Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1801/23.7T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP202401161801/23.7T8PRD.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A questão da competência internacional, mostra-se essencial e prévia á tomada de decisões sobre a menor pelos tribunais portugueses, sendo que os tribunais portugueses só podem conhecer de litígio emergente de uma relação transnacional quando forem internacionalmente competentes.
II - Para dilucidar sobre a competência internacional do tribunal português a que alude o art. 9º do RGPTC, em Incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, respeitante a uma criança de nacionalidade portuguesa, residente na Suíça, pais onde foi feita a Regulação do Exercício do Poder Paternal, deverá atender-se à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia, em 19 de Outubro de 1996 (Convenção de Haia de 1996), de que ambos os Países são contratantes.
III - Estando porém, em causa obrigações alimentares, a Convenção de Haia de 1996 não tem aplicação, (cfr. art. 4º al e), pelo que a questão da competência internacional tem de ser resolvida á luz das normas internas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1801/23.7T8PRD.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo de Família e Menores de Paredes - Juiz 3

Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Anabela Dias da Silva
Lina Castro Baptista

SUMÁRIO:
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Acordam as Juízas que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
AA, residente em ..., ... ..., Suíça, veio deduzir INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS contra BB, residente na Avenida ..., ..., ... ..., Lousada, tendo formulado o seguinte pedido:
“a) Deve o Requerido ser condenado a pagar à sua filha menor as prestações de alimentos devidos, vencidas e não pagas até à presente data, conforme o supra referido, e no valor global de € 50.753.20 Francos suíços, correspondente a € 45.972,10.
b) Se digne ordenar, RGPTC as diligencias necessárias, para aquilatar da condição económica do requerido, de forma a que se garantam o pagamento daquele valor, referente ás prestações de alimentos vencidas e não pagas, incumprimento alegado supra.
c) Ou, caso assim se entenda seja convocada respetiva conferencia de pais.”
Alegou em suma que a Requerente, reside com a sua filha menor de idade, CC, menor em ..., ... ..., Suíça, residindo o Requerido em Portugal.
E que, no dia 08 de Janeiro de 2014, no Tribunal do Distrito de Monthey, Cantão de Valais, da República Federativa da Suíça, foi proferida sentença, regulando o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC.
Aquela regulação foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo nº 140/22.5YRGMR 1ªSecção Cível, por decisão que transitou em julgado em Novembro de 2022.
O progenitor, naquela regulação das responsabilidades parentais, obrigou-se ao pagamento da quantia de 800 francos suíços (CHF) mensais a título de pensão de alimentos a favor da menor.
A Requerente alegou em suma que o pai não cumpre com obrigação de pagamento da prestação de alimentos desde 2015 e que, quando o requerido deixou de pagar, o Estado Suíço substituiu-se ao pai aqui requerido, e pagou à menor em substituição daquele, o valor de € 22.000,00, estando em dívida o valor restante, perfazendo o valor global em dívida a título de alimentos a quantia global de € 50.753,20, CHF, correspondente a cerca de € 45.972,10 euros.
Quanto à competência do Tribunal alega que, aqui não está em causa qualquer regulação do exercício das responsabilidades ou a sua alteração.
Do que se trata aqui é de tornar efetiva a prestação de alimentos fixada pelo tribunal suíço, providência que se tornou necessária devido ao incumprimento do requerido, daí serem competentes os Tribunais Portugueses, uma vez que o Requerido tem residência em Lousada.
Veio de seguida a ser proferido despacho, com a seguinte parte decisória:
“Pelos fundamentos expostos e de acordo com os normativos citados, ao abrigo do disposto nos artigos 59.º, 96.º, alínea a), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a), do Código de Processo Civil e artigo 5.º da Convenção de Haia de 96, julga-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal, em razão das regras de competência internacional, e em consequência, indefere-se liminarmente o requerimento inicial.
Custas pela requerente, com taxa de justiça no mínimo legal.”
Inconformada, AA, veio interpor o presente recurso de Apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1º- O Tribunal a quo, por douto despacho de fls. dos autos, julgou internacionalmente incompetente o tribunal da Comarca Porto Este – juízo de Família e menores de Paredes conhecendo a exceção de incompetência absoluta do tribunal.
