Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040371 | ||
Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
Descritores: | EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA RATIFICAÇÃO JUDICIAL PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO PRAZOS REPETIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200705090731626 | ||
Data do Acordão: | 05/09/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 718 - FLS. 32. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O art. 413º, nº1, do CPC aplica-se aos casos em que o Estado ou qualquer pessoa colectiva de direito público, movendo-se no campo do direito administrativo e não no das relações jurídico-privadas, actua em relação à ilegalidade consistente em não se terem observado as normas administrativas que condicionam a realização da obra, mas não tem competência para decretar o embargo. II – Quando o Estado ou a pessoa colectiva de direito público está a defender um seu direito privado (real ou pessoal de gozo) ou a sua posse, actua como se fosse um sujeito de direito privado, caso em que tem aplicação, tal como para as outras pessoas, singulares ou colectivas, de direito privado, o regime geral do embargo de obra nova previsto no art. 412º do CPC. III – Só na hipótese mencionada em I o Estado ou a pessoa colectiva está dispensada da observância do prazo (de caducidade) de 30 dias previsto no nº1 do citado art. 412º. IV – O embargo extrajudicial que não foi sujeito a ratificação judicial, no prazo (de preclusão, de natureza processual) de 5 dias previsto no nº3 do dito art. 412º, pode ser repetido, desde que o segundo embargo extrajudicial seja feito dentro do mencionado prazo de 30 dias, se houver lugar à observância do mesmo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, instaurou procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra B……………………. e C……………………., pedindo que fosse ordenada a ratificação judicial do embargo extrajudicial efectuado em 05.06.06. Como fundamento, alegou, em síntese, que os requeridos procederam à construção de uma moradia que se encontra implantada em terreno pertença do Estado Português, administrado pelo Ministério da Defesa Nacional e afecto ao uso da unidade militar do Exército Português, Regimento de Infantaria …….., instalado na cidade de Vila Real. Os requeridos deduziram oposição, invocando a caducidade do direito do requerente, por ter conhecimento da existência da obra há mais de 30 dias relativamente à data do embargo, e impugnando os factos alegados pelo requerente. No decurso da audiência de julgamento, os requeridos pediram a declaração de extinção do procedimento cautelar, por caducidade, alegando que o requerente já havia embargado a obra em 25.05.06, pelo que o presente procedimento cautelar é uma repetição. Aquele requerimento foi indeferido por despacho de fls. 130. Prosseguindo a audiência de julgamento, foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção de caducidade e, julgando procedente o procedimento cautelar, ratificou o embargo extrajudicial efectuado pelo requerente. Inconformados, os requerentes recorreram de ambas as decisões, - o que foi admitido como um único recurso - formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – Os requeridos juntaram documento comprovativo de que o embargo efectuado pelo requerente ocorreu em 25.05.06 e só foi pedida a sua ratificação judicial em 08.06.06. 2ª – Por força do princípio da aquisição processual, tanto mais que é um facto provado por documento cuja junção foi admitida e cujo teor e autenticidade não foram impugnados, a Mª Juíza podia e devia conhecer de tal caducidade. 3ª – A caducidade em apreço foi suscitada pelos agravantes no decurso do procedimento cautelar e não se integra em matéria que esteja na disponibilidade das partes, por ser atinente a prazos consignados na lei para o exercício de direitos, pelo que é de conhecimento oficioso. 4ª – Da certidão passada pela CRP de Vila Real, junta como documento nº 3 com o requerimento inicial, verifica-se que se encontra descrito um prédio rústico, sito na ………………., de “terra de mato e pinhal”, que confronta do Norte com ………………….., que se encontra inscrito a favor do Estado. 5ª – Da certidão passada pela CRP de Vila Real, junta sob o documento nº 3 com a oposição, verifica-se que se encontra descrito um prédio urbano, sito na ……………, ………………., composto de “casa de rés-do-chão 50 m2 – logradouro – 470 m2”, inscrito sob o nº 1888 da freguesia de ………….., inscrito a favor dos agravantes. 6ª – Este documento autêntico não foi impugnado, pelo que está comprovado pelo registo e nos termos do artº 7º do CRP confere a presunção legal de que o respectivo direito de propriedade existe e pertence aos agravantes. 7ª – Situação que é reforçada pela presunção decorrente do registo predial do prédio rústico do Estado, de que o mesmo confronta a Norte com o ……………… ou ……., como também se pode inferir da prova testemunhal gravada. 