Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
Descritores: | CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITOS DO BANCO DE PORTUGAL COMUNICAÇÃO DE INCUMPRIMENTO DE CRÉDITO PRESCRITO | ||
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Nº do Documento: | RP20250113441/24.8T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A necessidade de as instituições bancárias poderem avaliar e mitigar o risco latente nas operações de concessão de crédito esteve na base da criação de um serviço de centralização de riscos de crédito sob a égide do Banco de Portugal, denominada Central de Responsabilidades de Créditos. II - Da exegese do regime jurídico dessa Central, plasmado no DL n.º 204/2008, de 14 de outubro e regulamentado pela Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, de 27 de agosto, resulta que a mesma é uma base de dados, gerida pelo Banco de Portugal, com informação prestada pelas entidades participantes [isto é, as instituições que concedem crédito], as quais estão obrigadas a comunicar àquele informações sobre responsabilidades decorrentes de operações de crédito dos seus clientes ou potenciais clientes. III - Se a prescrição for validamente invocada a obrigação civil (ou comum) transmuta-se em obrigação natural, em razão do que o devedor natural não pode ser compelido a efetuar a prestação. IV - Por essa razão, não é legítimo o comportamento de instituição de crédito que, apesar de o crédito se achar prescrito, continua a comunicar à Central de Responsabilidade de Crédito a situação de incumprimento do mesmo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 441/24.8T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Central Cível, Juiz 2 Relator: Miguel Baldaia Morais 1ª Adjunta Desª. Teresa Pinto da Silva 2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade * SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra Banco 1... S.A., na qual conclui pedindo: 1. A condenação da Ré a abster-se de comunicar à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal qualquer dívida do Autor, resultante de aval prestado em título cambiário (livrança), em garantia de mútuo de €.500.000,00; Subsidiariamente, 2. Declarar-se a prescrição da dívida resultante do mútuo, nos termos do art.310º, alínea e) do CC; se ainda assim se não entender, a prescrição de juros, nos termos do art. 310º, alínea d) do CC; Subsidiariamente, 3. Para o caso de existir título cambiário (livrança), com aval válido prestado pelo Autor, mas que ainda não tenha sido preenchido, deve declarar-se a revogação do mandato de preenchimento da livrança em branco, com fundamento em justa causa; Subsidiariamente, 4. Para o caso de existir título cambiário (livrança), com aval válido prestado pelo Autor e tenha já sido preenchido deve declarar-se a prescrição cambiária da livrança; Ainda subsidiariamente, 5. Caso improcedam os antecedentes pedidos 3 e 4, deve declarar-se abusivo o preenchimento da livrança que impeça a invocação da prescrição cambiária; Cumulativamente com todos os pedidos anteriores, 6. Deve a Ré ser condenada em liquidação de execução de sentença pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) causados ao A, com a comunicação indevida de dívida por aval ao Banco de Portugal. Para substanciar tais pretensões alegou, em síntese, ter avalizado livranças a favor da sociedade “A..., S.A.” que, entretanto, foi declarada insolvente, aval que se mostra prescrito pelo decurso do tempo, continuando, porém, a ré a comunicar tal crédito ao Banco de Portugal, o que lhe vem causando constrangimentos e prejuízos que invoca. Contestou a ré, impugnando a versão dos factos alegada pelo autor, advogando que o aval que este prestou em livrança subscrita pela “A..., S.A.”, apesar de prescrito, se mostra válido e em vigor, razão pela qual, enquanto entidade bancária e financeira, se encontra constituída no dever de comunicar ao Banco de Portugal o respetivo incumprimento. Foi proferido saneador/sentença no qual se decidiu «julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: A- Declarar prescrita a obrigação cartular assumida pelo autor, mediante aval por si prestado, para garantia do mútuo de 500.000,00 euros acima identificado, condenando a ré a reconhecer tal prescrição; B- Condenar a ré a abster-se de comunicar à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal qualquer dívida do Autor, resultante de aval prestado em título cambiário (livrança), em garantia de mútuo de €.500.000,00; C- Absolver a ré do demais peticionado pelo autor». Não se conformando com o assim decidido, veio a ré interpor o presente recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES: 1) Vem o presente recurso da sentença que declarou prescrita a obrigação cartular assumida pelo Recorrido, mediante aval por si prestado, para garantia do mútuo de 500.000,00€, condenando o Recorrente a reconhecer tal prescrição e a abster-se de comunicar à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal qualquer dívida do Recorrido. 