Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5668/13.5TBVNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE DO ALIMENTANDO
Nº do Documento: RP202404085668/13.5TBVNG-G.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação de alimentos que foi fixada durante a menoridade prolonga-se até aos 25 anos do filho se a formação académica ou profissional deste não estiver completa, se não estiver em condições de suportar os respetivos custos pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos e pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete.
II - A obrigação estende-se na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento.
III - Auferindo o pai o salário mínimo nacional, suportando de prestação de alimentos para a filha que ingressou no ensino superior e para uma outra €236,26, a que acresce metade das despesas médicas e com materiais escolares, tendo outra filha menor doente e estando a companheira desempregada, a comparticipação em cerca de €200,00 mensais, correspondentes a metade das despesas com universidade particular, é irrazoável e, por isso, inexigível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 5668/13.5TBVNG-G-P1


Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: António Mendes Coelho
2.ª adjunta: Maria Fernanda Almeida




Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto



I - Relatório
AA deduziu incidente de incumprimento das responsabilidades parentais visando a condenação de BB, na qualidade de pai de CC, no pagamento das quantias despendidas com o processo de educação e formação profissional da filha de ambos, maior de idade.
Alega que o requerido estava obrigado a suportar metade do valor das despesas de educação de CC, tendo, na sequência da maioridade daquela, deixado de o fazer, pelo que teve que as suportar na íntegra.
BB alegou não ter dado o seu acordo a que a filha frequentasse estabelecimento de ensino superior particular, declinando a obrigação de proceder ao pagamento de metade das inerentes despesas. Mais afirma não ter condições financeiras para suportar quantia a esse título, porquanto tem salário diminuto e suporta as pensões de alimentos mensais devidas a ambas as filhas, incluindo CC, tendo ainda a seu cargo uma outra filha, de 5 anos de idade, que tem problemas de desenvolvimento e de saúde (à data das suas alegações iniciais).
Realizada conferência, e não se tendo obtido acordo, prosseguiram os autos, tendo as partes alegado, carreado documentos para os autos e tendo sido produzida prova em audiência de julgamento.
Foi proferida decisão que julgou o incidente de incumprimento improcedente, absolvendo o requerido do pedido.
Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso.
Finalizou com as seguintes conclusões:
A) O tribunal a quo ao declarar que nada na lei obriga o progenitor requerido a suportar e comparticipar no pagamento de despesas de ensino universitário, e de formação profissional, de filho maior, está a contrariar, de uma forma frontal, evidente e absolutamente incompreensível, múltiplas normas aplicáveis a este caso concreto, como é o caso do disposto nos artigos 1879.º, 1880.º e 1905.º, do Código Civil;
B) Bem como contraria, de uma forma expressa e declarada, uma jurisprudência que, de forma pacífica e uniforme, se vem debruçando sobre esta questão, que inclusive apelida de “insofismável”;
C) Outrossim, o tribunal a quo pretende transferir para a recorrente um ÓNUS que sobre ela não recaí, nem está previsto na lei, associado ao dever de comparticipação do pagamento das referidas despesas!
D) Quando, e muito pelo contrário, o entendimento da jurisprudência nesta mesma matéria vai no sentido de que é precisamente sobre o progenitor obrigado a prestar alimentos requerer a alteração dessa obrigação, adequando as necessidades do alimentado às suas condições ou possibilidades económicas;
E) O que, notoriamente, não se verificou no caso sub judice!
F) Muito pelo contrário, o que os autos demonstram (cf. pontos 7º e seguintes da matéria de facto considerada provada) é que o requerido NUNCA manifestou qualquer discordância, ou oposição, à opção no sentido do ingresso da CC no referido Curso ... no ano letivo de 2020-2021, na sequência da respetiva não colocação no ensino superior público;
G) Nem manifestou, até à propositura do presente incidente, qualquer tipo de oposição ou discordância, quanto à comparticipação no pagamento das despesas inerentes à respetiva frequência universitária;
H) Na prática, o tribunal a quo premiou a inércia e a absoluta indiferença do requerido, no que diz respeito ao acompanhamento do percurso académico da CC e à comparticipação no pagamento das respetivas despesas!