2º- Por não concordar com tal decisão a requerida interpõe o presente recurso.
3.º- Atentos os documentos juntos aos autos, com força probatória plena, (doc. 1 a 3) a recorrente alegou os seguintes factos no seu requerimento inicial:
-Que em .../.../ de 2006, nasceu CC, registada como filha de BB e de AA (conforme assento de nascimento junto aos autos supra, Doc. 1).
- Que em 07 de Abril de 2016, no Juiz 2, da Secção de Família e Menores deste tribunal de Paredes, da Comarca do Porto Este, foi proferida sentença, decretando a dissolução do casamento contraído entre a Requerente (AA) e o Requerido (BB), por divórcio, conforme certidão da sentença do divorcio que está junta aos autos, para onde se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
- No dia 08 de Janeiro de 2014, no Tribunal do Distrito de Monthey, Cantão de Valais, da República Federativa da Suíça, foi proferida sentença, regulando o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC, (conforme certidão da referida sentença, devidamente traduzida, e que aqui se dá por integralmente reproduzida), Doc. 2, também junta aos autos supra.
- Ficou regulado daquela forma, além do mais, o valor dos alimentos devidos à menor CC e, tendo transitado em Julgado, conforme Certidão da Sentença, emitida e autenticada pela sua respetiva secretaria, bem como auto de Audiência, com a Apostila - tudo traduzido por tradutor oficial, que se junta aos presentes autos, e cujo conteúdo reproduz integralmente para os devidos efeitos legais, conforme mesmo Doc. 2 junto aos autos.
- Aquela regulação foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo nº 140/22.5YRGMR 1ª Secção Cível, por decisão que transitou em julgado em Novembro de 2022, conforme Doc. 3 junto aos autos.
- O progenitor, naquela regulação das responsabilidades parentais, obrigou-se ao pagamento da quantia de 800 francos suíços(CHF) mensais a título de pensão de alimentos a favor da menor, devendo tal quantia ser para através de conta bancária constante da regulação, conforme clausula 5. daquela referida regulação, (Doc. 2)
- Posteriormente o progenitor veio para Portugal, onde fixou residência, e durante o ano de 2015 efetuou apenas três pagamentos parciais da pensão de alimentos, no montante de € 100,00, cada uma.
- Quando o requerido deixou de pagar, o Estado Suíço substituiu-se ao pai aqui requerido, mas pagou à menor em substituição daquele o valor de € 22.000,00, estando em divida o valor restante.
- Pelo que, o requerido deve à filha menor as prestações de alimentos que não recebeu deste, nem recebeu do Estado em substituição do pai,
- perfazendo o valor global em dívida a título de alimentos a quantia global de € 50.753,20, CHF, correspondente a cerca de € 45.972,10 (quarenta e cinco mil novecentos e setenta e dois euros e dez cêntimos, (após operada a respetiva conversão em euros).
4º- No caso em apreço, a aqui recorrente já dispõe de sentença de um tribunal suíço, que já regulou as responsabilidades parentais, nomeadamente, os alimentos devidos à filha menor, e, no requerimento que apresentou no tribunal de Família e Menores de Paredes não pretende altera-la, nem alterar o regime já fixado, apenas que seja efetivado o já estabelecido.
5º- razão pela qual se lançou mão do incidente de incumprimento, meios pré-executório, para tornar efetivo o pagamento dos valores em divida, meio expedito para o efeito, já que dispõe de uma sentença revista e confirmada pelo tribunal da Relação.
6º- Claro que resulta do artigo 59.º do CPC que:
«Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes…»),
7º- e, que é necessário verificar se existem tratados ou convenções internacionais ou regulamentos comunitários que vinculem o Estado português, pelo facto desses convenções prevalecem sobre as normas processuais de direito interno.
8º- Mas, o argumento explanado da douta sentença, quando decide pela incompetência internacional do tribunal português não analisou nem aplicou bem as leis em vigor, concretamente o artigo 9º nº 7, artigo 41.º, n.os 1 e 2, do RGTP , artigo 59º, 62 e 63º do C. P. Civil e artigo 3º da Convenção de Haia, em vigor nesta matéria.
9º- Salvo melhor entendimento, se nenhuma das convenções invocadas na sentença do tribunal a quo, (Convenção dos Direitos da Criança) excluem a competência internacional dos tribunais portugueses nesta matéria, e além do mais da conjugação do disposto nos artigos 41.º, n.os 1 e 2, e 9.º, n.º 7, do RGPTC decorre que é territorialmente competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido, pois aqui o que a recorrente pretende é a cobrança coerciva dos alimentos em divida à filha menor, não estando em causa a regulação do exercício das responsabilidades, nem a alteração da regulação já estabelecida anteriormente pelo tribunal suíço.
10º- Em causa está o incumprimento de uma sentença homologatória, pela qual o aqui requerido já se encontra obrigado a cumprir, (e a qual já produz efeitos em Portugal por estar revista e confirmada pela lei portuguesa) e a entregar à recorrente as prestações de alimentos devidos à sua filha menor.
11º- Esta acção é um meio de cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo, cuja utilização é preferível por ser mais célere e garantir mais facilmente os interesses da menor, antes ou independentemente da acção executiva.
12º- Na altura em que foi regulado o exercício das responsabilidades parentais em relação à menor CC, esta residia na Suíça, tal como os seus progenitores, e por isso era o tribunal suíço o internacionalmente competente para esse efeito.
13º- Na presente acção a recorrente visa apenas tornar efetiva a prestação de alimentos já fixada pelo tribunal suíço, cuja sentença já foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, reitere-se, conforme doc. 2 junto aos autos.
14º- Na presente data, em que o presente incidente de incumprimento das responsabilidades é deduzido, o requerido tem residência habitual, rendimentos e bens em Lousada, pelo que o tribunal português, concretamente, o Juízo de Família e Menores de Paredes é territorialmente competente para conhecer desse incidente e, de harmonia com o disposto no artigo 62.º, al. a), do CPC, também é internacionalmente competente.
15º- Ao decidir de forma diferente o tribunal a quo violou as disposições legais supra já referidas que aqui se reitera.
Neste termos e nos melhores de direito aplicável devem os Venerandos Juízes Desembargadores alterar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e declararem que os tribunais portugueses, concretamente, o Tribunal Judicial da Comarca Porto Este - Juízo de Família e Menores de Paredes - Juiz 3) tem competência internacional para tramitar e decidir incidente de incumprimento das prestações de alimentos não pagas e devidas à menor CC, e ordenar as diligências para tornar efetiva a sentença do tribunal suíço, já revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão transitada em julgado, tendo o requerido residência habitual, rendimentos e bens em Portugal, na comarca de Lousada, apesar de a requerente e a filha menor continuarem a residir na Suíça.”
Não houve resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos – artigos 629.º, n.º 1, 631.º, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, a), 645.º, n.º 1, a) e n.º 3, todos do Código de Processo Civil e com efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no artigo 647.º, n.º 1 e 2 e 3, a contrario, do Código de Processo Civil e artigo 32.º, n.º 4 da Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II-OBJETO DO RECURSO
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso do Tribunal, a questão a decidir é a da competência internacional do Tribunal de Família e Menores de Paredes.
III-FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão do recurso, para além do que acima consta do relatório, tem-se ainda como assente com base nos documentos juntos que:
1º- em .../.../ de 2006, nasceu CC, registada como filha de BB e de AA (conforme certidão do assento de nascimento junta aos autos principais).
2º- Em 07 de Abril de 2016, no Juiz 2, da Secção de Família e Menores deste tribunal de Paredes, da Comarca do Porto Este, foi proferida sentença, decretando a dissolução do casamento contraído entre a Requerente (AA) e o Requerido (BB), por divórcio, conforme sentença junta aos autos principais.
3º- No dia 08 de Janeiro de 2014, no Tribunal do Distrito de Monthey, Cantão de Valais, da República Federativa da Suíça, foi proferida sentença, regulando o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC, (conforme certidão da referida sentença, devidamente traduzida, junta aos autos).
4º- Aquela regulação foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no processo nº 140/22.5YRGMR 1ª Secção Cível, por decisão que transitou em julgado em Novembro de 2022, conforme documento junto aos autos.
5º - A Requerente, reside com a sua filha menor de idade, CC, menor em ..., ... ..., Suíça, residindo o Requerido em Portugal.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO.
A questão a analisar é questão da competência internacional do Tribunal de Família e Menores de Paredes para decidir INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS deduzido junto do Juízo de Família e Menores de Paredes, pela progenitora da menor CC, ambas com residência na ..., ... ..., Suíça.
Aquele indeferiu liminarmente o incidente, julgando procedente a exceção dilatória da incompetência absoluta decorrente da infração das regras da competência internacional. Vejamos se com ou sem razão.
A questão da incompetência internacional surge quando no pleito se desenham elementos em conexão com outras ordens jurídicas, para além da portuguesa. Trata-se de saber se a questão submetida a Tribunal deve ser resolvida pelos Tribunais portugueses ou pelos tribunais estrangeiros. [1]
A situação em apreço apresenta conexão com duas ordens jurídicas distintas: a portuguesa, por força da nacionalidade da menor e dos seus pais, sendo alinda em Portugal a residência do progenitor, e a ordem jurídica Suíça, da residência da menor e progenitora, sendo que foi ainda neste país que, através das suas autoridades (Tribunal do Distrito de Monthey, Cantão de Valais, da República Federativa da Suíça), foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC.
Também segundo a progenitora foi ainda o Estado Suíço, quem, em substituição do aqui requerido, pagou à menor parte do valor dos alimentos devidos por aquele.
Assim sendo, a questão da competência internacional, mostra-se essencial e prévia à tomada de decisões sobre a menor pelos tribunais portugueses, constituindo a mesma questão de conhecimento oficioso, que por essa razão não pode deixar de ser conhecida por este tribunal de recurso.
Com efeito, a competência do tribunal constitui um pressuposto processual, sendo assim um dos elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a pretensão deduzida.
Constitui uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa e afere-se em relação ao objeto da ação apresentado pelo autor.
Os tribunais portugueses só podem conhecer de litígio emergente de uma relação transnacional quando forem internacionalmente competentes.
A competência do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial.
No caso em apreço, a progenitora apresenta-se em Juízo, invocando o incumprimento pelo Requerido das responsabilidades parentais, reguladas pela sentença proferida pelo Tribunal do Distrito de Monthey, Cantão de Valais, da República Federativa da Suíça que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativas a CC (devidamente Revista para poder produzir os seus efeitos em Portugal) relativamente à obrigação de prestar alimentos à sua filha.
Pede a condenação do Requerido a pagar à sua filha menor as prestações de alimentos devidos, vencidas e não pagas até à presente data, no valor global de € 50.753.20 Francos suíços (correspondente a € 45.972,10).
Pede ainda que sejam efetuadas as diligencias necessárias, para aquilatar da condição económica do requerido, de forma a que se garanta o pagamento daquele valor, referente ás prestações de alimentos vencidas e não pagas, incumprimento alegado supra, ou caso assim se entenda seja convocada respetiva conferencia de pais.
A causa de pedir consistiu na alegação da ocorrência de uma situação de incumprimento duma decisão do Tribunal Suíço, pedindo que o Requerido seja condenado a pagar as quantias devidas a titulo de alimentos que se encontram ainda em dívida, uma vez que as autoridades Suíças asseguraram o pagamento de parte do valor devido a esse título á sua filha.
Para tanto a progenitora obteve a revisão e confirmação daquela sentença estrangeira junto dos Tribunais Portugueses, mostrando-se assim a mesma apta a ver reconhecidos os seus efeitos, junto das autoridades portuguesas.
A acção especial de revisão de sentença estrangeira é uma acção declarativa de simples apreciação na qual se verifica se a decisão estrangeira está, ou não, em condições de produzir efeitos em Portugal. Com efeito, fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, ficou instituído um sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras em que o princípio do seu reconhecimento reside na aceitação da competência do tribunal de origem e em que, como regra, a revisão de mérito está excluída.
Isto posto, são normas de competência internacional aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais.
Vigoram na ordem jurídica portuguesa normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual.
A aplicação das normas de natureza supra estadual, deve-se ao facto de vigorar na ordem jurídica interna portuguesa, por força do artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o princípio da receção automática das normas de direito internacional, constante de tratados e acordos em que participe o Estado Português, as quais são diretamente aplicáveis pelos tribunais, estando a sua eficácia interna apenas dependente de publicação oficial na sequência da ratificação ou aprovação.
Pode-se assim afirmar que a disciplina interna da competência internacional consagrada no CPC apenas se aplica quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do direito internacional constante de tratados e acordos em que participe o Estado Português.
No direito interno, estabelece o art. 62º do C.P.C., que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes
- quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (al. a));
-quando tiver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou alguns dos factos que a integram (b)),
-ou quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (al. c)).
Tal não obsta, como é evidente, ao estabelecido em instrumentos internacionais, atento o princípio constitucional citado segundo o qual “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
A competência internacional acompanha a competência interna de raiz territorial. Pois se de acordo com as regras em razão do território, algum tribunal português for territorialmente competente, também lhe é atribuída a competência internacional, por via do princípio da coincidência.
As regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa em matéria de providências tutelares cíveis são as que constam do atual art. 9º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível aprovado pela Lei 141/2015 de 8.9, a seguir designado por RGPTC.
Nos termos do art. 9º do RGPTC, para decretar providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
E dispõe ainda o nº 9 desta norma que sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a insaturação do processo.
No seu no seu nº 7, prevê-se a situação de “no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente”, estabelecendo que, nessa situação, é competente para apreciar e decidir a causa “o tribunal da residência do requerente ou do requerido.”
Não obstante e como dissemos, para dilucidar sobre a competência internacional do tribunal português a que alude o mencionado art. 9º do RGPTC, deve atender-se à Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia, em 19 de Outubro de 1996 (Convenção de Haia de 1996), no quadro da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado.
A Convenção de 1996 nasceu da necessidade de rever a Convenção de 5 de Outubro de 1961 respeitante à Competência das Autoridades e da Lei Aplicável em Matéria de Proteção de Menores, com os objetivos de reforçar a proteção das crianças em situações de carácter internacional e de confirmar que o melhor interesse da criança deve constituir a consideração primordial.
A Convenção de 1996 já conta com a vinculação de 32 Estados Contratantes, nos quais se inclui a Suíça, e encontra-se em vigor desde 1 de Janeiro de 2002.[2]
No âmbito da União Europeia, o Conselho, através da Decisão 2003/93/CE, de 19.12.2002 decidiu autorizar os Estados Membros da União Europeia a assinarem, no interesse da União Europeia a Convenção de Haia de 1996. E através da Decisão do Conselho 2008/431/CE de 5 de junho de 2008 [3] autorizou certos Estados-Membros a fazer uma declaração sobre a aplicação da regulamentação interna pertinente do direito comunitário.
A Convenção de Haia de 1996 foi aprovada em Portugal pelo Decreto nº 52/2008 [4], encontrando-se em vigor no nosso país desde 1 de Agosto de 2011 (data do depósito da ratificação da Convenção de 14.4.2011).[5]
Portugal procedeu á seguinte declaração, tendo em vista o Direito Europeu: “Os artigos 23º, 26º e 52º da Convenção permitem às Partes Contratantes uma certa margem de flexibilidade para aplicarem o sistema simples e rápido de reconhecimento e execução das decisões. A Regulamentação Comunitária prevê um sistema de reconhecimento e de execução pelo menos tão favorável como as regras constantes da Convenção. Assim sendo, as decisões em matérias abrangidas pela Convenção, quando proferidas por um tribunal dum Estado Membro da União Europeia, serão reconhecidas e executadas em Portugal, aplicando-se a regulamentação interna pertinente do direito comunitário (cfr art. 2º do Decreto 52/2008 de 13.11.)”.
Será pois aplicável á situação em apreço a Convenção de Haia de 1996, a que aderiram Portugal e a Suíça, se a situação em apreço couber no respetivo objeto.
O artigo 1º da Convenção de Haia de 1996, no seu nº 1 estabelece que a Convenção tem por objeto determinar qual o Estado cujas autoridades têm competência para tomar as medidas orientadas á proteção da pessoa ou bens da criança (cfr. al a).
No caso sub judice está em apreciação o Incidente de Incumprimento de Responsabilidades parentais, relativamente à obrigação de alimentos.
O artigo 5.º, n.º 1, da Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em Haia em 19 de Outubro de 1996, aprovada, entre nós, pelo Decreto-Lei 52/2008, de 13 de Novembro, de que os Estados Unidos da América (EUA) são parte contratante, consagra que as “autoridades judiciárias ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança”.
Mais uma vez, o critério atributivo da competência internacional é o da residência habitual da criança, cuja razão de ser se prende com a necessidade de uma relação de proximidade entre o menor e a jurisdição que vai decidir da regulação das responsabilidades parentais do mesmo.
Posto isto, estabelece o art. 5º da referida Convenção Haia de 1996 que:
“1. As autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à proteção da pessoa ou bens da criança.”
2. Com ressalva do artigo 7.º[6], “em caso de mudança da residência habitual da criança para outro Estado Contratante, as autoridades do Estado da nova residência habitual terão a competência.”
O conceito “residência habitual” tem sido entendido, não só para efeitos de aplicação desta Convenção, mas também de outros instrumentos internacionais que também usam este elemento de conexão, como, igualmente, para efeitos de definição da competência territorial, face ao disposto no artigo 9º do RGPTC, como o local onde se encontra organizada a vida do menor, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado.
De realçar que a aplicação de instrumentos internacionais como aquele em causa neste processo, que estabelecem critérios de conexão baseados na residência habitual da criança, visam dar prevalência ao princípio da proximidade, por se considerar que é o mais eficaz na defesa e tutela dos interesses da mesma, no sentido de poderem as entidades da residência habitual melhor aferir todo o circunstancialismo que rodeia o caso em concreto e que irão servir para fundamentar a tomada de uma decisão consciente.
Aplicando as normas da aludida Convenção Internacional ao caso em apreço, em que se a criança mantem a residência habitual na Suíça, país onde foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente o direito a alimentos, cujo incumprimento pretende invocar e efetivar através do incidente deduzido, não se oferecem dúvidas que aquele país é o competente internacionalmente para apreciar tal incidente, tal como foi decidido no despacho sob recurso.
Acontece que, uma vez que o está em causa nesta ação é unicamente a obrigação de alimentos que a progenitora pretende tornar efetiva, constata-se que a aludida Convenção, não é aplicável ao caso apreço, visto que o seu artigo 4º alínea e) exclui do âmbito de aplicação, as obrigações alimentares.
Não sendo a Suíça parte, não se mostra aplicável, o instrumento de cooperação internacional criado no âmbito da União Europeia, tendo em vista facilitar a execução de decisões em matéria de obrigações alimentares, um dos quais se salienta pela sua importância o Regulamento CE nº 4/2009 do Conselho de 18.12.2008, publicado no Jornal Oficial da União Europeia L7 de 10.1.2009, que dispõe de meios para tornar mais eficazes os meios de que dispõem os credores de prestações alimentares e determina a lei substantiva aplicável nessa matéria, permitindo a aplicação das regras comunitárias em matéria de competência, mesmo quando o devedor tem residência habitual num Estado terceiro (o que não é o caso na situação em apreço).
Ficando afastada a aplicação das normas de fonte supra estadual, teremos que recorrer à aplicação das normas de fonte interna vigentes na ordem jurídica portuguesa.
Assim sendo, haverá que recorrer às disposições internas, fixadoras da competência internacional.
Como já tivemos supra oportunidade de referir, a competência internacional acompanha a competência interna de raiz territorial. Pois se de acordo com as regras em razão do território, algum tribunal português for territorialmente competente, também lhe é atribuída a competência internacional, por via do princípio da coincidência.
Ora, quanto á competência territorial, dispõe o artigo 9.º do RGPTC, sob a epigrafe, “competência territorial”, o seguinte:
“7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.”
No direito interno, estabelece o art. 62º do C.P.C., que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, quando:
a)- a ação deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (critério da coincidência);
b)- tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram (critério da causalidade);
c)- não poder o direito invocado tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (critério da necessidade).
Basta a verificação de alguma das descritas circunstâncias ou fatores (princípio da autonomia ou da independência) para que ao tribunal português seja atribuída a competência, sendo certo que esta se fixa, como supra se referiu, no momento em que a acção se propõe.
Na alínea c) mostra-se consagrado o critério ou princípio da necessidade que constitui caso excecional e subsidiário de alargamento da competência dos tribunais portugueses, visando evitar que o direito a exercitar fique desprovido de garantia judiciária, ou seja, que ocorra uma situação objetiva de denegação de justiça, incluindo a impossibilidade absoluta e relativa, que tanto podem ser jurídica ou prática ou a dificuldade em tornar efetivo o direito por meio de acção instaurada em tribunal estrangeiro.[7]
Considerando que está em causa uma situação relacionada com a concretização do direito a alimentos duma criança, (cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo), também garantirá mais facilmente os interesses da menor, a sua concretização no local da residência do requerido, país onde aquele possuirá bens ou a fonte de rendimentos.
Não se poderá ainda olvidar que, com a Declaração dos Direitos da Criança o princípio do superior interesse da criança foi consolidado:
“A criança gozará de proteção especial e deverão ser-lhe dadas oportunidades e facilidades através da lei e outros meios para o seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social num ambiente saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na elaboração das leis com este propósito, o superior interesse da criança constituirá a preocupação fundamental. -” Princípio 2º da Declaração dos Direitos da Criança de 1959.
“Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”- Artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.
Dessa forma, esse princípio tornou-se tanto orientador para o legislador como para o aplicador da norma jurídica, já que determina a primazia das necessidades do menor como critério de interpretação da norma jurídica ou mesmo como forma de elaboração de futuras demandas.
Tendo presente ta princípio orientador, pensamos ser aplicável o critério de necessidade, já que existe entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa um elemento ponderoso de conexão pessoal e real, mostrando-se ainda, a par desse elemento, que a efetivação do direito a alimentos no país de residência do Requerido (devedor), é suscetível de facilitar a sua execução, afastando dificuldades apreciáveis que a propositura da acção no de cobrança no estrangeiro implicariam.
Concluímos assim, à luz das normas citadas, que tem competência internacional para apreciar a presente ação, o tribunal da residência do requerido. [8]
Pelo exposto, impõe-se julgar procedente o recurso, declarando-se que o tribunal recorrido tem competência internacional para julgar a ação.

V- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra em que se reconheça a competência internacional do Tribunal.
Sum custas.

Porto, 16 de janeiro de 2024
Alexandra Pelayo
Anabela Dias da Silva
Lina Baptista
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[1] Ver acórdão do STJ de 20.1.2009, (Relator Garcia Calejo), disponível in www.dgsi.pt.
[2] Sobre a Convenção de Haia de 1996, e respetivos Estados contratantes, ver informações disponíveis no sítio oficial Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, nomeadamente em hcch.nel/pt/instruments/conventions.
[3] Publicada no Jornal Oficial L 151 de 11.6.2008.
[4] Publicado no DR, 1ª série, nº 221, de 13.11.2008.
[5] Ver mais informações nas notas de rodapé em anotação á Convenção de Haia de 1996 aí publicada in Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e comentado, de Tomé D`Almeida Ramião, Quid Iuris, pgs 443 e ss.
[6] O art. 7º refere-se a situações de afastamento ou retenção ilícita de crianças, não tendo aplicação no caso em apreço.
[7] Ver neste sentido o Professor Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 1º, págs. 139 e 144.
[8] No mesmo sentido, de reconhecer a competência internacional aos tribunais portugueses numa situação idêntica á ora em apreço, ver Acórdão desta Relação de 4.4.2022, proferido no P 259/20.7T8SJM-B.P1 (Relator Joaquim Moura), disponível in www.dgsi.pt.