Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
115/22.4GDOAZ-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: PENA DE MULTA
FALTA DE PAGAMENTO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE PAGAMENTO FRACIONADO
Nº do Documento: RP20241023115/22.4GDOAZ-B.P1
Data do Acordão: 10/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de pagamento de uma das prestações da pena de multa dentro do prazo concedido importa o vencimento ope legis das demais prestações em falta, não estando a sua exigibilidade dependente de despacho judicial.
II - O requerimento para requerer a prorrogação do prazo de pagamento fraccionado da multa deverá ser apresentado antes do seu decurso.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 115/22.4GDOAZ-B.P1
Comarca de Aveiro
Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
I.1. O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido em 15.06.2024 que concedeu a possibilidade ao arguido AA de continuar a pagar as prestações da pena de multa em que foi autorizado a pagar.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente)
“a) Nos termos do art. 47.º nº 3 do Código Penal, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justifique, o Tribunal pode autorizar o pagamento da multa em prestações, conquanto o prazo de pagamento não exceda os 2 anos após o trânsito em julgado da condenação.
b) Nos termos do art. 47.º nº 5 do Código Penal, a falta de pagamento de uma prestação importa o vencimento imediato de todas.
c) Esse efeito é consequência automática da lei, não estando o vencimento dependente de despacho judicial que o declare, na medida em que não há qualquer ponderação a fazer pelo Tribunal das circunstâncias do não pagamento.
d) O condenado AA não procedeu ao pagamento da prestação da pena de multa que se venceu no dia 3 de Julho de 2023, nem ao de qualquer uma das subsequentes.
e) Como tal, em face desse não pagamento, no dia 4 de Julho de 2023, primeiro dia após o termo do prazo para pagamento da prestação relativa a esse mês, venceram-se todas as prestações da pena de multa, deixando de estar vigente o pagamento prestacional.
f) Pelo que não podia o Tribunal decidir como decidiu, mantendo o pagamento em prestações da pena de multa e concedendo ao condenado a possibilidade de continuar a pagar as prestações que foi autorizado a pagar.”
Pugna pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que reconheça que estão vencidas as prestações da pena de multa, por não pagamento da prestação relativa ao mês de Julho de 2023 e determine a prossecução da execução da multa.
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I.3. Resposta do arguido
O arguido AA, na resposta ao recurso, pronunciou-se pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição integral):
“I. É conhecido o teor e efeitos do artigo 47.º, n.º 5, do Código Penal, de que o ora Recorrente cuidou de fazer extensa e cuidada explicação nas suas Alegações.
II. Contudo, em nosso entender tal preceito normativo não foi posto em causa pelo despacho judicial ora em crise.
III. O que resulta de tal despacho é o reconhecimento pelo Tribunal a quo de uma situação de justo impedimento, e isso apesar do disposto no artigo 47.º, n.º 5, do Código Penal.
IV. Assim, o que importa aquilatar no presente caso, e que decorre do teor do despacho judicial ora em crise, não é se, estando em curso pagamento em prestações da pena de multa, a falta de pagamento de uma delas importa, por força da lei, o vencimento de todas elas, ou se esse vencimento carece de ser judicialmente declarado; mas sim, a jusante dessa questão, se nos presentes autos ocorreram ou não factos integradores de justo impedimento que justificaram, esses sim, a decisão de manter o pagamento da multa em prestações, de que foi interposto o presente recurso.
V. O próprio Recorrente, e bem, tomou posição nas suas Alegações quanto à existência no caso dos autos de um justo impedimento, entendendo quanto a este que o alegado pelo Arguido não fora comprovado, e que uma situação de desemprego ou precariedade do posto laboral não implicam, sem mais, uma impossibilidade absoluta de pagamento.
VI. Ora, quando foram invocados pelo Arguido, no seu email de 04/07/2023, factos integradores de justo impedimento para não ter pago atempadamente as prestações da multa em que fora condenado, o ora Recorrente não questionou, nesse momento, a sua comprovação.
VII. Efectivamente, o ora Recorrente não questionou nem se pronunciou sobre os motivos invocados pelo Arguido, constitutivos de justo impedimento, no email enviado pelo Arguido em 04/07/2023.