I) Sendo que, a lei e a jurisprudência reconhecem e declaram, de uma forma pacífica e insofismável, que o custo com propinas de uma universidade se integra, salvo expressa solução em sentido diverso, no conceito de alimentos;
J) O que justifica o recurso ao incidente de incumprimento previsto no artigo 41.º, do RGPTC.
K) A decisão proferida pelo tribunal a quo não promoveu uma resolução equitativa, e muito menos justa, do litígio subjacente, facto que urge reverter e corrigir por via recursal;
L) Os autos revelam que a requerente suportou a quantia global de €14.516,00 a título de propinas, taxas de inscrição, seguros e outros encargos debitados pelo correspondente estabelecimento de ensino, associados à frequência do Curso ... por parte da CC, até à presente data;
M) A quota-parte da responsabilidade do requerido nesse montante é equivalente à quantia de €7.258,00;
N) Normas violadas: as supra referidas.
Termos em que, com o douto suprimento omitido, deve o presente recurso ser julgado procedente, e por via disso deve o presente incidente ser julgado procedente, por provado, e o requerido condenado no pagamento da referida quantia de € 7.258,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, computados até efetivo e integral pagamento, com todos os efeitos legais decorrentes.
O requerido contra-alegou, considerando que não assiste razão à recorrente, tendo o tribunal procedido a uma análise crítica, completa e devidamente articulada e ponderada de um conjunto de provas, mormente provas escritas juntas e requeridas pelas partes, declarações de parte, livremente apreciadas pelo Tribunal e os depoimentos das testemunhas, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente.
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II - A questão a dirimir consiste em determinar se impende sobre o requerido a obrigação de pagamento de metade das despesas efetuadas com o percurso escolar universitário da filha CC.
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III - Fundamentação de facto

1 - Por sentença proferida em 20/01/2014, transitada em julgado, foi homologado o acordo obtido entre os progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativas à sua filha CC, como consta da ata dessa data, do apenso A.
2 - Além do mais, quanto a alimentos, foi aí fixado que o progenitor, aqui requerido ficava obrigado a contribuir com a quantia mensal de € 100, 00 para a sua filha CC, a entregar à progenitora, ora requerente, sujeita a atualização anual resultante da aplicação da taxa de inflação publicada pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) e referente ao ano civil anterior, com início em fevereiro de 2014, procedendo ao pagamento por transferência bancária até ao dia 8 do mês a que dissesse respeito.
3 - Mais ficou estabelecido que as despesas médicas e medicamentosas, bem como as de material e livros escolares deveriam ser suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, pagando o progenitor/a (dependendo de quem liquidou a despesa) a sua comparticipação, mediante contra recibo, por transferência bancária, sempre por referência à data do pagamento da prestação alimentar que se seguir.
4 - Finalmente, ficou estipulado que as atividades extracurriculares seriam igualmente suportadas em partes iguais, por ambos os progenitores, desde que com prévio aviso e concordância do progenitor.
5 - No âmbito dos apensos E e F, foi alterado o regime de exercício das responsabilidades parentais referido em 1., mas apenas quanto aos convívios e contactos do progenitor com a filha, mantendo-se o regime de alimentos inalterado.
6 - A jovem CC, nascida em ../../2002, reside com a requerente, sua progenitora, e com a sua irmã germana, DD, atualmente com 12 anos de idade.
7 - No ano letivo de 2020/21, a jovem matriculou-se no Curso ..., que frequenta desde então.
8 - A jovem CC concorreu à 1.ª fase do concurso nacional de acesso e ingresso no ensino superior em 2020, não tendo obtido colocação no ensino superior público.
9 - Por carta registada com aviso de receção, datada de 20/07/2020, a ora requerente enviou comunicação ao requerido, dando conhecimento da matrícula da filha e solicitando a sua comparticipação no pagamento das futuras despesas relativas à frequência do ensino universitário, conforme consta do documento n.º 2 junto com a petição inicial.
10 - Por carta registada com aviso de receção, datada de 06/10/2020, a requerente comunicou ao requerido a inscrição da jovem no referido estabelecimento de ensino, pedindo ao requerido a sua comparticipação no pagamento das respetivas despesas, algumas das quais já efetuadas, conforme resulta dos documentos n.ºs 3 e 4 a 6, juntos com a contestação.
