Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6685/20.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS NÃO EXPRESSAMENTE IMPUGNADOS
QUESTÕES NOVAS
Nº do Documento: RP202403186685/20.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Mesmo que possa admitir-se que o tribunal de recurso, em razão da alteração de determinados factos, expressamente impugnados, possa alterar outros, mesmo que estes não hajam sido expressamente impugnados, tal não pode acontecer, no entanto, se os factos não expressamente impugnados se mostram, relativamente aos impugnados, claramente autónomos e cindíveis.
II – O tribunal de recurso não conhece questões novas, como seria, no caso, a apreciação dos efeitos da resolução contratual, quando na primeira instância apenas se pediu o seu reconhecimento e não a liquidação, consequência desse reconhecimento.

(da responsabilidade do relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6685/20.4T8VNG.P1

Recorrente – A..., SA

Recorrida – B..., SA

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Manuel Fernandes e Ana Paula Amorim.

Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

A..., SA, intentou a presente ação contra B...,  SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização no valor de 719.048,48€, acrescida de juros vincendos a partir da citação e até efetivo e integral pagamento, salvo se outro valor superior se vier a apurar no decurso da ação, caso se mantenha o incumprimento da ré.

Alega, em síntese, ter celebrado com a ré um contrato de aquisição de um sistema de despoeiramento para gases de exaustão de dois fornos instalados na sua sede, um de fusão (novo) e outro de afinação (já existente), tendo sido acordado o preço e data de entrega. O sistema era composto, entre outros, por uma bateria de filtros, composta, por sua vez, por mangas filtrantes de 2,50 m de comprimento, mangas que – como decorre do contrato – “garantem valores máximos de emissão de partículas totais sólidas (PTS) de 5mg/Nm3 sempre que o valor de partículas totais sólidas a tratar seja inferior a 500mg/Nm3”.  Com este sistema, a autora poderia consumir sucata lacada (cerca de 150 toneladas/mês, correspondente a 10% da sucata a utilizar para a produção de alumínio). A ré entrou em mora em relação ao prazo de instalação do sistema e incumpriu as obrigações contratualmente assumidas, dando causa a prejuízos, que a autora descreve e quantifica. A autora concretiza os prejuízos e lucros cessantes sofridos, nos moldes em que (excecionalmente, mas porque relevante à integral compreensão do recurso) aqui repetimos.  Refere que o custo de aquisição da sucata lacada é mais barato, pelo menos em 13%, em relação à limpa e que, no dia considerado, o preço da lacada seria de 1.275,39€ (1.465,96[1] – 190,57[2]). Podendo a autora utilizar por mês 150 t. (toneladas) de sucata lacada com o correto funcionamento do forno, tinha um menor custo de produção de 28.585,5€ (190,57 x 150 t./mês). A ré esteve em mora de 27.09.19 a 22.10.19. A pressão do forno de fusão atingiu o valor de +5 bar, muito superior ao recomendado (entre -2 e +2 bar) o que obrigou a autora a diminuir o funcionamento dos queimadores, cuja eficiência, naquele período (27.09 a 22.10.19) foi de apenas 50% da sua possibilidade, motivando uma perda de produtividade de 851 t. de alumínio e, deixando a autora, por isso, de auferir 151.392,90€, uma vez que por cada tonelada vendida – e a autora vende toda a produção, não tendo “stock” – existe um lucro de 177,90€. Por outro lado, “por via do incumprimento da ré”, a temperatura do teto do forno de fusão indicava valores altos (devido à sobrepressão), tendo sido necessário “rearmar constantemente o sistema”, e os trabalhadores não puderam “atender a outras situações importantes”, nomeadamente a operações que quando não realizadas comprometem “a segurança e o bom funcionamento das máquinas”, causando paragens noutras áreas da fábrica e deterioração do material produzido, num dano de 10.000,00€. Por outro lado, devido ao mau funcionamento do “filtro de partículas do forno de fusão” a ré teve de trocar a “mangueira flexível”, no que demorou 48 horas, tendo sido necessário resfriar o forno, que ficou inativo esse período; apresentando a autora uma produção média de 65 t./dia, a redução de 130 t. (65 x 2) diminuiu os seus lucros em 15.366,00€. Desde 4.12.19 e até 13.12.19, o alarme do forno da fundição – que integra o sistema fornecido pela ré – deixou de ser reconhecido no filtro, o que obrigou a autora a trabalhar em “modo manual” (e, antes, teve de parar a produção, por razões de segurança e para avaliar o problema, ficando afetados três turnos/dia, causa direta da não produção de 650 t. naqueles dez dias, causando um perda de lucro de 33.445,20€. A ré nunca entregou “o suporte e o acesso à senha do PLC” – elementos que integram o sistema adquirido – e, por via disso, a autora “encontra-se impossibilitada de identificar o problema que causa o alarme no filtro, bem como, identificar outras formas de produção mais eficientes”, deixando, por isso, a equipa de manutenção “de poder dar o necessário apoio a outros departamentos”, facto que motiva prejuízos de 20.000,00€. No dia 12.12.19, a autora teve de efetuar uma paragem de 6 horas, devido à deteção de humidade no interior do filtro do forno de fusão, “por mau funcionamento do mesmo”, deixando de produzir 16,25 t. de alumínio, o que configura um lucro cessante de 2.890,98€. O sistema foi concebido para trabalhar com sucata lacada, mas até agora não foi possível consumir esse tipo de sucata, “devido á grande quantidade de fumos libertada e chamas incontroláveis”, ou seja, se consumir a sucata lacada “leva a que se excedam os níveis máximos de emissão permitidos”. Assim, a autora teve de laborar com “sucata de perfil bruto anodizado”, mais cara em, pelo menos, 13%; assim, o incumprimento da ré em colocar “o forno em condições de utilizar sucata lacada”, que dura desde maio de 2019, representa, decorridos 17 meses, um lucro cessante para a autora no valor de 485.953,00€[3].

A ré contestou, impugnando os factos alegados pela autora, bem como os documentos por ela juntos (nomeadamente o documento n.º 13, que considera falso e de resultados adulterados) salientando que os problemas descritos pela autora como fonte dos prejuízos invocados advêm dos fornos, não fornecidos pela contestante e que são externos ao sistema fornecido, o qual é sequencial em relação aos aludidos fornos. Considera que cumpriu integralmente a sua prestação contratual, contrariamente ao que sucedeu com a autora, que não pagou tempestivamente parte do preço contratado. Conclui pedindo a improcedência da ação e, bem assim, a condenação da autora como litigante de má-fé.

Depois do despacho proferido a 27.01.21 [1 – A ré não se defendeu por exceção, mas apenas por impugnação motivada, pelo que não há lugar à reposta a que a autora faz referência. 2 – Deverá, no entanto, a autora pronunciar-se, desde já, sobre a requerida condenação por litigância de má fé. 3 – Notifique a autora para juntar o documento a que a ré alude sede de contestação. 4 – Notifique, de igual forma, a autora para juntar documentos comprovativos dos lucros e prejuízos alegados na petição inicial] a autora respondeu, requerendo a retificação de lapsos[4], pugnando pela absolvição da pretensão incidental de condenação como litigante de má-fé, e juntando documentos, que a ré impugnou em subsequente articulado.

Por despacho de 8.05.21 foi renovado o ponto 4 do despacho antes referido, “de forma a que sejam apresentados suportes contabilísticos demonstrativos da factualidade em apreço”.

Por requerimento de 28.07.21 a autora requereu produção antecipada de prova pericial, alegando ter resolvido o contrato com a ré no decurso da ação, com consequente necessidade de desmontagem do sistema adquirido, prevista para agosto de 2021, após a qual a realização da perícia deixaria de ser possível. Foi ordenada a perícia, depois de fixado o seu objeto nos termos requeridos pela autora e nos moldes em que a ré requereu a sua ampliação. Foi junto aos autos, em 16.08.22, o relatório pericial (fls. 284 e ss. do processo eletrónico – p.e.), a que foi dirigido pedido de esclarecimento (fls. 271/272 do p.e.), respondido nos termos de fls. 254/255 do p.e.

