Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ MANUEL CORREIA | ||
Descritores: | CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO RESOLUÇÃO INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RP202412112568/23.4T8GDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O regime da perda do benefício do prazo e da resolução do contrato de crédito aos consumidores constante do art.º 20.º do D.L. 133/2009, de 02/06, dada a sua especificidade e imperatividade (v. o seu art.º 26.º), constitui um regime especial que, enquanto tal, derroga o regime geral do Código Civil em matéria de dívidas liquidáveis em prestações. II - À luz do citado artigo, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, estiverem verificados os seguintes requisitos: (i) que o devedor não tenha liquidado pelo menos duas prestações; (ii) que se trate de prestações sucessivas (e não, por conseguinte, interpoladas); (iii) que tais prestações representem mais do que 10% do montante do crédito (o mesmo é dizer que se trate de um incumprimento especialmente qualificado). III - De harmonia com o preceito, exige-se, ainda, ao credor o recurso a uma interpelação admonitória do devedor, interpelação por via da qual lhe conceda um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. IV - Quer o direito que ao accipiens é atribuído no preceito de operar a perda do benefício do prazo, quer o direito que também lhe é atribuído de resolver o contrato, obedecem exatamente aos mesmos pressupostos previstos no referido preceito; isto, sem prejuízo de, quanto à resolução, esta carecer de nova declaração dirigida ao solvens, persistindo este no incumprimento depois da referida interpelação admonitória (art.º 436.º, n.º 1 do CC). V - A resolução do contrato pressupõe, portanto, a prévia interpelação admonitória, estabelecendo-se entre ambas, por isso, uma relação biunívoca; a validade e eficácia daquela resolução pressupõe, assim, que todos os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º do D.L. 133/2009, de 02/06 estejam verificados logo no momento da interpelação, não bastando que se verifiquem em momento posterior, nomeadamente, aquando da declaração de resolução. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2568/23.4T8GDM.P1 - Recurso de apelação Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 2 Recorrente: Banco 1..., S.A. Recorridos: AA e BB .- Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… *** .- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,I.- Relatório .- Banco 1..., S.A. instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que, pela sua procedência: i.- se reconheça o seu direito de crédito sobre os Réus no valor de € 18.348,56; ii.- se condene os Réus a pagar-lhe esse valor de € 18.348,56, acrescido de juros vincendos, até efetivo e integral pagamento. Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte. No exercício da sua atividade, celebrou com os Réus, em 12 de Novembro de 2021, um contrato de financiamento, com o n.º ..., para aquisição a crédito de um veículo automóvel, no valor de € 15.958,81, correspondente: ao capital mutuado de € 13.400,00; ao imposto de selo de € 421,03; e ao seguro de proteção ao crédito de € 2.137,78. O contrato previa, ainda, uma TAEG de 11,8 % e uma taxa anual nominal de 10,193 %. Concedido o crédito, os Réus estavam obrigados ao reembolso do valor mutuado em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, cada uma no valor de € 216,24, a liquidar por débito directo na conta bancária por eles indicada; contudo, durante a vigência do contrato efetuaram apenas os seguintes pagamentos: € 244,99, em 02-03-2022; € 200,00, em 16-05-2022; € 50,00, em 16-05-2022; € 262,66, em 06-06-2022; € 235,00, em 30-06-2022; e € 460,00, em 09-09-2022. Perante o incumprimento dos Réus, foram estes inseridos em PERSI; nunca responderam, porém, ao solicitado pelo Autor, pelo que este diligenciou pelo encerramento do procedimento, o que ocorreu em 21-09-2022. Apesar das interpelações no sentido do pagamento, os Réus nunca regularizaram os valores em dívida, sendo que, em 12-01-2023, foi-lhes concedida uma última oportunidade de o fazerem, mediante o pagamento da totalidade do valor até então em atraso, de € 1.157,88 e num prazo de 15 dias, sob pena de se considerar o contrato definitivamente incumprido. Persistindo os Réus no incumprimento, foi o contrato resolvido em 22-04-2023, estando, então, em dívida o valor de € 19.016,32, correspondente a: capital em dívida de € 15.332,84; juros remuneratórios de € 1.069,47, juros moratórios de 73,44; cláusula penal indemnizatória de € 2.211,47; despesas contratuais com imposto de selo de 96,00; imposto de selo de € 138,02; e imposto de selagem da livrança de € 95,08. A perda do benefício do prazo, em caso de resolução, da fração de capital das prestações vincendas foi expressamente convencionada na cláusula 14.