Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6940/18.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
OBRIGAÇÕES DO DEVEDOR
RECUSA
Nº do Documento: RP202107126940/18.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 243º/3, 2ª parte do CIRE a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações.
II - Este ónus que recai sobre o insolvente, não se mostra cumprido, quando perante as notificações realizadas, pelo senhor fiduciário e pelo tribunal, não se provou que a insolvente tenha apresentado uma justificação para o incumprimento dos deveres impostos e tenha demonstrado no prazo concedido para o efeito, o cumprimento de tais obrigações, que no caso consistiam em indicar a profissão que exerceu ou exerce e salário, ou rendimentos, que auferiu no período compreendido entre 01 de novembro de 2019 e 31 de outubro de 2020 (segundo período de cessão) e juntar documentos comprovativos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Insolv-ExonPasRest-Cessação Antecipada-6940/18.3T8VNG.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
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I. Relatório
B…, solteira, residente na Rua …, n.º ., …, ….-… Vila Nova de Gaia apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante.
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Por sentença proferida em 12 de setembro de 2018 declarou-se a requerente em situação de insolvência.
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Em 21 de outubro de 2018 o Administrador da Insolvência apresentou o relatório ao abrigo do art. 155º CIRE, no qual deu o seu parecer no sentido de se declarar encerrado o processo, por inexistência de bens e não se verificarem obstáculos à admissão liminar do incidente de exoneração do passivo restante.
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O processo prosseguiu os ulteriores termos com realização em 30 de outubro de 2018 da assembleia de apreciação do relatório, no decurso da qual se proferiu despacho que declarou encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente e declarou-se fortuita a insolvência.
No mesmo ato proferiu-se despacho que deferiu liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante, com o teor que se passa a transcrever:
B…, declarada insolvente por sentença proferida nestes autos e já transitada em julgado, requereu a exoneração do passivo restante.
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Não foi deduzida oposição.
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Mostra-se junto aos autos o certificado de registo criminal da insolvente, do qual nada consta.
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É de considerar que:
a) A devedora apresentou-se à insolvência a 06 de Setembro de 2018 e, por sentença proferida no dia 12 de Setembro do mesmo ano, foi declarada a sua insolvência;
b) A insolvente é solteira;
c) A insolvente trabalha por conta de outrem, com contrato a termo certo, auferindo a retribuição base mensal de €580,00;
d) A insolvente reside com os dois filhos maiores, desempregados, em casa de um familiar, com quem partilha as despesas;
e) O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto nos arts. 230º, n.º 1, alínea d), e 232º do Código da Insolvência e da recuperação de Empresas.
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O tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, bem como o que resulta do relatório apresentado pelo Sr. Administrador da Insolvência.
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O art. 235º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas dispõe que “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste (…)”.
“O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio” (cfr. art. 236º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Acrescenta o n.º 3 do mesmo normativo que “do requerimento consta expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes”.
No caso em apreço, a devedora atestou preencher os requisitos de que depende a prolação do despacho inicial, sendo certo que não resultam, cremos, dos autos factos que possam levar ao indeferimento liminar do pedido formulado.
Nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, admito liminarmente o pedido de exoneração de passivo restante formulado pela insolvente.
Rendimento disponível a ceder.
O rendimento disponível do devedor objeto da cessão ao fiduciário, nos termos do art. 239º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, é integrado por todos os rendimentos que ao devedor advenham, a qualquer título com exclusão, e no que à economia da presente decisão importa, do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (art. 239º, n.º 3, alínea b), i) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e do que seja razoavelmente necessário para outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor (art. 239º, n.º 3, alínea b), iii) do referido Código).
No caso em apreço, considerando os factos acima elencados, determina-se que o rendimento da devedora que ultrapasse o equivalente a um salário mínimo nacional, acrescido de metade, por mês, com referência aos doze meses do ano, seja cedido ao Sr. Administrador da Insolvência que neste ato se nomeia para exercer as funções de Fiduciário.