A autora apresentou articulado superveniente em 21.11.22, alegando que a ré não diligenciou pela reparação ou substituição do sistema no contexto da ação, pelo que, após interpelação, não tendo a ré levantado o material nas instalações da autora, cumulou o pedido inicial com o pedido de resolução do contrato [(...) Conforme decorre da petição, o sistema de despoeiramento adquirido pela autora à ré, nunca funcionou nas condições contratadas. Na verdade, nas condições em que tal sistema foi entregue à autora, nunca esta teria adquirido àquela o referido sistema de despoeiramento.  Porém, nem mesmo com a instauração da presente ação, onde a autora peticiona o pagamento de uma indemnização por incumprimento da ré na colocação do sistema de despoeiramento em funcionamento nas condições contratadas, levou a que a ré tomasse um qualquer comportamento no sentido de colocar o sistema em funcionamento. Ou seja, a ré não reparou ou substituiu o sistema que vendeu à ré. Perante este cenário de completa inoperacionalidade do sistema adquirido, e perante a mora desta no cumprimento da sua obrigação de reparação e, ou, substituição, a autora interpelou a ré no dia 15.01.2021, por mensagem de correio eletrónico (documento n.º 1, que se dá por reproduzido). Nesta interpelação, a autora concedeu à ré o prazo de 10 dias para colocar o sistema de despoeiramento em conformidade com o contrato, sob pena de, não o fazendo, considerar o incumprimento como definitivo e, assim, ter que contactar outro fornecedor. A ré, por sua vez, acusou a receção daquela interpelação e respondeu à mesma por mensagem do correio eletrónica no dia 18.01.2021 (documento n.º 2 que dá por reproduzido). Nesta resposta, a ré limitou-se a declinar qualquer responsabilidade quanto ao não funcionamento do sistema de despoeiramento. Portanto, a ré nada fez, mesmo depois de interpelada pela autora. Consequentemente, no dia 27.07.2021 e perante o incumprimento definitivo, a autora resolveu o contrato, mediante mensagem de correio eletrónica (documento n.º 3 que se dá por reproduzido). Nesta comunicação, mais informou a ré que a deveria indicar uma data para se deslocar às suas instalações e recolher o material vendido . A ré acusou a receção desta mensagem e respondeu (documento n.º 4 que se dá por reproduzido). Nesta comunicação, a ré percebe claramente que a autora resolveu o contrato. Porém, nada refere quanto à necessidade de se deslocar às instalações da autora para recolher o material que vendeu (...)].

Realizou-se audiência prévia, no contexto da qual foi admito liminarmente o articulado superveniente, concedendo-se prazo de contraditório. A ré respondeu, alegando que o contrato produziu todos os seus efeitos, inexistindo fundamento para a resolução, pedido cuja improcedência defendeu [... reitera que o alegado “mau funcionamento” do filtro que forneceu à autora, a ter existido, não derivou de qualquer facto ou circunstância que lhe pudesse ser imputável (...) forneceu o equipamento em causa, nos precisos termos e no escrupuloso cumprimento do contratado (...) O foco do alegado e putativo “problema” de funcionamento e de desempenho do equipamento em causa, não reside, nem residiu nunca, em razões que, a qualquer título pudessem ser atribuídas à vontade ou à responsabilidade contratual da ré (...) A resolução operada pela autora e que só agora vem peticionada, é ilícita e destituída de razão e de fundamento factual ou legal que a pudesse suportar ou legitimar (...)].

Por despacho de 9.01.23 foi fixado o valor da causa [719.048,48€], definido o objeto do litígio [apreciar a existência de incumprimento por parte da ré de obrigações contratuais emergentes do contrato celebrado com a autora e, em caso afirmativo, a existência de danos diretamente causados à autora em consequência do referido incumprimento, bem como da verificação de causa de resolução do contrato por parte da autora. A título incidental, integra o objeto do litígio a verificação da existência de litigância de má-fé por parte da autora], descritos os factos assentes[5] e enunciados os temas da prova.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e, em seguida, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e absolveu a ré dos pedidos deduzidos pela autora.

II – Do Recurso

Inconformada, a autora veio apelar. Pretende a revogação da sentença e a sua substituição “por outra que declare a resolução do contrato com a consequente condenação da ré na restituição à autora do valor de 212.702,73€, bem como ser a esta paga, pela ré, a quantia de 189.500,00€ a título de indemnização por danos patrimoniais”. Para tanto, formula as seguintes Conclusões:  

Do recurso da matéria de facto:

a) A sentença dá como provado, nas alíneas gg) e hh), o seguinte: "gg) O sistema de despoeiramento foi projetado tendo como referência a caracterização dos dados relativos aos caudais e temperaturas dos fornos, bem como, os níveis de emissão de partículas expectáveis, configurada pela autora. hh) Posteriormente a ré, segundo as instruções da autora, levou tais dados em linha de conta no processo de conceção e execução do sistema de despoeiramento."

b) Estes pontos de facto encontram-se incorretamente julgados e constam do processo meios probatórios que impõem uma decisão diversa (artigo 640 n.º 1 alíneas a) e b) do CPC).

c) Assim, a autora juntou como documento n.º 1 (na plataforma CITIUS está indicado como documento n.º 2), do qual resulta, no seu ponto 1, o seguinte: "A solução a seguir apresentada em detalhe tem como pressuposto fundamental os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018, apresentados em anexo, e destina-se a cumprir o VLE das partículas de acordo com a garantia apresentada no 1.2., excluindo-se o tratamento de todos os restantes poluentes (caso haja necessidade, está previsto para uma segunda fase)..."

d) Portanto, o contrato foi celebrado tendo em conta não só as indicações da autora, mas também os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018.

e) Assim, as alíneas gg) e hh) deverão ter a seguinte redação: "gg) O sistema de despoeiramento foi projetado tendo como referência a caracterização dos dados relativos aos caudais e temperaturas dos fornos, bem como, os níveis de emissão de partículas expectáveis, configurada pela autora e tem como pressuposto fundamental os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27- 12-2018. hh) Posteriormente, a ré, segundo as instruções da autora e os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018, levou tais dados em linha de conta no processo de conceção e execução do sistema de despoeiramento."

f) Esta alteração da matéria de facto é importante para a boa decisão da causa pois, a empresa C..., que elaborou os relatórios n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e   1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018 e que são pressuposto fundamental da solução apresentada pela ré à autora para a celebração do contrato objeto dos presentes autos, é a mesma empresa que efetuou o relatório 175,20/SXV-fr1 de 14/02/2020, junto aos autos como documento n.º 13 (na plataforma CITIUS é apresentado como Doc. 3), documento do qual resulta o grau zero de filtragem do sistema adquirido pela autora à ré.

g) Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640 do CPC, tendo em conta este relatório, que não foi impugnado e, tendo em conta também a correta decisão da causa, importa ainda acrescentar um ponto de facto aos factos provados na sentença, correspondente às conclusões vertidas no ponto 8 desse documento, nos seguintes termos: "A empresa C..., efetuou o relatório 175,20/SXV-fr1 de 14/02/2020, do qual resultam as seguintes conclusões:

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h) Ainda no que à matéria de facto diz respeito, refere a sentença o seguinte: “No que respeita aos factos 10 e 11, apesar de o tribunal ter atribuído credibilidade ao depoimento de AA, testemunha que, com maior razão de ciência, depôs a esta matéria, tal não se mostrou suficiente para provar um dado relacionado com a atividade direta da autora, que reclamaria corroboração documental, designadamente por apresentação de elementos contabilísticos ou com relatórios credíveis de vendas (já que refere escoar toda a sua produção), que não foram juntos aos autos, limitando- se a autora a apresentar o documento no14, correspondente a um documento da sua própria lavra, sem fiabilidade suficiente para a comprovação dos apontados factos.”

i) Ora, com o requerimento de 7/06/21 com a referência CITIUS 29132516, a autora juntou o IES de 2019, ou seja, a declaração anual que todas as empresas e empresários com contabilidade organizada estão obrigados a entregar para cumprimento das suas obrigações fiscais, contabilísticas e estatísticas, o que, nas palavras do próprio tribunal este elemento tem que se considerar suficiente para, em conjugação com o depoimento da testemunha AA se darem como provados não só os pontos 10 e 11, mas também todos os pontos em que a testemunha se pronunciou quanto aos danos causados à autora.

j) Neste sentido, o depoimento gravado da testemunha AA, nas passagens a seguir indicadas juntamente com o IES junto aos autos constituem meios probatórios, constantes do processo e do registo ou gravação nele realizada, que impõem uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, designadamente acrescentar pontos de facto que não foram dados como provados.

Assim:

Do minuto 17:53 ao minuto 19:19:

Advogado da autora: Então naquele período em que estiveram com os queimadores a 50% conforme (...) traduziu-se em alguma perda para a A..., SA?

Testemunha: Basicamente metade do que tínhamos previsto produzir nesse intervalo (...) mas posso fazer as contas também (...) 151 mil.

Do minuto 26:32 ao minuto 26:52:

Advogado da autora: E sabe dizer qual é o valor disso?

Testemunha: é a mesma coisa, é os 179 (...) 35 mil.

Do minuto 30:51 ao minuto 31:34:

Advogado da autora: Senhor Engenheiro, sabe dizer essas seis horas que perda é que se traduziu para a A..., SA?