ª das Condições Gerais do Contrato. Resolvido o contrato, os Réus efetuaram, ainda, dois pagamentos: um de € 500,00, em 22/05/2023; e outro de € 400,00, em 23/05/2023; estão em dívida, por isso, € 18.116,32, valor este ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data de vencimento da carta de resolução do contrato, isto é, 04-05-2023, computando-se os vencidos à data da propositura da ação em € 232,24, até efetivo pagamento. * Válida e regularmente citados, os Réus não apresentaram contestação.* Julgados confessados, por despacho adrede proferido, os factos articulados na petição inicial, foi cumprido o disposto no art.º 567.º, n.º 2 do CPC, tendo o Autor apresentado as suas alegações, reiterando a sua posição exposta naquele articulado.* Foi proferida sentença, na qual, além de fixado em € 18.348,56 o valor da causa, foi a ação julgada parcialmente procedente e, consequentemente, condenados os Réus a pagarem ao Autor a quantia de € 4.567,03, acrescida de juros, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para as operações civis, desde a citação e até integral pagamento.* Inconformado com esta decisão, veio o Autor interpor o presente recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que julgue o mútuo dos autos resolvido e os Réus condenados no pagamento das quantias de capital e de juros peticionadas na ação.Para o efeito, formulou as seguintes conclusões: “A.- O presente recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo nos autos acima identificados, pela qual “decide-se julgar parcialmente procedente, por totalmente provada, a presente acção e, em consequência condenar os Réus AA e BB a pagarem ao Autor Banco 1..., S.A., a quantia de € 4.567,03 (quatro mil, quinhentos e sessenta e sete euros, e três cêntimos), acrescida de juros, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para as operações civis, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.” B.- na medida em que, entende o tribunal a quo que o valor que a Autora exigiu aos Réus era inferior a 10% do valor total do crédito. C.- Com a decisão proferida, o Meritíssimo Juiz a quo incorre em manifesto erro de interpretação, em clamoroso erro de julgamento que conduz à injustiça da decisão perante a verdade material. D.- A Recorrente instaurou a presente acção reclamando a condenação dos Réus no pagamento, a seu favor, da quantia de € 18.348,56 (dezoito mil, trezentos e quarenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento, atendendo o seu incumprimento das obrigações contratualmente associadas. E.- O Tribunal a quo deu como provada que a Recorrente havia feito a interpelação admonitória pela qual vai concedida uma oportunidade aos Réus de regularizar a totalidade do valor até então em atraso, F.- Assim como deu como provado que a Recorrente remeteu aos Réus as cartas de resolução datadas de 22/04/2023. G.- O que ficou acordado entre as partes foi que a Autora poderia resolver o contrato se estivessem reunidas duas condições cumulativas: 1 - estivesse em falta o pagamento de duas prestações sucessivas que no seu conjunto ultrapassassem 10% do Montante Total do Crédito; 2 - tivesse sido concedido aos Réus um prazo suplementar mínimo de 15 dias para procederem ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas de eventual indemnização devida, com expressa advertência da perda do benefício do prazo ou da resolução do Contrato, H.- No caso em concreto, a Recorrente lança mão da resolução do contrato de mútuo a 22/04/2023 e decorridos três meses sobre o envio das interpelações admonitórias datadas estas de 12/01/2023, tendo-se vencido mais 3 prestações no valor de € 216,24 (duzentos e dezasseis euros e vinte e quatro cêntimos) cada uma. I.- Pelo que na altura do envio das cartas de resolução se acham já em falta o pagamento de mais de duas prestações sucessivas e que no seu conjunto ultrapassam 10% do Montante Total do Crédito. J.- Incorreu o Meritíssimo Juiz a quo em erro de julgamento, tendo, de forma absolutamente injustificável, julgado contra a prova produzida nos autos. K.- Acresce que o Tribunal a quo desconsiderou os termos contratuais estabelecidos e aceites pelas Partes, que previam o pagamento de juros moratórios pelo atraso de cada prestação, não sendo necessário ter sido peticionado pela Recorrente, L.- Na medida em que no entendimento desta o contrato havia sido resolvido, e bem resolvido, e nessa medida peticionados todos os valores de facto devidos. M.