Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA DEFEITOS NO IMÓVEL OBJECTO DE VENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RP201709123922/12.2TBVLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 781, FLS.60-69) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (actualizado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05) visou a harmonização dos sistemas de protecção dos consumidores, entre os países da UE, mas com expressa preocupação de prevenir “a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor”. Daqui resulta um sistema legislativo plural, integrado pelas normas gerais do direito civil, pelas normas especiais “de defesa do consumidor” constantes da na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e pelas normas especialíssimas deste D.L. 67/2003 (entre outros) todas elas constituindo um regime jurídico complexo, cuja vocação é a de facultar ao consumidor a utilização dos instrumentos que lhe confiram maior grau de protecção contra a violação dos seus direitos contratuais, postos em causa num concreto acto de consumo. II - O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril é aplicável à compra e venda de um imóvel para habitação em que o construtor/vendedor desenvolva profissionalmente tal actividade. III - A falta de conformidade do bem vendido com o objecto do contrato permite ao comprador exigir a reparação do bem, a sua substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato, sem precedência de qualquer dessas soluções sobre as demais, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito. IV - Os limites à opção pela resolução do contrato resultantes do princípio geral da boa-fé e/ou do instituto do abuso de direito coincidem com a identificação de uma grave desproporção entre a imposição desse resultado ao vendedor e a pouca gravidade dos defeitos ou a simplicidade e garantia de definitividade da sua eliminação. V - Não se identifica uma tal desproporção no caso de elevada diversidade e gravidade dos defeitos de uma habitação, prejudiciais para as condições da sua utilização. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 3922/12.2TBVLG.P1 Rel. Nº 437 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Fernando Samões Vieira e Cunha ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: B…, residente na Rua …, nº…, …, C… e D…, residentes na Rua …, nº.., …, Maia, intentaram a presente acção em processo comum contra E… e F…, residentes na Avenida …, nº.., Vila do Conde e Banco G… SA, com sede na Rua …, nº.., Lisboa, pedindo que:1. - RELATÓRIO 1. se julgue resolvido o contrato de compra e venda da fracção constituída por uma moradia de cave, r/c e andar, sita em …, …, Vila do Conde, celebrado entre 1ª A e os 1ºs RR. 2. sejam os 1ºs Rs. condenados a devolver à 1ª A. tudo o que dela receberam e a indemnizarem-na por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da compra e venda realizada, designadamente todas as despesas e custos que suportou e que não suportaria caso não tivesse celebrado o negócio; 3. caso se entenda que a resolução foi mal operada por não ter causa suficiente, anular-se o contrato de compra e venda, dado a declaração de vontade ter sido determinada por dolo dos 1ºs Rs.; 4. nesse caso, condenar-se os 1ºs Rs. solidariamente a devolver à 1ª A. tudo o que dela receberam e a indemnizarem-na por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da compra e venda realizada, designadamente todas as despesas e custos que suportou e que não suportaria caso não tivesse celebrado o negócio. 5. em qualquer dos casos, declarar-se a extinção da obrigação da 1ª A. de pagamento de parte do preço ainda em dívida aos 1ºs Rs. e, em consequência, declarar-se a extinção da fiança prestada pelos 2ºs As. 6. declarar-se a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda constante do título de transmissão no que à declaração do preço de 175.000,00 euros diz respeito, julgando-se válido o mesmo contrato pelo preço de 255.000,00 euros. 