11 - Por carta registada, enviada por intermédio do seu mandatário, datada de 18/11/2020, a requerente interpelou o requerido no sentido de proceder ao pagamento das suas comparticipações nas despesas relativas ao processo de educação e formação profissional da filha de ambos, como resulta do documento n.º 7, que acompanha a petição inicial.
12 - A requerente pagou, até à data, todas as prestações devidas pela inscrição e frequência do curso mencionado pela sua filha CC, respeitantes a propinas, taxas de inscrição e de seguro escolar e outros encargos exigidos pelo estabelecimento de ensino, ressalvado o montante recebido pela jovem, como bolsa da DGES, nos anos letivos de 2020/2021 e de 2023/2024, conforme resulta do documento junto em audiência de julgamento pela requerente.
13 - Tem tido aproveitamento no referido curso superior, transitando de ano, mas deixando algumas disciplinas de um ano para o outro, submetendo-se a exame de recuperação no semestre seguinte, pagando a requerente o respetivo custo de €160,00 por cada exame.
14 - A requerente exerce atividade profissional por conta de outrem, ao serviço de A..., S.A., auferindo o salário mensal atual de €800,00.
15 - A requerente beneficia de apoio financeiro de familiares e de ajudas no transporte para o seu local de trabalho, para suportar todas as suas despesas domésticas e as do sustento da jovem CC e da sua filha, de 12 anos de idade, DD, que estão a seu cargo.
16 - A jovem CC desloca-se em veículo automóvel para as aulas na faculdade, no Porto, bem como para ir levar e buscar a sua irmã DD à escola, sita em ..., usando para o efeito o veículo do seu namorado.
17 - O progenitor exerce a atividade profissional de ajudante de serralharia ao serviço de B..., Unipessoal, Lda., auferindo mensalmente o salário mínimo nacional.
18 - Reside com a sua unida de facto e com a filha de ambos, EE, de 7 anos de idade, padecendo esta de défices cognitivos e de aprendizagem e de problemas de saúde respiratória, bem como de pequeno grau de surdez, carecendo de terapias e tratamentos médicos e medicamentosos regulares, no que os pais despendem pelo menos €300,00 mensais.
19 - A sua companheira encontra-se desempregada há cerca de um ano, auferindo subsídio de desemprego de €552,00 mensais, com duração até janeiro de 2024.
20 - O progenitor usa para se deslocar diferentes veículos automóveis, de marca Peugeot, ... e ..., de titularidade não concretamente apurada.
21 - O progenitor tem procedido ao pagamento das prestações mensais de alimentos devidas às suas filhas CC e DD, com a atualização anual devida, correspondendo no ano de 2023 a €118,13 para cada uma, com exceção dos meses de setembro e outubro de 2023, que estavam vencidos e em falta à data da audiência de julgamento realizada.
22 - O progenitor e a filha CC não têm contacto nem convívio pessoal há vários anos, por desentendimentos pessoais e familiares entre ambos.
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Matéria de facto não provada constante da sentença

a) Previamente à inscrição da sua filha CC na Universidade ..., o requerido deu à requerente o seu acordo para esse efeito, comunicando-lhe que suportaria metade das respetivas despesas mensais.
b) Previamente à inscrição da sua filha CC na Universidade ..., o requerido deu-lhe o seu acordo para esse efeito, comunicando-lhe que suportaria metade das respetivas despesas mensais.
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IV - Fundamentação jurídica
Se são devidos pelo requerido os valores, na proporção de metade, relativos a despesas com a universidade privada frequentada pela filha de requerente e requerido
Os progenitores de CC, nascida em ../../2002, por acordo, homologado por sentença, estabeleceram que a obrigação de alimentos do pai corresponderia ao montante mensal de €100,00.
Ficou ainda definido que as despesas extraordinárias, nomeadamente despesas médicas e medicamentosas, bem como as de material e livros escolares, deveriam ser suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, pagando o progenitor/a (dependendo de quem tivesse liquidado a despesa) a sua comparticipação, mediante contra recibo, por transferência bancária, sempre por referência à data do pagamento da prestação alimentar que se seguisse.
A progenitora, a cargo da qual se encontra a filha maior, veio reclamar o pagamento de despesas com a frequência de ensino universitário daquela, em estabelecimento de ensino particular. Opõe o progenitor não ter concordado com tal opção, nem em pagar tais despesas, apenas assumindo as que emergissem da frequência do ensino público.