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O apuramento do rendimento disponível e, assim, o cálculo dos montantes a ceder deverá ser feito anualmente, aquando da apresentação da informação prevista no art. 240º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Advirta-se a insolvente das obrigações a que fica sujeita, constantes do art. 239º, n.º 4, e do art. 240º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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Notifique, publicite e registe (art. 247º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas)”.
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A insolvente e a sua ilustre mandatária foram notificados do teor do despacho em 31 de outubro de 2018, a insolvente por carta registada.
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Em 09 de maio de 2020 o senhor Fiduciário apresentou o primeiro relatório, respeitante ao período de 01 de novembro de 2018 a 31 de outubro de 2019, dando conta dos rendimentos auferidos pela insolvente e que não havia lugar a qualquer valor de cessão.
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Em 23 de novembro de 2020 veio o senhor Fiduciário apresentar o seguinte requerimento:
1 – Informar:
- Foi a exonerada notificada pelo Fiduciário em 2020.09.21 (CTT: …………..), rececionada em 22.09.2020 – 09h47-RP), nada tendo dito ou entregue até a persente data.
- Já o mesmo facto ocorreu aquando da elaboração do 1º relatório anual do fiduciário, o que demonstra falta de colaboração com o Fiduciário.
- Reconhecem-se algumas “limitações” à exonerada, (por conhecimento pessoal aquando da diligência processual para elaboração do Relatório (artº 155º CIRE), sendo que não se considera motivo bastante para manter este alheamento de responsabilidades.
Nestes termos e SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA.,
2 – Requer-se:
Seja a exonerada notificada pelo DOUTO TRIBUNAL para apresentar a documentação em falta (100%), sob pena de, não o fazendo, ser-lhe requerida a cessação antecipada do procedimento de exoneração (artº 243º CIRE)”.
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Em 02 de dezembro de 2020 proferiu-se o despacho que se transcreve:
“Notifique a insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar ao Sr. Fiduciário as informações em falta, relativas à situação profissional e rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão, sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante (arts. 239º, n.º 4, e 243º do CIRE)”.
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Em 03 de dezembro de 2020 o despacho foi notificado à insolvente, por carta registada e ainda, à ilustre mandatária.
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Em 05 de janeiro de 2021 a secretaria notificou o senhor Fiduciário no sentido de informar se foram prestadas pela insolvente as informações em falta.
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Em 06 de janeiro de 2021 veio o senhor Fiduciário prestar a seguinte informação:
1 – Informar:
- Foi a exonerada notificada pelo Fiduciário em 2020.09.21 (CTT: …………..), rececionada em 22.09.2020 – 09h47-RP), nada tendo dito ou entregue até a persente data.
- Apesar de, entretanto, (03/12 - 17:54) ter sido estabelecida comunicação telefónica com familiar (filha), não foi remetida qualquer informação documental, remetendo-se ao silêncio;
Nestes termos é entendimento do Fiduciário que a exonerada não pretende cumprir com as obrigações assumidas, colocando em causa o sentido de responsabilidade/pontualidade, do Fiduciário, perante os Autos.
Nestes termos e SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA:;
2 – Requer-se:
Seja a exonerada notificada pelo DOUTO TRIBUNAL (última possibilidade), para apresentar a documentação em falta (100%), sob pena de, não o fazendo, ser-lhe requerida a cessação antecipada do procedimento de exoneração (artº 243º CIRE)”.
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Em 26 de janeiro de 2021 proferiu-se o despacho que se transcreve:
“Considerando o teor do despacho de 2 de Dezembro de 2020, notifique a insolvente da informação que antecede e, após, abra de novo conclusão”.
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Em 26 de janeiro de 2021 procedeu-se à notificação da ilustre mandatária da insolvente do despacho precedente.
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Em 23 de fevereiro de 2021 (ref. Citius 421775117) proferiu-se o despacho que se transcreve:
“É de considerar que:
a)A 30 de Outubro de 2018 foi proferido despacho que determinou o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente e despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante;
b) O Sr. Fiduciário, a 23 de Novembro de 2020, informou o tribunal da falta de resposta da insolvente à notificação de 21 de Setembro de 2020, no sentido de serem entregues os documentos e informações acerca dos rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão;
c) A 2 de Dezembro de 2020 foi proferido despacho que determinou a notificação da insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar ao Sr. Fiduciário as informações em falta, relativas à situação profissional e rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão, sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante;
d) A insolvente, notificada, não respondeu.