- Ou seja, também mal andou o Tribunal a quo quando determinou que o “… A. terá apenas direito … a quantia de € 4.567,03, acrescida de juros, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para as operações civis (não foi pedida qualquer outra), calculados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.”.” * Os Réus não responderam ao recurso.* O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.* Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* * II.- Das questões a decidir* O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes: i.- da validade e eficácia da resolução do contrato dos autos pelo Apelante; ii.- na afirmativa quanto ao ponto i, do direito do Apelante às prestações vincendas devidas pelos Apelados no âmbito do contrato que celebraram, aos juros remuneratórios contratualmente estipulados e à indemnização legal e contratual pelo incumprimento; iii.- na negativa quanto ao ponto i, da data a partir da qual são devidos juros moratórios sobre as prestações vencidas, cujo dever de pagamento pelos Apelados foi reconhecido na sentença recorrida. * * III.- Da Fundamentação* III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos: 1.- O A. é uma Instituição de Crédito cujo objeto social se constitui pelo exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa atividade e permitidas por lei. 2.- No exercício dessa sua actividade, através de documento particular intitulado “contrato de crédito”, subscrito em 12/11/2021, ao qual foi atribuído pelo A. o número ..., resultante da proposta n.º ..., concedeu aos RR. AA e BB (na qualidade de “clientes”) um financiamento no valor de € 15.958,81 (quinze mil, novecentos e cinquenta e oito euros e oitenta e um cêntimos). 3.- Correspondendo o referido valor ao capital emprestado de € 13.400,00 (treze mil e quatrocentos euros), acrescido do Imposto de selo no montante de € 421,03 (quatrocentos e vinte e um euros e três cêntimos) e o valor do seguro de proteção ao crédito no valor de € 2.137,78 (dois mil, cento e trinta e sete euros e setenta e oito cêntimos). 4.- Previa-se no documento supra referido que o crédito venceria juros à TAEG de 11,8% e taxa anual nominal de 10,193%. 5.- Na cláusula 14.2 das condições gerais associadas ao mesmo, estipulava-se que “O Banco poderá resolver o Contrato por meio de comunicação em papel ou noutro Suporte Duradouro, considerando-o definitivamente incumprido, se, cumulativamente: a) O cliente faltar ao pagamento de duas prestações sucessivas que no seu conjunto, ultrapassem 10% do Montante Total do Crédito; e b) Ter o Banco, sem sucesso, concedido ao Cliente um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com expressa advertência da perda do benefício do prazo ou da resolução do Contrato”. 6.- E, na cláusula 14.3, que “Com a resolução do Contrato são devidas todas as prestações vencidas e não pagas, acrescidas de juros moratórios, eventuais comissões e sanções contratualmente previstas, bem como a parte de capital de todas as prestações vincendas”. 7.- Mais acordaram A. e RR., na cláusula 19ª das mesmas condições gerais, que “As comunicações escritas expedidas pelo Banco serão dirigidas aos endereços contantes no Contrato, salvo se outros lhe foram posteriormente comunicados nos termos do número seguinte, e quando registadas, presumem-se feitas, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte se esse o não for. (…)”, devendo a alteração dos endereços ser “comunicada ao Banco, em papel ou noutro suporte duradouro, nos 30 dias subsequentes à referida alteração, acompanhada do respetivo comprovativo que sustente essa alteração, quando aplicável”, mais se referindo que “As comunicações têm-se por efectuadas se só por culpa do destinatário não forem por ele oportunamente recebidas”. 8.- Aquando da avaliação da possibilidade de concessão do crédito pelo A., facultaram os RR documentos e informações pessoais relativos à sua condição financeira. 9.- À data, o A. aferiu junto da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal que os RR não apresentavam quaisquer reportes de incumprimento. 10.- Após esta avaliação, foi o crédito concedido e o montante referido disponibilizado aos RR. 11.- O empréstimo em questão tinha como objeto o financiamento da aquisição pelos RR do veículo automóvel da marca BMW, modelo ..., com a matrícula AL-..-JP, datada do pretérito mês de Dezembro de 2008. 12.- No documento aludido, obrigaram-se os RR. ao reembolso do valor mutuado em 120 (cento e vinte) prestações mensais, postcipadas, iguais e sucessivas, cada uma no valor de € 216,24 (duzentos e dezasseis euros e vinte e quatro cêntimos). 13.- As suprarreferidas prestações deveriam ser pontualmente liquidadas pelos RR por via de débito direto, a realizar, aquando do vencimento daquelas, na conta bancária indicada pelos RR., com o IBAN .... 14.- Contudo, os RR. apenas efectuaram os seguintes pagamentos: a. € 244,99 em 02/03/2022; b. € 200,00 em 16/05/2022; c. € 50,00 em 16/05/2022; d. € 262,66 em 06/06/2022; e. € 235,00 em 30/06/2022; f. € 460,00 em 09/09/2022. 15.- O A. intentou por diversas vezes contacto com os RR. por forma a que estes procedessem ao pagamento dos valores em dívida, nomeadamente por via de contacto telefónico. 16.- Aquando dos contactos telefónicos supra referidos, o R. BB informou de que estava com dificuldades em proceder aos pagamentos. 17.- No dia 31 de Agosto de 2022, a Autora promoveu a implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) ao crédito acordado com os RR. 18.- Por forma a efetivar a referida integração, a A. solicitou aos RR informações e documentos para análise do processo. 19.- Os RR nunca responderam à solicitação da A. supra mencionada. 20.- Pelo que o A. promoveu o encerramento do PERSI em 21 de Setembro de 2022. 21.- O A. promoveu novos contactos com os RR., tendo o Réu BB dado a saber que faria o pagamento dos montantes em atraso até ao dia 30/11/2022. 22.- Contudo, os RR. não liquidaram as prestações em atraso, nem tampouco realizaram qualquer pagamento. 23.- O A. tentou novamente dar uma oportunidade a estes para regularizarem os valores em dívida, por via postal, através de cartas datadas dos dias 28/10/2022 e 07/12/2022. 24.- Ainda assim, não procederam os RR. a qualquer pagamento. 25.- Em 12/1/2023, a A. remeteu aos RR. cartas para a morada constante do “contrato de crédito” supra referido, nas quais refere, para além do mais, que “Verificamos à data, apesar de todas as diligências efetuadas com vista à sua regularização, que o seu contrato apresenta valores em atraso, decorrentes do não pagamento das prestações convencionadas, desde 2022-09-01, no montante global de 1.157,88 € EUR, conforme se discrimina no verso desta carta. Concedemos-lhe uma última oportunidade para regularizar a totalidade do valor em atraso 1.157,88 € EUR, o que aguardamos por um período de 15 (quinze) dias contados a partir do 3º dia subsequente à data de emissão da presente carta. Advertimos que, caso não seja regularizada a totalidade do valor em dívida dentro do prazo fixado para o efeito, e verificada a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10 % do montante total do crédito, conforme artº 20 do DL 133/2009, o Banco 1... S.A. considera o contrato definitivamente incumprido, pelo que irá resolvê-lo e exigir judicialmente o pagamento da totalidade do capital em dívida 15.332,84 € EUR, imputando-lhe as sanções contratualmente previstas para o incumprimento, sem prejuízo de outras importâncias que se mostrem devidas.” 26.- Os RR. não só não efetuaram qualquer pagamento, como também não mais responderam a quaisquer contactos telefónicos intentados pelo A. 27.- Por cartas datadas de 22/4/2023, expedidas novamente para a morada constante do “contrato”, a A. comunicou aos RR. que “Não obstante o prazo concedido para regularização do valor em mora, tal não se verificou, pelo que comunicamos a resolução do contrato identificado em assunto, com fundamento em incumprimento definitivo. Mais informamos que, nos termos acordados contratualmente, foi efectuado o preenchimento da livrança-caução pelo montante de € 19.016,32 correspondente às responsabilidades, à data, emergentes do contrato ora resolvido. O mencionado montante corresponde a: Capital em dívida 15.332,84 € Juros remuneratórios 1.069,47 € Juros moratórios 73,44 € Cláusula penal indemnizatória 2.211,47 € Despesas contratuais com I. Selo 96,00 € Despesas contratuais com IVA 0,00 € Imposto do selo 138,02 € Imposto de selagem da livrança 95,08 € TOTAL 19.016,32” 28.- Posteriormente, os RR. efectuaram os seguintes pagamentos: (a) € 500,00 em 22/05/2023; (b) € 400,00 em 23/05/2023. * * III.II.- Do objeto do recurso* 1.- Da resolução do contrato pelo Apelante O Apelante, no exercício da sua atividade bancária (v. factos provados n.ºs 1 e 2), e os Apelados, enquanto “clientes” (v. facto provado n.º 2), celebraram entre si, em 12-11-2021, um acordo escrito, que denominaram “contrato de crédito”, pelo qual: .- o primeiro se comprometeu a conceder e concedeu aos segundos um financiamento de € 15.958,81 - sendo € 13.400,00 de capital, € 421,03 de Imposto de Selo e 2.137,78 de seguro de proteção ao crédito (v. factos provados n.ºs 2 e 3) -, financiamento esse que venceria juros à TAEG de 11,8 % e à taxa anual nominal de 10,193 %. (v. facto provado n.º 4) e se destinava à aquisição de um veículo automóvel (v. facto provado n.º 11); .- os segundos se comprometeram a reembolsar o valor mutuado em 120 prestações mensais, postcipadas, iguais e sucessivas, cada uma no valor de € 216,24, por via de débito direto a realizar, aquando do vencimento, em conta bancária por estes indicada (v. facto provado n.º 12). Temos, assim, tendo presentes os critérios de interpretação da declaração negocial previstos nos art.ºs 236.º e 238.º do CC – e como, de resto, se concluiu na sentença recorrida e não vem posto em causa pelo Apelante – a celebração entre este e os Apelados de um contrato de mútuo, na modalidade de contrato de crédito a consumidores, de acordo com a noção que dele é dada na alínea c) do art.º 4.º do D.L. 133/2009, de 02/06, isto é, um contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito, ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante. Na verdade, pelo contrato dos autos temos um empréstimo de dinheiro pelo Apelante aos Apelados e, portanto, um mútuo (cfr. art.º 1142.º do CC); agindo o primeiro no exercício da sua atividade bancária e, portanto, na qualidade de credor como tal definido na alínea b) do art.º 4.º do referido D.L. 133/2009, de 02/06; agindo os segundos enquanto pessoas singulares atuando à margem da sua atividade comercial ou profissional e, portanto, como consumidores segundo o conceito previsto na al. a) deste último normativo; e sem que o contrato celebrado, tendo presente o seu objeto, esteja excluído pelos art.ºs 3.º e 4.º daquele diploma legal do regime de tutela do consumidor nele previsto. O D.L. 133/2009, de 02/06, a cuja disciplina está o contrato de crédito dos autos sujeito, resulta da transposição para o ordenamento jurídico português da Diretiva aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho n.º 2008/48/CE, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores e, como decorre do seu preâmbulo, exprimindo a urgência na realização de um mercado comunitário de produtos e serviços financeiros, persegue, além do mais, o desiderato do reforço dos direitos dos consumidores. As normas nele previstas revestem-se, assim, tal como expressamente consagrado no seu art.º 26.º, caráter imperativo, não podendo o consumidor, nos termos do n.º 1, renunciar aos direitos que nele lhe são conferidos e estando ferida de nulidade qualquer convenção que os exclua ou restrinja. In casu, os Apelados, obrigados que estavam ao reembolso do capital mutuado em 120 prestações mensais iguais e sucessivas de € 216,24, todavia, efetuaram apenas os seguintes pagamentos: € 244,99 em 02/03/2022; € 200,00 em 16/05/2022; € 50,00 em 16/05/2022; € 262,66 em 06/06/2022; € 235,00 em 30/06/2022; e € 460,00 em 09/09/2022 (v. facto provado n.º 14). Tal circunstância representa o incumprimento da sua obrigação de restituição do capital em prestações e, por conseguinte, o incumprimento do “acordo de amortização” clausulado no contrato de crédito dos autos, incumprimento esse que se presume culposo (art.º 799.º do CC) e que confere ao Apelante, enquanto credor, o direito de exigir o pagamento das prestações já vencidas (art.ºs 762.º, n.º 1). O Apelante também reclama na ação, contudo, o pagamento das prestações vincendas, no pressuposto da perda do benefício do prazo decorrente daquele incumprimento dos Apelados, com a consequente resolução do contrato celebrado, pretensão esta que, contudo, lhe foi negada na sentença recorrida, na qual se entendeu não estarem verificados os pressupostos fixados no sobredito D.L. 133/2009, de 02/06 para o efeito. A questão que aqui se coloca e que importa apreciar é, pois, a de saber se, tendo como pano de fundo o regime estabelecido naquele diploma legal, ao Apelante assiste, de facto, o direito de reclamar dos Apelados as prestações vincendas por estes devidas, pelo facto de ter resolvido o contrato de crédito que celebraram. O regime geral do Código Civil em matéria de dívidas que, como a dos autos, é liquidável em prestações resume-se, no essencial, ao seguinte. Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa, nos termos do art.º 781.º do CC, o vencimento de todas. Em face deste regime, “o credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido” (v. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 1992, .p 53). Ao accipiens que pretenda desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas incumbirá, contudo, fazê-lo através de interpelação admonitória, já que, consistindo num “benefício que a lei concede mas não impõe”, a interpelação constituirá precisamente “a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui” (v. o mesmo Autor, ibidem, p. 53). Em matéria de resolução do contrato, perante uma falta contratual de um dos contratantes, o outro só poderá validamente resolver o contrato a partir do momento em que essa falta traduza um incumprimento definitivo, não bastando a simples mora do incumpridor (art.º 801.º, n.