VIII. Posteriormente, em face do alegado pelo Arguido nos requerimentos de 13/11/2023 e 02/04/2024, o ora Recorrente continuou a não questionar os factos constitutivos de justo impedimento aí alegados pelo Arguido para não ter efectuado o pagamento das prestações de multa em que fora condenado.
IX. Por conseguinte, se anteriormente o ora Recorrente não duvidou das circunstâncias pessoais e profissionais do Arguido – concretamente, a instabilidade/precariedade do seu posto laboral, seguida de uma situação permanente de desemprego – não se vislumbra razão para vir agora, em sede de recurso, questioná-las, considerando que não estão comprovadas, sendo tal consideração, no mais, manifestamente extemporânea.
X. Alega, ainda o Recorrente, que uma situação de desemprego ou precariedade do posto laboral não implicam, sem mais, uma impossibilidade absoluta de pagamento.
XI. A análise dos factos integradores do justo impedimento não se faz em abstracto, mas, evidentemente, olhando à situação e circunstâncias concretas daquele que alega o justo impedimento.
XII. E, no caso dos autos, a situação de desemprego e precariedade em que o Arguido inesperadamente se viu implicaram, efectiva e concretamente, uma impossibilidade absoluta de pagamento das prestações da multa em que foi condenado, porque aliadas à circunstância de a remuneração auferida pelo Arguido ser o único sustento do seu agregado familiar, não havendo outras fontes de rendimento.
XIII. Efectivamente, conforme alegado já aquando do requerimento para pagamento da multa em prestações - que o ora Recorrente promoveu no sentido de nada ter a opor a que fosse deferido nos termos peticionados –, o Arguido era o único ganha-pão de uma família constituída por duas crianças menores, estando a companheira do Arguido desempregada, sem qualquer outra fonte de rendimento que não fosse a remuneração do trabalho do Arguido, trabalho esse que prestava pontualmente na construção civil, já que não tinha um vínculo laboral efectivo.
XIV. Portanto, num lar onde a única fonte de rendimento do agregado familiar – os rendimentos de trabalho auferidos pelo Arguido – deixou de existir, as poupanças que eventualmente ainda existiriam foram canalizadas para prover às necessidades básicas diárias de alimentação, médicas, e vestuário do casal e dos menores.
XV. O que se traduziu, infeliz e compreensivelmente, na impossibilidade absoluta de cumprimento da pena de multa através do pagamento das prestações, não imputável ao Arguido.
XVI. Por conseguinte, as razões aduzidas pelo Arguido para o não pagamento atempado das prestações da multa em que foi condenado (cuja comprovação, reiteramos, não fora posta em causa pelo Recorrente até ao momento em que interpôs recurso) configuram uma situação de justo impedimento.
XVII. Razão pela qual bem andou bem o Tribunal a quo ao pugnar pela manutenção do pagamento em prestações da multa.
XVIII. A justificação do Tribunal recorrido para a manutenção do pagamento em prestações da pena de multa centrou-se, ainda, na inadmissibilidade legal da prática de actos inúteis.
XIX. Tal inadmissibilidade, prevista para o ordenamento jus-civilístico por força do disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplica-se também ao processo penal por via do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
XX. Que acto inútil iria ser praticado no processo que correu na primeira instância e a que o douto despacho judicial ora em crise quis obviar? Precisamente aquele que, a ser revogado tal despacho, teria de ser praticado como consequência da sua revogação: a prossecução da execução patrimonial do Arguido para pagamento do remanescente da multa em que foi condenado. XXI. Ora, a manutenção do pagamento da multa em que foi condenado em prestações tal como foi determinada pelo douto despacho ora em crise, facultou ao Arguido o cumprimento imediato da referida pena.
XXII. Efectivamente, tendo sido emitidas novas guias de pagamento com o douto despacho ora em crise, o Arguido tem já liquidadas, neste momento, três das quatro prestações em falta, sendo que a última prestação estará paga até ao próximo dia 10/10/2024.
