir desde fevereiro de 2019 até à data da sentença, no valor mensal de € 600,00. Os recorrentes argumentam essencialmente que, não tendo cessado o contrato de cessão de exploração do restaurante celebrado entre o A. e E… por causa das inundações (o contrato cessou antes da inundação determinante do encerramento), não pode aquele ficcionar que continuaria a retirar do restaurante o rendimento de € 600,00 por mês que obtinha da execução daquele contrato, assim, porque não provou o nexo de causalidade entre a cessação da exploração pela E… e os factos imputáveis aos RR., ou seja, que aquela exploração tinha terminado por responsabilidade dos réus. O A. não provou os lucros cessantes necessários à fixação da respetiva indemnização. Os RR. desenvolvem o seguinte raciocínio para a concretização do prejuízo futuro do A.: No ano de 2016, o autor retirou um rendimento bruto mensal de cerca de € 3.845,00. No ano de 2017, retirou um rendimento bruto mensal de cerca de € 2.500,00. Se considerarmos que ao rendimento bruto temos de subtrair todas as despesas inerentes (renda de € 1.400,00, salários de funcionários, seguros, encargos com compras, água, gás, eletricidade, reparações correntes, etc.), facilmente se percebe que o autor mensalmente nada retirava da exploração do restaurante, apenas acumulando prejuízos. Razão pela qual, o tribunal devia ter considerado que os réus não tinham qualquer valor a pagar ao autor a título de lucros cessantes. Vejamos. A cessionária rescindiu o contrato de exploração do restaurante por comunicação escrita de 22.11.2017. Então, tinha ocorrido já a primeira infiltração de água no r/chão. A E… ainda reabriu o estabelecimento após a limpeza da água e uma reparação efetuada pelo empreiteiro. Mas não está provado que aquela rescisão contratual antecipada tenha sido motivada pela dita infiltração (cf. al. b) da matéria não provada). Não está provado que tenha sido nem que não tenha sido, ou que tivesse sido por qualquer outra causa. O espaço locado tornou-se inadequado ao funcionamento do restaurante após a segunda inundação, ocorrida em dezembro de 2020. Só depois desta inundação o A. encerrou o estabelecimento. A questão é saber qual foi o rendimento mensal futuro que o A. perdeu por causa daquele facto. Quando faltam elementos para a determinação do valor exato dos danos segue-se normalmente uma de duas vias: a equidade, ao abrigo do art.º 566º, nº 3 e a liquidação oportuna, com base no nº 2 do art.º 609º do Código de Processo Civil. Dispõe aquele art.º 609º, nº 2, que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. Segundo o nº 3 do art.º 566º, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Só deve deixar-se para oportuna liquidação a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, provando-se na ação declarativa a sua existência, não existem elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade nos termos da referida disposição legal. Se não for previsível que em oportuna liquidação se obtenha o valor exato dos danos, deve recorrer-se desde logo à equidade, evitando-se o arrastamento da solução do litígio. Tem que haver um mínimo de concretização que fundamente o juízo de equidade, já que esta não se confunde com arbítrio. O recurso ao dispositivo do art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil depende do juízo que se formar em face das circunstâncias concretas de cada caso sobre a possibilidade de determinação do valor exato dos danos. Se esse juízo for afirmativo, será de aplicar aquele normativo; de contrário, deve aplicar-se o art.º 566°, n.º 3[24]. Só se não for possível atingir a quantificação dos danos, deverá julgar-se a liquidação de acordo com a equidade, fazendo um julgamento ex aequo et bono (art.ºs 4º, al. a) e 566º, nº 3). Ou seja, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal deve julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. A E… pagava ao A. € 600,00 de renda mensal e ainda a quantia de € 1.400,00 que o A. destinava aos RR. senhorios a título de renda do espaço locado. A estes valores acresceu uma entrega inicial de € 5.000,00 a favor do cedente da exploração, o A., com um abatimento dos montantes recebidos em TPA no período de 13 a 31 de maio de 2017. Cedida a exploração, passam a pertencer ao cessionário os respetivos lucros, sendo deles também os eventuais prejuízos. O risco da exploração corre por conta do cessionário que assume naturalmente todas as despesas de funcionamento do seu comércio. Do contrato de cessão resulta até que a cessionária se compromete a segurar as instalações, equipamentos e restante recheio contra possíveis danos ambientais e/ou acidentes (cláusula 5ª, nº 6). Não estando excluída (nem confirmada) a possibilidade