7. seja por efeito da resolução seja da anulação, condenar-se os 1ºs Rs. a: - restituir à A. todas as quantias já recebidas e desde logo o preço pago de 206.610,50 euros; - a pagar-lhe solidariamente a quantia de 30.338,03 euros a que se reportam os arts. 123º a 144º da petição inicial; - pagar à A. juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da resolução ou a anulação, liquidando os juros de mora vencidos em 9.567,94 euros. - pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 10.000,00 euros, com juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação. - todas as despesas que a A. tenha de suportar em função do tempo que demore a acção, que só a final se poderão liquidar em incidente ulterior. 8. declarar-se que os contratos de mútuo hipotecário com fiança têm por causa a aquisição do imóvel e que, resolvido ou anulado este, esta cessação afecta a fiança constituída, devendo ser declarada extinta. Para tanto, alegam os AA. que a 1ª A pretendia adquirir uma nova residência que fosse pelo menos de tipologia T4 e que o 1º R. lhe garantiu que a casa em causa nestes autos, ainda em construção, apesar de ser tipologia T3, poderia ter uma quarto no espaço de cave, tendo de ficar como T3 apenas para efeito de vistoria. Sendo essencial essa característica, acordaram na venda dessa casa, pelo preço de 255.000,00 euros, tendo a A. procedido, no momento da escritura pública, à entrega da quantia de mais 50.000,00€ em dinheiro. Porém, o imóvel passou a apresentar defeitos, não tendo as qualidades que o vendedor tinha assegurado, além de que, depois de denunciados, não vieram a ser reparados pelo vendedor. Acresce que a cave não poderia ser utilizada para ser habitada como um quarto de dormir, o que lhe confere o direito á resolução do contrato. Mais alegaram que o mútuo celebrado com o 2ª R. teve por base a aquisição do imóvel e, resolvido ou anulado este contrato, sendo este causal do mútuo, opera-se também a extinção da fiança, que o preço indicado no contrato foi simulado para efeitos fiscais e que a A. já efectuou despesas, por via desta aquisição, no valor de 31.948,53 euros, podendo ainda vir a suportar outras. Devidamente citados, os RR. contestaram e, além de arguirem a incompetência territorial do Tribunal de Valongo onde foi proposta a acção, negaram ter recebido a quantia de 50.000,00 euros, na data da escritura pública, que a A. pretendesse apenas um imóvel T4 e que lhe tivesse sido garantido que aquele T3 poderia ser transformado em T4, bem como que nunca se negaram a eliminar os defeitos. Qualificaram como de má-fé a litigância dos AA. O 2º R. impugnou a generalidade dos factos alegados, afirmando a independência do contrato de mútuo em relação ao contrato de compra e venda que está invocado nos autos. Os AA. responderam, mantendo no essencial a versão apresentada na petição inicial, mas peticionando agora a condenação dos 1ºs RR. como litigantes de má-fé em multa e indemnização que consista no reembolso das despesas a que sua má-fé obrigue, incluindo os honorário do mandatário ou técnicos. Foi proferido despacho que declarou o Tribunal de Valongo territorialmente incompetente, sendo os autos remetidos ao então Tribunal de Vila do Conde. Foi realizada audiência prévia, e, tendo-se frustrada a possibilidade de acordo, foi proferido despacho saneador que fixou o objecto do litígio e os temas da prova. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual os AA. apresentaram articulado superveniente, pedindo que, subsidiariamente aos pedidos já formulados fossem os 1ºs Rs. condenados a reparar os defeitos elencados no relatório pericial e no art. 66º da petição inicial. Os 1ºs Rs. opuseram-se a este articulado superveniente. Por despacho de fls. 677 foi admitida a modificação do pedido, no sentido de ser considerado este novo pedido subsidiário, formulado a esse título, sendo a apreciação do mérito deste relegada para a decisão final. Após julgamento veio a ser proferida sentença que concluiu pela procedência parcial da acção, com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, o Tribunal: a) declara resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre a A. B…, compradora, e E… e F…, vendedores, dos quais os As. C… e D… se constituíram fiadores; b) declara que o preço real da venda foi de 255.000,00 euros, sendo o preço declarado de 175.000,00 euros simulado; c) como consequência dessa resolução, declara que a 1ª A. não terá