Segundo o aludido acordo de 2014, o apelado obrigou-se a pagar metade das despesas extraordinárias da filha, nomeadamente de saúde e com aquisição de livros e material didático. Não se previu a obrigação do progenitor suportar metade das despesas com a frequência de estabelecimento de ensino, fosse público ou particular. São apenas explicitamente referidas as despesas com material e livros escolares.
O progenitor declarou voluntariamente que aceitaria pagar despesas com a frequência do ensino superior público, comparticipando com metade, pelo que, a ter CC ingressado em universidade pública, seria de acolher a pretensão da requerente. Não é o caso, pelo que cumpre analisar se, na ausência de acordo prévio e de assentimento do requerido, é de concluir pelo incumprimento das respetivas responsabilidades parentais.
O tribunal recorrido fundamentou o indeferimento da pretensão da requerente na interpretação do acordo homologado quanto ao exercício das responsabilidades parentais por este não contemplar o pagamento de despesas com estabelecimentos de ensino, bem como na inexistência de alteração de tal acordo quanto à possibilidade de ingresso de CC em estabelecimento privado, não suprida pela concordância do pai.
Nos termos do disposto no art.º 36.º/5 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Segundo o art.º 27.º/2 da Convenção sobre os Direitos da Criança, cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.
O art.º 2009.º/1/c do C.C. prevê a vinculação dos ascendentes à prestação de alimentos.
Dispõe o art.º 1878.º/1 do Código Civil (C.C.) que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
O alcance do dever de alimentos devidos a menores suplanta a dimensão dos alimentos em geral, já que, para além de englobar tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreende a instrução e educação do alimentado (art.º 2003.º/1/2 do C.C.).
Alimentos são obrigações de prestação de coisa ou de facto, que visam satisfazer o sustento, a habitação, o vestuário, a sua instrução e educação (Remédio Marques, in “Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores (Devidos a Menores) Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da família, Coimbra Editora, 2.ª Edição ).
Os alimentos, tal como definidos no art.º 2003.º/2 do C.C., compreendem a instrução e a educação, quer o alimentando seja menor de idade, quer o direito a alimentos se prolongue para além da maioridade do alimentando por o processo de formação não estar ainda concluído.
Como se lê no sumário do ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-10-2020 (proc. 2216/19.7T8BCL.G1, Maria da Conceição Sampaio), a essencialidade de que se reveste a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo e lhe assegure o efetivo cumprimento, rodeando-a de defesas que a tornem imune às vicissitudes do relacionamento dos progenitores, aos seus acordos, acertos e desacertos, enfim, à volubilidade própria da vida relacional.
O caso vertente é expressivo desta imposição, não estando, porém, em causa a continuidade do pagamento da pensão de alimentos tout court, mas sim a obrigatoriedade de prover às despesas com a continuidade da educação da filha de requerente e requerido.
Conforme ressalta a sentença de 1.ª instância, do acordo firmado pelos pais de CC consta que as despesas de material e livros escolares deveriam ser suportadas em partes iguais por ambos os progenitores. Deste acordo deflui que não foram contempladas outras despesas com educação que não as inerentes a material e livros, o que bem se compreende, porque a educação é gratuita até ao final da escolaridade obrigatória, que finda com o 12.º ano de escolaridade.
Mesmo no que se reporta a atividades extracurriculares estas seriam suportadas em partes iguais, por ambos os progenitores, desde que com prévio aviso e concordância.
Como consta da matéria apurada, tão pouco se demonstrou que o requerido haja dado o seu assentimento posterior ao pagamento da faculdade em que CC ingressou.
Nos termos do disposto no art.º 1906.º do C.C. as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. Tomé d’Almeida Ramião entende que a matrícula em estabelecimento privado de ensino constitui questão de particular importância enquanto que o mesmo ato em estabelecimento de ensino público constitui ato da vida corrente (O Divórcio e as Questões Conexas - Regime Jurídico Atual, 2.ª edição, pp. 158, 159).
Também por aqui se vê que decisão de ingresso em estabelecimento de ensino superior particular, uma vez que o pagamento correspondente não iria ser levado a cabo por CC, com os seus rendimentos do trabalho ou outros, deveria ter sido objeto de consenso entre os pais.