de a rescisão antecipada do contrato de cessão de exploração se ter ficado a dever à frustração da expetativa da cessionária relativamente aos lucros esperados, sempre são de ponderar outros elementos de facto que possam contribuir para uma quantificação mais segura do valor dos lucros cessantes do recorrido. Os elementos trazidos pelos recorrentes não são descabidos, por ser de admitir --- na falta de prova de qualquer promessa ou sequer negociação de nova cessão de exploração, que se presume até inexistente em face do estado em que as instalações do restaurante se encontravam --- que fosse retomar a sua exploração direta, segundo a sua experiência, vocação, habilitação e capacidade, assim, de modo semelhante àquele em que o fizera anteriormente entre o momento da aquisição do restaurante e a data da cedência da exploração, ou seja entre o dia 1 de março de 2016 e o dia 12 de maio de 2017. Está provado que relativamente àqueles 10 meses de 2016, o A. declarou um rendimento bruto de € 38.459,27 e que no ano de 2017, até ao mês de maio, obteve um rendimento bruto € 10.036,18. O seu rendimento bruto médio mensal foi de 3.845,92 no ano de 2016 e de cerca de € 2.500,00. Por cada mês, o A. suportaria uma renda mensal de € 1.400,00 e ainda outras despesas de funcionamento que se traduzem normal e previsivelmente no pagamento a fornecedores, salários de funcionários, seguros, água, gás, eletricidade, algumas reparações necessárias de equipamentos, etc.). Estas despesas variam muito em função da margem de lucro praticada, do número de trabalhadores remunerados e do preço dos produtos adquiridos aos fornecedores. Desconhecemos todos estes valores concretos e ainda que, na sua falta, considerássemos aceitável um cálculo equitativo que, à luz do art.º 566º, nº 3, atendesse às margens de rendimento líquido normalmente obtidas em função do rendimento bruto, segundo os padrões praticados no comércio da restauração, também nos faltam estes elementos gerais sem os quais nem o recurso à equidade é viável. E a equidade não se confunde com arbítrio. Outrossim, não é previsível que o A. tenha optado pela celebração do contrato de cessão de exploração de 2017 para obter pior rendimento do que aquele que obtinha até àquela data através da exploração direta. Por isso, é mais provável que então o seu rendimento líquido mensal ficasse aquém de € 600,00 e que até estivesse em declínio face à sua redução considerável (de cerca de 1/3) no ano de 2017 face ao no de 2016. A toda esta incerteza acresce o facto notório dos efeitos da pandemia ditada pela doença Covid 19 que levou ao encerramento temporário obrigatório dos estabelecimentos de restauração, com a consequente perda de rendimentos que sempre iriam penalizar o A., sem culpa dos RR., em algum período de tempo até à data em que foi proferida a sentença recorrida e que declarou resolvido o contrato. Subsistindo a possibilidade de os lucros cessantes do A. poderem vir a ser quantificados com algum rigor com o oportuno conhecimento de novos factos, ainda que apenas relevantes possam ser para efeito de cálculo segundo a equidade, qualquer indemnização dependente da determinação do rendimento líquido mensal do A. deve ser relegada para o futuro, com oportuna liquidação daquele rendimento (que aqui não é possível obter, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal recorrido). Assim acontece com a determinação da indemnização por lucros cessantes, relativa ao período de tempo decorrido desde janeiro de 2018 até à data de apresentação da petição inicial (28.1.2019) e desde fevereiro de 2019 até à data da produção dos efeitos da resolução do contrato (al.s a) e b) do dispositivo da sentença). Quanto à condenação na indemnização de € 2.000,00 por danos não patrimoniais (al. b) do dispositivo da sentença), defenderam os apelantes que a falta de prova do ponto 38 da sentença conduz necessariamente à anulação da sua condenação àquele título. Como o ponto 38 da matéria de facto provada não sofreu qualquer alteração, impõe-se a manutenção desta condenação. * 4. A resolução do contrato de arrendamento, a sua eficácia retroativa e o seu efeito relativamente à condenação dos RR. no pagamento das indemnizações.Os RR. alegam que, ao contrário do que resulta da lei, o A. não lhes comunicou a cessão de exploração do restaurante que realizou a favor de terceiro (E…) no dia 12.5.2017, nem eles autorizaram tal cessão, tendo sido esse contrato celebrado em momento anterior aos atos da autoria dos RR. e que fundamentaram a decisão condenatória. Entendem que o tribunal viola a lei e o princípio material de justiça quando condena os réus por factos ilícitos da sua autoria depois de o A. ter violado os termos do contrato de