Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3796/21.2T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: VENDA AD CORPUS
AUMENTO
REDUÇÃO DO PREÇO
Nº do Documento: RP202401163796/21.2T8MTS.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A venda ad corpus, prevista no art. 888º do Cód. Civil, verifica-se nas situações em que o preço é global, mas com indicação no contrato do número, peso ou medida da coisa vendida.
II - No entanto, se a quantidade efetiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço é reduzido ou aumentado proporcionalmente.
III - Na venda ad corpus há situações em que a divergência de quantidade pode consubstanciar falta de qualidade funcional da coisa vendida e subsumir-se à previsão do artigo 913º do Cód. Civil, como acontece, designadamente, quando a divergência de quantidade impede a cabal realização do fim a que o bem vendido se destina, o que o desvaloriza, não se limitando à mera desproporção ou desconformidade entre a quantidade real e o preço contratado.
IV – Se o comprador, aquando da celebração da escritura pública de compra e venda, sabia que a área do imóvel por si adquirido, mencionada nessa escritura, não era a real, não pode a seguir vir exigir a redução do preço que pagou, conhecendo a desconformidade da área, com apoio nos arts. 888º, nº 2 e 913º e 911º do Cód. Civil.
V – O regime decorrente destes preceitos legais não é de aplicar a contratos-promessa, mas tão-só aos contratos de compra e venda efetivamente celebrados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3796/21.2T8MTS.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2
Apelação
Recorrente: AA
Recorridos: BB e outros; “A..., Unipessoal, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntas: Desembargadoras Maria da Luz Teles Meneses de Seabra e Anabela Dias da Silva

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
O autor AA, residente na Rua ..., nº ..., 2º Dt.º Frente, ..., Matosinhos, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra os réus:
1 - BB, residente na Rua ..., nº ..., 10ºB, Lisboa;
2 - CC, residente na Av. ..., nº ..., 5º Esq., Lisboa;
3 - DD, residente na Rua ..., nº ..., 2º andar Esq., ..., Lisboa;
4 - EE, residente na Rua ..., nº ..., 10º B, Lisboa;
5 - FF, residente na Rua ..., nº ..., 10º B, Lisboa e
6 – “A..., Unipessoal, Lda.”, com sede na Av. ..., ....
Peticiona o seguinte:
a) que os réus sejam condenados a reconhecer o seu direito a ver reduzido o preço da compra de 80.000,00€ para 69.350,82€ do prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão, com quintal, com a área coberta de 37 m2 e a área descoberta de 268 m2, sito no Lugar ..., sem número, União das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ... da Freguesia ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob o art. ...;
b) que os réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe o valor de 10.649,18€ resultante da redução de preço pedida, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da citação, até á data de reembolso total da quantia em questão;
c) que os réus sejam condenados a pagar-lhe todas as despesas em que vier a incorrer com a correção de área do imóvel, junto da Conservatória do Registo Predial competente;
d) e que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 1.000,00€ a título de danos morais sofridos.
Para sustentar o seu pedido, alegou, em síntese: que pelo preço de 80.000,00€ adquiriu aos primeiros cinco réus a propriedade de um prédio urbano com a área coberta de 37 m2 e descoberta de 268 m2, sito em ...; que a 6ª ré estava a mediar a venda desse imóvel, publicitando a área bruta de 305 m2, que permitiria a área máxima de implantação de 213 m2, sobrando 92 m2 para logradouro; que celebrou com os primeiros cinco réus contrato-promessa de compra e venda, tendo ficado acordado o preço final de 80.000,00€; que com a outorga do contrato-promessa pagou a quantia de 10.000,00€ e pagou os restantes 70.000,00€ na outorga da escritura pública; que após a assinatura do contrato-promessa realizou levantamento topográfico e constatou que a área real do imóvel era de 264 m2; que essa diferença reduz a capacidade construtiva do prédio e o desvaloriza; que interpelou os réus para a realização da escritura pública, alertando-os para a divergência da área do prédio e solicitando a redução proporcional do preço para a quantia de 69.350,82€; que os réus recusaram a redução do preço; que desde que teve conhecimento do erro sofreu ansiedade e angústia e que terá de suportar despesas com a correção da área do imóvel, danos de que pretende ser indemnizado.
Citados, os réus apresentaram contestação.
Alegaram os primeiros cinco réus, em síntese: que delegaram na sexta ré o processo de mediação e venda do imóvel; que desde logo alertaram essa ré sobre a eventual ocorrência de divergência entre a área do terreno e a que consta da documentação; que a referida ré procedeu à avaliação do imóvel em 91.437,50€; que aconselhados por essa ré decidiram anunciar a venda pelo preço de 105.000,00€; que com vista a garantir que as partes procedessem à venda do imóvel como ele se encontrava, introduziram nova cláusula com esse teor no contrato-promessa de compra e venda; que o réu trabalha na B..., tendo especiais competências para calcular a área de implantação e volumetria de construção a realizar; que o autor conhecia o imóvel; que se conformaram com a redução do preço para 80.000,00€, no pressuposto de que a venda seria feita sem quaisquer condicionantes; que quando receberam a proposta de redução do preço acordado ofereceram-se para reverter o negócio e devolver ao autor o valor do sinal; que ainda assim o autor entendeu concluir o negócio agendando a escritura de compra e venda que veio a assinar, conformando-se com o preço acordado, pelo que não merece provimento a ação.
A sexta ré apresentou contestação, impugnando parcialmente a versão dos factos invocada pelo autor e alegando, em síntese: que o autor não interveio pessoalmente nas negociações, apenas o tendo conhecido na data da assinatura do contrato-promessa; que quem tratou de toda a negociação foi GG e que o referido GG sabia existir uma discrepância de áreas; que as características do imóvel que anunciou lhe foram transmitidas pelos vendedores e estão nos documentos do prédio; que a negociação do preço e consequente baixa teve em conta as características do prédio e a eventual discrepância de área; que os vendedores se disponibilizaram a resolver o negócio, devolvendo ao autor o sinal pago, o que este não aceitou e que o pretendido pelo autor com a presente ação é a redução do preço do imóvel não conseguida durante a negociação.
O autor apresentou articulado de resposta.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, sem identificação do objeto do litígio e enunciação de temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento com observância dos formalismos legais.
Por fim, foi proferida sentença que julgou a ação integralmente improcedente e absolveu os réus do pedido.
O autor, inconformado com o decidido, interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A Sentença ora recorrida padece do vício de falta de fundamentação, uma errada apreciação das provas constantes dos autos e faz uma errada subsunção dos factos à norma jurídica e consequentemente tem que ser revogada.
2. O ponto 17 da matéria de facto dada como provada padece de incorreção, não está conforme a declaração negocial constante do Contrato Promessa de que promana, pelo que terá que ser corrigido da seguinte forma:
“O Autor e os Réus CC; BB e DD, vieram a subscrever um acordo escrito, com a denominação de contrato promessa de compra e venda, tendo estes declarado vender àquele e aquele declarado comprar-lhes o prédio referido em 2, pelo preço global de €80.000,00, tendo esse escrito sido assinado pelo Autor em 10/11/2020 e pelos referidos Réus em 13/11/2020 – cfr. doc. nº 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.”
3. Na fixação dos pontos 52 e 71 da Matéria de facto dada como provada o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 154º e 514º do C.P.C. e do nº 1 do artigo 205º da Constituição.
4. Nos autos não existe prova documental ou testemunhal da qual se possa inferir que o A. detinha especiais conhecimentos ou acesso a qualquer informação que lhe permitisse aferir a verdadeira área do terreno.
5. O Tribunal recorrido aderiu relativamente aos pontos 52 a 71 ao alegado pelos RR vendedores na Contestação, não obstante não ter sido feita prova alguma relativamente a esse mesmo facto, o que é manifestamente ilegal incorrendo a decisão a este respeito no vício de falta de fundamentação.
6. Constitui um facto notório que os Municípios em Portugal não dispõem de informação concreta sobre as áreas dos terrenos, caso contrário não seria necessário levantamento topográfico do terreno para instruir um processo de licenciamento de construção!
7. E o Tribunal a quo não pode desconhecer que deu como provado que no ponto 35 que o Autor não assumiu “quer nas negociações tendentes à concretização do negócio, quer com a assinatura do escrito referido em 17, quer após a celebração do mesmo, qualquer ónus para quantificar a divergência de áreas do imóvel.”, pelo que incorre em contradição.
8. A testemunha HH mostrou com o seu testemunho deter mais conhecimento do mercado imobiliário em ... do que o próprio A.
9. Impõe-se consequentemente a revogação da decisão que deu como provados os pontos 52 e 71 transferindo-o para os pontos da Matéria de facto não provada.
10. Na fixação dos pontos 54 e 69 da Matéria de facto dada como provada o Tribunal a quo não fundamentou devidamente a sua resposta incorrendo em manifesto erro de apreciação da prova.
11. Quer pelas Declarações de Parte do legal representante da 6ª Ré, II, e atento o conteúdo dos Documentos 1 e 2 juntos aos autos com a Contestação dos RR vendedores, a área do imóvel vendido ao A. nunca foi uma verdadeira preocupação para os RR.