Temos, pois, que no estrito cumprimento do acordado entre os pais de CC na sua menoridade o requerido não se mostra obrigado a suportar a quantia correspondente a metade das despesas com a sua educação universitária.
Vejamos, então, se essa obrigação decorre de imposição legal.
De acordo com o disposto no art.º 1880.º do C.C., a obrigação dos pais de contribuírem para as despesas dos filhos maiores mantém-se até que completem a sua formação, na medida em que lhes seja razoável exigir o seu cumprimento, pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete.
Como discorre Rita Lobo Xavier (in «Falta de autonomia de vida e dependência económica dos jovens: uma carga para as mães separadas ou divorciadas?», Lex Familiae, Ano 6.º, n.º 1 - 2, Julho/Dezembro 2009, 19), reconheceu-se no art.º 1880.º do C.C. que, mercê da evolução social, é cada vez mais frequente que, ao atingir a maioridade, o filho não esteja em condições de garantir a sua independência financeira, permanecendo a cargo dos progenitores. Logo, a extensão da obrigação dos pais para além da maioridade dos filhos é o que mais se coaduna com a sociedade portuguesa, em que os filhos maiores vivem com os pais e geralmente não trabalham enquanto prosseguem estudos.
Escreve Jorge Duarte Pinheiro (O Direito da Família Contemporâneo, p. 299, nota 496) que ao completarem 18 anos, os filhos adquirem plena capacidade de exercício, mas normalmente não têm recursos económicos para ter uma vida autónoma nem a formação necessária para os angariar. Por isso, continuam a viver com os pais e a ser sustentados por estes.
Prevê o art.º 1879.º do C.C. que os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos.
O art.º 1905.º/2 do C.C. preceitua que para efeitos do disposto no art.º 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
É hoje pacífico o entendimento segundo o qual a obrigação de alimentos que foi fixada durante a menoridade se prolonga até aos 25 anos do filho se a formação académica ou profissional não estiver completa. Neste caso inverte-se o ónus do impulso processual na medida em que compete ao progenitor obrigado a prestar alimentos requerer a alteração da mesma, adequando as necessidades do alimentado e as suas possibilidades, ou requerendo a sua extinção caso se verifiquem os pressupostos da sua cessação (cf. ac. da Relação de Évora de 9-3-2017, proc. 26/12.1TBPTG-D.E1, Albertina Pedroso).
Cabe, pois, apreciar a extensão do art.º 1880.º do C.C. quanto a alimentos devidos ao filho maior quando no momento em que atinge a maioridade não houver completado a sua formação profissional e não estiver em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos (art.º 1879.º do CC), na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete (art.º 1905.º/2 do C.C.).
É apodítico que o pagamento das propinas e demais despesas inerentes à frequência de CC de universidade particular acarreta manifesto acréscimo nas responsabilidades dos pais.
Contraste-se o montante da prestação alimentar, correspondente a €118,13 em 2023, com a quantia que com o presente incidente se pretende seja suportada pelo requerido. A apelante alega que à data das suas conclusões o total despendido é de €14.516,00, pelo que caberia ao apelado suportar o pagamento de €7.258,00. A corresponder, como se depreende do aduzido, tal quantitativo a três anos letivos (2020/2021, 2021/2022 e 2022/2023), alcança-se o valor de €2.418,33, o que, a dividir por 12 meses, corresponde a €201,61 mensais.
Consta dos factos assentes:
- que o requerido aufere não mais que o salário mínimo nacional (fixado para o ano de 2024 em €820,00, segundo o decreto-lei 107/2023, de 23 de novembro);
- que o requerido suporta de prestação de alimentos para as duas filhas que tem em comum com a requerente, em 2023, €236,26 (€118,13 x 2), a que acresce metade das despesas com materiais escolares e livros, bem como despesas de natureza médica;
- que o requerido tem uma outra filha que padece de problemas de saúde que acarretam despesas acrescidas;
- que a atual companheira do requerido aufere €552,00 mensais de subsídio de desemprego, sendo a respetiva duração até janeiro de 2024.