arrendamento, a qual significava, sem mais, a sua extinção, por resolução. Assim, se o A. não tem que pagar as rendas que eram devidas a partir de janeiro de 2018, também os RR. não deveriam ter que pagar qualquer valor pelos danos emergentes das infiltrações no locado (incumprimento do arrendamento), por o A. ter sido o primeiro a violar o contrato. A este propósito escreveu-se na sentença[25]: «Porém, através desta acção (e sem que aleguem tê-lo feito antes), vieram os Rs. invocar a resolução do contrato de arrendamento alegando que não autorizaram a cedência de exploração que o A. efectuou, nem a mesma lhes foi comunicada. Os Rs. invocam os termos do contrato celebrado para colocar em causa esta cedência, mas este nada diz sobre a possibilidade de cessão de exploração do estabelecimento comercial, limitando apenas a possibilidade de sublocação do arrendado, sendo que este não foi sublocado, tendo sido celebrado negócio relativo ao estabelecimento comercial que não se confunde com aquele. Estabelece o art. 1109º do C. Civil que esta cedência do estabelecimento comercial não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês, estabelecendo ainda o art. 1083º do mesmo diploma que é fundamento de resolução do contrato de arrendamento quando ocorra a cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita do gozo de um prédio quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio. O A. não provou que tivesse de facto efectuado tal comunicação, sendo certo que esta não tem de ser autorizada. Aliás, como se referiu na decisão sobre a matéria de facto provada, basta analisar o que foi dito pelo A. na réplica para se perceber que tal comunicação não foi efectuada, pois que a alegação se reporta apenas às reuniões ocorridas depois da inundação. Quer isto dizer que sem tal comunicação, a cessão é inoponível ao senhorio e sendo ineficaz quanto a este, constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento. Invoca o A. reconvindo o disposto no art. 1049º do C. Civil e que estabelece que se o senhorio reconhecer o beneficiário da cedência como tal ou se a comunicação tiver sido efectuada por este, não tem direto à resolução. Porém, apesar de invocar a norma, não alegou o facto que a ela está subjacente, ou seja, que os Rs. tivessem reconhecido o beneficiário da cedência como tal (a tal E…). Aliás, diga-se, seria até contraditório que o alegasse se, como refere, só após a inundação falou da sua existência aos Rs., tendo o acordo de cessão terminado em Dezembro de 2017. Verifica-se, pois, o fundamento que permite aos Rs. resolver o contrato celebrado, sendo certo que o facto de apenas o terem invocado nesta acção não torna ilegítima a sua invocação (embora pudesse questionar-se a sua tempestividade, sem que o Tribunal possa apreciar tal questão oficiosamente). Vejamos agora os efeitos da resolução do contrato, reconhecido que foi o direito de os Rs. o resolverem por falta de comunicação de ter existido cedência da exploração do estabelecimento comercial. Resolvido o contrato de arrendamento, têm os Rs. o direito de exigir do A. a entrega do imóvel arrendado, nos termos do art. 1081º do C. Civil. Aqui chegados, sendo procedente o pedido reconvencional que colocará termo ao contrato, com a decisão a proferir, resta verificar se, ainda assim, o A. terá direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais futuros que peticionou. E a resposta não pode deixar de ser afirmativa, mas apenas até ao momento desta decisão. Com efeito, se poderia ser duvidoso que a medida da indemnização do A. estivesse relacionada com os rendimentos que retirou da cedência de exploração do restaurante que é afinal inoponível aos Rs. e que lhes permite resolver o contrato de arrendamento, não esqueçamos que esta indemnização tem também como fundamento a responsabilidade civil e, sendo o A. proprietário do estabelecimento comercial que poderia estar a funcionar até que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento, até esse momento, é devida a indemnização pela referida perda de rendimento. Temos assim como claro que existe dano patrimonial futuro, considerando a data da propositura da acção, mas apenas até à prolação desta decisão, pois que, com esta, cessa o contrato de arrendamento e, com isso, a possibilidade de o A. continuar a explorar o seu estabelecimento comercial naquele local arrendado. É, pois, procedente o pedido genérico formulado, mas apenas nos estritos limites referidos e que se reportam a mais 24 meses (Fevereiro de 2019 a Janeiro de 2021). (…)». A resolução contratual, como já referimos, constitui uma das formas de extinção unilateral do contrato, podendo resultar da lei ou do próprio contrato, nos termos do art.