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O tribunal teve em consideração as informações e os elementos que resultam dos autos.
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Antes de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 239º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência (art. 243º, n.º 1, alínea a), do referido Código).
Nos termos do disposto no art. 239º, n.º 4, alíneas a), b) e d), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, durante o período da cessão o devedor fica obrigado, nomeadamente, a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e prazo em que isso lhe seja requisitado, a procurar diligentemente uma profissão remunerada, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto e a informar o tribunal e o fiduciário, quando solicitado, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego.
Por outro lado, a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las (art. 243º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
No caso em apreço, a insolvente, notificada para, no prazo de 10 dias, entregar ao Sr.Fiduciário as informações relativas à situação profissional e rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão, as quais já lhe tinham sido solicitadas pelo mesmo, não respondeu, remetendo-se ao silêncio.
Assim sendo, considerando a violação dos deveres de apresentação e de colaboração (cfr.art. 83º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) por parte da insolvente, considero haver fundamento para recusar a exoneração, nos termos do disposto no art. 243º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do mesmo Código).
Pelo exposto, recuso a exoneração do passivo restante e determino a cessação antecipada do procedimento correspondente.
Custas do incidente a cargo da insolvente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (art. 527º, n.º1 e n.º 2, do Código de Processo Civil, art. 7º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II), sem prejuízo da decisão proferida quanto ao pedido de apoio judiciário que formulou.
Notifique, registe e publicite (art. 247º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
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Fixo a remuneração do Sr. Fiduciário, relativamente ao período em causa, no montante de 2 UC, a adiantar/suportar pelo IGFEJ”.
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Deste despacho foi a ilustre mandatária da insolvente notificada em 24 de fevereiro de 2021 (ref. Citius 422255326).
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Em 04 de março de 2021 a insolvente veio formular o seguinte requerimento, juntando um documento:
1- Foi declarado a 24.02.2021 a cessão antecipada da exoneração do passivo restante.
2- Fundamenta o M. Juiz a cessão antecipada com o seguinte argumento: “No caso em apreço, a insolvente, notificada para, no prazo de 10 dias, entregar ao Sr. Fiduciário as informações relativas à situação profissional e rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão, as quais já lhe tinham sido solicitadas pelo mesmo, não respondeu, remetendo-se ao silêncio.” Ora,
3- Acontece, porém, que a insolvente não se remeteu ao silêncio, bem pelo contrário.
4- A insolvente, através da sua mandatária remeteu a informação profissional ao I. AJ.
5- Foi por via email, no passado dia 9 de dezembro de 2020, que a insolvente remeteu a documentação através da sua mandatária, pelo que a mesma cumpriu as suas obrigações e legalmente impostas por lei.
6- Desta forma, deverá o M. Juiz rever o despacho de cessão antecipada da exoneração do passivo restante, uma vez que a Insolvente enviou dentro do prazo para o Administrador de insolvência a informação por este requerida, cfr. doc.1.
7- Assim, com vista a evitar recurso desta decisão, requer-se a V.ª Exa que se digne averiguar o cumprimento das obrigações da insolvente, bem como o fundamento de assentou o deferimento de cessão, dado que não há motivo para tal situação”.
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Em 11 de março de 2021 proferiu-se o despacho que se transcreve:
“Requerimento de 4 de Março de 2021.
O poder jurisdicional do tribunal, relativamente à questão em causa, esgotou-se, sendo certo que a decisão não padece de qualquer nulidade [a decisão em causa está em consonância com os elementos que constavam do processo aquando da sua prolação].
Nesse sentido, inexiste fundamento para “rever” a decisão proferida a 23 de Fevereiro de 2021.
Notifique”.