º 2 do CC). Subsistindo a mora, e a menos que o credor perca o interesse na prestação, incumbirá a este interpelar o devedor para o cumprimento, fixando-lhe um prazo razoável para o efeito, por forma a que, não realizando este a prestação no prazo fixado, a obrigação ser tida por definitivamente não cumprida (art.º 808.º, n.º 1 do CC). Só então é que o credor estará em condições de resolver o contrato, o que deve fazer mediante nova declaração dirigida ao devedor, manifestando-lhe essa intenção (art.º 436.º, n.º 1). Para os contratos de crédito aos consumidores (o dos autos), contudo, o D.L. 133/2009, de 02/06, em vista da tutela acrescida do consumidor que com ele se quis assegurar, estabelece, quanto à perda do benefício do prazo e à sua resolução, um regime mais exigente, que não se basta com a simples falta de cumprimento de uma prestação da obrigação fracionada. A especificidade desse regime, associada à sua natureza imperativa de que acima se deu conta, faz deste um regime especial que, enquanto tal, derroga o regime geral, sendo, por isso, o que aqui deve ser considerado (v., neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 21-03-2022, proferido no processo 10/21.4T8MAI.P1, citado na sentença recorrida e disponível no local acima indicado). Dispõe, a propósito, o n.º 1 do seu art.º 20.º, que em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito; b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. Resulta de tal dispositivo legal, que, para que o credor opere a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos: (i) que o devedor não tenha liquidado pelo menos duas prestações; (ii) que se trate de prestações sucessivas (e não, por conseguinte, interpoladas); (iii) que tais prestações representem mais do que 10% do montante do crédito (o mesmo é dizer que se trate de um incumprimento especialmente qualificado). Mais resulta do normativo em apreço, que ao credor que pretenda prevalecer-se do regime dele constante se exige uma interpelação admonitória do devedor, interpelação por via da qual lhe conceda um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato. Esta interpelação admonitória, como se referiu no referido Acórdão da Relação do Porto, “reveste os mesmos requisitos quer se trate de perda do benefício do prazo ou resolução do contrato” e tais requisitos constituem factos constitutivos do direito do credor, pelo que sobre este recai o ónus da sua alegação e prova (art.º 342.º, n.º 1 do CC). Ou seja, quer o direito que ao accipiens é atribuído no preceito em apreço de operar a perda do benefício do prazo, quer o direito que também lhe é atribuído de proceder à resolução do contrato de crédito ao consumidor, obedecem exatamente aos mesmos requisitos previstos no n.º 1 do art.º 20.º em apreço; isto sem prejuízo de, quanto à resolução, esta carecer de nova declaração nesse sentido dirigida ao solvens, persistindo este no incumprimento depois da referida interpelação admonitória (v. o citado art.º 436.º, n.º 1 do CC). In casu, perante o não pagamento, pelos Apelados, de prestações do crédito que contraíram, o Apelante, em 12-01-2023, remeteu a cada um uma carta comunicando-lhes o seguinte: .- “Verificamos à data, apesar de todas as diligências efetuadas com vista à sua regularização, que o seu contrato apresenta valores em atraso, decorrentes do não pagamento das prestações convencionadas, desde 2022-09-01, no montante global de 1.157,88 € EUR, conforme se discrimina no verso desta carta. Concedemos-lhe uma última oportunidade para regularizar a totalidade do valor em atraso 1.157,88 € EUR, o que aguardamos por um período de 15 (quinze) dias contados a partir do 3º dia subsequente à data de emissão da presente carta. Advertimos que, caso não seja regularizada a totalidade do valor em dívida dentro do prazo fixado para o efeito, e verificada a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10 % do montante total do crédito, conforme artº 20 do DL 133/2009, o Banco 1... S.A. considera o contrato definitivamente incumprido, pelo que irá resolvê-lo e exigir judicialmente o pagamento da totalidade do capital em dívida 15.332,84 € EUR, imputando-lhe as sanções contratualmente previstas para o incumprimento, sem prejuízo de outras importâncias que se mostrem devidas.” (v. facto provado m.º 25). Não sendo efetuado qualquer pagamento pelos Apelados uma vez rececionadas as cartas, o Apelante expediu novas cartas, datadas de 22-04-2023, comunicando-lhes o seguinte: .- “Não obstante o prazo concedido para regularização do valor em mora, tal não se verificou, pelo que comunicamos a resolução do contrato identificado em assunto, com fundamento em incumprimento definitivo. Mais informamos que, nos termos acordados contratualmente, foi efectuado o preenchimento da livrança-caução pelo montante de € 19.016,32 correspondente às responsabilidades, à data, emergentes do contrato ora resolvido. O mencionado montante corresponde a: Capital em dívida 15.332,84 € Juros remuneratórios 1.069,47 € Juros moratórios 73,44 € Cláusula penal indemnizatória 2.211,47 € Despesas contratuais com I. Selo 96,00 € Despesas contratuais com IVA 0,00 € Imposto do selo 138,02 € Imposto de selagem da livrança 95,08 € TOTAL 19.016,32”. Ou seja, o Apelante, em face do incumprimento dos Apelados, dirigiu-lhes, em 12-01-2023, uma interpelação admonitória e, persistindo aqueles em falta, comunicou-lhes, em 22-04-2023, a resolução do contrato. Esta resolução não produziu, contudo, os efeitos a que tendia, pela circunstância de não ter observado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do D.L. 133/2009, de 02/06, já que o incumprimento dos Apelados que a Apelante pressupôs para desencadeá-la era inferior ao previsto em tal normativo. Na verdade, sendo o valor total do crédito de € 13.400,00, a resolução contratual pressupunha prestações consecutivas em falta correspondentes a 10% desse valor, isto é, € 1.340,00. O valor que, aquando da interpelação admonitória do Apelante, os Apelados deviam era, contudo, nos termos consignados nessa interpelação, de € 1.157,88, ou seja, um valor inferior. Temos, assim, que, como se referiu na sentença recorrida, “não estavam reunidos os pressupostos cumulativos para a resolução do contrato”, não tendo a resolução desencadeada pelo Apelante produzido, como se disse, os efeitos a que tendia. Opõe-se o Apelante no recurso a esta conclusão, argumentando que lançou mão da resolução do contrato em 22-04-2023 e que o fez decorridos três meses sobre o envio das interpelações admonitórias datadas de 12-01-2023, vencendo-se no entretanto mais três prestações no valor de € 216,24 cada. Por conseguinte, aquando do envio das cartas de resolução achava-se já em falta o pagamento de mais de duas prestações sucessivas que, no seu conjunto, ultrapassavam o montante total do crédito (v. conclusões H e I da sua peça recursória). Tal argumento, contudo, e como é bom de ver, não pode ser acolhido. Na verdade, a resolução do contrato de crédito ao consumo pelo credor à luz do art.º 20.º do D.L. 133/2009, de 02/06, pressupõe, como se viu, a prévia interpelação admonitória prevista na alínea b) do n.º 1 de tal preceito. Trata-se aqui, aliás, de uma solução coincidente com o regime geral previsto no Código Civil, já que, como se expôs atrás, a resolução pressupõe o incumprimento definitivo, não se bastando com a mora e esta só pode ser convertida em inadimplemento depois de o devedor persistir na sua falta após interpelação admonitória do credor. Temos, assim, que, perante esta “relação biunívoca” entre interpelação admonitória e resolução, os requisitos para que esta opere têm de estar verificados logo no momento da interpelação, não bastando que se verifique em momento posterior, nomeadamente, aquando da declaração de resolução. O incumprimento definitivo emerge da interpelação admonitória pelo que se os requisitos desse incumprimento só se verificam na plenitude em momento posterior, nunca esse incumprimento definitivo se consolida. Ora, no caso em apreço, é inegável que, à data da resolução do contrato pelo Apelante, o valor das prestações que os Apelados tinham em falta excedia 10% do valor global do crédito; todavia, não o excedia aquando da interpelação admonitória e isso basta, atento o que acaba de ser dito, para afastar a verificação dos requisitos legalmente exigidos para que a resolução dos contrato dos autos pelo Apelante pudesse ser considerada eficaz. Tal como ocorreu no caso subjacente ao Acórdão da Relação do Porto acima citado, também aqui, como se escreveu em tal Acórdão, “não se pode considerar que tenha ocorrido o incumprimento definitivo do contrato e, por isso, não assiste razão ao [A]pelante”. De resto, o entendimento por este propugnado, a valer, geraria uma contrassenso que era o de, considerando verificados os respetivos pressupostos legais, permitir a resolução do contrato de crédito ao consumidor, mas, já não sendo possível considerar verificados os mesmos pressupostos, não permitir a simples perda do benefício do prazo, quando, como se viu, são os mesmos os pressupostos de operatividade de ambas as faculdades concedidas ao credor no preceito em apreço. Não merece censura, pelo exposto, a sentença que assim o julgou, improcedendo a pretensão do Apelante em apreço. * 2.