Testemunha: Mais ou menos 75 toneladas diárias, são seis horas (...) 3.300, 3.500.

k) Pelo que, dever-se-á acrescentar um outro ponto aos factos dados como provados nos seguintes termos: “A autora sofreu danos no valor de 189.500,00€”

Recurso da matéria de direito:

l) Nos termos do recurso da matéria de facto supra exposto, resulta que a ré não cumpriu o contrato celebrado com a autora porquanto, o sistema de despoeiramento não filtra partículas e, assim, não permite garantir valores máximos de emissão de partículas totais sólidas (PTS) de 5mg/Nm3, sempre que o valor de partículas totais sólidas a tratar seja inferior a 500mg/Nm3, não realizando assim o fim para o qual foi destinado (Cfr. cláusula l) dos factos provados).

m) Ficando demonstrado o incumprimento, nos termos do disposto no artigo 799 n.º 1 do Código Civil, a culpa da ré presume-se, competindo então à ré, querendo, fazer prova do facto contrário, ou seja, demonstrar que o facto já provado, o incumprimento contratual, não é verdadeiro nos termos do disposto no artigo 342 do Código Civil.

n) Ora, a ré não cumpriu este ónus.

o) Resulta aliás da peritagem realizada que o sistema de segurança do bypass era ativado, o que fazia que os níveis de emissões fossem obrigatoriamente superiores aos desejados, isto é, aos permitidos por lei para uma instalação desta natureza.

p) Portanto, o que se pode retirar do contexto da peritagem é que o sistema de bypass fornecido pela ré à autora não funciona, facto ilícito porque se trata de um incumprimento do contrato e, a partir do qual, ter-se-á que presumir a culpa da ré nos termos do disposto no artigo 799 do Código Civil.

q) Assim, a presunção de culpa da ré decorrente da verificação do facto ilícito consubstanciado no mau funcionamento do bypass, não foi afastada.

r) Desta forma, o incumprimento contratual por parte da ré será conclusão a extrair dos factos provados, devendo a sentença retirar todos os efeitos uteis para a boa decisão da causa.

s) Pelo que, sendo o incumprimento da ré definitivo, o que resulta das alíneas mm) dos factos provados na douta sentença, dever-se-á daí retirar os efeitos jurídicos de tal conduta da ré.

t) A sentença deu também como provado que a autora resolveu o contrato (Cfr. alínea pp) dos factos provados.

u) Sendo certo que a resolução opera por simples comunicação de uma parte à outra no âmbito de um contrato, e sendo certo que, conforme supra referido, a ré não cumpriu o contrato celebrado com a autora, então, a resolução operada pela autora foi legítima, nos termos do n.º 2 do artigo 801 do Código Civil.

v) Nos termos do disposto no artigo 433, que remete para o n.º 1 do artigo 289, ambos do Código Civil que regula o regime da resolução contratual, aplicado ao caso dos autos de onde resulta que, pelo contrato celebrado com a ré, a autora pagou àquela a quantia de 212.702,73€ (Cfr. alíneas h) e ll) dos factos provados), tal montante deverá ser restituído.

w) Quanto ao sistema de despoeiramento, a autora não deverá ser condenada na sua restituição nem no pagamento do seu valor, porquanto, conforme as alíneas pp) dos factos provados da sentença, a perda do sistema não procedeu de culpa sua (1269 do Código Civil).

x) Pelo que, o tribunal violou as normas contidas nos artigos 799, 801, 433, 289 n.º 1 e n.º 3 e 1269, todos do Código Civil, as quais, devidamente aplicadas ao caso concreto, levariam à decisão de condenação da ré na restituição à autora da quantia de 212.702,73€.

y) Quanto aos danos e à obrigação da ré indemnizar a autora por os mesmos serem consequência direta e necessário do seu incumprimento, refira-se o seguinte:

z) No caso dos autos, verificam-se todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente o facto ilícito (incumprimento da ré), a culpa conforme supra referido, os danos (Cfr. alíneas n) a t) dos factos provados), e o nexo de causalidade.

aa) Porém, e no que ao nexo de causalidade diz respeito, a sentença em crise é induzida em erro na medida em que considera que não tendo o contrato objeto dos autos por finalidade capacitar a autora de consumir sucata lacada (o que a autora discorda, mas que se conforma para efeitos deste recurso), não poderá a partir daí considerar que a autora poderia consumir qualquer outra sucata nos seus fornos, mesmo que o sistema da ré não funcionasse.

bb) Ou seja, e dito de outra forma, a ré terá sempre que cumprir pontualmente o contrato celebrado com a autora e instalar um sistema de despoeiramento que funcione sem defeitos, isto é, sem limitações para o fim que foi adquirido, independentemente da autora consumir sucata lacada ou outra.

cc) Na verdade, e sendo certo que todo o contrato foi celebrado nesse pressuposto de, numa segunda fase, ser possível à autora consumir sucata lacada, mesmo aceitando que o tribunal deu tal facto como não provado, não se poderá, a partir daí, concluir que nunca existirá incumprimento da ré pois, se o sistema de despoeiramento não funcionar, é irrelevante o consumo de sucata lacada ou outra.

dd) Por outro lado, e tendo em conta o supra alegado quanto ao incumprimento da ré, existe um grau elevado de probabilidade de que os danos decorrentes das alíneas n) a t) dos factos provados são consequência direta e necessária do incumprimento da ré.

ee) No caso dos autos, a prova das alíneas n) a t) consubstanciam um funcionamento anormal da produção da autora, o que em condições de normalidade e razoabilidade, causam danos, no caso, lucros cessantes, na medida em que a autora deixou de produzir aquilo que, em condições normais conseguiria produzir.

ff) E, em condições de normalidade e razoabilidade, tais danos ocorrem por via do ilícito da ré, consubstanciado no incumprimento do contrato, designadamente na venda de um bem isento de defeitos.

gg) Portanto, existindo um facto, que é ilícito, com culpa da ré, que produziu danos e que existe um nexo de causalidade entre os danos e o facto ilícito, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos do disposto no artigo 483 do Código Civil, constituindo-se, consequentemente, a obrigação da ré indemnizar a autora, nos termos do disposto nos artigos 562 a 572 do mesmo diploma.

hh) O montante dos danos, conforme referido no segmento deste recurso relativo à matéria de facto, ascende à quantia de 189.500,00€

ii) Assim, a decisão proferida violou os artigos 483, 799, 562 e 563, 564, 565 e 566 do Código Civil, que deveriam ser aplicados ao caso concreto, uma vez que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil da ré e, consequentemente, ser a mesma condenada a pagar à autora uma indemnização no montante de 189.500,00€.

jj) Pelo que, tendo a autora peticionado a resolução do contrato (no articulado superveniente com a referência 33932202 do CITIUS) e uma indemnização pelos danos causados em consequência do incumprimento da ré, e tendo sido a ré absolvida de tais pedidos, violou o tribunal as normas contidas nos artigos artigo 799, 801, 433, 289 n.º 1 e n.º 3 e 1269 do Código Civil e 483, 562 a 572 do mesmo diploma, as quais, devidamente aplicadas e interpretadas no caso concreto, levariam à decisão de resolução do contrato com a consequente condenação da ré na restituição da quantia de 212.702,73€ à autora, bem como na condenação no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais no valor de 189.500,00€.

Não houve resposta ao recurso, que se mostra recebido nos termos legais, em despacho cujo sentido foi mantido nesta sede. Os autos correram Vistos, nada se observando que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, atentas as conclusões da apelante, consiste em saber se a) há lugar à admissão da impugnação relativa à matéria de facto e, se admitida (total ou parcialmente) que factualidade importa acrescentar ou alterar e b) se, na sequência, a sentença deve ser revogada, condenando-se a ré, em razão da resolução do contrato celebrado com a autora à restituição da quantia por esta entregue (ainda que sem a autora ser obrigada à restituição do bem adquirido) e na indemnização, pelos danos patrimoniais, no montante de 189.500,00€.

III - Fundamentação    

Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Como decorre do disposto no artigo 662, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

O preceito, na redação dada pelo novo CPC (em contraponto, desde logo, com o artigo 712 do CPC anterior) clarifica e reforça os poderes da Relação[6], ou alarga e melhora esses poderes[7], impondo um dever de alteração da decisão sobre a matéria de facto, reunidos que estejam os respetivos pressupostos legais, e de acordo com a sua própria convicção[8], desde que o impugnante tenha cumprido o ónus imposto pelo artigo 640 do CPC.

O normativo acabado de referir – e além deste, dos preceitos que delimitam o objeto do recurso, ou as consequências da sua omissão (cfr. 635, n.º 4 e 641, n.º 2, alínea b), ambos do CPC) - onera o impugnante da decisão relativa à matéria de facto, porquanto o recurso, no que concerne à impugnação da decisão relativa à matéria de facto será total ou parcialmente rejeitado nas situações seguintes: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b). b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)). c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.). d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda. e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”[9].[10] Ainda assim, é entendimento largamente maioritário que relativamente ao recurso da decisão sobre a matéria de facto não existe um possível despacho de aperfeiçoamento e, como referem António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa[11], tal situação, em lugar “de autorizar uma aplicação excessivamente rigorosa da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada”.[12] Dito de outro modo, as exigências impostas pelo artigo 640 ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto devem ser entendidas sem o rigor tão excessivo que de imediato e inúmeras vezes conduziria à imediata rejeição do recurso.

O que a lei processual deixa transparecer e a jurisprudência do Supremo vinca reiteradamente é a opção por um verdadeiro duplo grau de jurisdição e a consequente prevalência da substância sobre a forma. Sem embargo – e naturalmente, até por respeito aos princípios da igualdade e da legalidade -, as imposições decorrentes do artigo 640 do CPC não podem ser letra morta e ultrapassadas ou ignoradas, como se não existissem. Aqui, como sempre deve suceder, imperará uma interpretação sensata e afastada dos extremos, sejam estes a de rejeição imediata ao primeiro e minúsculo incumprimento, seja, ao invés, a aceitação de toda e qualquer impugnação, independentemente do eventual lato incumprimento do ónus que impende sobre o impugnante.

Importa ter presente, por último, que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e a decorrente reapreciação da prova, só serão de atender, se a factualidade em causa puder contribuir para a apreciação do recurso, sob pena de, em contrário, estar a praticar-se um ato inútil e, por isso, proibido (artigo 130 do CPC). De modo esclarecedor, assim o refere o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 3.11.2023[13]: “I- O julgamento da matéria de facto está limitado aos factos articulados pelas partes, nos termos do art. 5º, nº 2, do CPC [sem prejuízo das circunstâncias particulares contempladas nas alíneas a) a c) deste mesmo nº 2]. II- Se determinados pontos não foram alegados pelas partes, nem constam do elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença da primeira instância, eles são insuscetíveis de constituir o objeto de impugnação da decisão de facto dirigida a aditá-los à factualidade provada. III- Nos recursos apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), nomeadamente no âmbito da matéria de facto. IV- De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão sujeitos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte. V- Deste modo, o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final do litígio”.

A impugnação da decisão relativa à matéria de facto, em concreto

No caso presente, a apelante repete nas suas conclusões[14], relativamente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, tudo quanto referiu no corpo das alegações o que nos desobriga de qualquer análise conjugada entre aquelas e este e, por isso, tendo em mente as conclusões apresentadas, vejamos, e em que medida, à lugar à reapreciação da prova ou, dito de outro modo, em que medida a impugnação da decisão relativa à matéria de facto se mostra legítima e pertinente.

A recorrente entende que os factos dados como provados em gg) e hh) [gg) O sistema de despoeiramento foi projetado tendo como referência a caracterização dos dados relativos aos caudais e temperaturas dos fornos, bem como, os níveis de emissão de partículas expectáveis, configurada pela autora; hh) Posteriormente a ré, segundo as instruções da autora, levou tais dados em linha de conta no processo de conceção e execução do sistema de despoeiramento] deverão passar a ter a seguinte redação: e) Assim, as alíneas gg) e hh) deverão ter a seguinte redação: "gg) O sistema de despoeiramento foi projetado tendo como referência a caracterização dos dados relativos aos caudais e temperaturas dos fornos, bem como, os níveis de emissão de partículas expectáveis, configurada pela autora e tem como pressuposto fundamental os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018; hh) Posteriormente, a ré, segundo as instruções da autora e os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018, levou tais dados em linha de conta no processo de conceção e execução do sistema de despoeiramento" - conclusão e).

Sustenta essa alteração, porquanto “juntou como documento n.º 1 (na plataforma CITIUS está indicado como documento n.º 2), do qual resulta, no seu ponto 1, o seguinte: "A solução a seguir apresentada em detalhe tem como pressuposto fundamental os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018, apresentados em anexo, e destina-se a cumprir o VLE das partículas de acordo com a garantia apresentada no 1.2., excluindo-se o tratamento de todos os restantes poluentes (caso haja necessidade, está previsto para uma segunda fase)...", ou seja, “o contrato foi celebrado tendo em conta não só as indicações da autora, mas também os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018” – conclusão c) e d). E a importância da alteração – sustenta a apelante – resulta de ter sido a “a empresa C... que elaborou os relatórios n.ºs 1597.18/SXV-fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27-12-2018 e que são pressuposto fundamental da solução apresentada pela ré à autora para a celebração do contrato, e é a mesma empresa que efetuou o relatório 175,20/SXV-fr1 de 14/02/2020, junto como documento n.º 13 (na plataforma CITIUS é apresentado como Doc. 3), documento do qual resulta o grau zero de filtragem do sistema adquirido pela autora à ré – conclusão f). Por isso, pretende a recorrente que se acrescente um novo ponto de facto aos factos provados – conclusão g) – “correspondente às conclusões vertidas no ponto 8 desse documento, nos seguintes termos: "A empresa C..., efetuou o relatório 175,20/SXV-fr1 de 14/02/2020, do qual resultam as seguintes conclusões:

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Pretende a ré, em acréscimo, agora louvando-se no depoimento da testemunha AA[15] e na junção aos autos, que fez a 7.06.21 (IES de 2019), que se deem como provados não só os pontos 10 e 11” [10) O forno de fusão tem uma capacidade máxima de produção de 75 toneladas de alumínio por dia. 11) A produtividade média do forno de fusão da autora é de 65 toneladas de alumínio por dia] dados como não provados, “mas também todos os pontos em que a testemunha se pronunciou quanto aos danos causados[16] à autora”. E, concluindo, entende que se deve “acrescentar um outro ponto aos factos dados como provados nos seguintes termos: “A autora sofreu danos no valor de 189.500,00€”.

Relativamente às alíneas gg) e hh)

Efetivamente, consta do documento n.º 1[17], documento da autoria da recorrida (Proposta n.º 18/226h_v2, datada de 13.02.2019) e no seu ponto 1 que “A solução a seguir apresentada em detalhe tem como pressuposto fundamental os relatórios da C... n.ºs 1597.18/SXV–fr1 e 1598.18/SXV-fr1, ambos de 27.12.2018, apresentados em anexo, e destina-se a cumprir o VLE[18] das partículas de acordo com a garantia apresentada no 1.2, excluindo-se o tratamento de todos os restantes poluentes (caso haja necessidade, está previsto para uma 2.ª fase) e o cumprimento de quaisquer outros VLEs. Esta abordagem foi solicitada pela A..., SA em reunião com a B... no dia 4.01.2019 e confirmada por email no dia 08-01-2019”.

Note-se, no entanto, que o referido no parágrafo anterior – da autoria da recorrida, renove-se – já consta dos factos provados, na exata medida em que se escreveu na factualidade assente, logo fixada aquando do saneamento dos autos, que “d) Com base na proposta n.º18/226h_v2 de 13/02/2019 a autora comprou e a ré vendeu um sistema de despoeiramento para gases de exaustão de dois fornos da autora, um de fusão (novo) e outro de afinação (já existente), nos termos constantes do documento n.º 1[19], anexo à petição inicial”.

Mas o que a recorrente vem agora pretender – sob pena de ser inócua a alteração (acrescento) à factualidade – é que as conclusões constantes do documento para o qual remete sejam tidas como verdade processual, como facto provado, ou seja, que o sistema adquirido à recorrida apresentava aquelas (in)eficiência ou (in)eficácia.

Sucede que o documento em causa, ao contrário do que sustenta a apelante, foi impugnado pela recorrida, aliás, impugnado especifica e detalhadamente. Com efeito, refere a recorrida na sua contestação:

“52. Veio a ora autora juntar, com a petição inicial, os documentos n.ºs 4 a 13, nos quais, inter alios, foram feitos constar valores de medições das PTS, a montante e a jusante, do sistema de despoeiramento fornecido pela ré. Sucede, porém, que,

53. Do confronto dos resultados de tais medições que foram feitos constar no Relatório (Doc. n.º 13) com os resultados (provisórios) e considerações que foram feitos constar nas comunicações da autora (emails juntos como Docs. n.ºs 4 a 12), a ré pronuncia-se manifestando a sua convicção de que tais valores se mostram adulterados e desconformes com a realidade e com a verdade. Senão vejamos,

54. O resultado da 2.ª medição de PTS no Relatório final das emissões gasosas da C... (Doc. 13) foi alterado em relação aos resultados provisórios enviados por email pela C... (Doc. 9). Na verdade,

55. Os resultados provisórios mostram que a concentração de partículas no efluente gasoso após o sistema de tratamento da ré (9 mg/Nm3) é superior à concentração de partículas antes do sistema de tratamento da ré (8 mg/Nm3). Ou seja,

56. O resultado relativo à concentração de partículas a jusante foi alterado, no Relatório final (Doc. n.º 13), de 9 para 8 mg/Nm3. Ora,

57. Porque foram adulterados, no caso dos resultados provisórios, a eficiência do sistema de tratamento da ré, redundaria num valor incoerente e inverosímil, isto é, num valor negativo de 12,5%, conforme calculado na tabela infra,

Doc.9 (Email de 07.02.2020)........ Doc.13 (Relatório de 14.02.2020)

2.ª Medição - montante

PTS (mg/Nm3)...........................8 ±  1........... 8 ± 1

PTS (mg/Nm3.corrigido O2)......8 ±  1............8 ± 1

2.ª Medição – jusante                         

PTS (mg/Nm3)............................9 ± 1.............8 ± 1

PTS (mg/Nm3.corrigido O2)......9 ± 1............. 8 ± 1

Eficiência do sistema de tratamento.....- 12,5%............. 0%

Assim,

58. A adulteração de resultados medidos foi efetuada, por forma a que, a eficiência do sistema de despoeiramento fornecido pela ré, passasse a resultar numa eficiência do filtro de 0%.

59. Verifica-se, pois, que os factos que a autora pretende evidenciar através do teor dos Docs. n.ºs 4 a 13, são falsos e não têm a mínima correspondência com a realidade e com a verdade, razão pela qual, devem os mesmos ser declarados falsos, em virtude de através deles se pretenderem materializar e evidenciar valores de medições de PTS inexistentes e não verificados na realidade.

60. Pelo que, tais documentos revestem falsidade e não são, pois, suscetíveis de produzir quaisquer efeitos probatórios/jurídicos, não devendo os mesmos, ao agasalho do art. 446.º e ss, do CPC, ser considerados e/ou valorados na formação da convicção do julgador quanto à demonstração dos valores de emissão de PTS que neles foi feito constar, para que, por esta via ardilosa, se viesse a concluir pela ineficiência do sistema de despoeiramento fornecido pela ré”.

Acresce que o sistema fornecido pela ré, e em causa nos presentes autos, foi objeto de perícia. Embora o Sr. Perito não corrobore a afirmação da ré, na contestação, no sentido de os dados terem sido adulterados, não deixa de dizer: “Além da análise de resultados das emissões de partículas de um dia de amostragem não ser conclusiva, o forno e o sistema de despoeiramento não comunicavam entre si e o sistema de despoeiramento carecia ainda de afinação. À data, o sistema de injeção de ar fresco não se encontrava em funcionamento, o que poderia promover a abertura da válvula “by-pass” e a consequente libertação dos gases diretamente para a chaminé, sem passagem pelas mangas filtrantes de partículas sólidas PTS, isto é, sem que se verificasse qualquer retenção de partículas PTS nas mangas filtrantes. Em virtude de não existirem sensores de monitorização que permitam determinar se a concentração de PTS no efluente gasoso é ou não superior a 500 mg/Nm3, a capacidade de retenção de PTS pretendida nas mangas poderá estar comprometida, levando a que o seu valor possa ser superior a 5 mg/Nm3”. E, na sequência do pedido de esclarecimentos formulado pela apelante, o Sr. Perito vem ainda dizer, entre o mais: “(...) apesar dos testes apresentados, considero não conclusivos os resultados dos mesmos, visto não existir controlo da temperatura do efluente gasoso à entrada do sistema de despoeiramento, o que pode resultar na ativação do sistema de segurança do sistema de despoeiramento, entenda-se abertura do bypass, fazendo com que os níveis de emissões fossem obrigatoriamente superiores aos desejados, isto é, aos permitidos por lei para uma instalação desta natureza. (...) A afinação do sistema de despoeiramento é normalmente da responsabilidade do fornecedor. No entanto, nesta situação, a afinação do sistema de despoeiramento (com vista a garantir valores máximos de emissão de partículas totais sólidas de 5 mg/Nm3), depende da afinação do forno, dos sistemas complementares de controle de temperatura do efluente gasoso do forno e da comunicação de ambos com o sistema de despoeiramento (sublinhados nossos).

Em suma, as conclusões apresentadas no documentos que se pretende fundar a alteração (e acrescento) à factualidade provada foram – como o documento – expressamente impugnadas pela recorrida e não se mostram corroboradas no relatório pericial que resultou da perícia feita nos autos a pedido da recorrente.

Não pode, pois, acrescentar-se, como se de um facto provado se tratasse, a matéria conclusiva constante do documento em causa. 

Os pontos (dados como não provados)  10 e 11 e a pretensão da ré que se deem como provados “todos os pontos em que a testemunha se pronunciou quanto aos danos causados  à autora” e se acrescente que “A autora sofreu danos no valor de 189.500,00€

Como já se afirmou anteriormente, o impugnante da decisão relativa à matéria de facto não pode deixar de concretizar os pontos de facto que pretende ver alterados, pois isso mesmo decorre do ónus de definir o objeto do recurso.

Assim, e desde logo, pretender que se deem como provados “todos os pontos em que a testemunha se pronunciou quanto aos danos causados à autora”, não corresponde a qualquer válida impugnação da decisão relativa à matéria de facto, desde logo, porquanto não compete ao tribunal, da ação ou do recurso, numa atitude que seria ilegalmente inquisitória e parcial, indagar e escolher a factualidade que a uma das partes cabe demonstrar. Isto dito, nenhum acrescento justificativo se impõe, atenta a evidência do dever de imparcialidade probatória que se exige ao tribunal.

Relativamente aos pontos 10 e 11, importa dizer que, no contexto do recurso e na consideração de a recorrida não ter impugnado a generalidade do factos dados como não provados, entendemos que igualmente não se justifica a reapreciação da prova, visando a sua eventual alteração.

Admitimos, em tese, que o tribunal de recurso, em razão da alteração de determinados factos impugnados, possa alterar outros, mesmo que, estes, não hajam sido expressamente impugnados. Tal admissão, no entanto, seria inaplicável ao caso presente, porquanto a generalidade dos factos dados como não provados, e não impugnados, é claramente autónoma e cindível daqueles pontos 11 e 12.

Efetivamente, tendo a autora, ao longo da sua petição inicial alegado um conjunto de factos – e conclusões – que essencialmente se ligam aos seus (alegados) lucros cessantes, estes derivados, quase todos, da impossibilidade de utilização de sucata lacada como pretendia, e tendo em recurso, aceitado que os sistema não permitia a utilização de sucata lacada, vem agora impugnar expressamente aqueles factos 11 e 12, mas não impugnar aqueles que verdadeiramente refletiam os danos alegados. A recorrente não impugna, entre o mais, “1) Com a aquisição do sistema à ré, o forno de fusão da autora poderia consumir sucata lacada. 2) A sucata lacada que o forno poderia utilizar após a compra do sistema à ré é de cerca 150 toneladas por mês, correspondente a 10% do total da sucata a utilizar para a produção de alumínio. 3) A utilização por mês de 150 toneladas de sucata lacada que seria possível com o correto funcionamento do sistema adquirido à ré traduzir-se-ia num menor custo de produção de, pelo menos, 28.585,50 € por mês. (...) 9) A redução de funcionamento dos queimadores em 50% da sua possibilidade para manutenção da pressão dentro dos valores recomendados motivou uma perda de produtividade de 618 toneladas, porque o forno teve que trabalhar com uma produção inferior, de modo a não aumentar a pressão. (...) 12) Entre de 27/09/2019 a 22/10/19, deveriam ter sido produzidas 1.690 toneladas de alumínio. 13) Como o forno de fusão teve que trabalhar com uma pressão inferior, apenas foram produzidas 839 toneladas de alumínio. 14) O incumprimento da ré foi causa direta e necessária para a autora deixar de auferir o valor de 151.392,90 €, correspondente ao que iria lucrar caso o forno pudesse ter sido utilizado na sua capacidade normal durante o período de 27/09/2019 a 22/10/2019. (...) 17) Esta necessidade da autora em rearmar constantemente o sistema e colocar os trabalhadores da manutenção focados nesta atividade, bem como, a deterioração da qualidade do material produzido e paragem de outras áreas da fábrica, importaram para a autora um dano de 10.000,00€. (...) 24) Quando o alarme do forno da fundição deixou de ser reconhecido no filtro, a autora teve que parar a produção, pois trata-se de uma situação anormal que determina obrigatoriamente a paragem por razões de segurança. 25) Este facto afetou o funcionamento de três turnos da autora num dia, até que fosse identificada a causa do problema e a adoção do novo procedimento (controle manual). 26) Esta paragem foi causa direta e necessária para a autora deixar de produzir 650 toneladas de alumínio entre os dias 04/12/2019 e 13/12/2019, com uma perda de lucro de 115.653,00€. 27) Em resultado do defeito manifestado no alarme do forno da fundição, a autora, naqueles 10 dias, apenas produziu 462 toneladas, com um lucro de apenas 82.189,80€. (...) 31) Vê-se a autora obrigada a depositar uma atenção constante no forno por parte da equipa da manutenção. 32) Deixando assim a equipa da manutenção de poder dar o necessário apoio a outros departamentos da autora. 33) Este facto motiva prejuízos para a autora que, atualmente, se cifram em 20.000,00€. (...) 38) Não podendo a autora laborar com sucata lacada no forno de fusão devido à ineficácia no tratamento dos vapores do sistema adquirido à ré. 39) Tal facto implicou que a autora se visse obrigada a laborar com sucata de perfil bruto anodizado. 40) Este incumprimento da ré, em colocar o forno em condições de utilizar sucata lacada, dura já desde maio de 2019. 41) Tal facto representa, até à presente data e decorridos 17 meses, um prejuízo para a autora no valor de 485.953,50€ (...)”, mas apenas, como se disse, os pontos 10 e 11, ou seja: “10) O forno de fusão tem uma capacidade máxima de produção de 75 toneladas de alumínio por dia. 11) A produtividade média do forno de fusão da autora é de 65 toneladas de alumínio por dia”.

Salvo melhor saber, os pontos 10 e 11, únicos impugnados pela recorrente, na falta de impugnação dos factos dados como não provados já transcritos, revelam-se inócuos e, por isso, a reapreciação da prova com essa finalidade traduziria um ato inútil.

Mas também não há fundamento para que se acrescente à factualidade dada como provada um ponto, claramente conclusivo, no seguinte sentido: “A autora sofreu danos no valor de 189.500,00€”. Com efeito, além de remeter para um depoimento testemunhal e para a junção de um documento a 7.06.21, a recorrente não fundamenta a sua pretensão: não se percebe a razão do valor ora apresentado como correspondente aos danos, valor não alegado na ação e completamente distinto dos aí alegados; não se explica a causa do dano concretizado e a razão de a tal valor se chegar. Note-se que, ainda que o depoimento testemunhal fosse esclarecedor quanto ao valor do dano, ele não se mostra alegado e fundado e, naturalmente que compete à parte, não à testemunha (na ação, desde logo, e no recurso) fundamentar a pretensão. Mas mais: o documento em que a recorrente baseia o pretendido acréscimo factual (junto a 7.06.21) é um documento provisório e não validado – como a recorrente expressamente alegou no requerimento em que solicitou a junção – que, no seu início esclarece: “esta listagem não serve como comprovativo”.

Em suma, tendo em conta os factos relevantes e autónomos que não foram impugnados e a decorrente inocuidade dos pontos (10 e 11) impugnados, e considerando que não se motiva a pretensão para ver aditada a conclusão quantitativa de um determinado dado, nem cabe ao tribunal substituir-se à parte na escolha da factualidade relevante, entendemos que não há lugar à reapreciação da prova.

Por tudo, mantem-se a factualidade provada e não provada fixada em primeira instância, improcedendo o recurso, na parte em que se impugnada a decisão relativa à matéria de facto. Assim:

III.I – Fundamentação de facto

Factos Provados

a) A autora tem por objeto a atividade de investimento nos sectores industrial e comercial dos alumínios para construção, produção, comercialização, montagem e exportação de produtos de alumínio e consultadoria na gestão e fabrico de produtos de alumínio.

b) A ré, tem por objeto a construção e comercialização de sistemas para a produção de energia e tratamento ambiental.

c) No âmbito das suas atividades, autora e ré encetaram negociações com vista à compra e venda de um sistema de despoeiramento para gases de exaustão de dois fornos.

d) Com base na proposta n.º18/226h_v2 de 13/02/2019 a autora comprou e a ré vendeu um sistema de despoeiramento para gases de exaustão de dois fornos da autora, um de fusão (novo) e outro de afinação (já existente), nos termos constantes do documento n.º 1, anexo à petição inicial.

e) Os fornos referidos em d) encontravam-se, à data de propositura da ação, instalados na sede da autora, na Travessa ..., em ... – Vila Nova de Gaia.

f) Com a celebração do contrato, a ré obrigou-se ainda, perante a autora, ao transporte e montagem do sistema adquirido nas instalações desta.

g) O contrato foi celebrado no dia 15/02/2019.

h) O preço do contrato ascendeu à quantia de 236.336,37€.

i) O prazo de entrega do sistema estava previsto para o dia 6.05.19.

j) O sistema adquirido era composto, entre outros, por uma bateria de filtros BRTB 01 576A.

k) Esta bateria de filtros, por sua vez, era composta por mangas filtrantes de 2,50 m de comprimento.

l) Conforme decorre do ponto 1.2. do contrato celebrado entre a autora e a ré “Estas mangas garantem valores máximos de emissão de partículas totais sólidas (PTS) de 5mg/Nm3 sempre que o valor de partículas totais sólidas a tratar seja inferior a 500mg/Nm3”.

m) A pressão recomendada para funcionamento do forno de fusão situa-se entre 2 e +2bar.

n) Para operar de forma segura com o forno, a autora teve que diminuir o funcionamento dos queimadores e, desta forma, manter a pressão dentro dos valores indicados a um correto funcionamento.

o) Por cada tonelada vendida, a autora tem um lucro médio de 177,90 € tendo em conta o ganho por tonelada de produto final de alumínio, considerando que os restantes custos se mantêm inalterados.

p) Por decorrência do aumento de pressão do forno, a autora teve por várias vezes que rearmar o sistema.

q) Os trabalhadores da equipa da manutenção da autora tinham que controlar a temperatura do forno e rearmar o sistema, ficando impedidos de atender a outras tarefas de manutenção preventiva ou corretiva nos restantes equipamentos da fábrica.

r) A produção dos fornos é controlada por computadores.

s) Se o alarme do forno da fundição deixar de funcionar, o controlo tem que ser feito pessoalmente e as correções têm que ser feitas manualmente.

t) Se a correção manual não for feita, tal facto determina a paragem automática do forno.

u) A ré não entregou à autora o suporte e o acesso à senha do PLC.

v) O custo de aquisição da sucata lacada é mais barato, pelo menos 13%, em relação à sucata limpa, como é o caso da sucata adonizada/bruta.

w) A unidade que a ré forneceu/vendeu à autora foi um equipamento industrial destinado ao despoeiramento dos gases de exaustão resultantes da queima dos fornos, para ser incorporado numa unidade global de fundição de alumínio pertencente à autora.

x) Os gases de exaustão produzidos nos fornos da autora atravessam uma interface com a unidade fornecida pela ré, a fim de serem tratados, sendo que, depois de filtrados neste sistema de despoeiramento, continuam e são conduzidos para a chaminé da autora, até ao exterior.

y) Antes da instalação do sistema de despoeiramento para gases de exaustão, fornecido pela ré, os fornos foram previamente instalados e já se encontravam na sede da autora.

z) A “ligação” entre o sistema de despoeiramento fornecido pela ré e os fornos da autora, não é direto e fez-se através de Hottes e de troços de condutas, cujo fornecimento foi excluído do âmbito contratual estabelecido entre as partes.

aa) O alarme do forno da fundição não faz parte integrante do sistema fornecido pela ré.

bb) O sistema fornecido pela ré e o forno de fundição da autora representam equipamentos que são sequenciais.

cc) A autora, em 20.12.2019, foi alertada pela ré em relação ao facto de o sistema estar a funcionar em condições desajustadas, existindo o risco de ocorrência de danos e prejuízos a que a ré era alheia, e que teria dado causa a deformação e, consequente, necessidade de substituição de troços de condutas, nas quais a ré não interveio e que ocorreram aquando do arranque do novo forno de fusão e antes da instalação do equipamento fornecido pela B....

dd) O equipamento fornecido pela ré dispõe de um sistema de segurança de bypass, destinado a proteger as mangas filtrantes e restantes componentes do filtro, caso as temperaturas sejam demasiado altas, sendo que, neste caso, o sistema bypass é ativado e os gases de exaustão são desviados para a chaminé sem passar no filtro.

ee) O código de acesso à programação PLC, não estava incluído na proposta que a ré fez à autora em particular e que faz aos clientes em geral.

ff) Foi dada formação a técnico da autora relativa ao funcionamento do equipamento fornecido pela ré.

gg)O sistema de despoeiramento foi projetado tendo como referência a caracterização dos dados relativos aos caudais e temperaturas dos fornos, bem como, os níveis de emissão de partículas expectáveis, configurada pela autora.

hh) Posteriormente a ré, segundo as instruções da autora, levou tais dados em linha de conta no processo de conceção e execução do sistema de despoeiramento.

ii) O sistema de despoeiramento recebe o efluente gasoso proveniente dos fornos, sendo dependente das condições de funcionamento destes fornos.

jj) Quaisquer anomalias a montante verificadas nos fornos de forma sistemática – como variação significativa do caudal, excesso de temperatura, excesso de pressão, quantidade de fumos acima do esperado –, poderão afetar o desempenho do sistema de despoeiramento, reduzindo a sua eficácia e eficiência.

kk) Tem-se por reproduzido o teor das comunicações dirigidas pela autora à ré e a resposta desta última, correspondentes aos documentos anexos ao articulado superveniente apresentado em 21.11.22.

ll) Ficou contratado que a autora pagaria a prestação final de 10% do valor global do contrato nos 60 dias posteriores ao arranque do sistema, o que até hoje não sucedeu.

mm) A ré não reparou ou substituiu o sistema que vendeu à autora.

nn) Por mensagem de correio eletrónico datada de 15.01.21 a autora concedeu à ré o prazo de 10 dias para colocar o sistema de despoeiramento em conformidade com o contrato, sob pena de, não o fazendo, considerar o incumprimento como definitivo e contactar outro fornecedor.

oo) A ré acusou a receção da comunicação aludida em nn) e respondeu à mesma em 18.01.22, declinando qualquer responsabilidade quanto ao não funcionamento do sistema de despoeiramento.

pp) No dia 27.07.21 a autora dirigiu à ré a comunicação anexa como documento n.º 3 ao articulado de 21.11.22, declarando considerar o incumprimento da ré como definitivo e a resolução do contrato, solicitando que a ré procedesse à recolha do filtro e à restituição do preço pago pela autora.

qq) A ré respondeu à comunicação aludida em pp) por correio eletrónico dado de 03.08.21, declinando responsabilidades e declarando não aceitar os fundamentos da resolução comunicada, interpelando a autora para efetuar o pagamento do remanescente do preço

Factos não provados  

1) Com a aquisição do sistema à ré, o forno de fusão da autora poderia consumir sucata lacada.

2) A sucata lacada que o forno poderia utilizar após a compra do sistema à ré é de cerca 150 toneladas por mês, correspondente a 10% do total da sucata a utilizar para a produção de alumínio.

3) A utilização por mês de 150 toneladas de sucata lacada que seria possível com o correto funcionamento do sistema adquirido à ré traduzir-se-ia num menor custo de produção de, pelo menos, 28.585,50 € por mês.

4) Se o forno de fusão consumir sucata lacada, aumentam os níveis de emissão que podem ultrapassar os limites máximos permitidos.

5) Por razões imputáveis à ré, o prazo de instalação e o arranque do sistema atrasaram do dia 27.09.19 para dia 22.10.19.

6) Durante o período compreendido entre 27/09/19 a 22/10/19, a eficiência dos queimadores do forno foi apenas de 50% da sua possibilidade.

7) Após a instalação do sistema, o forno de fusão a que este se encontra ligado atingiu o valor de +5bar, superior ao recomendado.

8) Com a pressão acima dos valores recomendados, existe a possibilidade de danificar o interior do forno.

9) A redução de funcionamento dos queimadores em 50% da sua possibilidade para manutenção da pressão dentro dos valores recomendados motivou uma perda de produtividade de 618 toneladas, porque o forno teve que trabalhar com uma produção inferior, de modo a não aumentar a pressão.

10) O forno de fusão tem uma capacidade máxima de produção de 75 toneladas de alumínio por dia.

11) A produtividade média do forno de fusão da autora é de 65 toneladas de alumínio por dia.

12) Entre de 27/09/2019 a 22/10/19, deveriam ter sido produzidas 1.690 toneladas de alumínio.

13) Como o forno de fusão teve que trabalhar com uma pressão inferior, apenas foram produzidas 839 toneladas de alumínio.

14) O incumprimento da ré foi causa direta e necessária para a autora deixar de auferir o valor de 151.392,90 €, correspondente ao que iria lucrar caso o forno pudesse ter sido utilizado na sua capacidade normal durante o período de 27/09/2019 a 22/10/2019.

15) Por via do incumprimento da ré, a temperatura do teto do forno de fusão indicava valores altos devido à sobrepressão.

16) A afetação de recursos de manutenção ao controle da temperatura dos fornos implicou paragens de outras áreas da fábrica da autora, porque todos os recursos de manutenção da fábrica encontravam-se na refusão.

17) Esta necessidade da autora em rearmar constantemente o sistema e colocar os trabalhadores da manutenção focados nesta atividade, bem como, a deterioração da qualidade do material produzido e paragem de outras áreas da fábrica, importaram para a autora um dano de 10.000,00€.

18) A equipa de manutenção não pôde intervir na área de extrusão, pelo que, para evitar danos, bem como, para não comprometer a segurança das máquinas e trabalhadores, a área da extrusão esteve parada.

19) Devido ao mau funcionamento do filtro de partículas do forno de fusão, a ré teve que trocar a mangueira flexível localizada na parte superior do forno, onde os gases do filtro saem.

20) Para efetuar esta troca, a ré demorou cerca de 48 horas, entre o dia 08/11/19, dia da paragem, ao dia 10/11/2019, dia do arranque. 21)Durante a operação, o forno esteve totalmente inativo, pelo que a autora deixou de produzir um total de 130 toneladas e de auferir lucros no valor de 15.366,00 €.

22) Desde o dia 04/12/19, até ao dia 13/12/19, o alarme do forno da fundição, que faz parte integrante do sistema fornecido pela ré à autora, deixou e ser reconhecido no filtro.

23) Tal facto determinou que a autora tivesse que trabalhar em modo manual.

24) Quando o alarme do forno da fundição deixou de ser reconhecido no filtro, a autora teve que parar a produção, pois trata-se de uma situação anormal que determina obrigatoriamente a paragem por razões de segurança.

25) Este facto afetou o funcionamento de três turnos da autora num dia, até que fosse identificada a causa do problema e a adoção do novo procedimento (controle manual).

26) Esta paragem foi causa direta e necessária para a autora deixar de produzir 650 toneladas de alumínio entre os dias 04/12/2019 e 13/12/2019, com uma perda de lucro de 115.653,00 €.

27) Em resultado do defeito manifestado no alarme do forno da fundição, a autora, naqueles 10 dias, apenas produziu 462 toneladas, com um lucro de apenas 82.189,80 €.

28) O suporte e o acesso à senha do PLC, são elementos que fazem parte integrante do sistema adquirido pela autora à ré.

29) Por via disso, a autora encontra-se impossibilitada de identificar a condição que causa o alarme.

30) É o suporte de acesso à senha PLC que possibilita identificar o problema que causa o alarme no filtro, bem como, identificar outras formas de produção mais eficientes.

31) Vê-se a autora obrigada a depositar uma atenção constante no forno por parte da equipa da manutenção.

32) Deixando assim a equipa da manutenção de poder dar o necessário apoio a outros departamentos da autora.

33) Este facto motiva prejuízos para a autora que, atualmente, se cifram em 20.000,00€.

34) No dia 12/02/19, a autora teve que efetuar uma paragem na produção pelo período de 6 horas, devido à deteção de humidade no interior do filtro do forno de fusão, por mau funcionamento do mesmo.

35) Como consequência desta paragem, a autora deixou de produzir 16,25 toneladas de alumínio, com consequente prejuízo de 2.890,88 €.

36) Por razões imputáveis ao sistema fornecido pela ré, até agora não foi possível consumir sucata lacada no forno de fusão da autora, devido à grande quantidade de fumos libertada e chamas incontroláveis, que danificam as selagens do forno, aumenta a escória gerada e reduz o aproveitamento do material fundido.

37) Um dos motivos para a autora adquirir o sistema à ré, consistia na possibilidade de o forno de fusão poder consumir sucata lacada que é mais barata.

38) Não podendo a autora laborar com sucata lacada no forno de fusão devido à ineficácia no tratamento dos vapores do sistema adquirido à ré.

39) Tal facto implicou que a autora se visse obrigada a laborar com sucata de perfil bruto anodizado.

40) Este incumprimento da ré, em colocar o forno em condições de utilizar sucata lacada, dura já desde maio de 2019.

41) Tal facto representa, até à presente data e decorridos 17 meses, um prejuízo para a autora no valor de 485.953,50 €.

42) Com a aquisição do sistema à ré, a autora deveria ter um menor custo de produção de 28.585,50€ por mês.

43) E cada mês a mais em que esta situação se verifique, isso implica um prejuízo para a autora (por mês) no valor de 28.585,50 €.

44) A ré confiou à autora as senhas de acesso aos parâmetros de controlo do sistema.

45) A ré facultou à autora todos os acessos necessários ao controlo da operacionalidade e do funcionamento do sistema de despoeiramento de gases de exaustão.

III.II - Fundamentação de Direito

A sentença recorrida julgou a ação improcedente, com as considerações que, em síntese, se transcrevem e sublinham: “A ação desenvolve-se, em termos gerais, no campo de aplicação do regime do não cumprimento dos contratos (406.º, 762.º e 798.º e ss. do Código Civil) e, de forma particular, no contexto da compra e venda de coisa defeituosa, prevista nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil (...) A autora alegou que, com a aquisição do sistema, o forno de fusão ficaria apto a consumir sucata lacada, aptidão que, quer pelos limites do contrato celebrado, quer por efeito da prova produzida (de que a perícia efetuada constitui assertiva base probatória), se concluiu nunca ter sido assumida pelas partes, não estando os fornos da autora sequer preparados para esse efeito. Resultou provado que a ausência de filtragem dos resíduos evidenciada pelos testes realizados pela autora (com origem provável na ativação dos mecanismos de segurança do próprio sistema de despoeiramento) foi consequência das condições verificadas a montante dos filtros, isto é, no modo de funcionamento dos fornos que a autora adquiriu a terceiros, sendo este mau funcionamento apto a causar, quer o bloqueio do funcionamento do sistema de ventilação, quer a deterioração dos componentes deste. (...) As previsões contratuais em conjugação com a prova produzida permitem firmar a conclusão de que os fatores que impediram o sistema fornecido pela ré de cumprir a sua finalidade são externos à responsabilidade desta última. (...) Dado que a autora, como resulta da prova produzida, não logrou provar a factualidade essencial em que alicerçou a ação instaurada, ou que os prejuízos por si sofridos tenham sido causados pela falta de qualidade do sistema adquirido à ré (nexo causal entre o alegado incumprimento e o subsequente dano), decai a totalidade da demanda, inexistindo prova de mora ou incumprimento culposo por parte da ré que suporte, quer a existência de uma obrigação de indemnizar, quer a verificação de justa causa de resolução do contrato pela autora. Em conclusão, improcede a ação proposta”.