2) No entanto, por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente. 3) Desde logo, na douta sentença não foram tidos em consideração os efeitos resultantes da prescrição, ou seja, que apesar de prescrita, a obrigação cartular mantém-se, assim como todos os seus efeitos jurídicos, só não é mais exigível judicialmente, pelo que, a sentença proferida violou o artigo 304.º do Código Civil. 4) Além disso, ao condenar o Recorrido a abster-se de comunicar a situação de incumprimento do Recorrido à Central Responsabilidade de Crédito (CRC) foi, ainda, violado, como melhor explanaremos infra, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, bem com os pontos 3.2.1, i) e 3.3.1 da Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, de 27/08/2018. 5) Embora se conceba que a obrigação cautelar assumida pelo Recorrido se encontra prescrita, não se pode consentir com a condenação do Recorrente na abstenção da comunicação da dívida à CRC do Banco de Portugal, uma vez que, quanto a nós, o direito prescrito se mantém, não se extinguindo. 6) A prescrição extintiva, a par da caducidade, são institutos jurídicos que operam alterações nas relações jurídicas estabelecidas entre as partes resultantes do decurso do tempo. 7) Embora o Código Civil não estabeleça uma definição legal, quer a prescrição, quer a caducidade assentam no não exercício do direito durante um determinado período, sendo que, na primeira, em regra, o direito foi criado sem prazo de vida e deixa de ser exigível judicialmente por negligência do titular que não exerce o direito de forma duradoura, enquanto a caducidade se prende com a morte de um direito criado com um certo prazo neutro e geralmente curto de vida, em razão de considerações de certeza e segurança jurídica. 8) Assim, enquanto na caducidade, a lei por considerações meramente objetivas, quer que o direito seja exercido dentro de certo prazo, prescindindo da negligência do titular e, por isso, de eventuais causas suspensivas e interruptivas que excluam tal negligência, só sendo impedida, em princípio, pela prática do ato, tal como resulta do artigo 331.º do CC, na prescrição, o que a lei se propõe é a proteger a segurança jurídica, sancionando a negligência do titular do direito, pelo que o prazo prescricional pode suspender-se e interromper-se nos termos do artigo 323.º do CC. 9) É que contrariamente ao que acontece com a caducidade, que extingue o direito caduco, com a prescrição o direito mantém a sua existência, mantendo todos os seus efeitos jurídicos, exceto a possibilidade de o exigir judicialmente. 10) Assim, aceitando que os créditos detidos pelo Recorrente sobre o Recorrido, enquanto avalista da sociedade A..., S.A. (A...) poderão estar prescritos, não operando a prescrição a extinção da obrigação civil, mas apenas impedindo o exercício do direito judicialmente, é evidente que o Recorrente tem de continuar a comunicar à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal a dívida do Recorrido, uma vez que esta, reitere-se, continua a existir e, além disso, é obrigação do Recorrente fazê-lo. 11) A CRC encontra-se atualmente enquadrada pelo Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10, e pela Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, de 27/08/2018, em que, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 3 daquele Decreto-Lei n.º 204/2008, este procedeu à regulamentação das comunicações a ser-lhes enviadas pelas entidades participantes relativas às responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma, a fim de que aquele centralize e divulgue essa informação. Determina o artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10 que “Cada entidade participante fica obrigada a comunicar ao Banco de Portugal os saldos, em fim de cada mês, das responsabilidades decorrentes das seguintes operações de crédito concedido em Portugal, a residentes ou não residentes em território nacional, pelas suas sedes, filiais, agências e sucursais incluindo as instaladas nas zonas francas da Madeira e da ilha ...: a) Operações activas com pessoas singulares ou colectivas, a comunicar em nome do beneficiário directo do crédito e garantias prestadas e recebidas, em nome do potencial devedor, incluindo-se, nestas operações, as seguintes situações particulares: (…) v) Os montantes das fianças e avales prestados a favor da entidade participante, a comunicar em nome dos fiadores e avalistas, a partir do início do contrato de mútuo, até ao limite da garantia prestada”. 