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A insolvente veio interpor recurso do despacho proferido em 23 de fevereiro de 2021, que declarou a cessação antecipada do incidente de exoneração do passivo restante.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir que se julgue procedente o recurso.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- admissibilidade da junção do documento com as alegações de recurso; e
- se estão reunidos os pressupostos para declarar a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
a)A 30 de Outubro de 2018 foi proferido despacho que determinou o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente e despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante;
b) O Sr. Fiduciário, a 23 de Novembro de 2020, informou o tribunal da falta de resposta da insolvente à notificação de 21 de Setembro de 2020, no sentido de serem entregues os documentos e informações acerca dos rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão;
c) A 2 de Dezembro de 2020 foi proferido despacho que determinou a notificação da insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar ao Sr. Fiduciário as informações em falta, relativas à situação profissional e rendimentos auferidos no 2º ano do período da cessão, sob pena de ser determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante;
d) A insolvente, notificada, não respondeu.
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3. O direito
- Da junção do documento -
A apelante nas alegações de recurso veio requerer a junção de um documento que contém o texto de duas comunicações eletrónicas com data de 09 de dezembro de 2020, horas 10.53 e 23.27, respetivamente.
As mensagens foram enviadas por C… para D… e de D… para C….
A primeira mensagem tem o seguinte conteúdo:
“Bom dia Dr D…
Remeto em anexo os documentos solicitados.
A D. B… não trabalhou no presente ano, estando de baixa.
Com os melhores cumprimentos
C…
Advogada – E… …”
A segunda mensagem tem o seguinte conteúdo:
“Pasta Nº 131… B… …(considera que esteve todo o período de baixa)
(Citação oculta)”.
O anexo que acompanhou a primeira mensagem não se mostra junto com o documento.
Os documentos destinados a fazer prova da cessão dos rendimentos ou que comprovem os rendimentos do insolvente são apresentados ao fiduciário ou ao tribunal, no prazo concedido para esse efeito, como determina o art. 239º/4 a) CIRE. Esse prazo conta-se da data em que o insolvente é notificado para o fazer.
Como se prevê no art. 425º CPC, por remissão do art. 17º CIRE, depois do encerramento da discussão, em sede de recurso só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.
Como observava ALBERTO DOS REIS: “[c]oncilia-se assim o princípio de disciplina processual que postula o oferecimento imediato de documentos, com o princípio de justiça segundo o qual a decisão deve ser a expressão, tão perfeita e completa quanto possível, da verdade dos factos que interessam ao litígio”[2].
A junção de documentos em sede de recurso está contudo subordinada ao critério estabelecido no art. 651º CPC, no qual se determina que:
“ As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Dispõe o art.425ºCPC:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Decorre deste regime que em sede de recurso, nas alegações, as partes podem juntar documentos, quando:
- a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento – superveniência objetiva (fundada na data do facto a provar ou do documento comprovante) ou subjetiva (baseada no desconhecimento da existência do documento, na indisponibilidade dele por parte do interessado ou na necessidade de alegação e prova do facto);
- se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo[3].
No caso em análise a apelante não indicam o motivo pelo qual requer a junção do documento com as alegações.
Não resulta dos autos que não tenha sido possível a junção do documento até à data em que foi proferido o despacho que declarou a cessação antecipada do procedimento de exoneração, por não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a não lhe ter sido possível fazer uso dele. Aliás, atenta a data das comunicações eletrónicas – 09 de dezembro de 2020 – a apelante estava em condições de juntar tal documento em data anterior a 23 de fevereiro de 2021, data da decisão. Acresce que nesse período de tempo recebeu duas notificações do tribunal, no sentido de informar da situação profissional e comprovar os rendimentos auferidos no segundo período da cessão e não deu resposta a nenhuma dessas notificações.
A junção de documentos em sede de alegações face ao julgamento em 1ª instância, funda-se no imprevisto da decisão proferida, quer por razões de direito quer por razões de prova[4].
Analisado o documento em confronto com os fundamentos da decisão proferida em 1ª instância, resulta que no despacho o juiz do tribunal “a quo“ não veio invocar novos e diferentes argumentos, daqueles que estavam consignados nas notificações realizadas.