XXIII. O Arguido tem neste momento praticamente cumprida a pena em que foi condenado, mantendo-se in casu asseguradas as finalidades prevenção, geral e especial, subjacentes à pena aplicada ao Arguido, pelo que também nesta perspectiva nada poderia obstar à prorrogação do prazo para pagamento em prestações.
XXIV. Tivesse o Tribunal a quo avançado com a execução patrimonial do Arguido, o fim da execução seria eventualmente alcançado, mas muito mais tarde e com prejuízos para todos os intervenientes, quer em termos de acrescida litigância na perspectiva do tribunal, agudizando o já incomportável volume processual que tolhe os tribunais, quer em termos de despesas acrescidas para o próprio Arguido.
XXV. Prosseguir com a execução do Arguido para pagamento do remanescente de uma multa que o mesmo sempre demonstrou querer e tem agora meios para pagar, constituiria, assim, a prática de actos inúteis, sem quaisquer vantagens vislumbráveis no que se refere à prossecução dos fins subjacentes à pena aplicada ao Arguido.
XXVI. Por conseguinte, andou bem em nosso entender o Tribunal a quo ao decidir-se pela manutenção do pagamento da multa em prestações, assim evitando actos que não surtiriam o menor efeito na substância do processo – o cumprimento pelo Arguido da pena em que foi condenado pelo crime cometido – e que apenas protelariam o seu desfecho.”
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I.4. O Ministério Publico desta Relação consignou ter visto o recurso.
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I.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. acórdão do STJ, de 15.04.2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, da análise das conclusões do recorrente a questão que importa apreciar e decidir é a de saber se, estando em curso o pagamento em prestações da pena de multa, a falta de pagamento de uma delas importa, por força da lei, o vencimento de todas elas, ou se esse vencimento carece de ser judicialmente declarado.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Afigura-se-nos que não haverá que imputar culposamente o arguido pelo não cumprimento atempado no pagamento das prestações, sendo que informou atempadamente das razões e na sequência de despacho judicial.
Efetivamente não pode o tribunal descurar, a particular situação económica – instável e precário o seu posto laboral – com o salário mínimo nacional, sendo o pilar do seu agregado familiar composto ele por dois filhos menores.
Por forma a praticar atos inúteis (aliás proibidos por lei) se nos afigura ser de conceder a possibilidade ao arguido de continuar a pagar as prestações em que foi autorizado a pagar, com a advertência de que deverá cumprir os respetivos prazos.”
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II.3. Apreciação do recurso
§1. O recorrente sustenta que o vencimento das prestações na sequência da falta de uma delas é uma consequência automática da lei, não estando dependente de despacho judicial que o declare, sendo irrelevante o motivo que levou a que não fosse paga uma prestação.
Acrescenta ainda que a admitir-se a invocação de justo impedimento para o não pagamento, o alegado pelo arguido – situação de desemprego ou instabilidade e precariedade do posto laboral –, para além de não ter sido comprovado, não constitui facto integrador de justo impedimento.
Invoca como norma violada o artigo do 47º, n.º 5 do Código de Processo Penal (doravante CPP).
Adiantamos, desde já, que lhe assiste razão.
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§2. Com relevo para a decisão importa ter presente as seguintes ocorrências processuais:
i) Por decisão proferida em 31.01.2023, transitada em julgado em 02.03.2023, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa à razão diária de 5,00€ (cinco euros).
ii) Em 16.03.2023 o arguido apresentou requerimento, requerendo que lhe fosse concedida a faculdade de pagamento da multa em que foi condenado em 5 (cinco) prestações mensais iguais e sucessivas, no montante de €110,00 (cento e dez euros) cada, a iniciarem-se no próximo mês de Abril.
iii) Em 13.04.2023 o MºPº promoveu:
“Nada a opor ao requerido pagamento em prestações da pena de multa, nos termos requeridos.”
iv) Em 25.04.2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Proceda em conformidade com o Doutamente Promovido e requerido.”
v) Em 03.05.2023 foi enviada ao defensor oficioso do arguido notificação com o seguinte teor:
“De que por despacho proferido nos autos acima indicados, foi deferido o pagamento da multa de € 550,00€ em que foi condenado, em 5 (cinco) prestações mensais sucessivas, no montante de € 110,00 cada, devendo a 1ª prestação ser paga até ao dia 03-06-2023, e as restantes até ao correspondente dia do mês subsequente.
Da advertência de que, a falta de pagamento de qualquer prestação, implica o vencimento das restantes – art.º 47º, n.º 5, do C. Penal.”
vi) O arguido AA procedeu ao pagamento da primeira prestação vencida em 03.06.2023.
vii) Em 04.07.2023 o arguido enviou email com o seguinte teor:
“Bom dia sua excelência doutora juíza venho por este meio comunicar que ando a fazer umas horas e ainda não recebi das horas que eu tenho andado a fazer e não consegui pagar a multa no dia 3/07/2023 se dava para mandar outra guia para pagar no final das outras guias se for possível obrigada.
Aqui fica fica o numero da guia que eu não paguei ...
Agardecia que me disse alguma coisa o quanto antes ou para o e mail ou uma carta…
obrigada”
viii) Na sequência do não pagamento da prestação vencida em 03.07.2023 e após o email aludido em viii) o arguido foi notificado, por ofício enviado em 05.07.2023, nos seguintes termos:
“Para no prazo efectuar o pagamento da prestação da multa em atraso”, tendo sido remetida DUC para pagamento.
ix) O arguido não efectuou o pagamento das quatro prestações vencidas em 03.07.2023, 03.08.2023, 03.09.2023 e 03.10.2023.
x) Em 26.10.2023 o MºPº promoveu que:
“Atendendo a que o condenado apenas procedeu ao pagamento de uma prestação da pena de multa, tal importa, por força da lei – cfr. art. 47.º nº 5 do Código Penal –, o vencimento imediato de todas.
A fim de se apurar a situação económico-financeira do condenado, tendo em vista aferir da viabilidade da instauração de execução para cobrança coerciva do remanescente da multa penal, promovo que:
- Se averigúe na base de dados do Registo Automóvel se ele possui veículos com motor registados em seu nome e se sobre eles pendem ónus e encargos;
- Se averigúe na base de dados do ISS, IP – Instituto da Segurança Social –, se em nome dele se encontram a ser efectuados descontos como trabalhador por conta de outrem ou a outro título e, em caso afirmativo, qual a entidade patronal e quais os montantes de retribuição mensal por ele auferidos, ou se é ele beneficiário de alguma prestação social (subsídio de desemprego, subsídio de doença, RSI, pensão de invalidez…) e, em caso afirmativo, qual o montante mensal;
- Se oficie ao Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, solicitando, no prazo de 10 dias, informação sobre se ele possui bens imóveis registados em seu nome.”
xi) Em 08.11.2023 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Dê o contraditório ao arguido.”
xii) Em 13.11.2023 o arguido apresentou nos autos requerimento, requerendo nos termos do artigo 47.º, n.º 4, do Código Penal a prorrogação do prazo de pagamento das quatro prestações de multa em falta, no montante de €110,00 (cento e dez euros) cada, nos seguintes termos:
“1.º
Efectivamente, o Arguido procedeu a pagamento de apenas uma das cinco prestações da pena de multa em que fora condenado nos presentes autos.
2.º
Tal ficou a dever-se ao facto de o Arguido não ter tido trabalho nos últimos meses, apesar de se ter disponibilizado sempre para trabalhar.
3.º
Conforme alegado aquando do Requerimento para pagamento da multa em prestações, o Arguido não tem emprego fixo, realizando trabalhos pontuais na área da construção civil.
4.º
Sucede que nos últimos meses, e de forma inesperada, o Arguido não foi contratado para prestar qualquer trabalho, como era habitual, e bem assim não foi contratado noutros locais aonde se dirigiu à procura de trabalho.

O Arguido é o ganha-pão de uma família constituída pela companheira desempregada, um filho de dois anos e um enteado de dez anos.

O Arguido não esperava encontrar-se desempregado e sem auferir qualquer rendimento por tanto tempo, e as parcas poupanças que possuía foram utilizadas para pagar a renda de casa e alimentar os seus filhos menores.