8ª – Cotejando as respostas dadas à matéria de facto, constata-se que o prédio rústico do Estado se encontra demarcado do …………….. e do urbano inscrito sob o artº 1901º da freguesia de ……………., sendo “a Nascente e a Poente rodeado por outros prédios urbanos”, “é delimitado por um muro, construído em tijolo pelos antecessores dos requeridos”, “no local em apreço existe uma dupla demarcação, ou seja, muros edificados pelos moradores, a delimitar a sua habitação e uma vedação, com cerca de dois metros de altura, em pedras de cimento ao alto, e três fiadas de arame farpado, cerce aos mesmos”, “estando tais prédios, designadamente, o que é possuído pelos requeridos, demarcado com o referido muro de tijolo, há mais de 20 anos, sem oposição de quem quer que seja”. 9ª – Os agravantes impugnam também a decisão da matéria de facto, considerando que foram incorrectamente julgados os factos constantes das als. b) a e) e os factos alegados pelos requeridos nos artº 27º, 28º e 32º da oposição. 10ª – Pois do depoimento de todas as testemunhas arroladas pelos requeridos é possível constatar que depuseram em sentido contrário ao decidido. 11ª – Sendo de anotar que o requerente não fez qualquer prova sobre a factualidade provada, pois que as duas testemunhas por si indicadas apenas depuseram sobre a matéria do embargo propriamente dito. 12ª – A Mª Juíza a quo, na fundamentação, refere que as testemunhas apresentadas pelos requeridos corroboraram que o terreno onde está implantado o prédio urbano inscrito a favor dos requeridos integra o prédio militar e que os mesmos afirmam que “ninguém lhes vendeu ou doou os terrenos em causa” e que destes depoimentos resultou demonstrado que “nunca os pais dos requeridos e estes por sua vez podiam estar convencidos de que exerciam um direito próprio, designadamente de propriedade e de que não lesavam direitos alheios”. 13ª – Ora, as testemunhas dos requeridos afirmaram unanimemente que o terreno em questão foi doado, e que se encontra autónomo, demarcado e independente do prédio do Estado há 30 anos, estando as pessoas convictas de que exercem direitos próprios e que não lesam direitos alheios. 14ª – Os requeridos têm o prédio urbano registado a seu favor na CRP, habilitando-se ele como herdeiro de seu pai e, por partilha com o irmão, adquiriu-o, requereu o licenciamento da obra junto da CM de Vila Real para ampliação do imóvel, juntando planta de localização, pagando os respectivos encargos, o que lhe foi deferido, hipotecou o referido prédio urbano a favor de um Banco, obtendo empréstimo de € 90.000,00 e obrigando-se por mútuo a pagar tal montante e os respectivos juros até ao limite de € 121.860,00, factos todos provados documentalmente. 15ª – A Mª Juíza fundamentou a sua decisão num contrato de arrendamento outorgado entre a CM de Vila Real e o Exército, o qual foi objecto de impugnação na oposição e no qual não intervieram nem são partes os requeridos, pelo que, ainda que o mesmo tenha existido ou até existisse, ser-lhes-ia inoponível. 16ª – Tal contrato tinha a validade de dois anos a contar de 01.06.76, pelo que terá caducado, o que se invoca para todos os efeitos legais. 17ª – Não foi sequer alegado, nem se alcança, como é que a Mª Juíza concluiu que tal terreno faz parte integrante do domínio público do Estado. 18ª – Ainda que tal terreno tivesse sido parte integrante do prédio rústico do Estado, constituído que é por monte, e nunca tendo estado no uso directo e imediato do público em geral, ou uso imemorial, sempre seria um prédio pertencente ao domínio provado do Estado. 19ª – E, como tal, autonomizável ou desanexável e usucapível, atento esse título existente a favor dos ora agravantes. 20ª – E ainda que se admitisse que alguma vez integrou o domínio público do Estado, sempre dele teria sido desafectado, como resultaria pela prática reiterada durante os últimos 30 anos dos factos descritos e provados nas als. h) a af) da decisão da matéria de facto. 21ª – Desafectação que pode ser expressa ou tácita, como foi decidido no Ac. do STJ de 29.04.93, “(…) a coisa pública ingressa ou reingressa dentro da categoria do comércio jurídico – artº 201º, nº 1 do CC – logo que, conforme as circunstâncias, haja uma desafectação do domínio público, expressa ou tacitamente”. 22ª – Do artº 412º, nº 1, 2ª parte do CPC resulta que um dos requisitos é que a obra cause ou ameace causar prejuízo, o que não foi alegado nem provado. O requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. A Mª Juíza sustentou os despachos. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: a) Os réus procedem à construção de uma moradia com cerca de 140 m2, que se encontra em fase de telhado. b) O terreno em que desenvolve a construção da moradia é pertença do Estado Português, sendo administrado pelo Ministério da Defesa Nacional, estando afecto ao uso da Unidade Militar do Exército Regimento de Infantaria nº …….., instalado nesta cidade de Vila Real. c) A parcela de terreno onde está a ser edificada a moradia está integrada num terreno mais vasto, pertença do Estado Português, que consta registado como prédio Rústico – Prédio Militar nº 14 e que está registado na CRP de Vila Real sob o nº 00896/230893. d) Tal parcela de terreno do Estado Português está situada geograficamente nas cartas juntas com a petição inicial. e) Tal prédio militar nº 14 foi arrendado à CM de Vila Real há cerca de 30 anos para instalar as famílias regressadas em 1975 das ex-colónias portuguesas, onde foram construídas casas pré-fabricadas. f) Tal obra foi edificada no lugar citado sem qualquer autorização, nomeadamente do proprietário do terreno – Estado Português – ou de qualquer entidade militar. g) Por isso mesmo, no dia 05.06.06, o Tenente Coronel D…………………., na qualidade de Delegado do Regimento de Infantaria nº ……. e por nomeação do seu Comandante, deslocou-se ao local da edificação da moradia, onde, na presença de duas testemunhas, procedeu ao embargo extra judicial, lavrando o respectivo auto. h) A obra em apreço foi licenciada em 31.01.06 pela CM de Vila Real. i) Tal obra começou no início de Abril de 2006, encontrando-se já realizada a cobertura de betão do telhado à data do embargo extra judicial. j) Tendo de tais obras tomado conhecimento imediato todo o regimento de Vila Real, pois ali passam, junto à mesma, quer a pé, quer de carro, no caminho existente, cerce à vedação delimitativa, várias vezes ao dia. l) Sem que fosse feita qualquer oposição ou reparo, por parte de quem quer que fosse. m) A ampliação da obra está a ser implantada no logradouro do prédio urbano composto de casa com a superfície coberta de 50 m2 e de logradouro com a área de 470 m2, o qual se encontra inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………………. sob o artº 1901º e descrito na CRP de Vila Real sob o nº 01888, onde já existiu um anexo. n) Prédio esse que se encontra inscrito na CRP de Vila Real a favor dos requeridos, aí se mencionando como causa de aquisição a sucessão por partilha extra judicial por óbito de C…………………. o) Esse prédio urbano a Nascente e a Poente é rodeado por outros prédios urbanos. p) É delimitado por um muro, construído em tijolo pelos antecessores dos requeridos, onde se encostam as plantas. q) Encontrando-se os requeridos, por si e antecessores, na sua posse e fruição, habitando-o, fazendo arrumos, guardando seus haveres. r) E no seu logradouro plantavam e plantam flores, lavavam e secavam roupa, estendiam roupa a corar ao sol, colocavam mesas com cadeiras, onde se sentavam ao soalheiro, brincavam as crianças da casa, guardavam os animais, tinham árvores de fruto, bem como lá guardavam o que lhes convinha, fazendo o que lhes aprouvia. s) Dele retirando todas as vantagens económicas inerentes e deles dispondo como bem entendiam os pais do requerido e estes entendem, à semelhança do que fazem os seus donos legítimos. t), u), v) Há mais de 30 anos, continuada e ininterruptamente, à vista de toda a gente da localidade e arredores. x) Sem quezílias ou oposição de quem quer que seja, nunca tendo sido perturbados na sua posse e fruição, colhendo o respeito legal. z) Na descrição da CRP do prédio rústico – prédio militar nº 14 – refere-se que o mesmo confronta a Norte com o bairro dos retornados. aa) No local em apreço, existe uma dupla demarcação, ou seja, muros edificados pelos moradores, a delimitar a sua habitação e uma vedação, com cerca de dois metros de altura, em pedras de cimento ao alto, e três fiadas de arame farpado, cerca aos mesmos. ab) Estando tais prédios, designadamente o que é possuído pelos requeridos, demarcado com o referido muro de tijolo, há mais de 20 anos, sem oposição de quem quer que seja. ac) Em igualdade de circunstâncias, outras obras estão a ser feitas no local. ad) E foram e são do conhecimento do requerente, sem que tenha sido feito qualquer reparo, oposição ou embargo. ae) Existe na referida zona e bairro electricidade, saneamento, escola, água canalizada, em toda a zona assinalada na planta com o aglomerado urbano, junta pelo requerente. af) Sem que nunca tenha havido qualquer oposição ou reparo, quer do Estado Português, do Exército, Estado Maior, ou qualquer entidade, ou da própria Câmara e dos seus diversos Serviços. E considerou não provados os seguintes: - Tal como está, a obra está avaliada em cerca de € 50.000,00. - Os requeridos agem na convicção e certeza de serem donos e legítimos proprietários do prédio urbano em causa e exercendo direitos próprios. - E não lesando quaisquer direitos alheios, desde a data da sua aquisição. - O prédio dos requeridos, bem como de muitos outros moradores, encontram-se fora dos limites do prédio rústico do Estado. Com interesse para a decisão do recurso, está ainda provado que: O denominado Prédio Militar 14 – ………………….. resultou da anexação de diversos prédios rústicos, cujas inscrições no registo predial a favor do Estado datam dos anos de 1950 e 1952 – certidões de fls. 37 e 92 e seguintes. Em 25.05.05, o Tenente Coronel D…………………., na qualidade de Delegado do Regimento de Infantaria nº ……. e por nomeação do seu Comandante, deslocou-se ao local da edificação da moradia referida em a) e, na presença de duas testemunhas, procedeu ao embargo da obra, lavrando o auto cuja cópia está junta a fls. 74. * III.O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. No presente recurso, as questões a resolver são as seguintes: - Se caducou ou precludiu o direito do requerente a pedir a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova. - Se devem ser considerados não provados os factos descritos nas als. b) a e) e provados os factos alegados nos artºs 27º, 28º e 29º da oposição. – Se não está alegado que a construção da obra cause ou ameace causar prejuízo ao requerente. 1. Caducidade ou preclusão do direito do requerente São requisitos do procedimento cautelar de embargo de obra nova, nos termos do artº 412º, nº 1 do CPC – Diploma a que pertencem todas as obras adiante citadas sem menção de origem: a) a ofensa no direito de propriedade, singular ou comum ou em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse; b) que a ofensa resulte de obra, trabalho ou serviço novo; c) que a obra, trabalho ou serviço novo cause ou ameace causar prejuízo ao titular do direito. Para além daqueles requisitos, é ainda necessário que o requerente peça a suspensão da obra no prazo de 30 dias a contar do conhecimento da mesma (cfr. o normativo citado). O requerente pode também fazer o embargo directamente, por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar, devendo, neste caso, requerer a ratificação judicial do embargo no prazo de cinco dias, sob pena de o embargo ficar sem efeito (nºs 2 e 3 do mesmo normativo). O primeiro prazo é um prazo de caducidade (do direito ao embargo). Tem natureza substantiva e está sujeito à norma do artº 303º do CC ex vi artº 333º, nº 2 do mesmo Diploma, pelo que a sua inobservância constitui excepção só arguível pelo requerido e que ele tem o ónus de provar(1). O segundo prazo tem sido considerado como um prazo de preclusão, de natureza processual, por a sua inobservância não importar a perda do direito de embargar, afectando apenas a eficácia do acto de exercício do direito pela parte, praticado extrajudicialmente, mas com vista ao processo(2). Aquele prazo respeita à ratificação judicial de uma forma legítima de auto-tutela. Marcando a prática de um acto judicial (pedido de ratificação), o seu decurso não importa a caducidade do direito, mas a ineficácia do embargo extrajudicialmente efectuado. O direito já foi exercido, desempenhando a ratificação apenas uma condição de subsistência. Já Moitinho de Almeida(3) entende que o prazo para requerer a ratificação judicial é também um prazo de caducidade, posição que foi acolhida nalguns arestos(4). Como escreve Alberto dos Reis(5), o embargo extrajudicial é uma providência em dois actos ou uma operação em dois tempos – a notificação extrajudicial e verbal e a ratificação judicial – cada uma delas com a sua função própria: a função do acto judicial é fazer suspender imediatamente a obra; o papel da ratificação é o de confirmar ou homologar judicialmente o acto extrajudicial que se praticou. A ratificação radica e consolida, de forma solene, o efeito atribuído pela lei ao acto extrajudicial, isto é, o efeito de fazer suspender a obra. Parece-nos, pois, que é mais consentânea com a função da ratificação judicial a posição que atribui natureza processual ao prazo de cinco dias previsto no nº 3 do artº 412º para requerer tal ratificação. No caso dos autos, somos confrontados com dois embargos da mesma obra: um realizado em 25.05.06 e outro em 05.06.06, tendo a ratificação sido requerida em 08.06.06. Dispõe o artº 413º, nº 1 que, quando careçam de competência para decretar embargo administrativo, podem o Estado e as demais pessoas colectivas públicas embargar, nos termos desta subsecção, as obras, construções ou edificações iniciadas em contravenção das leis ou dos regulamentos. Segundo o nº 2 do mesmo normativo, o embargo previsto no número anterior não está sujeito ao prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artº 412º. A actual redacção do nº 1 do artº 413º foi introduzida pelo DL 329/95 de 12.12 e consagrou solução contrária ao da jurisprudência dominante, firmada ao abrigo da redacção anterior do preceito, segundo a qual a Administração Pública era livre de optar entre o embargo administrativo e o judicial, ou socorrer-se daquele e depois deste(6). Assim, actualmente, desde que certa entidade administrativa (Estado, autarquia local, instituto público ou qualquer outra pessoa colectiva de direito público) tenha competência para decretar e executar o embargo administrativo, deve fazer uso desses poderes, sendo vedado o recurso aos tribunais. O artº 413º, nº 1 aplica-se aos casos em que o Estado ou qualquer pessoa colectiva de direito público actua em reacção à ilegalidade consistente em não se terem observado as normas administrativas que condicionam a realização da obra, mas não tem competência para decretar o embargo. Estamos aqui no campo do direito administrativo e não no das relações jurídico-privadas. Quando o Estado ou a pessoa colectiva de direito público está a defender um seu direito privado (real ou pessoal de gozo) ou a sua posse, actua como se fosse um sujeito de direito privado. Neste caso, tem aplicação, tal como para as outras pessoas, singulares ou colectivas, de direito privado, o regime geral do embargo de obra nova previsto no artº 412º(7). O que significa que só no primeiro caso o Estado ou a pessoa colectiva está dispensada da observância do prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artº 412º para efectuar o embargo extrajudicial ou requerer o embargo judicial. No caso dos autos, o requerente alegou factos tendentes a demonstrar que os requeridos construíram uma obra num prédio militar, afecto ao uso do Regimento de Infantaria ……. de Vila Real. O que está a ser invocado como fundamento do embargo de obra nova é, pois, a ofensa do direito de propriedade do Estado relativamente a um bem do domínio público. Trata-se, portanto, de uma situação, em que o Estado não está a reagir contra a inobservância de normas administrativas que condicionem a construção de obras em determinadas condições, mas sim contra a violação do seu direito de propriedade, pese embora invocando a dominialidade pública do prédio onde alega estar a obra em construção. Estamos assim no domínio das relações jurídicas privadas, pelo que ao presente embargo se aplica, na íntegra, o regime do artº 412º, incluindo, portanto, a sujeição ao prazo de caducidade de 30 dias previsto no nº 1. Na decisão que decretou o embargo, decidiu-se em sentido contrário, o que terá as consequências que adiante se explicarão. De qualquer forma, a competência de entidades militares para decretarem embargos administrativos restringe-se aos embargos de quaisquer trabalhos ou actividades realizados em prédios sujeitos a servidões militares sem a necessária licença, ou com inobservância, quer das condições naquela impostas, quer das normas genéricas fixadas ao abrigo do disposto no § 1º do artº 4º do DL 45 986 de 22.10.64 (artº 19º do mesmo Diploma). Por isso, o Comandante do Regimento de Infantaria ……. de Vila Real sempre careceria de competência para decretar o embargo administrativo de uma obra levada a cabo num prédio do domínio público do Estado. Pelas razões expostas, o embargo realizado em 25.05.06 não é válido como embargo administrativo, mas é válido como embargo extrajudicial, realizado ao abrigo do disposto no nº 2 do artº 412º. Só que esse embargo não foi submetido à respectiva ratificação judicial dentro do prazo de cinco dias previsto no nº 3 do mesmo normativo, e, como tal, ficou sem efeito, conforme ali se dispõe. A questão que se coloca agora é a de saber se, ficando o embargo extrajudicial sem efeito, pode o requerente fazer novo embargo extrajudicial. Diz o artº 381º, nº 1 que não é admissível, na pendência da mesma causa, a repetição da providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado. Como acima dissemos, o embargo extrajudicial só é homologado judicialmente com a ratificação, ou seja, só com a ratificação é que existe uma providência cautelar decretada. Se o embargo extrajudicial não foi sujeito a homologação no prazo de cinco dias, ficou sem efeito o acto do titular do direito consistente na notificação para suspender a obra, mas a providência não caducou porque não chegou a ser judicialmente decretada. Nas palavras de Moitinho de Almeida(8), o embargo extrajudicial não é propriamente uma providência, mas apenas uma pré-providência, que só se transformará em providência, embora com efeitos ex tunc, se vier a ser judicialmente decretada. Contra a possibilidade de repetição do embargo extrajudicial, pode argumentar-se que o dono da obra sofrerá prejuízos com a suspensão da obra durante cinco dias (o que poderá até acontecer por mais de uma vez). Rebatendo aquele argumento, Moitinho de Almeida(9) defende que o dono da obra pode pedir o ressarcimento desses prejuízos em reconvenção na acção principal. Pelo exposto, entendemos que o embargo extrajudicial que não foi sujeito a ratificação judicial pode ser repetido, desde que o segundo embargo extrajudicial seja feito dentro do prazo de 30 dias previsto no nº 1 do artº 412º, se houver lugar à observância do mesmo(10). E no caso dos autos, como já dissemos, devia ter ser observado o prazo de 30 dias, que foi ultrapassado, uma vez que se provou que os requeridos começaram a construir a obra no início de Abril de 2006 e que todo o regimento de Infantaria ….. teve dela conhecimento logo a partir daquela data. Porém, a questão da caducidade da providência pelo decurso do prazo de 30 dias foi julgada improcedente pelo tribunal a quo com o fundamento de que tal prazo não se aplicava ao presente embargo. E os requeridos não suscitaram essa questão nas conclusões de recurso, invocando a “caducidade” apenas na perspectiva da indevida repetição da providência por entenderem que esta já havia sido decretada em 25.05.06. Face ao que acima dissemos acerca do âmbito dos recursos, este tribunal está, pois, impedido, de reapreciar aquela questão. Como se entendeu na decisão recorrida que o requerente não tinha de observar o prazo de 30 dias para requerer o embargo, tem de se concluir que, após o embargo extrajudicial de 25.05.06 ter ficado sem efeito, em 05.05.06 estava o requerente ainda em tempo de repetir o embargo extrajudicial e de o submeter a ratificação judicial no prazo de cinco dias, tal como fez. Não se verifica assim a invocada excepção de preclusão do direito do requerente. 2. Impugnação da matéria de facto As testemunhas arroladas pelo requerente são militares que exercem funções no Regimento de Infantaria de Vila Real. Ambas confirmaram que a construção que está a ser levada a cabo pelos requeridos se situa na ……………………. D…..…………, tenente-coronel, confirmou que a dita …………….. pertence ao Exército e que, há cerca de 30 anos, foi arrendado à CM de Vila Real para alojar famílias provenientes das ex-colónias. Desde 77 até esta data, há um impasse entre o Exército e a Câmara. Aos olhos do Exército, aquele terreno faz parte do domínio do Exército. Julgo que há interesse entre o Exército e Câmara de Vila Real em resolver este caso. Mas esse interesse nunca convergiu. Todo o terreno da ……………….. serve para dar instrução e treino operacional a forças de pequeno escalão que estão no Regimento, até escalão pelotão. Referiu ainda que as casas que ali existem resultaram da remodelação e ampliação das casas originárias. E…………….., furriel: O terreno onde está a construção, tem várias casas, pertence à ……………….. Aquilo tem um processo antigo, de há 30 anos para cá. Por seu turno, todas as testemunhas arroladas pelos requeridos confirmaram que a obra está a ser levada a efeito num terreno onde, há cerca de 30 anos, foram colocadas casas pré-fabricadas para alojar famílias provenientes das ex-colónias. Disseram que, nessa altura, foram distribuídos lotes às pessoas que ali se alojaram, encontrando-se implantada em cada lote uma casa pré-fabricada, ficando também cada família com direito a utilizar como logradouro uma parcela de terreno à volta da casa. Uma dessas famílias foi a família do requerido, a quem foi atribuída uma casa e respectivo “logradouro”, sendo neste que os requeridos estão a construir a obra embargada. Do todo dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos requeridos resultou que, ao longo dos últimos 30 anos, as pessoas ali alojadas reconstruíram e ampliaram as casas, construíram outras de raiz, fizeram demarcações e vedações, instalaram electricidade, água e saneamento e construíram uma escola e um infantário. O conjunto formado por aquelas habitações e equipamentos, com as respectivas infraestruturas, passou a ser chamado de “……..” ou “………………”. As próprias testemunhas residentes no dito Bairro identificam o seu endereço como “…………., …………….”. As testemunhas arroladas pelos requeridos acabaram assim por confirmar os depoimentos das testemunhas arroladas pelos requerentes no sentido que a obra embargada está a ser construída no prédio conhecido por F……………... Finalmente, nenhuma das testemunhas soube dizer a quem pertencia o dito prédio, se ao Exército, se à Câmara Municipal, se à Junta de Freguesia, nem a que título lhes foi cedida a utilização das parcelas de terreno onde foram implantadas as casas pré-fabricadas. Exemplificando: G………………, amigo dos requeridos, morou no mesmo bairro onde se situa a casa dos requeridos, onde ainda residem os seus pais. Há casas que foram construídas de raiz. O C………………… sempre habitou ali e aquele bocado sempre foi deles. Eles para mim são donos daquilo, como o meu pai é dono daquilo onde está. O meu pai ampliou a casa, como ampliaram todos. O Capitão H………………., na altura Presidente da Junta, andou a distribuir terrenos a quem quisesse construir. Depois puseram lá saneamento, água, luz, tem uma escola, um infantário. Vim de Angola com os meus pais quando tinha sete anos. Fui em 77/78 para o bairro. Na altura eram todas casas pré-fabricadas. Disse que os pais do requerido vieram também do Ultramar e foram morar numa casa pré-fabricada e que a casa do requerido está a ser construída no logradouro daquela casa pré-fabricada. Suponho eu que aquilo foi uma doação. Aquilo não foi o Exército que nos deu. O Presidente da Junta é que foi lá dar aqueles terrenos às pessoas. I……………… é também filho de pessoas provenientes das ex-colónias. Perguntado sobre quem deu os terrenos, disse: Ao certo, a gente também não sabe. Foi vedado, fizeram quase uma separação do monte que é do Exército. Não sei se foi o Exército, se foi a Câmara [que fez a vedação]. Em 76 havia cerca de 40 casas, no início eram todas pré-fabricadas, de madeira, entre elas estava a casa dos pais do C………………. [o requerido], havia ruas e as casas foram distribuídas em lotes. Mais tarde, as próprias pessoas fizeram as delimitações, uns anos depois o Exército pôs uma rede ao longo das divisórias que as pessoas tinham feito. J…………….. mora no Bairro desde 1976. Disse que os pais do requerido foram para lá nessa ocasião. O terreno foi-nos dado. Em princípio era a Câmara. Nós não sabemos. A Câmara dizia: isto é um bairro oferecido pela Noruega. Instado pela Mª Juíza, disse que foram as casas que foram oferecidas pela Noruega. Perguntado de quem eram os terrenos, disse: Nós na altura não sabíamos. Confrontado com o contrato de arrendamento junto aos autos, disse não ter conhecimento de haver outros pré-fabricados onde se instalaram família vindas das ex-colónias para além dos que estão referidos no referido contrato L………………. vive no bairro desde 1976: Aquelas casas foram-nos dadas. Acho que foi a Câmara. A Noruega em conjunto com a Câmara fizeram aquele bairrozinho para nós. As casas pré-fabricadas acho que vieram de lá [da Noruega]. Foram postas ali por eles. O terreno não sei se foi de acordo com os militares, se foi a Câmara, não sei. M………………. mora no Bairro desde 1977: Deram-me a casita que era pré-fabricada e deram-me mais um terreno em volta para fazer uma horta. Deram-nos aquilo, o CATRU ou a Câmara ou uma entidade dessas assim. Por intermédio também da Noruega. A Noruega pagou as infraestruturas do Bairro, por aquilo que conheço, e as casas. Fomos instalados lá. Dos depoimentos das testemunhas e do teor dos documentos juntos com a petição inicial (certidão predial, cartas geográficas e contrato de arrendamento), resultou provado o seguinte: O prédio militar nº 14, designado por ………., registado na CRP de Vila Real sob o nº 00896/230893 está afecto ao uso do Regimento de Infantaria ….. de Vila Real. Esse prédio foi arrendado à CM de Vila Real há cerca de 30 anos para instalar as famílias regressadas em 1975 das ex-colónias portuguesas, onde foram construídas casas pré-fabricadas. O terreno onde os requerentes estão a construir a obra que foi embargada situa-se dentro dos limites do prédio onde foram construídas aquelas casas pré-fabricadas. Não se regista assim qualquer erro na apreciação da prova no que respeita à factualidade descrita nas als. b) a e). No entanto, nas als. b) a d) deu-se como provado que o prédio em causa pertence ao Estado Português e que o terreno onde os requeridos estão a construir a obra s situa dentro desse prédio. A titularidade do direito de propriedade não é um facto, mas um conceito jurídico, pelo que as als. b) a d) não se podem manter tal como estão, devendo delas passar a constar apenas os factos, dos quais se concluirá oportunamente pela existência do direito de propriedade da requerente. Mantém-se, pois, a redacção da al. e) e as als. b) a d) passam a ter a seguinte redacção: “b) Está registado na CRP de Vila Real, sob o nº 00896/230893 o prédio rústico designado por “Prédio Militar 14 – …………….”, o qual é administrado pelo Ministério da Defesa Nacional, estando afecto ao uso da Unidade Militar do Exército Regimento de Infantaria nº ……, instalado nesta cidade de Vila Real. e) Tal prédio militar nº 14 foi arrendado à CM de Vila Real há cerca de 30 anos para instalar as famílias regressadas em 1975 das ex-colónias portuguesas, onde foram construídas casas pré-fabricadas. c) A parcela de terreno onde está a ser edificada a moradia situa-se no prédio onde foram construídas aquelas casas pré-fabricadas. d) Tal parcela de terreno está situada geograficamente nas cartas juntas com a petição inicial.” Considerou-se como não provado que “O prédio dos requeridos, bem como de muitos outros moradores, encontram-se fora dos limites do prédio rústico do Estado”, o que terá de se dar como não escrito, por ser igualmente conclusivo. Se o terreno onde está a ser construída a obra se situa dentro dos limites do prédio afecto ao uso do Regimento de Infantaria …… é também uma conclusão, a retirar dos factos provados. Quanto aos factos alegados nos artºs 27º, 28º e 29º da oposição, que integram o elemento subjectivo a posse exercida pelos requeridos sobre o terreno onde está implantada a obra, bem andou a Mª Juíza a quo em os considerar como não provados, pois que o que resultou dos depoimentos das próprias testemunhas arroladas pelos requeridos, foi que, quer os pais do requerido, quer as demais pessoas residentes no Bairro …………, sempre desconheceram a que título lhes fora atribuído o uso das parcelas de terreno onde se acham implantadas as casas que habitam, pelo que, como se diz na motivação da decisão da matéria de facto, nunca podiam estar convencidos de que exerciam um direito próprio, designadamente de propriedade, e que não lesavam quaisquer direitos alheios. Está pois registado na CRP um prédio rústico com a designação de Prédio Militar 14 – …………….., o qual é administrado pelo Ministério da Defesa Nacional e está afecto ao uso do Regimento de Infantaria ……. de Vila Real. O artº 6º da Lei 2078 de 11.07.55 define organizações ou instalações militares, além de outras, como as organizações afectas à preparação ou manutenção das forças armadas, como aquartelamentos, campos de instrução, carreiras e polígonos de tiro, estabelecimentos fabris militares, depósitos de material de guerra, de munições e explosivos, de mobilização ou de combustíveis, e quaisquer outras que tenham em vista o equipamento e a eficiência das mesmas forças (al. b). Diz o artº 7º da mesma Lei que as organizações ou instalações militares pertencem ao domínio público do Estado, do qual só podem ser distraídas mediante desafectação. E que a desafectação dos bens do domínio público militar será feita por decreto (§ 1º). Coisas públicas são as “submetidas por lei ao domínio público de uma pessoa colectiva de direito público e subtraídas ao comércio jurídico privado em função da sua primacial utilidade colectiva”(11). O conjunto dessas coisas e inerentes direitos públicos constitui o domínio público ou bens do domínio público. Os bens são dominiais quando assim o declarem a Constituição ou a lei ordinária, por deferência daquela, ou quando desde tempos imemoriais tenham estado no uso directo e imediato do público. No caso dos autos, nada foi alegado no sentido do uso directo e imediato pelo público do prédio acima identificado desde tempos imemoriais. Mas estando provado que o prédio está afecto ao uso do Regimento de Infantaria de Vila Real, conclui-se que está necessariamente afecto à preparação ou manutenção das forças armadas, seja como campo de instrução, carreira de tiro ou qualquer outra utilização que tenha em vista o equipamento e a eficiência das mesmas forças. A dominialidade pública do prédio designado por …………… está, pois, declarada na lei, mais exactamente no disposto nos citados artºs 6º, al. b) e 7º da Lei 2078. Como bem do domínio público, não pode a dita ……………. ser objecto de apropriação individual (artº 202º, nº 2 do CC), a não ser que, na sua totalidade ou em parte, tivesse sido desafectada daquele domínio, o que só poderia ter sucedido por decreto, como diz expressamente o § 1º do artº 7º da Lei 2078. Na descrição predial, consta que a ……………. confronta a Norte com Bairro ………, o que poderia levar a supôr que os terrenos onde se situa aquele bairro (também conhecido por Bairro …….) não estão integrados no prédio militar. Segundo o artº 7º do CRP, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. Conforme é orientação maioritária da jurisprudência, a presunção derivada do artº 7º do CRP não garante os limites prediais que constam da descrição, mas tão só o facto jurídico em si(12). Aquela presunção não funciona em relação aos elementos da descrição sempre que exista desconformidade entre esta e a realidade material do imóvel descrito(13). Ora, no caso, sucede que, tendo o prédio militar resultado da anexação de prédios que estão inscritos em nome do Estado, pelo menos, desde 1952, verifica-se, desde logo, que aquela confrontação não podia existir à data da constituição do prédio. É facto notório que os chamados “retornados” das ex-colónias começaram a chegar a Portugal depois de 1975 e, no caso, está provado que o Bairro dos Retornados ou Bairro ……. nasceu por volta de 1977 nos terrenos onde foram implantadas as casas pré-fabricadas para alojamento das famílias regressadas daquelas ex-colónias, ou seja, no Prédio Militar 14 – ……………. Para que os terrenos onde actualmente existe o Bairro ……………. pudessem ter sido objecto de apropriação provada, era necessário que todo o prédio militar, ou a parte dele onde se situa o bairro, tivesse sido desafectada do domínio público por decreto, o que os requeridos não alegaram. Ao invés, o que resulta da factualidade provada é que todo o Prédio Militar 14 continua a pertencer ao domínio público do Estado, nele se incluindo os terrenos onde se situa actualmente o Bairro …………….., havendo, consequentemente, desconformidade entre a realidade predial e a confrontação Norte que consta da descrição predial. Mostra-se assim indiciariamente provada a ofensa ao direito de propriedade do requerente, o que, em sede de providência cautelar, é suficiente (cfr. artº 387º, nº 1). Na acção principal se decidirá de forma definitiva e com mais segurança a questão da propriedade do prédio em causa. 3. Alegação e prova do prejuízo Sustentam os requeridos que não foi alegado nem provado que a construção da obra cause ou ameace causar prejuízo ao requerente. O “prejuízo” a que se refere o artº 412º, nº 1 não tem o mesmo sentido da “lesão grave e dificilmente reparável” que constitui fundamento dos procedimentos cautelares não especificados (artº 381º, nº 1). No artº 412º, nº 1, o prejuízo traduz-se na violação do direito de que o requerente se arroga titular. Como refere Alberto dos Reis(14), “…basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nesse ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos”. No embargo de obra nova, o prejuízo não tem assim valoração autónoma, não se exigindo a ocorrência de danos efectivos. O requerente do embargo não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns não especificados em que recai sobre o requerente o ónus de provar a gravidade e a dificuldade de reparação da lesão do seu direito. Basta-lhe alegar e provar a ilicitude do facto e a ofensa ao seu direito(15). A frase “ que cause ou ameace causar prejuízo” do artº 412º, nº 1 serve para vincar a ideia de que o embargo é admissível, quer como meio de reacção contra prejuízo já produzido, quer como meio de prevenção contra prejuízo iminente(16). Mostrando-se indiciado que os requeridos ofenderam o direito de propriedade do requerente em consequência de uma obra nova, é nessa ofensa que consiste o prejuízo referido no nº 1 do artº 412º, encontrando-se assim preenchidos todos os requisitos previstos naquele normativo para que seja decretado o embargo da obra. * IV. Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos agravantes. *** Porto, 09 de Maio de 2007 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Manuel Lopes Madeira Pinto António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha ___________ (1) Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2º, 143. No mesmo sentido, Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 2ª ed., 41 e os Acs. desta Relação de 05.12.00, www.dgsi.pt e da RE de 26.02.92, BMJ 415º-746. (2) Lebre de Freitas, obra e lugar citados e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, 248. No mesmo sentido se pronunciaram os Acs. do STJ de 30.01.97, BMJ 463º-534 e de 30.01.97, www.dgsi.pt, desta Relação de 15.04.93, BMJ 426º-526 e da RE de 20.11.80, CJ-80-V-81, de 14.07.88, CJ-88-IV-247 e de 18.04.96, BMJ 456º-522. (3) Obra e lugar citados. (4) Damos como exemplo o Ac. do STJ de 05.12.00, www.dgsi.pt. (5) CPC Anotado, II, 3ª ed., 84. (6) Cfr. Abílio Neto, CPC Anotado, 18ª ed., 595. (7) Lebre de Freitas, obra citada, 146. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, obra citada, 254. (8) Obra citada, 50. (9) Obra citada, 50 e 51. (10) É esta a posição de Moitinho de Almeida, defendida na obra e lugar citados nas notas anteriores. No mesmo sentido, se pronunciou o Ac. do STJ de 20.02.68, www.dgsi.pt. (11) Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª ed., 857. (12) Cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 22.11.78, BMJ 281-342; desta Relação de 27.06.89 e de 19.05.94, CJ-89-III-224 e CJ-94-III-213, respectivamente; da RE de 04.10.77, CJ-77-IV-905; da RC de 08.04.86, CJ-86-II-66. (13) cfr. Ac. da RC de 02.02.93, CJ-93-I-28. (14) Obra citada, 64 e 65. (15) Neste sentido, ver os Acs. desta Relação de 20.06.95, 27.04.99, 28.10.99 e 03.04.00, www.dgsi.pt, e da RE de 29.11.01, CJ-01-V-253. (16) Alberto dos Reis, obra citada, 65. |