A decisão proferida não se funda em normas jurídicas com cuja aplicação a parte não contava, nem a junção das comunicações eletrónicas, como meio de prova pode contribuir para apurar factos diferentes daqueles que se mostram provados, com relevância na decisão final e que não foram atendidos por omissão de prova documental.
Com efeito, tal documento não vem acompanhado dos anexos a que se alude no respetivo texto e o facto de se encontrar de baixa médica não significa que não aufira rendimentos.
Conclui-se, assim, que atento o critério previsto no art. 651º/1 CPC carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção do documento, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução à apresentante.
O incidente será tributado com custas a cargo da apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ -, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe venha a ser concedido.
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- Da cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante -
Na apreciação da questão, por efeito da sucessão de leis no tempo, cumpre ter presente que o presente processo de insolvência foi instaurado em 06 de setembro de 2018, pelo que se aplica o regime previsto no DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08, com as alterações introduzidas pelo DL 116/2008 de 04/07, DL 185/2009 de 12/08, Lei 16/2012 de 20 de abril e o DL 79/2017 de 30 de junho, que entrou em vigor a 01 de julho de 2017 (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que passaremos a designar de forma abreviada “CIRE”).
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Nas conclusões de recurso a apelante insurgem-se contra o despacho que declarou a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, por entender que não estão reunidos os pressupostos para ser recusado o benefício, porque por um lado, a apelante deu cumprimento ao dever de informação e ainda que assim não se entenda, não resulta dos termos da decisão que tal omissão tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Cumpre apreciar se estão reunidos os pressupostos para declarar a antecipação do procedimento de exoneração do passivo restante, com fundamento no art. 243º/1 a)/3 CIRE.
A “exoneração do passivo restante“ constitui um benefício concedido ao devedor pessoa singular declarado insolvente, cujo regime consta dos art. 235º a 248º CIRE.
O caráter inovador do instituto no nosso ordenamento jurídico mereceu do legislador no preâmbulo do DL 53/2004 de 18/03, que aprovou o novo regime do processo de insolvência, a seguinte referência: “o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da ‘exoneração do passivo restante’. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
A efetiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afetará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta reta que ele teve necessariamente de adotar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica“.
Salienta o legislador que este instituto não se destina ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, quando observa: “ Esclareça-se que a aplicação deste regime é independente da de outros procedimentos extrajudiciais ou afins destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, designadamente daqueles que relevem da legislação especial relativa a consumidores. “
Decorre, assim, do art. 235º CIRE que se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo”.
No regime criado, confrontamo-nos com dois interesses fundamentais a ponderar: por um lado, o interesse dos credores, que pretendem, naturalmente, reaver os seus créditos e o do insolvente em libertar-se do passivo.
A lei permite que o insolvente obtenha a exoneração dos créditos sobre a insolvência não integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste (art.º 235 e 236, do CIRE), de modo a poder reiniciar a sua vida económica livre das dívidas contraídas[5].
Como este resultado é conseguido à custa dos credores, importa seguir com especial atenção a lisura do comportamento do devedor e a sua boa fé, visto que a medida em causa, gravosa quanto àqueles, só se compreende à luz da ideia de que o insolvente deseja orientar a sua vida de modo a não se envolver de novo em situações similares[6].
Neste contexto, a lei estabelece limites que passam pelo indeferimento do pedido de exoneração (art.º 238/1, CIRE) e a cedência do rendimento disponível aos credores (art.º 241), como forma de minorar o prejuízo destes e de responsabilizar o devedor pelo cumprimento das suas obrigações.
A atribuição do benefício depende da verificação de um conjunto de requisitos de natureza processual e substantiva, que como refere CARVALHO FERNANDES “são dominados pela preocupação de averiguar se o insolvente pessoa singular, pelo seu comportamento, anterior ao processo de insolvência ou mesmo no curso dele, é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém”[7].
Destaca, ainda, o mesmo AUTOR, no estudo citado, o “caráter judicial da medida“ e ainda que “a exoneração efetiva não decorre imediatamente da liquidação da massa insolvente como seria próprio de um sistema de fresh start. Bem pelo contrário, implica um período subsequente ao encerramento do processo, de cinco anos, durante o qual os rendimentos do devedor, com exceção de valores, não muito generosos, destinados a garantir a sua base de vida familiar e profissional, vão ficar afetados ao pagamento dos créditos não satisfeitos no processo de insolvência, mediante cessão a um fiduciário.