de pagar aos 1ºs Rs. a parte do preço que ainda está em falta; d) como consequência dessa resolução, declara a extinção da fiança prestada pelos 2ºs As. em benefício dos 1ºs Rs.; e) como consequência da resolução, condena estes 1ºs Rs., vendedores, a restituir à 1ª A. a parte do preço já pago, no valor de 205.000,00 euros (duzentos e cinco mil euros); f) como consequência dessa resolução, condena estes 1ºs Rs. a pagar à 1ª A. a quantia de 4.793,31 euros (quatro mil setecentos e noventa e três euros e trinta e um cêntimos), relativa às despesas que não teria suportado se não tivesse sido celebrado o contrato de compra e venda; g) como consequência dessa resolução, condena os 1ºs Rs. a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar em incidente ulterior e relativa às despesas suportadas pela 1ª A. com condomínio e impostos relativos ao imóvel vendido, posteriores à propositura da acção; h) como consequência desta resolução, condena ainda estes 1ºs Rs. a pagar à 1ª A. juros de mora civis contabilizados sobre as quantias referidas em e) e f), desde a citação, até integral pagamento, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora, enquanto tal quantia não se encontrar paga; i) absolve estes 1ºs Rs. quanto ao mais peticionado; j) absolve o R. Banco G… de todos os pedidos que contra si foram formulados pelos As. B…, C… e D…. É desta decisão que vem interposto recurso pelos RR. E… e F…, que o terminam formulando as seguintes conclusões, onde se concentram as razões da sua discordância: a) Tendo em conta a matéria provada e a não provada, e as declarações dos Srs. Peritos em audiência de julgamento, as respostas dadas como provadas não podem ser consideradas como suficientes para o Tribunal declarar a resolução do contrato de compra e venda; b) Em momento algum os Peritos ou os esclarecimentos prestados pelos mesmos conclui que há razões ou motivos para a ser decretada a resolução do contrato, antes concluem que as anomalias são reparáveis; c) Não há prova alguma, salvo a invocada vontade da recorrida, em estado de insolvência, desconhecida dos Recorrentes se aventurou a comprar uma habitação, mesmo com a ajuda dos recorrentes, quando sabia que não tinha a mínima hipótese de adquirir a habitação dos autos; d) Assim, as respostas dadas à matéria considerada provada têm de ser entendidas no sentido de que os defeitos ou patologias apenas darão direito á sua reparação; e) Só que, tendo a Recorrida abandonado a habitação em princípios de 2012, deixando-a fechada, sem qualquer cuidado, tem agido dolosamente, alheia ao prejuízo que está a causar, com manifesto prejuízo para o Banco, para os Recorrentes, na certeza de que jamais ela algo terá a perder o que quer que seja; f) Assim, a Juiz a quo ao fazer a errada interpretação da matéria de facto violou os artigos 236º e seguintes do Cód. Civil, e ao não considerar aplicável os preceitos constantes da Secção III – Defeitos da obra, violou os artigos 1218º a 1285º do Cód. Civil, e contrariamente ao lançar mão da Lei do Consumidor e suas alterações também viola tais preceitos que considerou, salvo o devido respeito, aplicáveis contrariando as normas aplicáveis à situação. * Não foi oferecida qualquer resposta ao recurso.O recurso foi admitido como apelação, para subida nos próprios autos, com efeito devolutivo. Foi recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. Cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do C.P.Civil.Com efeito, nas conclusões pode o recorrente restringir o objecto do recurso, inutilizando dessa forma qualquer alegação que tenha desenvolvido ao longo do recurso e que ali não tenha concretizado (concretizado, como é próprio de um segmento conclusivo, e não simplesmente repetido, o que até pode conduzir à identificação de uma ausência de conclusões). É pois, com atenção às conclusões enunciadas no recurso dos apelantes que se identificam as questões a apreciar, nos termos seguintes: 1ª – Se se identifica uma impugnação de qualquer ponto da decisão sobre a matéria de facto; 2ª – Se a factualidade apurada apenas justifica o direito à reparação dos defeitos apurados, em vez da resolução do contrato, designadamente por se revelar impertinente a aplicação do regime da “Lei de Defesa do Consumidor”, assim referida pelos recorrentes. * Para apreciar as questões antes enunciadas, é oportuno relembrar a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, cujos termos se passam a transcrever:1- Por contrato escrito datado de 29/11/2010, o 1º R. declarou prometer vender à 1ª A., e esta declarou prometer comprar, uma moradia de cave, rés-do-chão e andar, a 4ª a contar do poente, então ainda em construção, no prédio sito no lugar …, …, Vila do Conde, inscrito na matriz sob o art. 389 e descrito na CRP sob o nº0248, pelo preço de 255.000,00 euros. 