O Arguido quer pagar a multa em que foi condenado, o que só não conseguiu até ao momento pelo facto de ter ficado inesperadamente sem trabalho.

O Arguido continua diariamente à procura de emprego, e mantém a firme vontade de liquidar o montante em falta.”
xiii) Em 08.01.2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Das alegadas circunstâncias supervenientes: Ao MºPº”.
xiv) Em 09.02.2024 o MºPº promoveu que:
“A alteração dos prazos de pagamento das prestações da multa penal, nos termos do art. 47.º nº 4 do Código Penal, tem que ser requerida quando está ainda vigente o pagamento prestacional, não podendo sê-lo depois de, nos termos do art. 47.º nº 5 do Código Penal, ter ocorrido o vencimento, ope legis, de todas as prestações, por falta de pagamento de uma delas (o Ministério Público entende que esse vencimento é consequência automática da lei, não havendo necessidade de despacho judicial a declará-lo).
Ou seja, depois de deferido o pagamento prestacional e enquanto se encontra ele vigente, ocorrendo motivos supervenientes que impeçam o pagamento das prestações nos prazos que foram inicialmente fixados, permite a lei que esses prazos de pagamento sejam alterados. Porém, a partir do momento em que todas as prestações se vencem, por falta de pagamento de uma delas, deixa de estar vigente o pagamento prestacional e, portanto, já não há quaisquer prazos que possam ser alterados, tendo o condenado que proceder ao pagamento integral da quantia da multa que se encontra em dívida.
No caso, a alteração dos prazos devia ter sido requerida pelo condenado até ao dia 3 de Julho de 2023, dia em que se venceu a primeira prestação não paga e não no dia 13 de Novembro de 2023, mais de 4 meses após o vencimento de todas as prestações e apenas por ter sido ele notificado para exercício do direito ao contraditório relativamente a uma promoção.
Assim, por não estar em tempo para requerer a alteração dos prazos de pagamento prestacional da pena de multa, nos termos do art. 47.º nº 4 do Código de Processo Penal, promovo que:
- Se indefira o requerido, por extemporaneidade;
- Se notifique o condenado para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa, sob pena de, não o fazendo, poder ser instaurada execução com vista à sua cobrança coerciva, ou caso tal não seja viável, poder ter que cumprir prisão subsidiária.”
xv) Em 09.03.2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Dê o contraditório.”
xvi) Em 02.04.2024 o arguido apresentou requerimento com o seguinte teor:
“1.º
Contrariamente ao referido na douta Promoção, já em 04/07/2023 o Arguido havia informado nos presentes autos a sua impossibilidade de pagar a prestação referente ao mês de Julho de 2023, solicitando o envio de nova guia de pagamento (Refs. Citius 14795100 e 14795134 de 04/07/2023).
2.º
Sempre foi intenção do Arguido pagar a multa em que foi condenado, só não o tendo feito por absoluta impossibilidade por conta da sua situação profissional precária (trabalhador da construção civil sem vínculo laboral permanente) e situação familiar (dois dependentes, menores de idade) previamente descritas – cfr. Requerimentos apresentados, Refs. Citius 15309997 de 13/11/2023, e 14307743 de 16/03/2023.
3.º
No mais, o Arguido reitera todo o alegado e requerido anteriormente. “
xvii) Em 11.05.2024 o MºPº promoveu nos seguintes termos:
“15957410:
Tomei conhecimento.
A comunicação efectuada pelo condenado no dia 4 de Julho de 2023 ocorreu já depois do vencimento da primeira prestação da pena de multa, sendo que nela não alegou quaisquer factos que constituíssem uma alteração superveniente de circunstâncias, que pudesse fundamentar uma alteração dos prazos de pagamento inicialmente fixados (e, assim se entende, ainda que tivessem sido alegados, sempre não estaria em tempo para o fazer).
Como tal, por não serem invalidados os fundamentos da promoção de 9/02/2024, renova-se essa promoção. “
xviii) Em 15.06.2024 foi proferido o despacho recorrido supra transcrito.
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§3. Nos termos do artigo 47º, n.º 3 do Código Penal (doravante CP) “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.
Foi o que aconteceu no caso presente.
O arguido AA foi autorizado a pagar a pena de multa de € 550,00€ em que foi condenado, em 5 (cinco) prestações mensais sucessivas, no montante de € 110,00 cada, devendo a 1ª prestação ser paga até ao dia 03.06.2023 e as restantes até ao correspondente dia do mês subsequente.
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§4. Nos termos do artigo 47, n.º 5 do CP “A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas.”
Daqui decorre que perante o não pagamento de uma prestação, a lei impõe um vencimento ope legis das demais prestações em falta, ou seja, a imediata exigibilidade das restantes prestações não está dependente de despacho judicial que o declare já que, perante a letra do sobredito n.º 5, não se exige por parte do tribunal qualquer ponderação das circunstâncias do não pagamento (neste sentido, veja-se os acórdãos TRE de 05.11.2013, relatado por Sérgio Corvalho, do TRP de 15.06.2016, relatado por Maria Prazeres Silva e do TRP de 09.12.2020, relatado por Paulo Costa, todos acessíveis em www.dgsi.pt e o acórdão do TRP de 11.09.2024, relatado por José Quaresma, processo n.º 164/18.7GCETR.P1, não publicado até à presente data).
Assim, o não pagamento de uma das prestações dentro do prazo concedido, faz cessar a dilação concedida para o pagamento fraccionado da multa, considerando-se automaticamente vencidas todas as demais prestações em falta, que passam a ser imediatamente exigíveis, tendo as mesmas que ser liquidadas em acto único.
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§5. No caso vertente, deferido o requerido pagamento da multa em prestações, o condenado pagou a prestação vencida em 03.06.2023, não tendo pago a prestação vencida em 03.07.2023.
Relativamente a este incumprimento ocorrido em 03.07.2023, tendo sido dada possibilidade ao condenado de pagar a prestação em falta atento o teor da notificação mencionada em viii), não podem ser extraídas as consequências decorrentes do citado artigo 47º, n.º 5 do CP – ou seja, o vencimento imediato de todas as prestações – uma vez que o próprio tribunal criou a convicção no condenado de que, com aquela notificação, aquele incumprimento seria relativizado e mantida a execução do cumprimento prestacional.
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§6. Tendo sido dada a possibilidade ao arguido de pagar em prestações a multa em que foi condenado, para além de não pagar a prestação que se venceu em 03.07.2023, também não pagou as prestações que entretanto se venceram em 03.08.2023, 03.09.2023 e 03.10.2023.
Quanto a este segundo incumprimento, por força do n.º 5 do artigo 47º do CP, consideram-se vencidas todas as quatro prestações em falta.
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§7. O arguido poderá justificar o incumprimento temporário de alguma das prestações da multa, com fundamento em situações equiparáveis ao “justo impedimento” que, nos termos do artigo 107º, n.ºs 2 e 3 do CPP, pode legitimar a prática de actos processuais fora de prazo, mas que obriga à efectivação da prestação em falta, a partir do momento em que o motivo impeditivo excepcional deixe de existir.
Nos termos do artigo 107º, n.º 2, do CPP, a prática de actos processuais fora do prazo legalmente estabelecido tem lugar em caso de justo impedimento.
Por seu turno, a figura do justo impedimento é definida no artigo 140º, n.º 1 do Código de Processo Civil, como o "evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto".
O justo impedimento tem como requisitos cumulativos:
- a verificação de um evento normalmente imprevisível (ou seja, súbito e inusitado);
- estranho à vontade da parte; e
- que determine a impossibilidade da prática do acto por si ou por mandatário.
O incidente de justo impedimento deverá ser deduzido no prazo de 3 dias após o termo do prazo ou a cessação do impedimento (cfr. artigo 107º, n.º 3 do CPP), estando o requerente obrigado a oferecer logo a prova respectiva, nos termos do disposto no artigo 140º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4° do CPP.