Este ponto é tanto mais significativo quanto é certo que na pendência do período de cessão são impostas ao devedor severas obrigações e um comportamento correto, cuja inobservância impede a efetiva exoneração (art. 243º e 244º), sem prejuízo da afetação, já feita, dos seus rendimentos”[8].
O procedimento desenvolve-se fundamentalmente em duas fases: o despacho inicial e o despacho final.
O pedido de exoneração do passivo restante tem que ser formulado pelo devedor, conforme decorre do art. 236º do CIRE.
Segue-se a fase do contraditório, dando-se a possibilidade dos credores e administrador da insolvência se pronunciarem sobre o pedido (art. 236º/4 CIRE), após o que o juiz profere o despacho liminar, nos termos do art. 237º a) e 238º do CIRE, designado como despacho inicial.
O segundo despacho – despacho final – determina a concessão definitiva da exoneração, decorrido o prazo de cinco anos e verificando-se o cumprimento das obrigações constantes do despacho inicial (art. 237º CIRE).
Contudo, a lei prevê a cessação antecipada do procedimento, antes ainda de terminado o período da cessão, nas circunstâncias enunciadas no art. 243º CIRE, por se revelar desde logo no sentido da não exoneração do passivo restante.
A recusa antecipada da exoneração é uma decisão vinculada do juiz no caso de se verificar algum dos factos enunciados no art. 243º/1 CIRE.
Considerou-se no despacho recorrido que a conduta da insolvente se enquadrava na previsão do art. 243º/1 a) CIRE.
Nos termos do art. 243º/1 CIRE constituem fundamento de recusa antecipada de exoneração:
- quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência[al.a)].
- se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do nº 1 do art. 238º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente [al. b)];
- a decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência [al. c)].
Para além destes casos, o incidente é também encerrado antecipadamente logo que se mostrem integralmente satisfeitos todos os créditos sobre a insolvência – cfr. art. 243º, nº 4 do CIRE.
Constituem requisitos para proferir despacho de cessação antecipada de exoneração, ao abrigo do art. 243º/1 a) CIRE: a conduta do insolvente (violação dos deveres impostos), dolosa ou gravemente negligente e que do incumprimento tenha resultado prejuízo para a satisfação dos credores da insolvência[9].
Entre as obrigações a que o devedor fica obrigado durante o período da cessão, de acordo com o estatuído no art. 239º, nº 4 do CIRE, contam-se a de não ocultar quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e de informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado [al. a)], entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão [al.c)], a procurar diligentemente uma profissão remunerada, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto e a informar o tribunal e o fiduciário, quando solicitado, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego[d)].
Distinguindo a doutrina entre culpa grave, culpa leve e culpa levíssima, a negligência grave ou grosseira corresponderá à conduta do devedor que, consciente dos deveres a que se encontrava vinculado, e da possibilidade de conformar a sua conduta de acordo com esses deveres, não o faz, em circunstâncias em que a maioria das pessoas teria atuado de forma diversa.
O prejuízo para a satisfação dos interesses dos credores não tem de ser um prejuízo relevante, como se exige na revogação da exoneração (art. 246º CIRE).
A revogação da exoneração pressupõe uma atuação dolosa do devedor faltoso, da qual resulte um prejuízo relevante para a satisfação dos credores da insolvência[10] e a razão de ser da diferença reside no facto de a revogação ser mais grave, nas suas consequências, por fazer cessar efeitos jurídicos já produzidos[11].
Para preencher a previsão do art. 243º CIRE a norma basta que se deva concluir que o interesse dos credores na satisfação (ainda que parcial) dos seus créditos através da afetação dos rendimentos disponíveis do devedor a essa finalidade, tenha sido afetado em termos que não sejam de considerar irrisórios”[12].
Assim como se considerou ser:[…] do interesse dos credores e causa-lhes óbvios prejuízos, o insolvente nada vir esclarecer sobre a evolução dos seus rendimentos no período da cessão, ficando os mesmos sem saber se se poderiam, ou não, ressarcir com algum do rendimento entretanto auferido”[13].
Bem como se entende que “[…] para que se verifique um «prejuízo para os credores» necessário se torna a verificação de comportamentos que impossibilitem, dificultem ou diminuam a possibilidade de os credores obterem a satisfação dos seus créditos: uma diminuição do património, uma oneração do mesmo ou comportamentos geradores de novos dividas a acrescer àquelas que já integravam o passivo que o devedor já não conseguia satisfazer”[14].
Contudo, na avaliação do prejuízo não pode deixar de estar presente um juízo de proporcionalidade[15].
Resta referir que nos termos do art. 243º/3, 2ª parte do CIRE: “a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las”.
Como observa ANA PRATA: “[o] devedor tem o ónus de colaborar neste processo, sob pena de, não o fazendo, a exoneração ser recusada. É o que sucede se não fornecer os elementos solicitados pelo tribunal ou se faltar a uma audiência marcada para prestar informações”[16].
Em anotação ao preceito, JOÃO LABAREDA refere: “[e]m princípio, o juiz, atendendo aos elementos de que disponha, tanto pode decidir no sentido de determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração como no sentido contrário, e, consequentemente, recusar ou não a exoneração.
Todavia, a segunda parte do nº3 determina que a exoneração será sempre recusada se o devedor, tendo-lhe sido determinado que preste informações sobre o cumprimento das suas obrigações, ou convocado para as prestar em audiência, não as fornecer no prazo que lhe for estabelecido, ou faltar a essa audiência, sem invocar, em qualquer dos casos, motivo razoável.
A recusa da exoneração constitui, quando se verifiquem estas situações, uma sanção para o comportamento indevido do devedor”[17].
No caso concreto, na sentença considerou-se, perante os factos provados, que a insolvente violou os deveres que lhes foram impostos no despacho liminar, por não ter prestado as informações solicitadas pelo fiduciário, nem pelo tribunal, quando notificada expressamente para o fazer, a respeito da sua situação profissional e rendimentos que aufere e auferiu durante o segundo período de cessão.
Nos pontos I a XV das conclusões de recurso, a apelante entra em consideração com factos que não se provaram, pretendendo demonstrar que no prazo concedido cumpriu os deveres de informação junto do fiduciário.
Faz alusão a atraso na receção da carta para notificação, sem que tenha suscitado tal questão nos autos.
Por outro lado, reporta-se a comunicações efetuadas em dezembro de 2020, alegando factos que foram objeto de apreciação no despacho proferido em 11 de março de 2021, mas cujo teor não foi objeto de impugnação no presente recurso, que está apenas circunscrito à reapreciação da decisão proferida em 23 de fevereiro de 2021.
Acresce que apesar de ter recebido duas notificações do tribunal (em dezembro 2020 e em janeiro 2021) para prestar a informação e comprovar a sua situação profissional e rendimentos, a insolvente não respondeu e só após prolação do despacho que declarou a cessação do procedimento veio informar que deu conhecimento da situação de baixa médica junto do fiduciário.
Não resulta demonstrado dos factos apurados que a insolvente apresentou os elementos solicitados ao senhor fiduciário ou no tribunal, como também, não se provou que indicou um motivo justificado para não prestar tais informações no prazo que lhe foi concedido.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos XVI a XXXII, considera a apelante que não resulta demonstrado que da omissão de tais informações resultou prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência.
Os argumentos expostos não podem ser atendidos.
A ilicitude e a culpa afere-se pela conduta da insolvente, como determina o art. 243º/1 a) do CIRE.
Ciente da obrigação que tinha assumido e da possibilidade de conformar a sua conduta de acordo com esses deveres, não o fez, em circunstâncias em que a maioria das pessoas teria atuado de forma diversa.
Acresce que está em causa um período temporal de 1 ano, que corresponde ao segundo período de cessão e não se trata de um incumprimento pontual ou esporádico.