12. Impondo-se tendo presente o princípio da verdade material dos factos, que seja revogada da decisão do Tribunal relativamente ao facto 54 da matéria de fato dada como provada e substituída por uma nova formulação do mesmo que seja consentânea com o que na realidade resultou provado, e que se apresenta:
Ponto 54: Conformando-se com esse valor abaixo do valor da avaliação, no pressuposto que a venda fosse realizada sem quaisquer condicionantes, nomeadamente futuras aprovações de projeto da tal futura moradia na CM..., etc.
13. Na Resposta ao Ponto 69 o Tribunal recorrido fundou a sua decisão numa formulação genérica e sem qualquer apoio com a matéria de facto dada como provada, consequentemente violadora do disposto nos artigos 154º do Código do Processo Civil e nº 1 do artigo 205º da Constituição.
14. Impondo-se consequentemente a revogação da decisão que deu como provado o ponto 69 transferindo-o para os pontos da Matéria de facto não provada.
15. O Tribunal recorrido na sua Sentença faz uma incorrecta interpretação da lei, os artigos 888º e 913º do Código Civil e consequentemente aplicou mal o direito aos factos e como tal a mesma deverá ser revogada.
16. Na Escritura de Compra e Venda os RR vendedores venderam ao A., livre ónus ou encargos e pelo valor de €80.000,00, o prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão, com quintal e mais pertenças, com a área coberta de 37 m2 e a área descoberta de 268 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz predial urbana com a área total de 305 m2.
17. O A. pagou aos RR vendedores o preço devido.
18. Os RR vendedores entregaram a coisa vendida ao A., com uma divergência sobre a medida da área que declararam vender ao A. na ordem de 40,60 m2 ou que corresponde a uma diferença para menos de 13,31% sobre a área declarada (305 m2) vender em prejuízo do A.
19. Quer o A. quer os RR. vendedores conheciam já a divergência de área aquando da outorga da Escritura de Compra e Venda.
20. Os RR. vendedores conheciam já a vontade do A. em exercer o direito à redução do preço, mas mesmo assim outorgaram escritura de compra e venda do imóvel nos termos em que o fizeram.
21. A leitura correta do artigo 888º do Código Civil determina que não pode ser imputado a nenhum comprador, de uma coisa determinada sujeita a medição, que suporte um risco de divergência superior a 5% face à área declarada.
22. O A. pagou um preço estipulado globalmente (venda ad corpus), tendo sido exarado na escritura que o imóvel tinha a referida área de 305 m2, impondo-se por consequência e em respeito do artigo 888º nº 2 do Código Civil a redução do negócio no que respeita ao montante do preço pago o qual terá que ser reduzido na mesma proporção da redução da área declarada do terreno para a área real do mesmo no valor de €10.648,97 (dez mil seiscentos e quarenta e oito euros e noventa e sete cêntimos).
23. A Sentença ora recorrida violou o disposto nos artigos 888º e 911º pela forma como os interpretou e aplicou, violando assim o direito do A. e como tal deverá ser revogada.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação procedente.
A sexta ré apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido em 1ª Instância.
Formulou as seguintes conclusões:
1.º - Vem o Apelante recorrer da decisão final que absolveu os Réus, incluindo a aqui Apelada, dos pedidos formulados nos autos, pretendendo impugnar a matéria de direito da sentença que julgou improcedente os pedidos por si formulados, e impugnar a matéria de facto e a apreciação da prova realizada pelo Tribunal a quo.
2.º - No recurso apresentado, considera o Apelante ter sido incorrectamente julgada e apreciada a prova produzida, mormente a seguinte:
“17 – O Autor e os Réus CC; BB e DD, vieram a subscrever um acordo escrito, com a denominação de contrato promessa de compra e venda, tendo estes declarado vender àquele e aquele declarado comprar-lhes o prédio referido em 2, pelo preço global de €80.000,00, tendo esse escrito sido assinado pelo Autor em 10/11/2020 e pelos referidos Réus em 13/11/2020 – cfr. doc. nº 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
52 – O Autor conhecia as condições físicas do prédio visíveis do seu exterior e tinha à sua disposição as ferramentas, e conhecimentos técnicos especiais, para averiguar e tomar conhecimento da realidade física do imóvel referido em 1.
54 - conformando-se com esse valor abaixo do valor da avaliação, no pressuposto que a venda fosse realizada sem quaisquer condicionantes.
69 – O risco de eventual discrepância de áreas contribuiu para que os 1º a 5º Réus aceitassem um preço muito inferior ao anunciado.
71 – O Autor tinha conhecimentos técnicos relativos a imobiliário e acesso a documentação camarária e estava a usufruir da acessória de GG, que à data era estudante de arquitetura e trabalhava num gabinete dessa especialidade.”
3.º - Não assistindo qualquer razão ao Apelante, como melhor verteu o Tribunal recorrido na sua sentença.
4.º - Nos termos e para os efeitos do artigo 410.º do Código Civil, à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido.
5.º - Sendo certo que, ambos concorrem para o mesmo objetivo, a realização do contrato prometido, neste caso a compra e venda do imóvel.
6.º - Pelo que, a perceção e intencionalidade do mesmo, não se têm como colocadas em causa devido à omissão de vocábulos como “prometer”, uma vez que tal já decorre, de forma segura, do próprio nome e definição legal.
7.º - Resulta das declarações do próprio autor, e permita-se utilizando as suas próprias palavras, que o mesmo conhecia o terreno, e a zona em que se insere, o suficientemente bem para propor um valor concertado às pretensões dos vendedores.
- “Eu conhecia-o por fora, que eu conheço muito bem ..., e conhecia o terreno, não podia entrar, que estava murado e vedado, mas via-se minimamente de fora e conheço muito bem a zona.” - AA (00:04:12), ficheiro de áudio 3796-21.2T8MTS_2023-01-10_09-37-02.
8.º - Por acautelar o entendimento de que aquela zona era do seu perfeito conhecimento, o Apelante não pode arrogar-se no direito de contrariar uma realidade que ele próprio confirmou e defendeu.
9.º - Enquanto, por seu turno, celebrou o contrato promessa de compra e venda, cujo conteúdo especifica, precisamente, o seu assentimento face às características que o imóvel que adquiriu detém:
“3.º -“O Segundo contraente declara que conhece o imóvel e que o adquire nas condições físicas em que o mesmo se encontra, mais declarando ter conhecimento perfeito do teor da documentação ao mesmo referente, reconhecendo que o mesmo reflete a realidade do que está a adquirir.”-
10. º - O que é corroborado pela prova testemunhal produzida pela testemunha GG em audiência de julgamento:
- “O engenheiro AA leu o contrato.” – GG (00:16:00), ficheiro de áudio 3796-21.2T8MTS_2023-02-03_11-37-41.
11.º - A par do supramencionado, o aqui Apelante, possui uma licenciatura de engenharia geotécnica, que lhe confere conhecimentos aprofundados sobre matéria de construção e solo, estando, intrinsecamente, ligada ao conceito e área de construção.
12.º - Para além de, exercer funções de Diretor Municipal na empresa Municipal … “B...”, as quais lhe atribuem um conhecimento diferenciado quanto à reabilitação e construção de moradias.
13.º - No que à mediação do imóvel importa, foram contratados os serviços da Apelada, a fim de proceder à sua promoção e, consequente, venda.
14.º - O que, por sua vez, determinou a execução de um estudo de mercado e avaliação do imóvel, cujos valores acabaram por culminar num “asking price”, preço inicial de venda, de €105.000,00 (cento e cinco mil euros).
15.º - Valor ao qual, e mediante processo negocial, foi contraproposta uma oferta de €80.000,00 (oitenta mil euros), que foi, efetivamente, aceite.
16.º - Sendo originada, consequentemente, uma redução de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), face ao asking price.
17.º - Os coproprietários, estando cientes da avaliação de que dispunham, bem como da situação imobiliária do país, estiveram dispostos a aceitar uma proposta consideravelmente abaixo, quer do valor da avaliação, quer do valor de venda anunciado, pela razão evidente, ou seja, o suprimento de quaisquer condicionalismos que pudessem interferir com o processo negocial, tendo presente a consciência de que já tinham advertido para a eventual discrepância de áreas existente.
18.º - Está patente a noção do Apelante quanto ao valor que o imóvel detinha, valor este que, tal como o é para si, seria cativante para eventuais interessados e, assim, um motivo de segurança negocial para os proprietários vendedores e para a aqui Apelada, pelo que não temos outra razão para a redução de preço executada, senão a intenção de ver o negócio realizado sem condicionantes.
19.º - O Apelante sempre teve em mente, desde o conhecimento da divergência de áreas existente, uma nova redução de preço à qual não tem direito, sendo certas, sabidas e provadas todas as possibilidades de resolução do negócio que lhe foram oferecidas, bem como a prévia diminuição de preço já operada.
20.º - Ofertas de resolução estas que, de forma contínua, foram sido negadas pelo Apelante, conformando-se o mesmo com todas as eventuais e alegadas lesões que defende existirem.
21.º - Em todo o processo negocial encetado, o Apelante veio a usufruir de auxílio de profissionais do foro, seja a nível arquitetónico, jurídico, ou a nível de avaliação de imóveis.
22.º - Seja desde o seu primeiro contacto com a possibilidade de aquisição do imóvel, mormente no que concerne aos senhores HH e Sr. GG, seja aquando da concretização da aquisição, no que respeita aos senhores arquiteto, avaliador e solicitador, que, mediante solicitação do Apelante, lhe prestaram informações e esclarecimentos.
