Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0554905
Nº Convencional: JTRP00038472
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: FALÊNCIA
RESTITUIÇÃO DE BENS
PRAZO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP200511070554905
Data do Acordão: 11/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A acção intentada pelo credor da falida, na vigência do entretanto revogado CPEREF – seu art. 205º – visando a restituição ou a separação de bens da massa falida, findo o prazo das reclamações de créditos, não está sujeita ao prazo de caducidade de um ano, que apenas vale para o pedido de reconhecimento de novos créditos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Massa Falida de B.........., Ldª, representada pelo seu liquidatário judicial, C.........., intentou, em 24.5.2005, pelo .º Juízo Cível da Comarca de Santo Tirso, nos termos do art. 205° do CPEREF, em vista de pedir a restituição de quantia depositada, acção declarativa de condenação, contra:

Massa falida de “D.........., Ldª”, representada pela sua liquidatária judicial, E..........;

- Credores da Massa Falida de D.........., Ldª.

Alegando resumidamente:

- por sentença de 10 de Abril de 2003, já transitada, foi declarada a falência da sociedade “B.........., Ldª”, no âmbito do processo que correu termos com o n°..../02 pelo .° Juízo do Tribunal Judicial de Santo Tirso no qual foi nomeado liquidatário C.........., em funções, ainda, nesse cargo;

- a B.........., Ldª dedicou-se à indústria e comércio de importação e exportação de e seus derivados, tendo sido constituída por escritura pública lavrada em 9 de Julho de 1976 no .° Cartório Notarial do Porto;

- a sua actividade industrial esteve, durante largo tempo, repartida por cinco unidades industriais nos concelhos da Trofa, Maia, Valongo, Vizela e V. N. Famalicão;

- numas e noutras unidades industriais, todas as máquinas, mobiliário, acessórios e demais recheio, de sempre pertenceu à B.........., Ldª, por constituírem bens próprios dela, que adquiriu aos anteriores donos, pagando os respectivos preços;

- por efeito da aquisição de tais bens, a B.........., Ldª passou a inclui-los no seu imobilizado corpóreo, por integrarem o seu património e relevou-os na sua escrita comercial e no respectivo mapa de amortizações;

- todos esses bens, propriedade da B.........., Ldª são precisamente aqueles que constam do auto de arresto, junto no apenso “E”, por virtude de cuja apreensão, a requerente reagiu em momento próprio por meio de embargos de terceiro nos autos de procedimento cautelar de arresto movido contra a sociedade “D.........., Ldª”, em processo que com o n°.../01 correu termos pelo Tribunal de Trabalho de Valongo;

- esta Sociedade veio a ser declarada falida, por sentença proferida no âmbito dos autos principais;

- por efeito da sentença que declarou a falência da “D.........., Ldª”, foram apensos ao processo falimentar respectivo e identificado acima, o procedimento cautelar de arresto supra citado e os embargos de terceiro que aquela deduziu, constituindo esses autos o apenso “b” daquele processo;

- decorrente da discussão sobre a propriedade de tais bens arrestados foi realizada uma perícia pela Direcção de Finanças do Porto;

Concluiu a senhora perita, em tal relatório, através da análise dos elementos disponíveis nas contabilidade da requerente e da “D.........., Ldª”, que esta não possuía qualquer bem contabilizado no seu activo imobilizado corpóreo e que por isso tais bens só poderiam ser pertença da requerente;

- os referidos bens vieram a ser apreendidos em benefício da massa falida, aqui Autora e, seguidamente, também, nos autos de falência da requerida Massa falida de “D.........., Ldª”, que se limitou a transcrever o auto de arresto lavrado na acção do Tribunal de Trabalho de Valongo, transformando-o em auto de apreensão de bens a favor da Massa Falida de D.........., Ldª;

- esta reclamava indevidamente a propriedade sobre os mencionados bens, mas como se tornava imperioso aliená-los, como então foi justificado, independentemente das divergências sobre a propriedade deles, vieram os respectivos liquidatários das duas referidas massas falidas a acordar na venda de tais bens pelo liquidatário da aqui Autora;

- na sequência disso procedeu este à venda dos ditos bens pelo preço recebido de €31.083,00;

- no âmbito do processo falimentar da D.........., Ldª foi proferido despacho a ordenar a entrega do produto da venda dos referidos bens;

- torna-se, assim, imperioso o recurso à presente via judicial em ordem à restituição à aqui Autora, dessa importância, que efectivamente lhe pertence.

Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência:

a) - Serem os demandados condenados a reconhecer que a B.........., Ldª foi a proprietária exclusiva e última dos bens descritos no art. 8° em relação aos quais teve a posse e que os adquiriu por usucapião;

- Serem os demandados condenados a reconhecer que o produto da venda de tais bens e propriedade exclusiva da demandante, no montante aproximado de € 31.083,00

c) - Serem os demandados condenados a restituir definitivamente à esfera patrimonial da demandante aquela mencionada importância acrescida dos juros resultantes do depósito referido.
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A Ex.ma Juíza, após a secção ter informado, a fls. 13, que “a sentença que julgou a falência da Requerida transitou em julgado, em 5.5.2002”, indeferiu liminarmente a petição inicial, afirmando que a acção é intempestiva, por terem decorrido mais de dois anos, desde o trânsito em julgado da sentença que declarou a falência – art. 205ºnº2, do CPEREF.
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Inconformada com tal despacho recorreu a requerente que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1) - A invocada, no despacho, intempestividade da acção traduz-se na invocação da caducidade do exercício do direito, que não respeitando a matéria excluída da disponibilidade das partes não é sequer do conhecimento oficioso, estando, ao invés sujeita ao regime da prescrição, nos termos do art. 303° do Código Civil.

2) - Posto que só há fundamento para indeferimento liminar da petição quando: i) o pedido seja manifestamente improcedente; ii) ocorram de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, não há motivo, por ausência de qualquer desses pressupostos se não pode concluir-se pela improcedência manifesta em face da proibição do conhecimento da pretensa caducidade, que carece de ser alegada pela parte, como por ausência de excepções dilatórias que o determinem, porquanto a caducidade não se insere nas denominadas excepções dilatórias do art. 494º do Código de Processo Civil.

3) - Ao indeferir liminarmente a petição foram violados os arts. 333° e 303° do Código Civil, e 234°-A e 494° do Código de Processo Civil, impondo-se, desde logo, com este fundamento a revogação do despacho recorrido.

4) - O prazo de um ano previsto no n°2 do art. 205º do CPEREF apenas se aplica à reclamação de novos créditos e não já ao direito à separação ou restituição de bens por via da acção a que se refere o seu no 1, como é o caso.

5) - Trata-se (aquele n°2) de uma disposição excepcional por fixar um prazo de caducidade, estando por isso vedada a sua interpretação extensiva, para além de que inexistem razões de ordem lógica ou de imperativos constitucionais que ditem que a mesma se faça, contrariamente, aliás, à vontade claramente expressa pelo legislador.

Neste sentido se pronunciaram já os arestos do STJ acima citados.

6) - Na situação dos autos o referido prazo de caducidade, qualquer que fosse o entendimento, posto que já decorrido um ano da sentença que declarou a falência da “D.........., Ldª”, pela M.ma Juíza foi homologado o acordo da venda dos bens no qual se consignou que o depósito do produto da venda fosse efectuado em conta bancária da Autora — do que decorre que só fatalmente transcorrido aquele prazo, porque superveniente, poderia ser peticionada a restituição da quantia depositada.

7) - Ao indeferir liminarmente a petição com fundamento implícito de caducidade do direito, pelo decurso do prazo de um ano (no caso mais de dois) previsto no n°2 do art. 205° do CPEREF, o despacho recorrido fez errada interpretação deste normativo, na medida em que este apenas é aplicável à reclamação de novos créditos – situação que manifestamente não quadra à hipótese dos autos.

Termos em que dando provimento ao presente recurso com a consequente revogação do despacho recorrido e substituição por um outro que mande prosseguir os termos da acção, farão assim merecida e inteira Justiça.

Não houve contra-alegações.

A Senhora Juíza sustentou o seu despacho.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a matéria de facto relevante é a que consta do Relatório.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se o despacho recorrido julgou com acerto, ao indeferir liminarmente a petição inicial de acção, visando a restituição de bens, no contexto de processo falimentar, ao ter considerado extemporânea tal pretensão, com base numa implícita consideração do prazo do art. 205º, nº2, do CPEREF, ser de caducidade.

É inquestionável que a requerente pretende que seja restituída a quantia de € 31.083,00 apreendida para a massa falida da 1ª requerida, alegando que lhe pertence.

O art. do CPEREF aplicável ao caso em apreciação no seu 205.° [Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos] estatui:

“1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda novos créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, por meio de acção proposta contra os credores, efectuando-se a citação destes por éditos de 10 dias.
2 - A reclamação de novos créditos, nos termos do número anterior, só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração da falência.
3 - Proposta a acção, há-de o autor assinar termo de protesto no processo principal da falência; os efeitos do protesto caducam, porém, se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias”.

O nº1 do citado preceito estabelece o direito de reconhecimento de novos créditos sobre a falida, assim como o direito à restituição e separação de bens apreendidos para a massa, findo o prazo da reclamação de créditos devendo ser intentada a acção respectiva.