Cumpre ter presente o fim prosseguido com o procedimento de exoneração, o qual visa garantir que alguma parte dos créditos poderá ainda ser ressarcida à custa dos rendimentos do insolvente, como forma de minorar o prejuízo dos credores e demonstrar que da parte do insolvente existe o propósito de alterar a sua conduta.
A violação dos deveres repercute-se diretamente nos valores a entregar aos credores e consequentemente na medida do seu ressarcimento e nisso se traduz o prejuízo sofrido pelos credores. Do pouco que teriam direito a receber e que seria insuficiente para ressarcir todos o credores, ainda vão receber menos. Perante a omissão de informação surge a dúvida para os credores sobre a possibilidade de efetivo ressarcimento, ainda que parcial dos seus créditos, o que revela em si um prejuízo.
Os factos provados são reveladores do incumprimento culposo, a título de negligência grave, da verificação do nexo causal entre a violação das obrigações impostas e o prejuízo sofrido pelos credores, pelo que, também nesta parte não merece censura o despacho recorrido.
Acresce ao exposto e como se salienta na decisão recorrida, a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações.
Este ónus que recai sobre o insolvente, não se mostra cumprido, porque perante as notificações realizadas, pelo senhor fiduciário e pelo tribunal, não se provou que a insolvente tenha apresentado uma justificação para o incumprimento dos deveres impostos e tenha demonstrado no prazo concedido para o efeito, o cumprimento de tais obrigações, que no caso consistiam em indicar a profissão que exerceu ou exerce e salário, ou rendimentos, que auferiu no período compreendido entre 01 de novembro de 2019 e 31 de outubro de 2020 (segundo período de cessão) e juntar documentos comprovativos.
Atento o exposto improcedem as conclusões de recurso, confirmando-se a decisão de cessação antecipada do procedimento de exoneração.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que venha a ser concedido.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.
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Custas a cargo da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que venha a ser concedido.
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Desentranhe e devolva o documento.
Custas a cargo da apelante, fixando-se a taxa de justiça em € 60,00 (sessenta euro) – art. 543º/1 CPC e art. 27º/1/3 RCJ -, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe venha a ser concedido.
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Porto, 12 de julho de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 11.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, julho 2013, pag.184-185.
ANTUNES VARELA et al Manual de Processo Civil,2ª edição, Revista e Actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 532.
[4] AMÂNCIO FERREIRA Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, pag. 215.
[5] ASSUNÇÃO CRISTAS “A exoneração do devedor pelo passivo restante”, – Themis – Especial “O Novo Direito da Insolvência”, pag. 167.
[6] Ac. Rel. Lisboa 07.02.2011 – Proc. 1592/01.1TBSSB-B.L1.2 – www.dgsi.pt
[7] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES “A exoneração do passivo restante na insolvência das pessoas singulares” – Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, Quid Júris, Lisboa, 2009, pag. 276
[8] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES “ A exoneração do passivo restante na insolvência das pessoas singulares “ – Coletânea de Estudos sobre a Insolvência, ob. cit., pag. 308
[9] Ac. Rel. Porto 11outubro 2017, Proc. 3112/13.7TJCBR.C1; Ac. Rel. Porto 11outubro 2017, Proc. 3112/13.7TJCBR.C1; Ac. Rel. Porto 08 de fevereiro 2018, Proc. 3112/13.7TJCBR.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt
[10] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, 22 de novembro 2016, Proc. 152/13.0TBMIR.C1, www.dgsi.pt
[11] Cfr. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2013,pág. 920
[12] Ac. Rel. Porto 08 de fevereiro de 2018, Proc. 499/13.5TJPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt
[13] Ac. Rel. Évora 10 de maio de 2018, Proc. 454/10.7TBGLG.E1, acessível em www.dgsi.pt
[14] Ac. Rel. Guimarães 11 de outubro de 2018, Proc. 3695/12.9TBGMR.G1, acessível em www.dgsi.pt
[15] Ac. Rel. Coimbra 07 abril 2016, Proc. 3112/13.7TJCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt
[16] ANA PRATA et al Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Edições Almedina, SA, Coimbra, setembro 2013, pag. 675
[17] CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, ob. cit., pag. 915