23.º - Não obstante todas as questões que surgiram ao longo do processo negocial, o Apelante prosseguiu com a realização da escritura de compra e venda, de forma a levar a cabo o projeto que tinha em mente, a construção de uma moradia.
24.º - Quer o contrato promessa de compra e venda do imóvel, como a sua escritura de compra e venda, foram celebradas pelo Apelante num contexto de lucidez, e de perfeito conhecimento, quanto ao conteúdo dos mesmos.
25.º O que determinou a realização dos projetos por si idealizados.
26.º - E, por conseguinte, a inaplicabilidade dos artigos 887.º, 888.º e 913.º do código Civil, uma vez que a sua atuação negocial foi pautada pela sua clareza e consciência, e o uso do imóvel não foi alterado para algo distinto do que sempre pretendeu, não lhe sendo, então, aposta qualquer desvalorização.
Os demais réus também apresentaram contra-alegações no sentido da improcedência do recurso interposto, tendo formulado as seguintes conclusões:
A) Inexistem fundamentos para que os impugnados pontos da matéria de facto provada venham a ser objecto de revogação, e substituição por decisão em sentido diverso, tal como peticionado pelo Recorrente.
B) Não se encontra preenchido elemento essencial, e pressuposto de verificação necessária para que se possa vir a aplicar o regime previsto no artigo 888.º do Código Civil, a saber, a existência de erro de ambas, ou, pelo menos, de uma das partes.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
I – A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
II A aplicação ao caso do disposto nos arts. 888º, nº 2 e 913º do Cód. Civil;
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É a seguinte a factualidade dada como provada na sentença recorrida:
1 – Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial em Matosinhos da Dr.ª JJ, no dia 17 de Fevereiro de 2021 os aqui Réus BB, este por si e na qualidade de procurador, em nome e representação dos Réus CC; EE e FF – e DD declararam vender ao aqui Autor, pelo preço de €80.000,00 já recebido, o prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão, com quintal e mais pertenças, com a área coberta de 37 m2 e a área descoberta de 268 m2, sito na Travessa ou Lugar ..., sem número, União das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ... da Freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., e o aqui Autor declarou aceitar essa venda, nos precisos termos exarados – cfr. doc. nº 1, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 – O referido imóvel encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ..., como tendo a “área total 305 m2”,
3 – E encontra-se registado em nome do aqui Autor por Ap. de 17/02/2021 por compra aos aqui 1º; 2ª; 3º; 4ª e 5º Réus – cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4 – O imóvel encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... da União de Freguesias ... e ... com a área de 305 m2 – cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5 - O Autor sempre desejou encontrar um terreno com aptidão construtiva, dentro do perímetro urbano da Freguesia ..., o qual dispusesse de uma área suficiente onde pudesse edificar uma casa para o seu agregado familiar e ainda ficar com uma ampla área sobrante para logradouro.
6 - Chegou ao conhecimento do Autor, através do amigo GG, que a 6ª Ré, A..., Unipessoal LDA, que usa o nome comercial de C..., estava a mediar a venda de um imóvel na Rua ..., com capacidade construtiva.
7 - O referido GG mostrou-lhe o sítio de internet daquela firma imobiliária onde constava a fotografia do imóvel, com a seguinte informação sobre o mesmo:
“Lote de Terreno para Moradia ao centro de ....
Para construção de moradia unifamiliar, sito à Rua ....
Com 17 metros de frente e 18 metros de fundo, o que lhe permite a seguinte construção:
- área de implantação 213.50m2;
- Cave 120,00 m2
- Andar 175 m2.
Facto de a área de implantação ser de 213,50 m2 e caso seja do interesse do adquirente é possível fazer só uma moradia de rés do chão.
Excelente oportunidade!”
“Detalhes
Referência T/...
Finalidade Compra
Estado Usado
Área bruta 305 m2”
8 - O Autor confrontou de seguida a localização e a área anunciada do imóvel com o PDM de Matosinhos.
9 - De acordo com o PDM em vigor o imóvel localiza-se em “Espaços Centrais”, aos quais se aplica a disciplina do artigo 34º e seguintes, onde é estabelecido um índice de impermeabilização do solo de 0,7 e um índice de utilização acima do solo de 0,8 – cfr. doc. nº 5 junto com a petição inicial.
10 – Com a informação de que o imóvel tinha uma área total de 305 m2 e o índice de impermeabilização permitido pelo PDM, o Autor calculou que seria possível edificar uma habitação com uma área máxima de implantação de 213,5 m2.
11 – E que restariam ainda 91,5 m2 de área sobrante para logradouro, resultado da diferença entre a área anunciada do terreno e a área máxima admissível para implantação.
12 - Convencido assim de ter encontrado o terreno que reunia todas as qualidades que procurava para concretizar o seu desejo.
13 – Após o que o Autor visitou pelo exterior o imóvel no qual existia uma construção antiga e degradada e um logradouro todo murado, com alguma vegetação.
14 - O Autor considerou então seriamente a aquisição do imóvel.
15 – E, através de um amigo, GG,
16 – iniciou processo negocial com os cinco primeiros Réus, sob a mediação da 6ª Ré.
17 – O Autor e os Réus CC; BB e DD, vieram a subscrever um acordo escrito, com a denominação de contrato promessa de compra e venda, tendo estes declarado vender àquele e aquele declarado comprar-lhes o prédio referido em 2, pelo preço global de €80.000,00, tendo esse escrito sido assinado pelo Autor em 10/11/2020 e pelos referidos Réus em 13/11/2020 – cfr. doc. nº 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
18 - O Autor pagou aos cinco primeiros Réus a totalidade do preço estipulado, da seguinte forma:
a) Com a outorga do escrito denominado de contrato promessa de compra e venda, a quantia de €10.000,00 (dez mil euros),
b) E o restante do preço €70.000,00 (setenta mil euros) no ato da outorga da escritura pública.
19 - Aquando da assinatura [do] escrito referido em 17 o Autor estava convencido de que iria pagar €262,00 por cada metro quadrado de área real do terreno.
20 - Na sequência da assinatura desse escrito, o Autor solicitou o acesso ao interior do imóvel para poder realizar levantamento topográfico do terreno, no intuito de poder avançar com a elaboração do projeto de construção da moradia e assim ganhar algum tempo na concretização da construção da sua futura residência.
21 - No dia 14 de novembro de 2020, autorizado pelo gerente da 6ª Ré aquando da assinatura do escrito referido em 17, o Autor deslocou-se ao interior do imóvel pela primeira vez, tendo ido acompanhado pelo Sr. GG e de um prestador de serviços para mudança da fechadura, uma vez que a imobiliária não tinha na sua posse qualquer chave de acesso ao terreno.
22 - O objetivo desta visita foi preparar o acesso ao imóvel para a realização do levantamento topográfico.
23 – Uma vez realizado o levantamento topográfico, em 24/11/020, o mesmo foi entregue ao Autor.
24 – Nessa altura o Autor tomou conhecimento das reais medidas do imóvel, sendo que a área apurada pelo levantamento topográfico foi de 264,40 m2 (duzentos e sessenta e quatro metros quadrados e quarenta decímetros) - cfr. docs. nºs 9 e 17, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
25 – A diferença de área, da anunciada para a real, implica uma menor aptidão construtiva do imóvel considerando a exigência do PDM de Matosinhos para o local e reduz o valor do mesmo.
26 – Confrontado com a realidade de um imóvel com uma área inferior à que julgava ter adquirido, o Autor manteve interesse na concretização do negócio.
27 - No dia 27/11/2020 o Autor comunicou a II, gerente da 6ª Ré, a constatação dessa diferença de área e informou-o de que mantinha interesse no terreno, mas não estava disponível para pagar o mesmo valor – cfr. doc. nº 11 junto com a petição inicial.
28 – E no dia 31/12/2020 remeteu-lhe novo e-mail comunicando-lhe que após 04/01/2020[1] iria instaurar uma ação contra os promitentes vendedores – cfr. doc. nº 12 junto com a petição inicial.
29 - O Autor não obteve resposta de nenhum dos Réus aos e-mails de 27/11/2020 e 31/12/2020.
30 - No dia 13/01/2021 o Autor remeteu cartas registadas com aviso de receção aos primeiro, segunda e terceiro Réus, informando-os da marcação da escritura de compra e venda do prédio objeto do acordo referido em 17 - e referindo a cláusula 5ª, nº 2, do mesmo -, para o dia 08/02/2021, bem como de que até ao dia 29/01/2021, teriam que entregar no cartório notarial os documentos da sua responsabilidade.
31 - Nessas missivas o Autor solicitou ainda uma redução proporcional do preço de venda, do valor de €80.000,00 para €69.350,82, bem como que no prazo de 10 dias se pronunciassem quanto a este pedido – cfr. docs nºs 13, 14 e 15 juntos com a petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
32 - Os referidos Réus, por carta do seu mandatário remetida ao Autor, confirmaram a presença na data designada para escritura de compra e venda e recusaram a redução do preço proposta pelo Autor, bem como admitiram que em caso de acordo do Autor e da sexta Ré a venda fosse revertida, dando sem efeito o negócio e devolvendo esta ao Autor o montante recebido a título de sinal, realizando ainda adenda ao acordo referido em 17 – cfr. doc. nº 16 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
33 – Nessa carta os referidos Réus informaram ainda que desde o primeiro momento informaram a sexta Ré sobre uma divergência entre as áreas existentes e as reportadas na documentação.