º 432º, nº 1. É um direito potestativo, exercido por iniciativa da parte, seja por declaração receptícia dirigida à parte contrária, seja judicialmente, por via de ação, como acontece no caso. A resolução é condicionada, na medida em que só é admitida quando fundada na lei ou em convenção, é tendencialmente vinculada, uma vez que, para a sua concretização, há que alegar e demonstrar determinado fundamento, e é retroativa, por extinguir ab initio as relações contratuais. Consiste na destruição retroativa do negócio fundada na verificação e um facto posterior à sua celebração e que é causa de resolução. Por regra, a resolução determina a destruição do contrato, com efeitos retroativos entre as partes, o que implica que estas devolvam tudo aquilo que receberam; assim, porque os seus efeitos são equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art.ºs 433° 3 434º, nº 1). Porém, esta regra, da retroatividade da resolução, em princípio, não funciona nos contratos de execução continuada ou periódica. É o que resulta do art.º 434º, nº 2: “Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vinculo que legitime a resolução de todas elas”. Assim acontece nos contratos de locação, designadamente no contrato de arrendamento. O gozo do prédio pelo arrendatário não pode ser retroativamente apagado, não se justificando, por isso, que o senhorio não receba as rendas correspondentes a esse gozo. Seria contrário ao fim da resolução admitir a restituição de prestações já pagas, uma vez que estas tinham como contrapartida uma troca com outras prestações, já definitivamente realizada.[26] Almeida Costa é claro quando refere[27]: “A resolução produz, em princípio, os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 433.°). Ressalvam-se, todavia, os seguintes aspectos: a resolução não tem eficácia retroactiva, relativamente às partes, se a retroactividade contrariar a vontade destas ou o escopo da resolução, assim como, nos contratos de execução continuada ou periódica, somente abrange as prestações já efectuadas, se, entre elas e a causa da resolução, existir um vínculo que o legitime (art. 434.°, n.ºs 1 e 2) (…)”. Não está provado que a cessação antecipada do contrato de cessão estivesse relacionada com as infiltrações. Só depois da segunda infiltração de água, já depois da cessação daquele contrato, é que se justificou o encerramento do restaurante. Embora subsistisse para o futuro a causa de resolução invocada pelos RR., por falta de comunicação e de autorização da cessão de exploração, ao senhorio, na verdade, o A. prosseguiu na sua exploração direta, situando-se a causa da resolução do contrato de arrendamento e a causa da indemnização pretendida pelo A. em patamares diferentes de incumprimento na economia do contrato de arrendamento, cada um deles com os seus efeitos próprios. O contrato de arrendamento sobreviveu ao termo da cessão e mantinha-se o dever de cumprimento. Aquela já tinha terminado quando o A. queria cumprir o contrato de arrendamento e não o pôde fazer por o senhorio não ter realizado as obras necessárias ao seu devido funcionamento. E a verdade é que os RR. até assumiram a responsabilidade pela sua realização. Ambas as partes tinham a obrigação de cumprir o contrato de arrendamento, independentemente de ter existido ou não ter existido a cessão de exploração do “S…”. Os RR. continuavam obrigados a facultar o locado nas devidas condições para a exploração do negócio de restauração e, nessa condição, o A. tinha o dever de pagar a renda. Havendo que cuidar dos dois incumprimentos, porque as inundações e a inoperacionalidade do restaurante, embora posteriores, são absolutamente exógenas à cessão da exploração e à respetiva causa de resolução, sem qualquer correlação juridicamente relevante, não podemos deixar de considerar a responsabilidade dos RR. com a autonomia que a justifica, como se o contrato devesse estar a ser cumprido, não o estando apenas devido ao encerramento do estabelecimento, imputável aos demandados. A relação sinalagmática mantinha-se e subsiste durante toda a vida do contrato (art.º 1079º); a resolução não tem eficácia retroativa e não pode interferir na causa da obrigação e indemnizar que recai sobre o senhorio, anulando, pura e simplesmente, o reconhecido direito do inquilino. Não pode exagerar-se o alcance da retroatividade. A retroatividade da resolução só tem lugar até onde a finalidade desta o justificar: as coisas não podem passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, pois este existiu de facto e dele podem ter surgido obrigações, direitos e situações não abrangidos pela razão de ser da resolução, e que esta, portanto, não elimina, subsistindo não obstante ela[28]. Também por isso, considera Menezes Cordeiro[29] os diversos aspetos do art.