No caso dos autos, o arguido não pagou as prestações vencidas em 03.07.2023, 03.08.2023, 03.09.2023 e 03.10.2023 e, só quando foi interpelado para se pronunciar sobre a promoção do MºPº de 26.10.2023 aludida em xi), veio requerer em 13.11.2023 a prorrogação do prazo de pagamento das quatro prestação da multa em falta nos termos do disposto no artigo 47º, n.º 4 do CP, invocando para tal uma situação de desemprego ocorrida nos últimos meses e de instabilidade laboral.
Não tendo nessa altura alegado expressamente o justo impedimento consideramos que a situação invocada pelo condenado não se enquadra de todo nesse instituto.
Na verdade, por um lado, a alegada situação de desemprego pode não ser, por si só, impeditiva do pagamento das prestações em falta e, por outro lado, a invocada instabilidade laboral já tinha sido alegada aquando do seu requerimento para pagamento da multa em prestações apresentado em 16.03.2023.
Mas mesmo que assim não fosse, o condenado limitou-se a invocar uma situação de desemprego, sem oferecer como lhe competia qualquer prova para demonstrar essa alegada inactividade laboral.
Neste conspecto, cremos que manifestamente não se verifica qualquer justo impedimento.
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§8. Nos termos do artigo 47º, n.º 4 do CP “Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.”
De acordo com os respectivos pressupostos definidos no n.º 3 do artigo 47º do CP, a possibilidade de pagamento fraccionado da multa (ou a concessão de prazo para o efeito) depende exclusivamente da situação económica e financeira do condenado.
Ora, é perfeitamente imaginável que a situação económica e financeira do condenado, na base da qual tenha sido determinado o regime de pagamento fraccionado da multa, se degrade durante a execução deste.
Contudo, a verificação de tal hipótese não implicará a reponderação do estatuído no n.º 3 do artigo 47º, nem a exclusão do efeito prescrito no n.º 5 do mesmo artigo, mas antes confere ao condenado a possibilidade de fazer apelo ao disposto no n.º 4 do mesmo preceito que prevê que o arguido, cujas condições se tenham deteriorado supervenientemente, possa obter a ampliação do período temporal, que lhe foi concedido para pagar a multa, desde que observados os limites fixados pelo n.º 3, designadamente, quanto ao número máximo de prestações e o valor mínimo destas.
Quando a multa for paga em prestações, como é o caso dos autos, o prazo de pagamento da multa decorre até se terem vencido todas as prestações.
Assim, o requerimento para requerer a prorrogação desse prazo deverá, pois, ser apresentado antes do seu decurso. Ou seja, o condenado terá que apresentar antes da data de vencimento da última prestação o pedido de prorrogação do prazo de pagamento faseado da multa.
Na situação presente, como vimos, o pedido de prorrogação do prazo de pagamento faseado da multa foi apresentado pelo condenado em 13.11.2023, isto é, após o vencimento imediato das quatro prestações em falta, bem como posteriormente ao vencimento da última prestação ocorrido em 03.10.2023.
Donde, a sua pretensão é manifestamente extemporânea.
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§9. Por todo o exposto, perante o vencimento imediato das quatro prestações em falta, o condenado terá que proceder ao pagamento integral do remanescente ainda em dívida, após contabilização, pela secção, de todos os montantes que entretanto já foram pagos ou, na falta de pagamento voluntário do total a liquidar, após averiguação da situação patrimonial do condenado (já promovida), o MºPº instaurará a competente execução.
E, no caso do pagamento (voluntário ou coercivo) não ocorrer, o Mº Pº tomará posição para efeitos do artigo 49º, n.º 1 do CP, podendo o condenado, sendo esse o caso, socorrer-se do disposto nos n.ºs 2 e 3 deste mesmo preceito legal.
Procede o presente recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência, revogar a decisão recorrida e, perante o vencimento imediato das quatro prestações em falta, determinar que se proceda à liquidação da responsabilidade do condenado, correspondente ao remanescente da multa que entretanto ainda não tiver sido pago, seguindo-se, caso o pagamento não ocorra, os ulteriores termos previstos nos artigos 491º do CPP e 49º do CP.
Sem custas.
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Porto, 23.10.2024
Maria do Rosário Martins
Pedro Afonso Lucas
Paula Guerreiro