12) Por outro lado, o ponto 3.2.1, i) da Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, de 27/08/2018 determina que devem ser comunicadas à CRC todas as operações de crédito que impliquem risco de crédito para a entidade participante; 13) Estabelecendo o ponto 3.3.1 da referida Instrução que estão excluídas de comunicação: i) dívidas perdoadas pelas entidades participantes; ii) crédito concedido em desconto de títulos que foram objeto de reforma, para as quais apenas deve ser comunicado o crédito concedido em desconto do novo título; iii) títulos de dívida na carteira das entidades participantes. 14) Sendo o Recorrente uma entidade participante significa que está obrigado a comunicar todas as responsabilidades de crédito efetivas e potenciais dos seus clientes, designadamente, quando assumem a qualidade de avalistas, qualidade que é assumida pelo aqui Recorrido. 15) Encontrando-se o Recorrido em incumprimento é evidente que o Recorrente está obrigado a comunicar à CRC a sua situação, mesmo que considere que o seu direito poderá estar prescrito, pois a prescrição não implica a extinção do direito, apenas o torna judicialmente inexigível. 16) Além disso, como o direito continua a existir, significa que estamos perante um risco de crédito para o aqui Recorrente – entidade participante – pelo que, este está obrigado a comunicar a situação de dívida do Recorrido à CRC, tal como resulta do ponto 3.2.1, i) da Instrução n.º 17/2018 e que se encontra citada supra, mantendo, desta forma, informadas todas as outras entidades participantes em que o Recorrido seja cliente ou potencial cliente. 17) Acresce que, como citado supra, no ponto 3.3.1 da referida Instrução, encontram-se previstas as operações excluídas de comunicação, sendo que nada é referido acerca de “direitos prescritos” ou “direitos inexigíveis”, pelo que, é evidente que a situação de incumprimento do Recorrido deverá continuar a ser comunicado pelo Recorrente à CRC, sob pena de este último violar as suas obrigações resultantes da Instrução n.º 17/2018 e do Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14/10. 18) Pelo exposto, conclui-se que a circunstância de a prescrição não implicar a extinção dos créditos detidos pelo Recorrente sobre o Recorrido, mas apenas os tornar inexigíveis judicialmente, não constitui fundamento legal para que se eliminem esses créditos do CRC, devendo, nesta senda, o Recorrente continuar a comunicar à CRC a situação de incumprimento do Recorrido. * Notificado o autor apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. * Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão solvenda prende-se em saber se apesar de se achar prescrita a obrigação do autor enquanto avalista, ainda assim, a apelante, enquanto instituição de crédito, se encontra constituída no dever de participar à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal a situação de incumprimento dessa obrigação. *** III. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1- O autor, AA, foi sócio da sociedade A..., SA (A...), não tendo exercido qualquer cargo de administração ou noutro órgão social; 2- A sociedade A... relacionava-se comercialmente com o Banco 2... (Banco 2...), junto de quem contraiu empréstimos e solicitou a emissão de garantias bancárias; 3- O Banco 2... foi nacionalizado no final do ano de 2008, tendo parte dos seus créditos sido adquiridos pelo Banco 3... (mais tarde Banco 1...), designadamente o direito de crédito sobre o Autor, que infra se dá conta; 4- Outra parte dos créditos do Banco 2... foram transferidos para a B..., designadamente um direito de crédito sobre o Autor, que infra se dá conta; 5- Não obstante o autor não integrar os órgãos de gestão da A..., avalizou algumas operações de crédito, a solicitação de quem geria de facto a sociedade; 6- Nomeadamente, tal sociedade (A...) contraiu, em 24 de Setembro de 2007, um mútuo junto da ré, no montante de 500.000,00€ (Quinhentos mil Euros) destinado a apoio da respetiva tesouraria, montante que a mutuária recebeu (doc. junto aos autos); 7- Em tal contrato de mútuo previa-se, para além de outros, que os valores que se mostrassem em dívida perante o, então, Banco 2..., ficariam caucionados por livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada por BB, CC e AA, o ora autor; 8- Da mesma forma, e na mesma data de 24 de Setembro de 2007, a sociedade enviou, junto com a “Autorização dos Avalistas”, a respectiva livrança e a respectiva autorização de preenchimento; 9- No ano de 2008, a A... foi declarada insolvente (processo 694/08.9TYVNG, Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia); 10- O autor tomou conhecimento que o banco réu e a B... comunicaram à CENTRAL DE RISCOS DE CRÉDITO DO BANCO DE PORTUGAL (BP), respetivamente, uma dívida de €: 264.927,642 e outra de €: 38.838,24 ambas emergentes de avales prestados pelo autor em livranças (caução em branco), que titulavam operações de crédito; 11- Propondo-se iniciar a construção de um projecto imobiliário com recurso a financiamento bancário, contactando entidades bancárias, estas não apreciavam o seu pedido com fundamento na informação de dívidas em incumprimento (à B... e ao Réu) junto do Banco de Portugal; 12- O autor contactou o Banco réu e a B..., reconhecendo esta a prescrição do aval, emitindo declaração de não dívida e deixando de a comunicar ao Banco de Portugal (doc. junto aos autos), o que não sucedeu com o Banco réu; 13- A livrança de que o Banco réu era portador, avalizada pelo autor e que garantia o mútuo de 500 mil euros acima referido, extraviou-se, não conseguindo o Banco réu localizá-la; 14- São as seguintes as cláusulas contratuais do doc. nº 3 junto com a petição inicial, que relevam, no essencial, para apreciação das questões suscitadas: (i) montante mutuado: €:500.000,00 (clª 1ª); (ii) prazo e reembolso do capital e juros: “24 meses, contados da data da primeira utilização de fundos” (clª 3ª); “prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros” (clª 7ª); (iii) empréstimo garantido por livrança caução em branco subscrita pela mutuária, com aval prestado pelos Srs. BB, CC e o aqui autor, conforme mandato para preenchimento da livrança, até ao limite de €:600.000,00, mais juros, despesas e encargos (cláusula 12ª do doc. 3 e doc. 3 A). *** IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
Na sentença recorrida, depois de se ter considerado prescrito o crédito da ré sobre o autor (na qualidade de avalista em livranças subscritas pela sociedade “A..., S.A.”), foi aquela condenada “a abster-se de comunicar à Central de Riscos de Crédito do Banco de Portugal qualquer dívida do autor” resultante dos avales prestados. A apelante insurge-se contra esse segmento decisório argumentando, fundamentalmente, que a prescrição não implica a extinção dos créditos que detém sobre o demandante, tornando-os apenas inexigíveis judicialmente, razão pela qual inexiste fundamento legal que justifique a não comunicação à Central de Riscos de Crédito da situação de incumprimento em que o mesmo se encontra. Que dizer? Como é consabido, a necessidade de as instituições bancárias poderem avaliar e mitigar o risco latente nas operações de concessão de crédito esteve na base da criação de um serviço de centralização de riscos de crédito sob a égide do Banco de Portugal, denominado Central de Responsabilidades de Créditos (doravante CRC). Da exegese do regime jurídico da CRC, plasmado no DL n.º 204/2008, de 14 de outubro e regulamentado pela Instrução do Banco de Portugal n.º 17/2018, de 27 de agosto, resulta que a mesma “é uma base de dados, gerida pelo Banco de Portugal, com informação prestada pelas entidades participantes [isto é, as instituições que concedem crédito – art. 2º, nº 1 do DL nº 204/2008[2]] sobre os créditos concedidos aos seus clientes”, as quais estão obrigadas a comunicar àquele informações sobre responsabilidades decorrentes de operações de crédito dos seus clientes ou potenciais clientes (cfr. arts. 1º, nº 2, 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 204/2008 e ponto 3.2.1 da referida Instrução do Banco de Portugal). Essas comunicações visam, na economia do citado diploma, sustentar a atividade das entidades participantes, avaliando o risco associado a potenciais clientes e operações, já que para a concessão de crédito é imperioso conhecer o total das responsabilidades do cliente, o que inclui quer as informações positivas, quer as negativas, pois apenas desta forma se poderá avaliar a situação e capacidade de endividamento do cliente. Para esse efeito, a CRC integra responsabilidades efetivas[3] e potenciais[4], tanto regularizadas ou em incumprimento, e também informações sobre insolvências, de pessoas singulares ou coletivas, declaradas em Tribunal. Assim, recebido um pedido de concessão de crédito a entidade participante desencadeará um pedido de informações à CRC, da qual constarão responsabilidade efetivas, qualquer empréstimo para habitação ou ao consumo, e responsabilidades potenciais, sejam fianças ou avales. Feito este sumário excurso sobre o objetivo e funcionamento da CRC, não se colocam fundadas dúvidas que a ora apelante (enquanto entidade participante) se encontra constituída no dever[5] de fornecer mensalmente ao Banco de Portugal todos os elementos de informação relativos às responsabilidade efetivas e potenciais assumidas pelos seus clientes, quer sejam particulares, empresas ou outras entidades, independentemente dessas responsabilidades se encontrarem em situação regular (informação positiva) ou em incumprimento (informação negativa). Aqui chegados, importa então entrar na análise e resolução da essencial questão que constitui o objeto do presente recurso, qual seja a de saber se esse dever comunicacional igualmente deverá ser cumprido quando se esteja em presença de uma obrigação prescrita, como é o caso da obrigação assumida pelo autor enquanto avalista da sociedade subscritora das ajuizadas livranças. Como se deu nota, a apelante pugna por uma resposta positiva a essa questão, esgrimindo o argumento