O nº2 fixa o prazo de um ano mas apenas alude à acção de reclamação de novos créditos, prazo esse que corre a partir do trânsito em julgado da sentença que declarou a falência.

Os prazos para a propositura de acções cujos direitos devem ser exercidos dentro de certo prazo são de caducidade.

“Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras de caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição” –nº2 do art.298º do Código Civil.

No despacho recorrido foi considerado, implicitamente, que o prazo do nº2 do art. 205º do CPEREF se aplicava à acção de restituição de bens, considerando-se assim que o prazo para a reclamação de novos créditos também se aplicava à acção de restituição ou separação de bens e era de conhecimento oficioso.

No Acórdão do STJ, de 24.4.2003 de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Moitinho de Almeida, no sítio da Internet www.dgsi.pt – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça – Proc. 03B929 – em caso em tudo idêntico pode ler-se:

“A esta questão deram resposta negativa os acórdãos deste Tribunal de 16 de Abril de 1996 (no B.M.J, n°456, p.332) e de 4 de Outubro de 2001 (revista n°1712/01-7ª Secção), com cuja fundamentação se concorda.
…Este artigo [alude-se ao art. 205º do CPEREF] distingue a reclamação de créditos da restituição e separação de bens, só àquela se referindo no n°2, o que significa não se encontrarem estas últimas sujeitas ao prazo de caducidade aí estabelecido.
Trata-se de disposição que coincide com a do artigo 1241° do Código de Processo Civil (redacção do artigo 50° do Decreto-Lei n°177/86, de 2 de Julho) que ainda mais claramente estabelecia:
1. Findo o prazo para as reclamações, é possível ainda reclamar novos créditos, se o credor provar que a falta oportuna de reclamação não foi devida a culpa sua.
2. A restituição ou a separação de bens pode também ser pedida findo o prazo da reclamação.
3. A reclamação de novos créditos nos termos do n°1 só pode ser feita no ano seguinte ao da declaração da falência.

A argumentação da Recorrente assenta, no fundo, numa interpretação extensiva ou analógica do n°2 do artigo 205°, do CPEREF, de todo em todo inadmissível.
Com efeito, trata-se de uma disposição excepcional pois fixa um prazo de caducidade, e, assim, não admite interpretação extensiva (artigo 11°, do Código Civil), não existindo quaisquer razões de ordem lógica ou imperativos constitucionais que justifiquem uma interpretação extensiva, contrária aliás à vontade claramente expressa pelo legislador”.

Também no mesmo sentido o Ac. daquele Tribunal, de 16.4.1996, in CJSTJ, Tomo II, pág.17.

Aliás a doutrina dos referidos Acórdãos veio a ter consagração expressa no art. 146º, nº2, do CIRE – Código da Insolvência e Recuperação de Empresas – que revogou o CPEREF, estatuindo-se no citado normativo que:

“O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo; porém, a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior...”.

A lei vigente tal como a revogada estabelece prazo apenas para a reclamação de outros créditos, na b) fixando o mesmo prazo de um ano após o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência.

Já na vigência do CPEREF se defendia a inexistência de prazo para acção de restituição de bens – interpretação de que discordavam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda como se vê do comentário àquele normativo do CIRE na obra “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” Vol. I, pag.493:

“No que concerne ao pedido de separação ou restituição de bens o nºl do art. 205° do CPEREF nada estatuía sobre o prazo em que devia ser proposta a respectiva acção.
Sustentámos então que o silêncio da lei se explicaria por, a todo o tempo, observadas as condições do art. 203° desse Código, ser possível o pedido de restituição ou separação, havendo apreensão tardia de bens; fora deste caso, nada justificava um regime para a restituição e separação diverso do da reclamação de créditos (Código dos Processos Especiais, 3ª ed. citação, nota 2, pág. 493).
O nº2, primeira parte, do art. 146.° Veio admitir, sem distinções, a propositura da acção para exercício do direito à separação ou restituição de bens a todo o tempo. Continuamos convencidos da bondade da solução defendida na vigência da lei anterior…”.

Sufragando a doutrina dos citados Acórdãos entendemos, também, que as acções visando a restituição e separação de bens da massa falida, findo o prazo das reclamações de créditos na vigência do art. 205º do CPEREF, não está sujeita a prazo de caducidade de um ano, que apenas vale para o reconhecimento de novos créditos.

Mesmo que assim não fosse, uma vez que o prazo em questão é de caducidade, não poderia o Tribunal, oficiosamente, apreciar da excepção porque estabelecida em matéria atinente a direitos disponíveis – art. 333º,nº2, do Código Civil.

Pelo quanto dissemos o despacho recorrido não pode manter-se.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que dê seguimento à acção.

Sem custas – art. 2º nº1 g) do CCJ.

Porto, 7 de Novembro de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale