Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
692/23.2T8ETR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
PRAZO DE RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RP20250220692/23.2T8ETR.P1
Data do Acordão: 02/20/2025
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do art.º 1096º do CC, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação.
II - Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 692/23.2T8ETR.P1


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado

1. AA, e esposa, BB instauraram ação contra CC, pedindo:

a) Decretar-se a extinção do Contrato de Arrendamento, com fundamento na sua caducidade operada pela oposição à renovação do contrato comunicada pelos AA. à R.;

b) Decretar-se o respetivo despejo, condenando-se a R. a entregar de imediato aos AA. o imóvel arrendado, livre e desocupado;

c) Condenar-se a R., a título de indemnização, ao pagamento do valor de € 578,00 (quinhentos e setenta e oito euros), relativo ao atraso na restituição do imóvel locado;

e) Assim como condenar-se a R. ao pagamento de quantia equivalente à renda fixada no contrato de arrendamento por cada mês ou fração de mês que venha a decorrer até que se verifique a restituição da coisa locada, o que se remete para incidente de liquidação de Sentença;

f) E ainda condenar-se a R. ao pagamento dos juros de mora que se vencerem (sobre a quantia ora peticionada) desde a data da citação até pagamento integral e efetivo calculados à taxa legal em vigor

Invocaram os Autores que, tendo celebrado um contrato de arrendamento com a Ré por 2 anos, não pretendem a sua renovação, o que comunicaram à Ré. Porém, a mesma não entrega o locado.

Em contestação, a Ré considerou que a oposição à renovação foi inválida e ineficaz dado que não observou o prazo de 3 anos, que considerou imperativo.

Em saneador-sentença, julgou-se a ação procedente, e, em consequência:
· Declarou-se a extinção do contrato de arrendamento com fundamento na caducidade operada pela oposição à renovação do contrato comunicada pelos demandantes à demandada;
· Condenou-se a Ré a entregar o imóvel aos AA., livre e desocupado;
· Condenou-se a Ré a pagar aos AA. o valor de € 578,00, acrescido de juros moratórios desde a citação até integral cumprimento, relativo ao atraso na restituição do imóvel, bem como a quantia equivalente à renda fixada no contrato de arrendamento por cada mês ou fração que venha a decorrer até que ocorra a restituição do locado, podendo os AA. fazer suas as quantias entretanto depositadas pela demandada na Banco 1....

2. A sentença considerou a seguinte factualidade:

1- Os AA. AA e BB são donos e legítimos possuidores de uma casa térrea de habitação, composta por 3 divisões assoalhadas, anexos para arrumos e terreno de logradouro, sita no Beco ..., ... ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...81 e descrita na CRP de Estarreja sob o nº ...47;

2- No dia 14 de agosto de 2015, os AA. celebraram, por escrito, um contrato de arrendamento com a Ré CC, que interveio no mesmo como arrendatária, tendo sido estabelecido o prazo de dois anos, com início no dia seguinte, e que, “findo o prazo inicial, o contrato prorrogar-se-á por iguais períodos, se não for denunciado por qualquer das partes”;

3- Foi estabelecida a renda mensal de € 250,00, atualizada para € 255,00 em 1 de julho de 2020;

4- Como não pretendiam manter o contrato de arrendamento em apreço, os AA. comunicaram à Ré a sua oposição à renovação do mesmo, o que fizeram a 23 de novembro de 2022, mediante carta registada com aviso de receção, a qual veio a ser devolvida aos AA. no dia 12 de dezembro seguinte, após não ter sido reclamada nos serviços postais;

5- Perante a devolução da carta aos remetentes, os AA. enviaram nova carta à Ré em 18 de janeiro de 2023, a qual, em 3 de fevereiro seguinte, lhes foi novamente devolvida por não ter sido reclamada nos serviços postais;

6- A Ré mantém-se a residir no locado e, dada a recusa dos AA. em receberem as rendas a partir de agosto de 2023, a Ré tem vindo a depositar mensalmente, desde essa data até maio de 2024, o valor das mesmas na Banco 1..., à ordem da A. mulher.

3. Inconformada com tal decisão, dela apelou a Ré, formulando as seguintes conclusões:

1 - A Lei 13/2019 aplica-se não apenas aos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor, mas também aos que, tendo sido celebrados antes dessa data, nela vigoravam, abrangendo, assim, as relações jurídicas já constituídas, por força do disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil, que estipula “(…) quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”

2 - A lei nº 13/2019 veio estabelecer um período mínimo de três anos para a renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, dando nova redação ao nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, que passou a ser a seguinte: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…)”.

3 - A expressão “Salvo estipulação em contrário”, refere-se aos casos em que o prazo de renovação estipulado pelas partes num contrato de arrendamento é superior a três anos, casos em que a este prazo poderá ser reduzida. A liberdade conferida às partes restringe-se, assim, à convenção de prazo de renovação superior a três anos.

4 – O disposto no nº 1 do art.º 1096º do Código Civil, no que ao prazo de renovação do contrato de arrendamento diz respeito, tem caráter imperativo e não supletivo.

5 - O contrato de arrendamento celebrado entre AA e R teve o seu início em 14 de agosto de 2015, com a duração inicial de dois anos. Relativamente ao mesmo ocorreu uma primeira renovação, em 15 de agosto de 2017 por mais dois anos, passando o contrato a vigorar até 14 de agosto de 2019, uma segunda renovação em 15 de agosto de 2019, esta por mais três anos, até 14 de agosto de 2022, por força do disposto no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro e uma terceira renovação, em 15 de agosto de 2022, também por mais três anos, por força do mesmo dispositivo legal. Pelo que o contrato se encontra em vigor até 14 de agosto de 2025.

6 - A comunicação que os AA fizeram à R, datada de 23/11/2022, de que, não pretendendo a renovação do contrato de arrendamento, se opunham à renovação do mesmo e este terminaria em 14/08/2023, não respeitou o prazo de renovação de três anos legalmente imposto, não tendo produzido efeitos contra a R, uma vez que nessa data (14/08/2023) se encontrava ainda em curso o prazo decorrente da renovação operada em 15/08/2022.

7 – Não tendo produzido efeitos a comunicação feita pelos AA a R de que não pretendiam a renovação do contrato, e mantendo-se o contrato em vigor até 14/08/2025, não se verifica qualquer atraso na restituição do imóvel, pelo que a R não deve aos AA o valor de 578€ em que foi condenada, nem qualquer outro.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito doutamente supridos por V. Excias, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que declare não ter produzido efeitos contra a R a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pelos AA e que o contrato de arrendamento se mantém em vigor até 14 de agosto de 2025.

4. Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

5. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).

No caso, uma única questão nos é suscitada: saber se o prazo de 3 anos consignado no art.º 1096º do Código Civil (CC), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, tem natureza imperativa ou supletiva. E, conforme a resposta, se é de alterar o decidido em 1ª instância.

Decidindo

§ 1º - A situação remete-nos para o domínio da teoria da interpretação das leis — “interpretar uma lei é definir-lhe o conteúdo normativo, quer no seu núcleo essencial, quer nos seus desenvolvimentos marginais. É desvendar-lhe a significação e alcance, para o efeito da sua aplicação” [[1]] — pelo que há que nos socorrermos das regras da interpretação da lei, por recurso aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico: art.º 9º do CC.

De acordo com a técnica hermenêutica, o primeiro elemento a considerar deve ser o lógico-gramatical: não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra e no espírito da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e, como refere Baptista Machado [[2]], «(…) o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento».

O nº 1 do art.º 1096º, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, dispõe assim:

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

Em termos de perceção da significação pelo destinatário, que é o objetivo da linguagem, como regra, a conjunção “ou” indica alternativa (uma coisa ao invés de outra).

É certo que essa conjunção pode ter o significado de coordenativa, tal como o “e”; mas tal só acontece quando se ligam dois termos ou duas orações de idêntica função. Não nos parece ser aqui o caso, pois a expressão afigura-se-nos excludente: “ou de três anos se esta for inferior”. Faz-se apelo a duas realidades diversas em termos temporais, de igual ou inferior.

Ainda em termos lógico-gramaticais, é de entender que quando o legislador altera uma qualquer lei ou preceito é porque pretende a sua alteração, introduzindo-lhe uma qualquer novidade.

Ora, olhando à redação do art.º 1096º imediatamente anterior — 1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. — constatamos que a alteração residiu na introdução da expressão “ou de três anos se esta for inferior”, pelo que o sentido lógico e útil dessa alteração só pode ser o de se ter pretendido que o período de renovação seja por um mínimo de 3 anos.

Doutra forma, oferece-se-nos que a introdução dessa expressão seria absolutamente inócua, posto que o período da renovação já teria sido considerado pelas partes. A considerar-se a natureza supletiva, então já estava pré-determinado pelas partes (um ano, dois, seis meses… de duração co contrato), bastando-lhes referir a possibilidade de renovação. Não havia qualquer necessidade de referir os 3 anos.

E não se diga que o referente da expressão “ou de três anos se esta for inferior” se reporta ao início do preceito (“salvo estipulação em contrário”), no sentido de as partes nada terem estipulado sobre a renovação.

Na verdade, atendendo ao elemento sistemático [[3]] e da unidade e coerência do sistema jurídico [[4]], terá de se ter em atenção que em matéria de arrendamento para habitação, é sabido que a lei nunca concedeu total autonomia de vontade às partes, mesmo depois de abandonado o regime vinculístico.

Daí que não possamos concordar com a tese que considera que o art.º 1096º “estabelece apenas uma regra para o caso de nada ter sido previsto quanto à renovação, dizendo que esta ocorre pelo período estabelecido no contrato para a duração inicial, ou por 3 anos, se aquela duração for inferior” [[5]].

Desde logo há que contar com a “Divisão II”, em que temos um único preceito, o art.º 1094º, regulando sobre a duração do contrato, permitindo às partes que optem por um prazo certo ou por duração indeterminada (nº 1) [[6]]; que no caso de prazo certo se possa convencionar que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada (nº 2) e, por fim, prevenindo o silêncio das partes”, situação em que o contrato se considerará, não por tempo indeterminado, mas como um contrato com “prazo certo, pelo período de cinco anos (nº 3).

Ou seja, mesmo quando as partes nada referem sobre a duração do contrato, ele não passa a duração indeterminada, antes se considera um prazo certo de 5 anos.

Depois, na sistemática, aparece a “Subdivisão I, Contrato com prazo certo”, regulando exclusivamente para os contratos em que as partes estipularam um prazo. E é aqui que se insere o art.º 1096º.

E, mais uma vez, a lei impõe limites ou balizas. Desde logo, o art.º 1095º, determinando que, querendo as partes estipular um “prazo certo”, terão de o fazer entre um mínimo de um ano e um máximo de 30 anos.

Ou seja, “no momento” do art.º 1096º já está ultrapassada a fase da decisão dos contratantes por um prazo certo ou por um indeterminado.

Quanto à previsão (ou não) da renovação, a nosso ver, o nº 1 do art.º 1096º tem de ser lido em articulação com o nº 2 do art.º 1094º que preceitua que, mesmo no caso dum contrato com prazo certo, “pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada”.

E teríamos então que “salvo estipulação em contrário” — ou seja, ressalvada a hipótese dum contrato com prazo certo em que se convencionou que, após a primeira renovação, o arrendamento passava a duração indeterminada (art.º 1094º nº 2), caso em que já não estaríamos nas hipóteses de renovação —, então “o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior” (nº 2 do art.º 1096º).

Donde, estamos em crer que a expressão “salvo estipulação em contrário” não pode estar a referir-se ao caso dos contratos por prazo indeterminado ou sem prazo pois que o art.º 1096º está sistematicamente inserido na Subdivisão I, que só regula para os contratos com prazo certo.

Em termos teleológicos, trata-se de fazer apelo ao fim visado pelo legislador, ao bem jurídico protegido e aos valores que se pretendem defender.

Ora, se atendermos aos projetos de lei que antecederam a Lei nº 13/2019, vemos ter existido sempre a preocupação de estabilidade e alguma proteção do inquilino na questão da habitação: “combate à precariedade no arrendamento habitacional” (Projeto de Lei nº 847/XIII/3, do BE); “medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio na posição dos arrendatários e dos senhorios, a reforçar a segurança e estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade” (Proposta de Lei nº 129/XIII/3, do Governo); “aperfeiçoamento do balcão nacional do arrendamento e atribuição de novas soluções sociais” (Projeto de Lei nº 1043/XIII/4, do PSD).

E essas preocupações mostram-se refletidas ao estipular-se um prazo mínimo imperativo de 3 anos.

§ 2º - Em abono da interpretação da redação atual deste nº 1 do art.º 1096º do CC, refere Maria Olinda Garcia:

«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.

Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.». (negritos nossos) [[7]] [[8]]

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal de Justiça: «O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.» [[9]]

§ 3º - Por fim, rebatendo a argumentação expendida no acórdão da Relação de Lisboa de 10/01/2023, processo 1278/22.4YLPRT.L1-7, citamos aqui o que se escreveu no acórdão desta Relação do Porto de 15/06/2023, processo nº 944/22.9T8VCD.P1, em que fomos 2ª Adjunta:

«O argumento a maiori ad minus não vale aqui porque uma coisa é o arrendatário saber à partida que o contrato não se renova e, portanto, saber antecipadamente de que vai ter necessidade de encontrar nova habitação para o final do prazo estipulado no contrato (i.e., sabe logo quando vai ter essa necessidade) e, outra coisa é ele saber que o contrato se renova mas estar nas mãos do senhorio decidir unilateralmente se a renovação ocorrerá realmente (por efeito da oposição à renovação), caso em que o arrendatário não só não tem a estabilidade de saber com o que conta, como pode, se a renovação for por curto período, encontrar-se perante a necessidade de arranjar nova habitação num curto espaço de tempo, o que pode ser difícil (como presentemente é público).

Sendo assim justifica-se que a lei deixe na disposição das partes acordar a renovação do contratou ou afastá-la, mas também se justifica que tendo havido acordo sobre a renovação a lei limite de algum modo o período de duração da renovação para impedir a instabilidade que advém para o arrendatário e os riscos que ele corre de se encontrar, por força do exercício do direito potestativo do senhorio de oposição à renovação, confrontado com a necessidade de num curto espaço de tempo arranjar nova habitação (e se ele é arrendatário, o normal será que necessite novamente de recorrer a esse mercado para arranjar habitação). O facto de se poder o mais não significa nessas circunstâncias que se possa o menos porque a situação criada não é afinal um menos, pode bem ser um mais de instabilidade.

Todas as normas que se ocupam dos períodos de duração do contrato e/ou das suas renovações, do direito de oposição à renovação, dos prazos para o exercício desse direito e dos prazos em que o contrato se extingue são normas que visam proteger a posição do inquilino e a estabilidade do arrendamento, conforme pretendia a Lei nº 13/2019, recordando-se que não é por acaso que ela é de 2019, momento em que no mercado imobiliário em Portugal se observava já uma preocupante falta de acesso ao comum dos cidadãos, face ao montante que atingiram os valores das rendas e os preços de aquisição. Nessa medida, não é por essa preocupação ter conduzido também à alteração do n.º 3 do artigo 1097.º que a alteração do n.º 1 do artigo 1096.º deixa de visar a mesma finalidade do legislador e de a tornar viável.

É verdade que a soma das duas normas faz com que o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil seja aparentemente pouco útil, uma vez que se as partes estipularem a renovação do contrato de arrendamento, este terá, inapelavelmente, uma duração sempre de quatro anos (período mínimo inicial imperativo de um ano, mais a renovação imperativa de três anos). Todavia, se bem vimos, o que há aqui é uma falta de utilidade da norma, não uma contradição.

§ 4º - O contrato aqui em causa foi celebrado em 14/08/2015, pelo prazo de 2 anos, renovável.

Assim, o contrato perdurou até 14/08/2017. Nada tendo sido dito, a 1ª renovação iniciou-se em 15/08/2017 e perdurou até 14/08/2019.

Em 15/08/2019 iniciou-se a 2ª renovação, agora já sujeita a um período mínimo de 3 anos, de acordo com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2019, de 12.02, e a interpretação acima preconizada.

A 2ª renovação completou-se em 14/08/2022.

Em 15/08/2022 iniciou-se a 3ª renovação que só se completará em 14/08/2025.

Segundo os factos provados, os Autores comunicaram à Ré a sua oposição à renovação em 23 de novembro de 2022, mediante carta registada com aviso de receção. Como tal carta lhes foi devolvida (falta de reclamação nos serviços postais), repetiram a comunicação em 18 de janeiro de 2023, também devolvida.

Os Autores referiram expressamente na carta a “intenção em não renovar o contrato (…), extinguindo-se o mesmo no dia 14 de agosto de 2023”.

Concluindo, a oposição à renovação foi inválida e ineficaz, dado que o contrato se mantém em vigor até 14/08/2025.

E, daí, a procedência da apelação.

§ 5º - Face à consideração da ineficácia da oposição à renovação, a Ré tem de ser absolvida dos pedidos efetuados, dado que não se operou ainda a caducidade do contrato, não se podendo decretar o despejo da Ré, nem sendo devida qualquer indemnização.

Quanto às rendas, ficou provado que elas estão a ser depositadas mensalmente na Banco 1..., à ordem da Autora mulher, pelo que haverá apenas que em 1ª instância ordenar a respetiva entrega aos Autores.

6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)

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III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em revogar a sentença recorrida, absolvendo-se agora a Ré de todos os pedidos efetuados.

Custas da ação e do recurso a cargo dos Autores, face ao decaimento.

Porto, 20 de fevereiro de 2025

Relatora: Isabel Silva

1º Adjunto: Ana Vieira

2º Adjunto: Ana Gomes Loureiro (vencida nos termos da declaração que se segue):

[Declaração de voto:

Revendo a posição adotada no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2023 (328/23.1YLPRT.P1), em que intervim como 2.ª adjunta, teria negado provimento ao recurso e confirmado a decisão apelada, por considerar que a interpretação do disposto no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, à luz das regras explanadas no art. 9.º do Cód. Civil, leva à conclusão do caráter supletivo do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, quer no que concerne à renovação automática do contrato celebrado a termo certo, quer no que concerne à previsão aí efetuada relativamente à renovação por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, considerando o que resulta da análise do conjunto das alterações efetuadas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, à luz do objetivo prosseguido pela referida lei e à presunção estabelecida no n.º 3 do art. 9.º do Cód. Civil.

Daí que, estando aqui em causa um contrato de arrendamento celebrado em 14 de agosto de 2015 pelo prazo de 2 anos, em que as partes acordaram “na renovação por iguais períodos de dois anos, se não for denunciado por qualquer das partes”, entenda que há estipulação em contrário à aplicação do regime supletivo estabelecido no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, com a consequente validade da oposição dos autores à 4.ª renovação do contrato, a ocorrer em 15 de agosto de 2023, por o contrato se ter renovado sucessivamente por períodos de dois anos.

Fundamentando a nossa posição:

1) A tese da natureza imperativa do prazo de renovação estabelecido no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil assenta, desde logo e primordialmente, na alegação de ser tal interpretação aquela que, em função dos elementos histórico, teleológico e sistemático, se mostra coerente e satisfaz a finalidade da Lei de reforço da segurança e a estabilidade do arrendamento urbano.

No entanto, da análise do processo legislativo[10] referente às alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro – que procedeu à alteração dos arts. 1041.º, 1069.º, 1074.º, 1083.º, 1095.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º, 1101.º, 1103.º, 1104.º e 1110.º do Código Civil (art. 2.º da referida Lei n.º 13/2019) –, resulta o seguinte (de acordo com o Relatório da Nova Apreciação/Especialidade datado de 20 de dezembro de 2018, que pode ser consultado no endereço indicado [11]):

a) a Proposta de Lei n.º 129/XIII (3.ª), embora indicando o mesmo objeto fixado no corpo do art. 1.º da Lei n.º 13/2019 – «A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, procedendo: (…)» –, apenas apresentava, no seu artigo 2.º, alterações aos artigos 1041.º, 1069.º, 1101.º e 1104.º do Código Civil [12]. Ou seja, na Proposta de Lei 129/XIII (3.ª) era alheia à satisfação das finalidades que se afirmava visar alcançar – e que são as que ficaram a constar do seu art. 1.º (Objeto) – qualquer alteração, designadamente, ao art. 1096.º do Cód. Civil.

b) As propostas de alteração dos arts. 1095.º, 1096.º, 1097.º, 1098.º do Cód. Civil surgem nas Propostas de Alteração à Proposta de Lei n.º 129/XIII apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, de 12-10-2018 e de 17-12-2018 [13], após a baixa do projeto à Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Poder Local, Descentralização e Habitação (CAOTDPLH) sem votação, tendo tido lugar, na reunião do Grupo de Trabalho de Habitação, Reabilitação Urbana e Politica das Cidades (GTHRUPC) de 18.12.2018, a discussão e votação indiciária das propostas de alteração e das Proposta de Lei n.º 129/XIII e dos Projeto de Lei n.º 1043/XIII e Projeto de Lei n.º 847/XIII [14], com a aprovação das propostas de redação relativamente aos arts. 1095.º, n.º 1 e n.º 2, 1096.º, n.º 1 e n.º 2, e 1097.º, n.º 3 e n.º 4, do Cód. Civil que vieram a ser introduzidas pela Lei 13/2019.

c) Após reunião de 19-12-2018 da Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Poder Local, Descentralização e Habitação (CAOTDPLH), foi elaborado e aprovado pela Comissão o Texto de Substituição sobre a Proposta de Lei n.º 129/XIII e os Projeto de Lei n.º 847/XIII e Projeto de Lei n.º 1041/XIII [15], submetido a votação no Plenário da Assembleia da República em 21-12-2018 [16].

Daqui resulta que do processo legislativo não se pode retirar qualquer contributo relevante para a fixação da intenção do legislador subjacente, em concreto, às alterações efetuadas aos arts. 1095.º, 1096.º, 1097.º do Cód. Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.

2) Na interpretação da lei, a interpretação literal é sempre o ponto de partida.

É a partir da análise do texto, na sua dimensão sintática – estrutura gramatical e totalidade do texto – e na sua dimensão semântica – significado das palavras utilizadas – que se inicia a interpretação. E sendo certo que, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art. 9.º do Cód. Civil, a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada, esta – a letra da lei – constitui um limite à interpretação da lei, uma vez que, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do Cód. Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Por seu turno, recorrendo ao elemento histórico, vemos que nenhuma dúvida se colocava, no âmbito da redação do art. 1096.º, n.º 1 do Cód. Civil anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 13/2019 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte –, quanto ao caráter supletivo desta disposição legal, emergente da expressão inicialSalvo estipulação em contrário”, reportada às subsequentes previsões aí enunciadas:

- a previsão da renovação automática do contrato no seu termo;

- a fixação de tal renovação por períodos sucessivos;

- a fixação à renovação de prazo de igual duração (ao prazo fixado no contrato).

Constituem estipulações em contrário, subsumíveis na ressalva inicial, quer o acordo das partes no sentido da não renovação do contrato celebrado com prazo certo, quer o acordo das partes na renovação do contrato com a fixação do prazo e períodos de renovação em moldes distintos dos previstos no n.º 1 do art. 1096.º (por exemplo, fixando que o contrato se renova por mais x vezes, ou fixando para o prazo de duração da(s) renovações períodos mais curtos ou mais longos que o prazo certo fixado no contrato nos termos previstos no n.º 1 do art. 1095.º do Cód. Civil).

Ora, a única alteração introduzida pela Lei n.º 13/2019 ao preceito legal do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil na redação anterior, emergente da redação dada pela Lei 31/2012, de 14 de agosto, consistiu no aditamento, a seguir a “e por períodos de igual duração”, do segmento “ou de três anos se esta for inferior”.

Não se vê como do aditamento deste segmento decorre o afastamento do efeito da ressalva inicial.

“Salvo” funciona neste enunciado legal como preposição (assim comummente considerada) que introduz um constituinte que descreve um caso – “estipulação em contrário” – excluído do constituinte que se segue – “o contrato celebrado com prazo certo renova‑se…”. Todo o constituinte que se segue é afetado pela ressalva inicial.

Mais precisamente, o caso especial introduzido por “salvo” não está sujeito à estatuição ou estatuições que, no restante constituinte da frase, se estabelecem para o caso geral – “o contrato celebrado com prazo certo”. Impõe-se, pois, concluir que o que se segue – isto é, a estatuição ou estatuições iniciadas com o mesmo verbo (“renova-se”) – não se aplica ao caso de “estipulação em contrário”.

Desenvolvendo e esclarecendo a estatuição (principal) – “o contrato celebrado com prazo certo renova‑se” –, o legislador logo responde às questões como – “automaticamente” –, quando – “no seu termo” – e por que prazo – “por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta (duração inicial) for inferior”.

Este enunciado pode desagregar-se nos seguintes termos:

i) salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se;

ii) salvo estipulação em contrário, a renovação é automática, ocorre no termo do contrato e tem duração igual à inicial ou de três anos se (a duração inicial) for inferior.

Se se incluir estas normas num único enunciado, surge (como redação possível): “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova‑se automaticamente, (!) no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”. Não seria razoável que o legislador adotasse esta redação: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se, salvo estipulação em contrário, automaticamente, salvo estipulação em contrário, no seu termo e, salvo estipulação em contrário, por períodos sucessivos de igual duração à inicial e, salvo estipulação em contrário, por períodos de três anos se o período inicial for inferior”.

Veja-se que, não obstante não estar expressamente enunciada na lei, está inequivocamente presente na ressalva inicial do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil a norma que fere de morte o regime vinculístico: as partes podem acordar que o contrato (celebrado com prazo certo) não se renova.

Esta norma matricial cunha inelutavelmente todas as normas que com ela conflituam de supletivas. Estas outras normas conflituantes destinar-se-ão sempre a suprir a falta de manifestação de vontade das partes sobre a renovação da sua vontade negocial, no termo do prazo acordado – quanto à sua existência e quanto ao seu alcance.

No âmbito do direito privado, a base normativa em matéria disponível é a que as partes diretamente estipulam – o clausulado acordado –, intervindo a regulamentação prevista na norma legal supletiva onde aquela é lacunar. A intervenção da norma supletiva é afastada, a montante, pela mera vontade das partes.

Havendo manifestação de vontade contrária das partes (presente e formalizada no contrato inicial), nunca se poderá ficcionar que a sua vontade negocial se renovou – com base no seu inexistente silêncio (art. 218.º do Cód. Civil) –, nunca se podendo falar de uma renovação do contrato – isto é, do acordo de vontades convergentes.

Recusar, na interpretação do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, a natureza supletiva a uma parte da norma enunciada após a ressalva inicial – à parte que, a nosso ver, se limita a estabelecer, supletivamente, ou seja, nos casos de contrato com prazo certo de um ou dois anos em que nada se previu quanto aos termos e prazos da renovação, que a renovação ocorre por períodos sucessivos de três anos – é, pois, afirmar que existe uma insólita imperatividade dentro da supletividade. Quem assim entenda tem o ónus de explicar tal solução legal.

Poderá aceitar-se a imperatividade dentro da supletividade nos casos em que o funcionamento da norma supletiva colide com uma norma imperativa ou pode conduzir, se não for limitada, a desequilíbrios contratuais graves. Não se está aqui, manifestamente, perante um desses casos.

Concluindo, em face da matricial norma do atual regime legal – as partes podem acordar que o contrato não se renova –, não vejo satisfeito o ónus da prova da existência de uma reminiscência de regime vinculístico escondida no enunciado n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, qual “ovo de cuco”.

Considero, pois, que o sentido útil da introdução da expressão “ou de três anos se esta for inferior” é estabelecer que a renovação, na falta de convenção em contrário, é por períodos de 3 anos, nos mesmos moldes e com idêntico alcance às anteriores estipulações supletivas de períodos mínimo de 3 anos para a renovação previstas nos arts. 100.º, n.º 1, do RAU [17] e 1096.º do NRAU [18] – ou seja, se não houver convenção/acordo das partes a fixar outros períodos.

3) No âmbito da interpretação sistemática, colhe, a meu ver, a objeção feita – nomeadamente no Acórdão do TRL de 10-01-2023, proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7 – ao nível da compatibilização do n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil com o n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, se se entender que nesta última disposição legal se estabelece um prazo mínimo imperativo de 3 anos para as renovações (derrogando a vontade expressa das partes na estipulação de períodos de duração das renovações inferiores).