- Da data a partir da qual são devidos juros moratórios sobre as prestações vencidas Na sentença recorrida, depois de se negar a procedência da pretensão do Apelante escudada na resolução do contrato dos autos, reconheceu-se-lhe, contudo, o direito às prestações vencidas, ainda que abatidas dos valores que os Apelados haviam entregue entretanto para cumprimento parcial da obrigação. Mais se lhe reconheceu o direito a perceber os juros de mora vencidos e vincendos, em função do atraso no cumprimento pelos Apelados; todavia, no pressuposto de que o Apelante não pedira juros de mora desde a data do vencimento de cada uma das prestações em falta, fixou-se na citação o momento a partir do qual seriam devidos tais juros. O Apelante, na sua peça recursória, insurge-se contra esta decisão, sob o argumento de que o tribunal a quo desconsiderou os termos estabelecidos no contrato celebrado, que previam o pagamento de juros moratórios pelo atraso de cada prestação, não sendo necessário pedido nesse sentido, já que, no seu entendimento, o contrato fora validamente resolvido, sendo, nessa medida, peticionados todos os valores devidos (v. conclusões H e I). E afigura-se-nos que, nesta parte, com razão. Na verdade, trata-se aqui do incumprimento de obrigação com prazo certo, pelo que, havendo mora dos Apelados a partir do momento em que não efetuaram o pagamento em tempo devido, são devidos juros de mora a partir da data de vencimento de cada uma das prestações (art.ºs 804.º, n.º 1; 805.º, n.º 2, al. a); e 806.º, n.º 1 do CC). Por outro lado, o Apelante, na petição inicial, pedira a condenação dos Apelados a pagar-lhes o valor pecuniário de “€ 18.348,56” e nesse valor estava contido, como decorre do artigo 25.º daquele articulado, o valor dos juros de mora vencidos até então. Ou seja, são devidos juros de mora desde a data de vencimento de cada prestação e o Apelante, independentemente do fundamento jurídico que invocou para sustentar a sua pretensão (ao qual o tribunal não está vinculado – art.º 5.º, n.º 3 do CPC), formulou o pedido correspondente. Impõe-se, por conseguinte, que os juros de mora cujo pagamento, na sentença recorrida, se reconheceu serem devidos ao Apelante pelos Apelados, sejam contabilizados, não apenas a partir da citação, mas a partir do vencimento de cada prestação vencida. Chegados aqui há, contudo, que atentar no seguinte. O tribunal a quo reconheceu o dever dos Apelados de pagarem as prestações vencidas, mas, como se viu, determinou o abatimento ao valor correspondente do valor pecuniário que os Apelados entregaram entretanto para cumprimento parcial da sua obrigação. A partir do momento em que se reconhece ao Apelante o direito à perceção de juros moratórios desde a data de vencimento da obrigação, os termos daquele abatimento têm necessariamente de ser reformulados, por força do regime da imputação no cumprimento previsto no art.º 785.º, n.ºs 1 e 2 do CC. Na verdade, dispõe o n.º 1 deste preceito que quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital. Por seu turno, segundo o n.º 2, a imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar que se faça antes. No caso, não há indicação do credor ou outro elemento de facto que aponte para que os pagamentos entretanto efetuados pelos Apelados devam obedecer a um regime diverso do que acaba de ser transcrito. Esses pagamentos devem, por conseguinte, e posto que o seu valor não é suficiente para a satisfação integral do crédito, ser imputados: em primeiro lugar, nos juros; só depois no capital. Ou seja, conjugando a condenação proferida em 1.ª instância com o que acaba de ser dito, temos que: ao valor das prestações vencidas, acrescerão juros de mora, contados da data de vencimento de cada uma das prestações; os pagamentos entretanto efetuados pelos Apelados são imputados, primeiro nos juros vencidos à data da realização de cada um e só depois no capital. Procederá, pois, nesta medida, a pretensão em apreço do Apelante. * As custas da apelação serão suportadas por Apelante e Apelados na proporção do decaimento (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).* * IV.- Decisão* Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, consequentemente: i.- determina-se que os juros de mora que, na sentença recorrida, se reconheceu serem devidos ao Apelante sejam contabilizados a partir da data de vencimento de cada uma das prestações vencidas e que os pagamentos efetuados pelos Apelados sejam imputados, primeiro nos juros vencidos à data da realização de cada um desses pagamentos e só depois no capital, assim se alterando, nesta parte, os termos da sentença recorrida; ii.- mantém-se a sentença recorrida em tudo o mais nela decidido. Custas da apelação por Apelante e Apelados na proporção do decaimento. Notifique. * * Porto, 11-12-2024* (assinado eletronicamente) José Manuel CorreiaPaulo Dias da Silva Ernesto Nascimento |