º 434º, nº 2, como supletivos. Também Galvão Telles[30], depois e aludir ao efeito ex tunc da rescisão contratual, como regra, exceciona que “todavia nos contratos de execução continuada ou periódica, como o arrendamento ou o contrato de trabalho, a rescisão não opera retroactivamente: produz efeitos ex nunc (art. 434.°, n.° 2). O passado do contrato, que pode ser muito longo e durante o qual este foi executado no todo ou em parte, salva-se: só o seu futuro se sacrifica”. A resolução não pode obstar ao pagamento pelo seu autor dos prejuízos causados à contraparte durante o período de execução do contrato. Com efeito, temos para nós que a Ex.ma Juiz decidiu bem ao extrair as consequências do incumprimento dos RR. apesar da declaração simultaneamente da resolução do contrato por causa anterior, fazendo-o até à data dessa mesma resolução judicial (a data da sentença proferida na 1ª instância). Atento o exposto, havendo designadamente resolução do contrato de arrendamento, ainda que com salvaguarda de efeitos relacionados com o incumprimento dos RR., não vislumbramos a apontada violação dos art.ºs 1038º, al. g) e 1109º, nº 2. Não havendo qualquer outra questão que nos cumpra conhecer, a apelação procede parcialmente, na estrita medida da decisão que se segue. * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):* ……………………………… ……………………………… ……………………………… * IV.Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os RR. a pagar ao A. a quantia que resultar de oportuna liquidação (agora sem qualquer referência de valor mensal), relativamente aos danos resultantes para o A., por perda de rendimento, face ao encerramento do estabelecimento entre janeiro de 2018 e a data da sentença proferida em 1ª instância (29.1.2021), assim se alterando as al.s a) e c) do dispositivo da sentença recorrida, que em tudo o mais se mantém. As custas da apelação ficam a cargo dos RR. recorrentes, uma vez que a alteração da sentença, além de ser qualitativamente pouco significativa, não tem, por agora, qualquer expressão económica líquida, sem prejuízo da sua oportuna correção, aquando da liquidação das indemnizações (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * Porto, 1 de julho de 2021Filipe Caroço Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida _________________ [1] Conforme ponto c.1.1 da motivação, a folhas 7 e seguintes do recurso. [2] Conforme ponto c.1.1 da motivação, a folhas 9 e seguintes do recurso. [3] Conforme ponto c.1.1 da motivação, a folhas 29 e seguintes do recurso. [4] Conforme ponto c.1.1 da motivação, a folhas 34 e seguintes do recurso. [5] Conforme ponto c.1.2 da motivação, a folhas 35 e seguintes do recurso. [6] Conforme ponto c.1.2 da motivação, a folhas 38 e seguintes do recurso. [7] Conforme ponto c.2.1 da motivação, a folhas 41 e seguintes do recurso. [8] Conforme ponto c.2.2 da motivação, a folhas 54 e seguintes do recurso. [9] Conforme ponto c.2.3 da motivação, a folhas 55 e seguintes do recurso. [10] Conforme ponto c.2.4 da motivação, a folhas 56 e seguintes do recurso. [11] Conforme ponto c.2.5 da motivação, a folhas 64 e seguintes do recurso. [12] Por transcrição. [13] Por transcrição. [14] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225. [15] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171. [16] Documento junto a pág.s 1126 do histórico eletrónico do processo (a que pertencem todas as páginas que se citarem sem menção de origem). [17] Pág. 515 do histórico do processo eletrónico. [18] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [19] Nova forma de resolução, introduzida pelo NRAU. [20] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 6ª edição, pág.s 102 e 103. [21] Neste sentido, entre outros, Albertina Maria Pedroso, A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, Revista Julgar, 2013, nº 19, pág. 51. [22] Fernando Baptista de Oliveira, A Resolução do Contrato no NRAU, Almedina 2007, pág. 82. [23] A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, pág.s 127 e seg.s, [24] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25,3.2003, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 140. [25] Que nesta parte se transcreve, para uma cabal perceção do fundamento de resolução pedida pelos reconvintes. [26] Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 8ª edição, Almedina, pág. 149 e Direito das Obrigações, Almedina, Vol. II, 6ª edição, pág. 104. [27] Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 237. [28] Vaz Serra, RLJ, 102.°-168, citado por Abílio Neto, Código Civil anotado, 16ª edição, pág. 400. [29] Direito das Obrigações, AAFDL, Vol. 2º, 1980, pág. 165. [30] Direito das Obrigações, Coimbra, 3ª edição, pág. 420. |