A manutenção da factualidade dada como provada – e essencialmente a da factualidade dada como não provada - tornam evidente a correta aplicação do Direito na sentença apelada e, com essa conclusão, conjugada com o objeto do recurso, sempre seriamos levados concluir, imediatamente, pela improcedência da apelação.

Importa ter presente, antes de mais, que o pedido recursório, quando quantificado, se mostra muito distinto do pedido formulado na ação e, em parte, também lateral à sentença proferida, desde logo quanto à questão da resolução contratual e seus pretensos efeitos.

Simplificando – e na medida apenas em que a simplificação não afasta a compreensibilidade – as partes celebraram um contrato de compra e venda. Assim o concluímos atenta a relevância interpretativa resultante da vontade declarada, pois nem sempre se mostra fácil a destrinça no cotejo com o contrato de empreitada e quando está em causa a venda de um bem futuro com instalação pela vendedora.

A autora entendeu – e assim configurou a sua ação – que a coisa vendida (sistema de despoeiramento) estava defeituosa, incapacitada em relação à finalidade pretendida, causando os danos, essencialmente decorrentes e traduzidos na impossibilidade de não ser possível produzir a almejada quantidade de produto vendido pela demandante. Reclamou o pagamento desses danos, essencialmente traduzidos em lucros cessantes. E, já na pendência da ação, decidiu resolver o contrato, o que fez por comunicação à recorrida, após a ter interpelado para a imediata correção do que entendia serem defeitos do objeto vendido.

Importa dizer, antes de mais, e porque nos parece relevante à apreciação da resolução do contrato e do pedido indemnizatório, a esse título formulado em sede de recurso, que, no seu articulado superveniente, onde precisamente invoca a resolução contratual, a autora não quantificou qualquer pedido daí decorrente, ao contrário do que em recurso vem fazer; efetivamente, concluindo aquele articulado, ao qual não atribuiu valor, nem, com ele, alterou o valor da ação, a autora formulou: “Termos em que requer a V. Exa. se digne admitir o presente articulado e, por via disso, acrescentar ao pedido deduzido na Petição inicial, o pedido de resolução do contrato, com as demais consequências legais”.

Realizado o julgamento, ou seja, produzida a prova, veio a concluir-se – atenta a factualidade que, em sede recursória, foi mantida – que não havia defeito no sistema vendido pela recorrida e, mais, que não houve mora ou incumprimento contratual.

Mas, em sede de recurso, vem a recorrente quantificar – e pedir – a devolução da quantia paga a título de preço, naturalmente como consequência da resolução e da sua procedência ou, dito de outro modo, da verificação da justa causa resolutiva.

Sucede que esse pedido, formulado em sede de recurso, é um pedido que não se traduz numa redução do pedido inicial, mas constitui uma verdadeira questão nova. Note-se que se a resolução tem efeitos equivalentes à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433 do CC), daí não resulta que tais efeitos – diversamente do que se defende para os casos de nulidade – possam ser oficiosamente determinados. E daí que, como avançámos, estamos perante uma questão nova (efeitos da resolução do contrato) não colocada à primeira instância, e que não é de conhecimento oficioso: não cabe, por isso, apreciá-la.

Mas mesmo que assim se não entendesse, torna-se evidente que, dos factos dados como provados e nesta sede mantidos, nunca poderia advir para a recorrente qualquer crédito, decorrente da sua decisão de resolver o contrato. É que, não provada a justa causa de resolução, ainda que não haja de se condenar o pretenso cumpridor (que invocou aquela resolução), tudo se passa como se o contrato continuasse em cumprimento[20]. Mas mais: não tendo a recorrente demonstrado qualquer vício da coisa, ou seja, qualquer incumprimento, o contrato, em rigor – pois não está em causa qualquer dever lateral, pós-contrato – já estava extinto com o cumprimento e, como é da natureza das coisas, não pode resolver-se/extinguir-se o negócio jurídico integralmente cumprido.

Dito isto, só uma nota para a pretensão recursória da apelante, quando pretende que, recebendo de volta o valor pago, não tenha de devolver o bem adquirido (conclusão w). Pelo que antes dissemos, a questão passa a ser irrelevante, mas sempre se diga que o artigo 1269 do CC não tem viabilidade de suportar tal pretensão, pois não está em causa a perda ou deterioração da coisa e a obrigação do contraente que resolve o contrato sempre seria a de, restituído o preço, devolver o bem.     

Feitas as considerações anteriores, apenas há que acrescentar, no mais, que nenhum dano à recorrente, causado pela compra que fez à recorrida, ficou demonstrado no processo.

Daí a correta decisão tomada pelo tribunal recorrido.

O recurso é improcedente.

As custas do mesmo, atento o decaimento, são devidas pela recorrente.

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.




Porto, 18.03.2024
José Eusébio Almeida;
Manuel Domingos Fernandes
Ana Paula Amorim
_________________
[1] Valor da sucata limpa.
[2] Valor (de 13%) a reduzir ao da sucata limpa.
[3] Sublinhados nossos.
[4] Diz que, por lapso, referiu a compra do forno [à ré] nos seus artigos 13.º, 22.º e 99.º.
[5] Que cumpre transcrever apenas em sede de fundamentação de facto, sob pena de inútil repetição
[6] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, Almedina, 2022, pág. 333.
[7] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2015, pág. 162.
[8] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 577 [“Foi, assim, arredada a conceção segundo a qual a atividade cognitiva da Relação se deveria confinar, tão-somente, a um mero controlo formal da motivação/fundamentação efetuada em 1.ª instância. Porque necessariamente gravados os depoimentos prestados na audiência final (artº 155º), bem como (gravados e/ou registados os prestados antecipadamente ou por carta – artº 422º n.º 1 e 2), pode a Relação reapreciar e ponderar a prova produzida sobre a qual haja assentado a decisão impugnada, atendendo aos elementos indicados, em ordem a formar a sua própria e autónoma convicção sobre o material fáctico (resultado probatório processualmente adquirido”].
[9] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição... cit., pág. 201.
[10] Como se sumaria no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.05.2018 [Relator, Conselheiro Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, dgsi], “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
[11] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 831, anotação 2.
[12] Tal como se sumaria no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2019 [Relatora, Conselheira Rosa Tching, Processo n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2, dgsi], “I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
[13] Relator, Conselheiro Mário Belo Morgado, Processo n.º 835/15.0T8LRA.C4.S1, dgsi.
[14] Tal repetição poderia pôr em questão a própria admissão do recurso ou, pelo menos, justificaria o convite previsto no artigo 639, n.º 3 do CPC. Quanto à primeira hipótese, no entanto, o entendimento constante do Supremo Tribunal de Justiça – concorde-se ou não – impede a inadmissibilidade do recurso. Quanto ao convite, entendeu o relator não o fazer, porquanto estamos em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, por outro lado, sequer a recorrida respondeu ao recurso.
[15] Cujo depoimento muito sumariamente transcreve no corpo das alegações e repete nas conclusões: “Assim: Do minuto 17:53 ao minuto 19:19: Advogado da autora: Então naquele período em que estiveram com os queimadores a 50% conforme (...) traduziu-se em alguma perda para a A..., SA? Testemunha: Basicamente metade do que tínhamos previsto produzir nesse intervalo (...) mas posso fazer as contas também (...) 151 mil. Do minuto 26:32 ao minuto 26:52: Advogado da autora: E sabe dizer qual é o valor disso? Testemunha: é a mesma coisa, é os 179 (...) 35 mil. Do minuto 30:51 ao minuto 31:34: Advogado da autora: Senhor Engenheiro, sabe dizer essas seis horas que perda é que se traduziu para a A..., SA? Testemunha: Mais ou menos 75 toneladas diárias, são seis horas (...) 3.300, 3.500”.
[16] Sublinhado nosso.
[17] Que nas suas conclusões a apelante refere ter o n.º 2 na plataforma Citius, mas que é efetivamente o documento n.º 1 e, objetivamente, a fls. 833 do processo eletrónico (p.e.).
[18] Valor Limite de Emissão.
[19] Sublinhado nosso.
[20] Como refere José Carlos Brandão Proença (A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime, Coimbra Editora, 1996, págs. 152/153): “Se é certo que a sentença de confirmação não pode afastar uma eficácia (a da resolução) temporalmente situada nos momentos previstos no art. 224.º, 1, 1.ª parte, do C.C., a declaração de resolução, feita no pressuposto do incumprimento alheio infundado, também não pode conduzir, sob pena de se identificar declaração de resolução com declaração de inadimplemento, a uma decisão judicial que coloque o declarante em estado de incumprimento (face a uma representação infundada e não culposa do incumprimento da contraparte) em vez de manter a eficácia do contrato entre as partes”.