34 – Durante o processo negocial não foi referenciada ao Autor qualquer diferença de áreas do imóvel face à que resultava da respetiva documentação.
35 – O Autor não assumiu, quer nas negociações tendentes à concretização do negócio, quer com a assinatura do escrito referido em 17, quer após a celebração do mesmo, qualquer ónus para quantificar a divergência de áreas do imóvel.
36 - A cláusula 3ª do projeto de contrato promessa de compra na versão que foi enviada pela sexta Ré ao Autor, através de GG, em 04/11/2020, para sugerir alterações, tinha uma redação com conteúdo diferente daquele que veio a ter na sua versão final, não existindo qualquer outra cláusula com o teor da cláusula 3ª que veio a integrar o escrito referido em 17 – cfr. doc. nº 22, junto com a petição inicial.
37 – A cláusula terceira do acordo referido em 17 tem a seguinte redação:
O Segundo contraente declara que conhece o imóvel e que o adquire nas condições físicas em que o mesmo se encontra, mais declarando ter conhecimento perfeito do teor da documentação ao mesmo referente, reconhecendo que a mesma reflete a realidade do que está a adquirir”.
38 – No e-mail de 27/11/2020 referido em 27, o Autor referiu: “(…) Eu admitia que pudesse haver uma diferença de meia dúzia de metros, mas nunca imaginei uma diferença tão grande, uma vez que estamos a falar de uma área de 40,6 m2 (…)”
39 – O Autor não foi alertado pelos Réus para qualquer divergência de áreas.
40 – Quando assinou o escrito referido em 17 o Autor não tinha consciência de que estava a prometer comprar um terreno com uma área inferior à anunciada.
41 - A ter conhecimento da divergência de áreas, o Autor sempre concluiria o negócio de compra.
42 – O Autor procurou chegar a solução de consenso com os Réus, tentativas que se prolongaram no tempo até ao dia da outorga da escritura pública, todas elas votadas ao fracasso.
43 - Em consequência da situação de pandemia, e uma vez que residem fora da área de localização do imóvel, os cinco primeiros Réus entenderam delegar em mediadora imobiliária o processo de mediação e venda do mesmo.
44 - Desde o primeiro contacto, informaram a 6ª Ré, mediadora, sobre uma eventual divergência entre a área real do imóvel e aquela que consta na documentação.
45 – Em e-mail de 23 de junho de 2020, o Réu FF de tal facto deu conhecimento à mediadora, dizendo: “(...) não estou certo que estas áreas estejam corretas” – cfr. doc. nº 1, junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
46 – Os primeiro, quarta e quinto Réus herdaram o imóvel.
47 – A sexta Ré, servindo-se dos elementos e documentação existente, avaliou o imóvel em €91.437,50 – cfr. doc. nº 2 junto com a contestação.
48 - Decidiram então os 1º a 5º Réus, aconselhados pelo gerente da 6ª Ré, anunciar a venda do imóvel pelo preço de €105.000,00.
49 – A sexta Ré, no âmbito das suas funções construiu o anúncio referido em 7.
50 - Com vista a que as partes contratantes assumissem a compra do imóvel tal como o mesmo se encontrava, solicitaram os 1º a 5º Réus a inclusão, no texto do contrato promessa a elaborar de cláusula destinada a evidenciar tal realidade que veio a ser introduzida na versão final do escrito referido em 17 como cláusula 3ª.
51 - O Autor trabalha na “B...”, empresa municipal.
52 – O Autor conhecia as condições físicas do prédio visíveis do seu exterior e tinha à sua disposição as ferramentas, e conhecimentos técnicos especiais, para averiguar e tomar conhecimento da realidade física do imóvel referido em 1.
53 – Após processo de negociação, os 1º a 5º Réus admitiram fixar o valor de venda em €80.000,00,
54 - conformando-se com esse valor abaixo do valor da avaliação, no pressuposto que a venda fosse realizada sem quaisquer condicionantes.
55 - Os 1º a 5º Réus autorizaram o Autor a diligenciar pela obtenção de levantamento topográfico, ainda em momento prévio à celebração da escritura de venda.
56 – E embora esse levantamento tenha sido promovido pelo Autor, não foi por estes contestado.
57 – Os primeiros 5 Réus admitiram reverter o negócio, propondo-se devolver o valor do sinal ao Autor.
58 – Ainda assim o Autor entendeu concluir o negócio, agendando a escritura de compra e venda que veio a assinar.
59 – No momento da escritura o Autor tinha perfeito conhecimento da divergência de áreas e recusou-se a dar o negócio como resolvido.
60 - Os 1º a 5º Réus nunca manifestaram urgência em concluir o negócio, não tendo forçado a assunção de prazos ou decisões.
61 – O Autor designou a primeira data da marcação da escritura de compra e venda.
62 – O Autor não foi interveniente direto na fase negocial do acordo, aparecendo só no seu final.
63 – O sócio gerente da 6ª Ré só conheceu o Autor na data referida em 17.
64 - Quem cuidou de toda a negociação do Autor com a 6ª Ré foi GG.
65 - A quem foi fornecida toda a documentação do imóvel.
66 – GG estava na posse das certidões matricial e da Conservatória do Registo Predial relativas ao imóvel.
67 – As caraterísticas anunciadas pela 6ª Ré quanto à descrição do imóvel e sua área são as constantes das referidas certidões que esta Ré entregou a GG, referidas em 66.
68 – Os primeiros cinco Réus não solicitaram à sexta Ré a realização de levantamento topográfico.
69 – O risco de eventual discrepância de áreas contribuiu para que os 1º a 5º Réus aceitassem um preço muito inferior ao anunciado.
70 – O valor inicialmente pedido pelos 1º a 5º Réus foi de €105.000,00, e o valor de venda foi de €80.000,00.
71 – O Autor tinha conhecimentos técnicos relativos a imobiliário e acesso a documentação camarária e estava a usufruir da assessoria de GG, que à data era estudante de arquitetura e trabalhava num gabinete dessa especialidade.
72 – O acordo referido em 17 é o produto da negociação quanto ao preço levado a cabo pelas partes.
73 - A 6ª Ré mediou um entendimento entre o Autor e demais Réus.
74 – O Autor não aceitou o referido em 57 porque o que pretendia era uma redução no preço.
75 – O Autor envidou todos os esforços para a realização da escritura pública de compra e venda que lhe permitiria a apresentação dos presentes autos.
76 - A 6ª Ré remeteu a GG, que por sua vez remeteu ao Autor a primeira versão do contrato promessa em 4 de novembro de 2020 - cfr. doc. 21 junto com a petição inicial.
77 - No dia 6 de novembro de 2020, pelas 18:45, o Autor enviou e-mail a GG sugerindo pequenas alterações ao texto do contrato promessa, designadamente na cláusula 5ª – cfr. doc. nº 22 junto com a petição inicial.
78 - No mesmo dia 6 de novembro de 2020, pelas 15:24 o Réu FF enviou email ao Sr. II referindo o seguinte:
“Junto envio CPCV preenchido.
Não alterei diretamente no contrato mas pretendemos adicionar a seguinte cláusula:
“O segundo contraente declara que conhece o imóvel e que o adquire nas condições físicas em que o mesmo se encontra, mais declarando ter conhecimento do teor da documentação ao mesmo referente, reconhecendo que a mesma reflete a realidade do que está a adquirir”.
79 - A 6ª Ré procedeu à introdução na redação final do escrito referido em 17 da nova cláusula apresentada pelo Réu FF, que passou a ser a cláusula 3ª,
80 - mas não a comunicou ao Autor, nem procurou obter o seu assentimento relativamente ao seu conteúdo, antes de em 10/11/2020 ter apresentado a versão final desse escrito pessoalmente ao Autor, nas suas instalações.
81- Em 10 de novembro, antes da deslocação do Autor à instalações da 6ªa Ré, o Autor enviou a GG nova versão do contrato promessa de compra e venda com a redação que continha apenas as alterações por si propostas, no qual acrescentou apenas os dados da sua esposa, que estavam em falta, cfr. doc. 23 junto com a petição inicial.
82 - Em 5 de Janeiro o Autor recebeu da parte da 6ª Ré o seguinte email:
“Bom dia Caro Eng. AA.
Em conformidade com a conversa tida ontem, sou a enviar e-mails trocados entre mim, Arq. GG e o Engº, e ao que me verifico o DRAFT que há altura foi enviado, não chegou a sofrer quaisquer alterações, exceto a quer o Engº Solicitou, mas por favor valide melhor.”
83 - No dia inicialmente marcado para a outorga da escritura de compra e venda faltavam documentos aos primeiros Réus pelo que foi necessário agendar nova data.
84 - Na nova data compareceu o Autor e os 1º e 3º Réus, para outorgarem a escritura.
85 - O Autor foi disposto a chegar a solução de compromisso com os primeiros Réus, com redução do preço, no entanto estes mantiveram-se irredutíveis em recusar a redução do preço, apenas aceitando a reversão do negócio com devolução de sinal em singelo após lhes ser restituída a comissão paga à 6ª Ré, ao que o Autor não acedeu.
*
Não se provaram os seguintes factos:
a) O Autor encetou contacto com o gerente da 6ª Ré, o Sr. II, no intuito de recolher informação adicional sobre o imóvel, as condições de venda e da possibilidade de negociar o preço.
b) Foi-lhe então assegurado que a 6ª Ré tinha a mediação do imóvel, confirmando-lhe a sua localização e que o mesmo tinha as características anunciadas no site e melhor descritas em 7.
c) O Autor teve como base de cálculo para chegar ao preço final que estava disposto a pagar um valor entre os €250,00 (duzentos e cinquenta euros) e os €260,00 (duzentos e sessenta euros) por metro quadrado.
d) Aquando da assinatura do escrito denominado de contrato promessa de compra e venda o Autor estava convencido de que iria pagar um valor por m2 ligeiramente acima do que tinha definido, mas ainda assim, considerou que estava a fazer um bom negócio.
e) O levantamento topográfico foi entregue ao Autor no dia 26 de novembro de 2020.
f) A efetiva área do prédio inviabiliza a possibilidade de o Autor construir a habitação com um só piso térreo tal como a idealizou aquando da formalização da promessa de compra e venda.
g) A habitação a construir terá que ter dois pisos, frustrando as expectativas do Autor pois a edificação em um só piso, para além de mais funcional no dia-a-dia, permitiria o aproveitamento da habitação em toda a sua extensão ao longo do tempo, fator da funcionalidade que irá naturalmente ser prejudicado dada a natural perca de mobilidade por parte do Autor e da sua esposa com o decurso do tempo.
h) O Autor teve ainda que renunciar à possibilidade de ter um logradouro generoso, uma vez que a redução da área de terreno em 40,60 m2 reflete-se em idêntica área de redução do logradouro principal frustrando também assim esta sua expectativa.
i) A cláusula terceira do acordo referido em 17 foi incluída no mesmo à revelia do Autor, não tendo este dado o seu assentimento posterior à sua inclusão.
j) No dia e hora agendado para a assinatura do escrito referido em 17 o Autor questionou o Sr. II se o texto se mantinha o mesmo do inicialmente proposto com as alterações que havia solicitado no seu email e perante a resposta afirmativa, assinou o mesmo confiando na palavra que lhe havia sido dada.
k) Sempre foi referido ao Autor que o prédio dispunha das áreas constantes da documentação (caderneta Predial e Registo predial) e da sua aptidão construtiva conforme o anúncio da 6ª Ré.
l) A ter conhecimento da divergência de áreas o Autor não faria o negócio pelo preço pelo qual adquiriu o imóvel.
m) O preço que o A. aceitou pagar por metro quadrado é o de €262/m2 e nunca o de €302,57/m2 como efetivamente veio a acontecer.
n) Todo este processo desde que tomou conhecimento do erro em que foi induzido provocou no Autor e esposa muita ansiedade e angústia, reforçada pelo facto de os Réus desconsiderarem a sua posição mostrando até algum desprezo quando afirmam que sempre souberam da diferença de áreas.
o) O Autor terá ainda que suportar custos adicionais com a necessária correção de áreas do imóvel junto da Conservatória do Registo Predial.
p) Os Réus herdaram o prédio nas condições em que o mesmo se encontrava à data da oferta de venda, desconhecendo a razão para a divergência de área.
q) Os 1º a 5º Réus sempre estiveram convencidos de que tal diferença de áreas fosse pela 6ª Ré referenciada a eventuais interessados, de forma clara e inequívoca.
r) Sem a inclusão no escrito referido em 17 de cláusula com o teor que veio a ser dado à cláusula 3ª, o acordo não teria sido realizado, nem o escrito teria sido assinado.
s) Com a redução de preço oferecida, entenderam os 1º a 5º Réus que o risco assumido pelo Autor quando avançou para a promessa de compra se encontrava plenamente acautelado.
t) Razão pela qual, após serem por este interpelados através da missiva de 13 de Janeiro de 2021, que pugnava por nova redução de preço, com a mesma não se conformaram.
u) Em momento anterior à celebração da escritura, dispuseram-se os Réus a suportar os custos inerentes ao procedimento de correção de áreas do imóvel junto da Conservatória do Registo Predial, proposta que o Autor recusou porque uma tal correção impediria o seu propósito de nesta sede vir peticionar a redução do preço.
v) A discrepância de áreas, ainda que não exata, era conhecida do senhor GG.
w) As caraterísticas anunciadas pela 6ª Ré são somente aquelas que foram transmitidas pelos demais Réus.
x) A redução do preço permitiu ao Autor o conforto de somente realizar o levantamento topográfico após a outorga do contrato promessa de compra e de realizar a própria visita ao imóvel.
y) Os conhecimentos técnicos do Autor e o acesso privilegiado a documentação camarária já haviam esclarecido o Autor da desconformidade existente.
z) O Autor assinou o escrito referido em 17 esclarecido, ciente e com conhecimento prévio, mormente da cláusula em que aceita o estado e características do imóvel,
aa) O A. assinou o contrato promessa convencido que o seu clausulado não tinha sido objeto de alteração, quando vem a constatar a posteriori, que a cláusula 3ª havia sido alterada sem o seu conhecimento e consentimento.
bb) Quando o Autor assina o escrito referido em 17 está convencido de que o mesmo tem a redação original contendo apenas com as sugestões de alteração que fez, e tal foi-lhe confirmado por email datado de 5 de janeiro de 2021 pela 6ª Ré.
cc) O Autor informou que não aceitava a reversão do negócio, pois mantinha interesse na aquisição do imóvel, sem prejuízo do seu direito em ser ressarcido pelos danos resultantes do erro em que foi induzido.
*
Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
1. O autor, na primeira parte das suas alegações de recurso, insurge-se contra diversos pontos factuais dados como assentes na sentença recorrida, mais concretamente contra os seus nºs 17, 52, 54, 69 e 71, tendo nessa impugnação cumprido, de forma minimamente satisfatória, os ónus previstos no art. 640º do Cód. de Proc. Civil, motivo pelo qual iremos proceder à sua apreciação.
Principiemos pelo nº 17 cuja redação é a seguinte:
O Autor e os Réus CC, BB e DD, vieram a subscrever um acordo escrito, com a denominação de contrato promessa de compra e venda, tendo estes declarado vender àquele e aquele declarado comprar-lhes o prédio referido em 2, pelo preço global de €80.000,00, tendo esse escrito sido assinado pelo Autor em 10/11/2020 e pelos referidos Réus em 13/11/2020 – cfr. doc. nº 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
O autor/recorrente, tendo em conta que este ponto factual se reporta ao contrato-promessa de compra e venda celebrado em 10.11.2020, que corresponde ao documento nº 6 junto com a petição inicial, entende que a sua redação se deverá compatibilizar com o conteúdo de tal contrato.
Ou seja, através dele, os réus não declararam vender, mas sim prometer vender.
E o autor não declarou comprar, mas sim prometer comprar.
Deste modo, assistindo razão ao autor/recorrente, a redação do dito nº 17 passará a ser a seguinte:
O Autor e os Réus CC, BB e DD, vieram a subscrever um acordo escrito, com a denominação de contrato-promessa de compra e venda, tendo estes declarado prometer vender àquele e aquele declarado prometer comprar-lhes o prédio referido em 2, pelo preço global de 80.000,00€, tendo esse escrito sido assinado pelo Autor em 10/11/2020 e pelos referidos Réus em 13/11/2020 – cfr. doc. nº 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Alteração que, contudo, não terá relevância para decisão do pleito.
2. O autor/recorrente impugna depois os nºs 52 [O Autor conhecia as condições físicas do prédio visíveis do seu exterior e tinha à sua disposição as ferramentas, e conhecimentos técnicos especiais, para averiguar e tomar conhecimento da realidade física do imóvel referido em 1.] e 71 [O Autor tinha conhecimentos técnicos relativos a imobiliário e acesso a documentação camarária e estava a usufruir da assessoria de GG, que à data era estudante de arquitetura e trabalhava num gabinete dessa especialidade] da matéria de facto, sustentando que estes dois pontos factuais deveriam ser dados como não provados.
Nesse sentido refere de forma genérica as declarações de parte do legal representante da 6ª ré, II, bem como os depoimentos das testemunhas GG, KK e HH, sem indicar quaisquer concretas passagens dessas declarações e depoimentos.
Frisou, porém, que nenhuma destas testemunhas em momento algum referiu que o autor tinha especiais conhecimentos ou acesso a qualquer informação que lhe permitisse aferir a verdadeira área do terreno e que o tribunal recorrido se limitou a emitir uma opinião sobre uma situação factual, sustentando empiricamente a sua decisão.
Por seu turno, nas contra-alegações que apresentou, a 6ª ré sustenta a correção destes pontos factuais, referindo excertos das declarações de parte prestadas pelo autor e dos depoimentos produzidos pelas testemunhas GG e HH. Alude também ao teor da cláusula 3ª do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 10.11.2020.
Vejamos então.
Na motivação da decisão de facto, a propósito destes pontos factuais, a Mmª Juíza “a quo” escreveu o seguinte:
“Ficou o tribunal convencido de que o Autor tinha conhecimentos privilegiados e acesso privilegiado que lhe permitiam aferir da área do terreno, uma vez que é engenheiro e trabalha na Câmara Municipal ..., em sociedade relativa à habitação social, não podendo deixar de saber que poderia aferir da área do terreno, com rigor na documentação camarária e de forma muito aproximada através do seu visionamento, mormente aéreo na internet. Não poderia também deixar de saber que as áreas constantes da matriz e da Conservatória do Registo Predial, normalmente não se encontram corretas – o que aliás resulta do seu desabafo no e-mail que enviou a II em 27 de novembro, onde expressamente refere admitir que as mesmas não estivessem corretas – doc. nº 11 junto com a petição inicial. Tão pouco podia deixar de saber que poderia solicitar visita ao imóvel e mesmo realizar levantamento topográfico, antes de apresentar proposta ou celebrar contrato, o que não fez.”
O autor, ouvido em declarações, disse que é engenheiro na “B...”, referindo que conhecia o terreno por fora, já que estava vedado e murado. Realçou que conhece bem ... e aquela zona. Visualizou uma vez o terreno através do Google Maps, sublinhando sempre que conhece muito bem a zona, a qual lhe interessava. Disse também que é engenheiro geotécnico e que quanto ao projeto da casa havia um arquiteto amigo de há muitos anos, reformado, que tinha gosto em fazê-lo e que contactou para esse efeito. Referiu ainda que quando foi feita a proposta de 85.000,00€ falou com um amigo seu que é avaliador de imóveis qualificado, o qual lhe disse que o valor, mesmo sendo 80.000,00€, era alto, mas que os valores em ... estavam um bocado inflacionados, De qualquer modo, não sendo barato, era uma boa opção.
Por seu turno, na cláusula 3ª do contrato-promessa de compra e venda consta o seguinte:
“O Segundo contraente declara que conhece o imóvel e que o adquire nas condições físicas em que o mesmo se encontra, mais declarando ter conhecimento perfeito do teor da documentação ao mesmo referente, reconhecendo que a mesma reflete a realidade do que está a adquirir.”
A testemunha GG, no seu depoimento, disse que é designer/projectista, tendo proposto a compra do terreno ao HH e ao autor. O segundo mostrou interesse e a ideia da testemunha era fazer o projeto. Mais esclareceu que não é arquiteto, está no último ano a terminar a tese de mestrado e que trabalha apoiado num gabinete de arquitectura. Esteve presente no momento da assinatura pelo autor do contrato-promessa, na “C...”, afirmando que este leu o contrato e a seguir assinou-o.
A testemunha HH disse que a venda do terreno lhe foi proposta primeiro a si pelo GG, o qual tinha como objetivo fazer depois o projecto. Não teve interesse no negócio. Quem o teve foi o autor.
Prosseguindo, mesmo que as testemunhas GG, KK e HH e o legal representante da 6ª ré, II, nada tivessem referido sobre os especiais conhecimentos técnicos do autor no sentido de lhe permitirem tomar conhecimento da realidade física do imóvel, não podemos ignorar alguns dados importantes:
- o autor, tal como referiu por diversas vezes nas suas declarações, conhece muito bem a zona;
- é engenheiro geotécnico [a geotecnia lida com a interferência de obras de infraestrutura de qualquer natureza com a sua fundação, seja ela em solo ou rocha. O engenheiro geotécnico atua em projetos de escavação, túneis, compactação de aterros, tratamentos de fundações, instrumentação de obras, percolação de fluxos em solos e rochas, contenções entre outros[2]];
- trabalha na “B...”, empresa municipal que tem como objeto social a gestão patrimonial, social e financeira dos empreendimentos e outros fogos património do Município ...;
- foi sempre acompanhado, durante o processo negocial, por pessoas amigas, designadamente a testemunha GG, com conhecimentos técnicos especializados na área do imobiliário e da arquitetura;
- do contrato-promessa de compra e venda consta uma cláusula onde o autor declara que conhece o imóvel, as condições físicas em que este se encontra, o teor da documentação que a este se refere e que esta reflete a realidade do que está a adquirir.
Neste contexto, salientando sempre a qualidade profissional do autor, que lhe dá um conhecimento diferenciado na área da construção, do solo e da reabilitação urbana, não vemos motivos para dissentir da convicção probatória formada, neste segmento, pela 1ª Instância, razão pela qual se manterão na matéria de facto provada, sem qualquer alteração de redação, os seus nºs 52 e 71[3].
3. Seguidamente, o autor/recorrente impugna o ponto 54 da matéria de facto provada [conformando-se com esse valor abaixo do valor da avaliação, no pressuposto que a venda fosse realizada sem quaisquer condicionantes[4]], pretendendo que a sua redação passe a ser a seguinte:
- conformando-se com esse valor abaixo do valor da avaliação, no pressuposto que a venda fosse realizada sem quaisquer condicionantes, nomeadamente futuras aprovações de projeto de tal futura moradia na CM..., etc.
Conexo com este ponto factual impugna também o nº 69 da factualidade provada [O risco de eventual discrepância de áreas contribuiu para que os 1º a 5º Réus aceitassem um preço muito inferior ao anunciado], que entende dever ser dado como não provado.
No sentido destas alterações indica excertos das declarações de parte prestadas pelo legal representante da 6ª ré, II e o conteúdo dos documentos nºs 1 e 2 juntos com a contestação dos réus vendedores.
Em sentido contrário, nas contra-alegações que apresentou, a 6ª ré aludiu, a propósito destes pontos factuais, a excertos das declarações de parte do autor e do seu legal representante e ao documento nº 1 junto com a contestação dos réus vendedores.
Vejamos então.
Na motivação da decisão de facto, com importância para estes dois pontos factuais, a Mmª Juíza “a quo” escreveu o seguinte:
“Relativamente ao modo como os 1º a 5º Réus abordaram a 6º Ré e o que combinaram com ela, mormente quanto à avaliação; a advertência quanto à incerteza da área; ao valor que aceitaram publicitar; à aceitação do preço mais baixo do que o […] pretendido se a venda fosse sem quaisquer condicionantes e à realização da avaliação pela 6ªa Ré, o tribunal levou em conta o teor dos documentos nºs 1 e 2 juntos com a contestação dos primeiros Réus. Face a todo o circunstancialismo e porque tal decorre das regras da experiência comum, ficou ainda o tribunal convencido de que a incerteza dos primeiros Réus quanto à área do imóvel contribuiu para que aceitassem um preço consideravelmente mais baixo do que o valor da própria avaliação.”
Desde logo se verifica que a afirmação feita pelo autor/recorrente de que relativamente ao facto nº 69 há manifesta falta de fundamentação – conclusão 13 - não colhe, atendendo a que a prova deste facto, face à argumentação explanada na sentença recorrida, assenta, em termos probatórios, nos documentos nºs 1 e 2 juntos com a contestação dos 1ºs réus e nas regras da experiência comum.
Prosseguindo.
O legal representante da 6ª ré, II, ouvido em declarações, disse que logo no primeiro mail que foi enviado pelo réu FF ficou a saber que os vendedores não estavam certos da correção das áreas[5]. Porém, da análise que fez da documentação recebida, confrontando a caderneta predial com a certidão de teor, concluiu que as áreas eram condizentes. Disse também que fizeram uma avaliação e um estudo de mercado. Foi feita proposta de compra pelo valor de 75.000,00€ que apresentou aos vendedores e iniciou-se um processo de negociação. Tentou-se 85.000,00€, que era o valor mínimo pretendido, mas acabou por se chegar a acordo pelo valor de 80.000,00€, por não haver PIP[6] e também não haver projeto. Referiu ainda que a avaliação foi feita tendo por base a área de 305m2, até porque nesse momento não tinha nada que dissesse o contrário.
Por seu turno, o autor, em declarações de parte, disse que conhece muito bem a zona, a qual lhe agradava e o prédio interessava-lhe pela localização e também pela exposição solar. Instado sobre a possibilidade que lhe foi colocada pelos vendedores de se resolver o negócio e de lhe ser devolvido o sinal em singelo respondeu que queria comprar.
Quanto ao documento nº 1 junto com a contestação dos réus vendedores corresponde a um conjunto de mails trocados entre os intervenientes no processo negocial [o réu vendedor FF; II, legal representante da 6ª ré; o autor; GG], processo esse que se concluiu com a celebração da escritura de compra e venda relativa ao imóvel dos autos
O documento nº 2, por seu lado, corresponde à avaliação do terreno efetuada pela 6ª ré, onde se concluiu pelo valor de 91.437,50€ com referência a uma área de 305m2.
Da leitura dos mails, que constituem o documento nº 1, decorre logo do primeiro de todos eles – enviado por FF, 5º réu, para a “C...”, em 23.6.2020, e transcrito na parte relevante na nota 3 – a preocupação dos vendedores quanto à correção da área do imóvel.
Depois o processo negocial, contido nos mails, desenvolve-se sem outras referências à questão da área. O imóvel foi colocado à venda pela importância de 105.000,00€. O autor apresentou uma proposta de compra no montante de 75.000,00€ e seguidamente surgiu uma contraproposta pelo valor de 85.000,00€, assim justificada no mail enviado em 20.10.2020 pelo réu FF para II: “Relativamente à contraproposta de 85k parece-nos bem, no pressuposto que a venda fosse realizada sem condicionantes, nomeadamente futuras aprovações do projecto de tal futura moradia na CM..., etc.”.
A negociação acabou por se consolidar no valor de 80.000,00€ - cfr. mails do autor para GG [28.10.2020] e de FF para II [30.10.2020].
Sucede que depois da assinatura do contrato-promessa de compra e venda, em 10.11.2020, o autor enviou o seguinte mail a II, no dia 27.11.2020:
“(…) No seguimento do CPCV assinado, fui adiantando trabalho e mandei fazer o levantamento topográfico do terreno.
Para meu espanto a área total do terreno são 264,4 m2 e não 305 m2, como me foi informado e que está inscrito na Caderneta Predial e na Certidão de Registo.
Eu admitia que pudesse haver uma diferença de meia dúzia de metros, mas nunca imaginei uma diferença tão grande, uma vez que estamos a falar de 40,6 m2 ou seja o terreno tem menos 13,33% de área do que me foi proposto comprar.
Como o II com certeza compreenderá quando analisamos o valor a pagar por um terreno temos sempre em conta a área do mesmo, nomeadamente, para sabermos quanto estamos a pagar por m2.
Ou seja, foi-me proposto comprar um terreno com 305 m2 por 80.000,00€, que dava um preço por m2 de 262,30€, e agora venho a verificar que, para além de perder área de construção ou área de logradouro, estou a pagar um valor de 301,57€ por m2 o que é inaceitável.
Agradeço que o II analise esta situação e me informe como vamos resolver este problema uma vez que mantenho o interesse no terreno, mas não estou disponível para pagar o mesmo valor por muito menos terreno.
Por seu turno, sobre esta questão da discrepância da área, o réu FF enviou a II, em 3.12.2020, o seguinte mail:
Após breve análise do sucedido informo que este assunto se encontra em análise mais profunda.
Mais surpreendidos do que o Eng. AA ficaram vários dos proprietários pois esta situação tinha sido acautelada. Seria de esperar que o Eng. AA verificasse as dimensões físicas do terreno antes de assinar um documento onde indica que as conhece e aceita. Quero acreditar que o fez, até porque não fomos nós a limitar no tempo a assinatura do CPCV, bem pelo contrário.
Agradeço que não avance qualquer sugestão de redução de preço ao comprador pois não me parece neste momento provável que tal venha a ocorrer. Assim que tiver uma resposta de todos entrarei em contacto.
Nos entretantos o CPCV assinado por todos mantém validade.
Ora, resulta dos autos que os vendedores aceitaram para o negócio um valor bem inferior (80.000,00€) ao que fora inicialmente publicitado para venda do imóvel (105.000,00€) e até ao que decorria da avaliação realizada pela ré mediadora (91.437,50€).
Entre as razões que contribuíram para que os réus vendedores aceitassem uma proposta de compra por montante abaixo dos valores de avaliação e de anúncio de venda conta-se seguramente o receio de eventuais discrepâncias relativamente à área do imóvel, o que, de resto, é logo referido no primeiro mail enviado pelo réu FF para a “C...” em 23.6.2020[7] e depois reafirmado, uma vez suscitada a questão da área pelo autor, no mail enviado pelo mesmo réu para II, legal representante da 6ª ré, em 3.12.2020[8], ambos acima transcritos.
Por isso, não podemos deixar de concordar com a Mmª Juíza “a quo” quando esta escreve em sede de fundamentação que “[f]ace a todo o circunstancialismo e porque tal decorre das regras da experiência comum, ficou ainda o tribunal convencido de que a incerteza dos primeiros Réus quanto à área do imóvel contribuiu para que aceitassem um preço consideravelmente mais baixo do que o valor da própria avaliação.”
Isto não quer dizer que não tenham havido outras razões que possam ter influído na decisão dos vendedores em aceitar uma significativa redução do preço em relação ao inicialmente publicitado, mas a eventual discrepância quanto a áreas foi seguramente uma delas.
Neste contexto, entendemos que os nºs 54 e 69 deverão permanecer na matéria de facto sem qualquer alteração de redação.
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Em suma:
- A impugnação da matéria de facto procede apenas no tocante ao nº 17 da factualidade assente cujo teor (sem qualquer repercussão na solução jurídica do litígio) passará a ser o seguinte:
O Autor e os Réus CC, BB e DD, vieram a subscrever um acordo escrito, com a denominação de contrato-promessa de compra e venda, tendo estes declarado prometer vender àquele e aquele declarado prometer comprar-lhes o prédio referido em 2, pelo preço global de 80.000,00€, tendo esse escrito sido assinado pelo Autor em 10/11/2020 e pelos referidos Réus em 13/11/2020 – cfr. doc. nº 6, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
- No mais a impugnação da matéria de facto improcede, mantendo-se na factualidade assente, sem modificação de redação, os seus nºs 52, 54, 69 e 71.
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II – A aplicação ao caso do disposto nos arts. 888º, nº 2 e 913º do Cód. Civil
1. Conforme resulta do nº 1 da matéria de facto o autor celebrou com os cinco primeiros réus, em 17.2.2021, contrato de compra e venda relativo a um prédio urbano composto por uma casa de rés-do-chão, com quintal e mais pertenças, com a área coberta de 37 m2 e a área descoberta de 268 m2, sito na Travessa ou Lugar ..., sem número, União das freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ... da Freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., pelo preço de 80.000,00€.
O autor/recorrente pugna nos presentes autos pelo seu direito à redução do preço ao valor de 69.350,82€, ao abrigo do disposto no art. 888º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil, e consequente condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 10.649,18€.
Desatendida a sua pretensão pela 1ª Instância, vem sustentá-la de novo, agora em via recursiva.
Vejamos então.
2. No art. 888º do Cód. Civil preceitua-se o seguinte:
«1. Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.
2. Se, porém, a quantidade efetiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional
Reporta-se este artigo à denominada venda ad corpus, em que há uma venda de coisas determinadas sem que o preço tenha sido estabelecido a tanto por unidade. Neste caso, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade. No entanto, o seu nº 2 tempera esta regra: se a quantidade efetiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço é reduzido ou aumentado proporcionalmente. Salienta MENEZES CORDEIRO (in “Tratado de Direito Civil”, XI, Contratos em Especial (1ª Parte), Almedina, 2019, pág. 161) que “[e]sta regra tem conhecido aplicação prática nos casos da venda de terrenos, verificando-se, depois, que a área prevista não corresponde à realidade.”[9]
O vigésimo de discrepância representa uma «carência» imposta pela lei às partes[10], sendo que esta interpretação implica o entendimento que, até tal limite, vendedor e comprador correm o risco de a quantidade real ser discrepante da real. “Nestes termos, o aumento ou redução proporcional do preço apenas atinge a diferença que exceda o vigésimo, o mesmo é dizer que um vigésimo de discrepância não tem qualquer efeito sobre o preço nem confere o direito à diferença[11]. (…) O vigésimo deve entender-se como o risco que, supletivamente, a lei aloca aos contraentes que optam por fixar, na venda de coisas determinadas, um preço global. Este vigésimo é considerado como um desvio normal na compra e venda ad corpus e que não afeta a estabilidade do contrato nos termos acordados, isto é, como um facto sem influência sobre o preço fixado e que impede a sua resolução (artigo 891º).” – cfr. FERNANDO OLIVEIRA E SÁ, “Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial”, Universidade Católica, 2023, pág. 78.
3. Porém, diverso é o regime do erro sobre a qualidade da coisa vendida, o qual cai no âmbito do incumprimento contratual, mais concretamente no da venda de coisa defeituosa prevista no art. 913º, nº 1 do Cód. Civil, o qual estatui o seguinte:
«1- Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção antecedente em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes».
Ao submeter o vício e a falta de qualidade ao mesmo regime, a lei equipara-os e privilegia a idoneidade do bem para o fim a que se destina – critério funcional –, “pois o que importa é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Nesta medida, um produto defeituoso é aquele que é impróprio para o uso concreto a que é destinado contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria se do contrato não resultar o fim a que se destina” – cfr. CALVÃO DA SILVA, “Responsabilidade Civil do Produtor”, Colecção Teses, Almedina, págs. 188/189.
Assim, conforme se afirma no Ac. STJ de 14.7.2016 (p. 1047/12.0TVPRT.P1.S1, relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA, disponível in www.dgsi.pt.), «[s]ituações há na venda ad corpus em que a divergência de quantidade pode consubstanciar falta de qualidade funcional da coisa vendida e subsumir-se à previsão do artigo 913º. Tal acontece, designadamente, quando a divergência de quantidade impede a cabal realização do fim a que o bem vendido se destina, o que o desvaloriza, não se limitando à mera desproporção ou desconformidade entre a quantidade real e o preço contratado.
Sobre esta matéria escreveu Antunes Varela: “a nossa inclinação, em face da lei portuguesa, é no sentido de não considerar, em princípio, incluídas no conceito legal de qualidades da coisa vendida os factores externos traduzidos no número, peso ou medição da coisa.
Os primeiros elementos que a doutrina e a jurisprudência alemãs integram geralmente no conceito (legal) de qualidades da coisa são as propriedades naturais ou intrínsecas da substância de que a coisa é formada (como a solidez, a flexibilidade, a dureza, a secura, a ductibilidade, a permeabilidade, a resistência ao frio e ao calor, a elasticidade, a leveza, etc.) bem como o estado ou situação em que a coisa se encontra (não usada ou em primeira mão; já usada ou em segunda mão; com muito ou pouco uso; desgastada ou não desgastada; nova ou antiga) ou a sua aptidão para determinado fim.
Outros elementos que a riquíssima jurisprudência alemã e italiana têm englobado no núcleo das qualidades da coisa dizem já respeito, não à constituição intrínseca da coisa, mas ao seu relacionamento com o meio exterior ou ambiente como certos factores de valorização dela (casa de praia, casa na serra, casa junto ao lago, casa junto à estação do metro ou da estação de camionagem, etc.)”- Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 119.º, 1986/1987, pág. 344.
Contrariando o pensamento de Antunes Varela, observa Pedro Romano Martinez, que, embora o peso, o número ou o tamanho, enquanto factores externos, não integrem o conceito legal de qualidade, os mesmos podem assumir-se como «factores internos», na medida em que identifiquem a qualidade da coisa, referindo aquele autor, a título de exemplo, os casos de um objecto em prata com peso inferior ao indicado no catálogo do antiquário ou de um terreno vendido para construção com área inferior à constante da proposta do vendedor - Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, pág. 217…»
Em suma, nestes casos, o peso ou a medição da coisa estão incluídos na noção legal de qualidade e sempre que a falta de quantidade esteja intimamente ligada com a qualidade do bem, ela é, em si mesma, um defeito.
De resto, conforme já se referiu e tal como assinala PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., págs. 216 e 218), “[a] situação mais relevante em que a falta de quantidade pode constituir um defeito verifica-se nas hipóteses de contratos de compra e venda de imóveis, em especial de terrenos”, acrescentando este ilustre Professor que “quando a falta de quantidade constitui um vício, aplica-se o regime do cumprimento defeituoso.”
Por conseguinte, nestes casos, está aberta para o comprador um conjunto de possibilidades, como sejam, designadamente, a resolução do contrato e a redução do preço, sempre cumuláveis com a indemnização.
4. Regressando ao caso concreto, verifica-se que o autor/comprador pugna pela redução do preço, com apoio nos arts. 888º e 913º do Cód. Civil.
Da factualidade assente decorre que os cinco primeiros réus venderam ao autor um imóvel que declararam ter a área total de 305m2, sendo 37m2 de área coberta e 268m2 de área descoberta, pelo montante de 80.000,00€, donde se constata estarmos perante a venda de uma coisa determinada em que o preço foi fixado globalmente, e não à razão de um tanto por unidade, tratando-se, pois, de uma venda “ad corpus”.
Sucede que o imóvel só tem 264,40m2 – nº 24 -, ou seja menos 40,60m2 do que foi declarado na escritura de compra e venda, o que significa que a diferença de área, para menos, excede o vigésimo a que se refere o art. 888º, nº 2 do Cód. Civil, donde a situação poderá ser subsumível a esta disposição legal.
Por outro lado, essa diferença de área limita também a capacidade construtiva do imóvel, considerando as exigências do PDM de Matosinhos para o local e reduz igualmente o seu valor – nº 25.
Assim, tendo o autor adquirido esse imóvel para aí construir uma moradia com logradouro, a divergência para menos quanto à área deste afeta a função a que o autor o destinava, uma vez que só poderá aí construir uma moradia de menor dimensão, pelo que seria possível subsumir a situação também ao preceituado nos arts. 913º e 911º[12] do Cód. Civil.
5. Contudo, face às especificidades que caracterizam o presente caso, teremos de concluir, em sintonia com a 1ª Instância, que não assiste ao autor o invocado direito à redução do preço, desde logo porque quando este celebra com os réus vendedores o contrato de compra e venda do imóvel, em 17.2.2021, não se encontrava em erro sobre a sua área, pois conhecia a divergência existente, quanto a esta, a partir da realização do levantamento topográfico, em 24.11.2020.
Para além disso, também não se pode ignorar que do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 10.11.2020 constava a cláusula 3ª com a seguinte redação:
O Segundo contraente declara que conhece o imóvel e que o adquire nas condições físicas em que o mesmo se encontra, mais declarando ter conhecimento perfeito do teor da documentação ao mesmo referente, reconhecendo que a mesma reflete a realidade do que está a adquirir”.
Tal como se afirma na sentença recorrida, “aceitando a referida cláusula, como aceitou, o Autor reconheceu que conhecia fisicamente o imóvel prometido vender e aceitou comprá-lo nas condições físicas em que o mesmo se encontrava, mormente com a área que efetivamente tinha.”
E se o autor não leu esta cláusula ou não lhe conferiu o seu verdadeiro significado, tal facto só a ele é imputável.
De qualquer modo, ainda que se abstraísse da existência desta cláusula, a outorga do contrato-promessa de compra e venda pelo autor em erro quanto à área do imóvel o que lhe facultaria seria o direito à anulação de tal contrato-promessa, em consonância com o disposto no art. 251º do Cód. Civil, ficando as partes desvinculadas das obrigações contratualmente assumidas, o que implicaria a restituição do valor correspondente ao sinal prestado nos termos do art. 289º do mesmo diploma.
Essa solução foi, de resto, proposta pelos réus promitentes-vendedores, mas o autor promitente-comprador não a aceitou, porque mantinha interesse na aquisição do imóvel, embora com redução do preço – cfr. nºs 27 a 32.
Sucede que a redução de preço não foi aceite pelos vendedores.
Aliás, na sequência do que se tem vindo a expor, terá que se realçar que o autor, neste caso, não tinha direito a exigir a redução do preço acordado para a futura venda, com base nos preceitos legais que vêm sendo referidos, desde logo porque estes – arts. 888º e 913º do Cód. Civil – não são de aplicar a contratos-promessa, mas tão-só aos contratos de compra e venda efetivamente celebrados.
Com efeito, o contrato-promessa apenas obriga à celebração do contrato definitivo, sendo que o efeito translativo da propriedade só ocorre com a celebração do contrato “definitivo” de compra e venda.
Neste caso concreto, o caminho adequado a seguir pelo autor seria, face à comprovada divergência de área, o de aceitar a anulação do contrato-promessa e não o de avançar para a celebração do contrato de compra e venda referente ao imóvel, com o pagamento do preço acordado de 80.000,00€.
O que fez, porque, mesmo sabendo da referida desconformidade da área, mantinha interesse na realização do contrato.
Por conseguinte, ainda que o autor tivesse inicialmente incorrido em erro quanto à área do imóvel, veio a aceitar comprá-lo com a área que realmente tem – 264,40m2 – e pelo preço acordado no contrato-promessa – 80.000,00€.
Ou seja, no momento em que outorga o contrato de compra e venda o autor/comprador sabe qual é a área real do prédio, a qual diverge da que foi consignada na escritura, e, por isso, não é possível integrar a situação “sub judice” na disciplina do art. 888º do Cód. Civil.
E se considerássemos, por outro lado, que a diferença de área consubstanciava defeito da coisa vendida, certo é que esse defeito era do conhecimento do autor à data da celebração da escritura, pelo que, ao celebrá-la, aceitou a existência desse defeito e, por consequência, deixou de poder lançar mão do regime legal previsto para a venda de coisas defeituosas e mais concretamente do disposto nos arts. 913º e 911º do Cód. Civil.
Como tal, em consonância com a sentença recorrida, entende-se que a pretensão do autor/recorrente no sentido da redução do preço fundada nestes dois preceitos legais não pode proceder, razão pela qual se impõe a sua confirmação e a consequente improcedência do recurso interposto.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo do autor/recorrente.

Porto, 16.1.2024
Rodrigues Pires
Maria da Luz Seabra
Anabela Dias da Silva
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[1] 04/01/2021 (ocorre aqui manifesto lapso).
[2] Cfr. pt.wikipedia.org.
[3] De referir ainda que não se divisa qualquer contradição entre o nº 52 e o nº 35 da matéria de facto cuja redação é a seguinte: “O Autor não assumiu, quer nas negociações tendentes à concretização do negócio, quer com a assinatura do escrito referido em 17, quer após a celebração do mesmo, qualquer ónus para quantificar a divergência de áreas do imóvel.”
[4] O antecedente nº 53, como qual o ponto 54 se interliga, tem a seguinte redação: “Após processo de negociação, os 1º a 5º Réus admitiram fixar o valor de venda em €80.000,00.”
[5] Nesse mail enviado no dia 23.6.2020, para a “C...”, FF escreveu: “Estamos a pensar vender um pequeno terreno com uma moradia devoluta na Rua ... (entre número ... e ...), com 305m2 (moradia devoluta com 37m2, não estou certo que estas áreas estejam corretas).”
[6] Pedido de Informação Prévia [é um modo facultativo de obter informação acerca de determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente associadas que se pretendem executar]
[7] “Estamos a pensar vender um pequeno terreno com uma moradia devoluta na Rua ... (entre número ... e ...), com 305m2 (moradia devoluta com 37m2, não estou certo que estas áreas estejam corretas).”
[8] “Mais surpreendidos do que o Eng. AA ficaram vários dos proprietários pois esta situação tinha sido acautelada.”
[9] Cfr. também MENEZES LEITÃO, “Direito das Obrigações”, Vol. III – “Contratos em Especial”, 5ª ed., págs. 75/76.
[10] Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., pág. 185.
[11] Em sentido diverso – de que, ao abrigo do art. 888º, nº 2, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional na totalidade e não apenas na parte que excede um vigésimo – cfr. MENEZES LEITÃO, ob. cit., pág. 76 e Ac. STJ de 7.4.2011, proc. 453/07.6TBAMR.G1.S1, relator SALAZAR CASANOVA, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Estatui o seguinte este preceito no seu nº 1: «Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir.»