Exemplificando com base na consideração de um contrato de arrendamento celebrado com prazo certo de um ano – com início em 01-01-2020 – e renovável por iguais períodos de um ano:

Aplicando-se a tese da imperatividade do prazo de renovação de 3 anos (1096.º, n.º 1, do CC), no fim do prazo de um ano o contrato renova-se (1.ª renovação, iniciando-se em 01-01-2021) automaticamente por mais 3 anos, ou seja, o contrato fica com uma duração total de 4 anos (vigora até 31-12-2023).

Se o senhorio se opuser (validamente) à primeira renovação, por força da aplicação do disposto no art. 1097.º, n.º 3, do Cód. Civil, esta oposição produz efeitos assim que o contrato atingir 3 anos de duração, ou seja, produz efeitos em 31-12-2022 – de acordo com o regime previsto nesta disposição legal, o contrato perdura 3 anos, e não quatro.

Nesta tese interpretativa, o art. 1097.º, n.º 3, do Cód. Civil surge assim sem qualquer utilidade (sendo até contraditório com o regime emergente da interpretação imperativa), porque o regime da renovação imperativa de 3 anos afasta qualquer efeito útil deste artigo. Tal disposição legal já terá utilidade na perspetiva da natureza supletiva do regime das renovações previsto no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil, na medida em que permite, no caso dado como exemplo (contrato celebrado com prazo certo de um ano e renovável por iguais períodos de um ano), que o contrato dure por três anos, ainda que a primeira oposição à renovação pelo senhorio tenha lugar para a primeira ou segunda renovações.

4) Aderimos ainda à demais fundamentação da tese do caráter supletivo do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil efetuada pelos autores e obras referidos no Ac. do STJ de 20-09-2023, proc. 3966/21.3T8GDM.P1.S1, para o qual remetemos [19], e aos fundamentos explanados no Ac. do Ac. do TRL de 10-01-2023, proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7, já acima referido, e no Ac. do TRP de 21-11-2024, proc. 1064/24.7YLPRT.P1, sendo que, além destes arestos, defendem ainda o caráter supletivo da norma, entre outros, na jurisprudência mais recente, os seguintes acórdãos: Tribunal da Relação do Porto: Ac. de 09-04-2024 (3179/23.0T8VNG.P1); Ac. de 16-01-2024 (3223/23.0T8VNG.P1); Ac. de 09-10-2023 (1467/22.1YLPRT.P1); Ac. de 14-09-2023 (1394/22.2YLPRT.P1); Ac. de 23-03-2023 (3966/21.3T8GDM.P1); Tribunal da Relação de Lisboa: Ac. de 11-07-2024 (10489/23.4T8SNT.L1-7); Ac. de 10-09-2024 (814/24.6YLPRT.L1-7); Ac. de 16-05-2024 (2807/22.9T8CSC.L1-8); Ac. de 22-02-2024 (1425/23.9YLPRT.L1-6); Ac. de 21-12-2023 (proc. 5933/20.5T8LSB.L1-6).]


__________________________________

[[1]] Manuel de Andrade, “Sentido e Valor da Jurisprudência”, separata do Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLVIII, 1973, pág. 20.
[[2]] “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 13ª reimpressão, pág. 182.
[[3]] Postulando que os preceitos legais não podem ser encarados isoladamente, quer desgarrados do contexto da lei em que se inserem, quer dos diplomas ou institutos que dispõem sobre a mesma ou idêntica realidade social.
[[4]] Como refere Baptista Machado, obra citada, pág. 197: ««Quer isto dizer que toda a ordem jurídica assenta num transfundo de princípios ordenadores ou decisões fundamentantes e se legitima pela referência (expressa ou implícita) a valores jurídicos fundamentais que lhe conferem a unidade e coerência de um “sistema intrínseco” do qual são eliciáveis critérios orientadores que tornam possível a adaptação do ordenamento a novos problemas e situações.»
[[5]] Acórdão do TRL de 18/04/2024, processo nº 2197/23.2YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
[[6]] Donde resulta que o regime vinculístico pode persistir, agora por vontade das partes e não por imposição legal.
[[7]] Artigo intitulado “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in revista Julgar online, março de 2019, pág. 11-12, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pdf
[[8]] Em sentido contrário, Jessica Rodrigues Ferreira, artigo “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Eletrónica de Direito (RED), fevereiro de 2020, nº 1 (VOL. 21), pág. 82 e seguintes, bem como os Autores aí referidos, em nota (13), disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.
[[9]] Acórdão de 17/01/2023, processo nº 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.
No mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2023, processo nº 3934/21.5T8STB.E1, relatora Maria Adelaide Domingos e acórdão da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, processo nº 795/20.5T8VNF.G1, relatora Rosália Cunha.
Em sentido contrário, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/01/2023, processo nº 1278/22.4YLPRT.L1-7, relator Luís Filipe Sousa e de 17/03/2022, processo 8851/21.6T8LRS.L1-6, relator Nuno Lopes Ribeiro.
[10] Consulta efetuada no endereço
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542
[11] Endereço de link do relatório: https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.docx?path=cTlGlnK4qIndPdahiSJg0ZEQJvJwYfVcRhbpVFfBH9nqlIydo12pzr5CXIw8q9%252fnEro%252fRNWkY3Wwft98gPUaiFaxMjnlQZlKvK58V52MAFvK2kaFRjLAWY%252bMbOWiY7dMvMyE0DTkN%252fsBtqW0ZtqgxwZAhEAuzqaB1Xv%252bQzZIO3%252b7f3yVXyG0Y84qPcKm8P0U3ZVnq6V4Yskrk5jJP51ohvFpwqXH%252bBKboCZjoRhPNGeOC6M9W8ZKBqIvcsEop%252fuBDIAkaLu%252f1qHLMC1rsuUrWQyff%252bz1YhsLojYQiLayqz4gE1LSokv4H0eGzaBOdrtN3dD22E6sM36%252fL%252fmFEij4wcEjzqCHvlZ3iGXnD5HiqScjMPSNJL0LRB0tpDdO3twVl9nYyPYVCKLmCj6j0ndmamMaTxGv%252bZ21zaglTKCwR18%253d&fich=d1cf08f7-6c60-4712-bfa0-f619d840cdb8.docx&Inline=true
[12] Texto da referida Proposta de Lei acessível através do link https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/13/03/106/2018-04-30/20?pgs=20-30&org=PLC
[13] Endereço de link:
https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.docx?path=cIoK8OnWZeb7OKiMV3Mx6Gcab4NB0295sd0oFESHRZ6GXMuhMfk42aWNAzLKrTd1QGvK%252fyAI1SGTsJEr%252bRkD0JW5X71Dk%252fExaG1tiLIEhJaXUL2YoJVUAeA%252bby%252fKUDHL2u9ZOBgE1k10cpzvV%252fp9B%252f6O4A21Wz0s9DHgrjHWCUQFMc%252f%252flCffI1LQ0%252f4csl6Er6%252b6AAJQmgMeiG4jjVWRkt9uaL5kAVKZpBiPnZfHlwWy1iR8bq%252bLZbyVrDFzTaTcc6MJzOlbMLORBUBSQh8BysL6yIKsSudWukRxVln5wJ6B%252fCMccJ2iZnWH0DX1l5h%252fQaE%252broaGkRBpEmnYKjY12ZspvclhR1mVvdpIu07nqoRhCJy8mSy8TVxKqgIYy99140RZgWA89PDXZfbm6G3t3XKkLJRjr4TkEbNfWSf4A6k%253d&fich=6bb93a20-77f0-470d-bdd0-fa2956d5f075.docx&Inline=true
[14] Diário da Assembleia da República da XIII Legislatura – 4.ª Sessão Legislativa (2018-2019), de 20 de dezembro de 2018, II Série A Número 38; https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/13/04/037/2018-12-20/17?pgs=17-209&org=PLC
[15] Endereço de link: https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=aOWMgdq9QXF5SRKxCKUcWSgn4C7VHTByiqXn98pu4aljH6SMEIHyMTt4FESOcD27m47qoRp449SOwWNy4147df5Iic8BIOZmNp1GdtvlA3FrQo%252fGXenvUixKstNWOmPuXTH8s4Iozfn6oVID7EXg9sQ6Dg7skx249rfykrFLZNSibSdZt7Ddl7%252bC%252b5Zhr3jnrlVOclx06CpMR7AqkyMVT0a9ALbobhr3ofy2myj3vDnfnZmafiqGohT9MCzmBxp4D4FwUe0jrehKTDLEuGeaYHcB2UKpDPy8vWmw0voC8%252b9q1fYoRo%252fYlEgcr9jS%252bh9dAekWiM8fBC4qbaBaoMCR%252fPTCQK2vGh2B4E4XbZeSI84mg5R%252bN6BnUmEu2qiMC99U9UhKMdJ3yJaJCLPEC8ZJ4YF5seGVraKEKMCgaDjF3Lc%253d&fich=ab1ba14e-91df-41bd-9367-9073c43af95f.pdf&Inline=true
[16] Endereço de link: https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/13/04/033/2018-12-22/56?pgs=56&org=PLC
[17] Art. 100.º n.º 1 do RAU: Os contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes.
[18] Artigo 1096.º, n.º 1, do NRAU, na redação dada pela Lei 6/2006, de 27/02: Excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos.
Artigo 1096.º, n.º 1, do NRAU, na redação emergente da Lei 31/2012, de 14/08 (em que se abandona a estipulação supletiva de um prazo mínimo de renovação): Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
[19] Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 3.ª edição, 2021, páginas 655 a 657; Jéssica Rodrigues Ferreira, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, RED – Revista Electrónica de Direito, FDUP, fevereiro 2020, páginas 82 e 83; André Mena Hüsgen, As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano, Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 86 e 87; Edgar Alexandre Martins Valente, Arrendamento urbano – Comentário às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente, Almedina, 2019, pág. 31; Isabel Rocha e Paulo Estima, Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto Editora, 2019, pág. 286.