Se se ponderar que ao vencimento do recorrido há que subtrair quantia próxima de €240,00 para CC e para a irmã DD, ficcionando quantia idêntica (€ 120,00) para a irmã mais nova, adicionando €200,00 para as despesas universitárias da primeira, alcançamos o montante de €560,00, a que acrescerão ainda metade das despesas com livros e materiais escolares e com saúde.
Tudo visto, não se pode deixar de concluir pela irrazoabilidade de onerar o apelado com o pagamento de quantitativo equivalente a cerca de um quarto dos respetivos proventos com os estudos superiores da filha mais velha. Em face dos factos apurados é cristalino que os proventos do apelado não comportam a possibilidade de tal despesa. Condenar o requerido a suportar um tal encargo, equivale a um quase certo incumprimento, se não desta prestação, de outras que já lhe estão cometidas.
A pretensão da recorrente é desmesurada por confronto com os concretos rendimentos e meios de vida do recorrido, concluindo-se pela inexigibilidade no caso concreto de assunção de tal dispêndio.
Veja-se o consignado no Ac. da Relação de Guimarães de 19/06/2019 (proc. 6689/18.7T8GMR.G, www.dgsi.pt/jtrg): «II. O princípio da razoabilidade (arts. 1880º e 1905º, n.º 2, do C. Civil) deverá ser aferido em cada caso, nomeadamente pela ponderação de condições subjetivas pertinentes ao filho maior (como a capacidade intelectual atual, o rendimento escolar passado, e capacidade de trabalhar durante a frequência escolar/académica), e de condições objetivas pertinentes ao mesmo e pertinentes aos seus progenitores (como património próprio, rendimentos do mesmo e/ou de trabalho remunerado, ou outros). III. A natureza da obrigação de alimentos, enquanto responsabilidade parental, impõe que se considere que as necessidades dos filhos sobrelevam as dificuldades económicas dos pais, cabendo a estes assegurar as necessidades daqueles de forma prioritária relativamente às suas (art. 36º, nº 5 da CRP, e arts. 1874.º, 1878.º, n.º 1, 1879.º e 1880.º, todos do CC). IV. A real possibilidade de trabalhar do filho maior não deve ser tomada em conta enquanto pressuposto e medida dos alimentos a favor dele, se e quando possa comprometer o sucesso dos estudos (art. 2004.º, n.º 2 do CC). V. No limiar mínimo dos alimentos de que progenitor e o filho carecem, e na impossibilidade de simultaneamente os assegurar (já contando para o efeito com o desproporcional - e continuado - sacrifício imposto ao outro progenitor), a especial natureza das responsabilidades parentais justificam que se imponha àquele primeiro um maior esforço para obter os ditos alimentos, e um maior sacrifício para suportar a sua carência.».
Este nível de exigência em face dos pais não deve, porém, contender, com a básica sobrevivência destes e de outros filhos, para mais menores. Lê-se no ac. da Relação do Porto de 4/4/2005 (proc. 0551191, Fonseca Ramos): “o que está na base do normativo do art.º 1880.º do Código Civil é a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação (…). A obrigação excecional ali prevista neste normativo tem um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” a completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade - é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais o custeio das despesas com o sustento e educação do filho maior”.
Tendo em conta o estrito teor do acordo lavrado e homologado por sentença, quanto às despesas extraordinárias e de educação da filha não pode dizer-se que o progenitor esteja vinculado a suportar as despesas com propinas, taxas de inscrição e candidatura, seguros escolares e outros encargos desse jaez no estabelecimento de ensino privado que a jovem frequenta.
Nos termos do art.º 342.º/1 do C.C., incumbia à requerente alegar e provar que o progenitor assumira suportar as despesas do ensino particular e do estabelecimento de ensino em que a jovem se inscreveu e que frequenta. Não logrou produzir tal prova.
No concreto contexto dos seus rendimentos e despesas, é desrazoável condenar o requerido a suportar as despesas universitárias da filha.
Nestes termos, não assiste razão à requerente no pedido formulado, improcedendo o incidente e assim devendo o requerido dele ser integralmente absolvido, por não estar obrigado ao pagamento das despesas descritas.

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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida
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As custas serão suportadas pela apelante por ter decaído totalmente na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 8-4-2024.
Teresa Fonseca
Mendes Coelho
Fernanda Almeida