de que a prescrição não implica a extinção dos créditos que detém sobre o demandante, tornando-os apenas inexigíveis judicialmente, não a libertando, por isso, da obrigação de comunicar à CRC a situação de incumprimento em que o mesmo se encontra. A este propósito não se tem registado uma resposta unívoca na doutrina pátria acerca do (eventual) efeito extintivo da prescrição, havendo quem se posicione no sentido de que esta não é, em rigor, uma causa de extinção das obrigações, atribuindo apenas ao devedor que a invoque a faculdade de se recusar a cumprir ou de se opor, de qualquer modo, ao exercício do direito prescrito[6]; outros, porém, sufragam o entendimento de que a prescrição implica efetivamente a extinção do direito por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei[7]. Naturalmente para quem advogue a última das enunciadas teses, mostrando-se extinto o direito de crédito, não pode haver lugar a qualquer comunicação à CRC, na justa medida em que, nessas circunstâncias, não pode, summo rigore, falar-se em responsabilidade efetiva ou sequer potencial do respetivo devedor. Mas será que, em termos substantivos, a resposta será diversa caso se acolha o primeiro dos referidos posicionamentos? Em consonância com o disposto no art. 304º do Cód. Civil, se a prescrição for validamente invocada, a obrigação civil (ou comum) transmuta-se em obrigação natural, ficando, então, subordinada ao regime contemplado nos arts. 402º a 404º do mesmo diploma legal. De acordo com essa regulamentação as obrigações naturais são deveres cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas que estão, em princípio, sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coativa da prestação. Significa isto, pois, que o devedor natural não pode ser compelido a efetuar a prestação, não podendo, contudo, ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento dessa obrigação. A essa luz a obrigação natural somente será cumprida se o devedor a prestar espontaneamente, isto é, na expressão da lei (cfr. art. 403º, nº 2 do Cód. Civil), quando esse cumprimento “é livre de toda a coação”. Nesse contexto, o problema que se equaciona é o de saber se, malgrado a ajuizada obrigação esteja prescrita, ainda assim a apelante deverá comunicar a existência desse crédito à CRC. A essa questão impõe-se uma resposta negativa por uma dupla ordem de razões. Desde logo, porque, ao invés do que sustenta a apelante, não se nos afigura que o diploma que regula a atividade e funcionamento da CRC estabeleça esse dever comunicacional quando se esteja em presença de uma obrigação prescrita. De facto, quando a lei (cfr. arts. 1º, nº 2 e 3º, nº 1, do DL nº 204/2008, de 14.10) impõe às entidades participantes o dever de informar e comunicar responsabilidades efetivas ou potenciais tem em vista obrigações emergentes de operações de crédito de cujo eventual incumprimento possa derivar um efeito negativo direto no património do respetivo devedor ou garante, isto é, cujo inadimplemento revele ou possa revelar uma situação de risco de desequilíbrio financeiro do devedor que possa legitimamente pôr em crise a sua capacidade de solver os seus débitos. Ora não se encontra nessas condições uma obrigação prescrita já que o seu não cumprimento/regularização não constitui uma efetiva e real “responsabilidade” no sentido emergente dos arts. 601º e 817º do Cód. Civil, posto que não é legalmente viável o credor acionar judicialmente o devedor exigindo a satisfação do seu crédito. Depois, porque constituindo caraterística das obrigações naturais a sua incoercibilidade, a entender-se, como preconiza a apelante (de que ainda que a obrigação esteja prescrita tem o dever de comunicar a sua existência à CRC), seria uma forma ínvia ou indireta de pressionar ou compelir o devedor/garante ao cumprimento dessa obrigação. Dito de outo modo: o devedor, apesar de a sua obrigação se achar prescrita, como que seria “forçado” a cumpri-la, já que, naturalmente, a sua manutenção na listagem da CRC como incumpridor[8] praticamente o impede ou, pelo menos, tornará mais onerosa a sua situação caso pretenda obter financiamento junto de alguma instituição de crédito. Tal representaria, afinal, uma forma de conferir coercibilidade, ainda que mediata ou reflexa, à obrigação prescrita em desrespeito do regime normativo típico das obrigações naturais, que, como se sublinhou, se caraterizam, precisamente, pela sua incoercibilidade jurídica[9] (cfr. art. 404º do Cód. Civil). Consequentemente, nessas condições, não é lícita a comunicação à CRC de situação de inadimplemento de obrigação prescrita, por não se estar em presença de uma situação de responsabilidade efetiva ou potencial para os efeitos do preceituado no art. 3º, nº 1 do DL nº 204/2008, de 14.10[10]. Impõe-se, por conseguinte, a improcedência do recurso. *** V. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2). |