2- Tal moradia, depois de constituída a propriedade horizontal passou a corresponder à fracção A, destinada a habitação, com entrada pelo nº70. 3- Tal fracção foi vendida pelos 1ºs Rs. à 1ª A. por contrato de compra e venda celebrado em 26/10/2011, nos termos que constam de fls. 72 e segs, pelo preço declarado de 175.000,00 euros. 4- O preço real desta venda foi de 255.000,00 euros, tendo sido declarado o preço de 175.000,00 euros por questões fiscais. 5- Para aquisição do referido imóvel, e formalizado no mesmo documento escrito, o 2º R. concedeu à 1ª A. um empréstimo no valor de 142.000,00 euros, de que esta se confessou devedora, e que deveria ser pago em 384 meses, sendo constituída a favor do 2º R. hipoteca sobre o imóvel, constituindo-se os 2ºs As. como fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia de todas as obrigações emergentes desse contrato para a 1ª A.. 6- Para pagamento do preço referido de 255.000,00 euros, foi entregue pela 1ª A. aos 1ºs Rs. a quantia de 142.000,00 euros referida em 5. 7- Para pagamento desse preço, foi ainda entregue pela 1ª A. ao 1º R. a quantia de 3.000,00 euros, aquando da celebração do contrato promessa e a título de sinal. 8- Para pagamento desse preço, foi ainda entregue pela 1ª A. ao 1º R. a quantia de 10.000,00 euros, a título de reforço de sinal referido no contrato promessa celebrado. 9- O 1º R. declarou por escrito datado de 26/10/2011 ter recebido da 1ª A. a quantia de 50.000,00 euros referente a parte do preço da venda da fracção referida. 10- A 1ª A. e o 1º R. acordaram que a 1ª pagaria a quantia de 50.000,00 euros relativa ao preço de 255.000,00 euros em falta em 72 prestações mensais e sucessivas de igual valor, com juros à taxa de 5%, no valor cada uma delas de 805,25 euros, vencendo-se a 1ª no último dia de Novembro de 2011 e cada uma das restantes em idêntico dia dos meses subsequentes. 11- Por documento escrito, a 1ª A. confessou-se devedora aos 1ºs Rs. da quantia de 50.000,00 euros, nos termos que constam de fls. 49 que aqui se consideram integralmente reproduzidos. 12- Os 2ºs As. declararam-se, no mesmo documento, seus fiadores, renunciando ao benefício da excussão prévia. 13- Por documento notarial de 26/10/2011, a 1ª A. declarou constituir seu procurador o filho dos 1ºs Rs., advogado, a quem conferiu os poderes necessários para constituir hipoteca sobre a fracção referida e vendida para garantia de um empréstimo no montante de 58.000,00 euros, que seria pago em 72 prestações mensais e sucessivas, com início em 30/11/2011 e fim em 30/11/2017, fixando-se a título de cláusula penal a quantia de 3.500,00 euros para despesas judiciais e extra judiciais que eventualmente se viessem a fazer para outorgar e assinar a respectiva escritura de hipoteca. 14- Este procurador, utilizando tal procuração, em nome da 1ª A., em 09/11/2011, declarou constituir sobre o imóvel vendido hipoteca em benefício do 1º R., para garantia de uma dívida no montante de 58.000,00 euros, sem vencimento de qualquer juro, a qual seria paga em 72 prestações iguais e sucessivas, com início a 30/11/2011 e com fim em Novembro de 2017 e da cláusula penal que se fixou em 3500,00 euros para despesas judiciais e extrajudiciais que eventualmente se viessem a fazer. 15- A 1ª A. declarou ainda, em 14/10/2011, por documento notarial, constituir hipoteca a favor dos 1ºs Rs., sobre o imóvel descrito na CRP sob o nº1943, fracção Z, de …, Maia, para garantia do empréstimo no valor de 50.000,00 euros que estes lhe faziam para pagamento de parte do preço da aquisição e benfeitorias de um prédio sito na Rua …, nº.., …, Vila do Conde, a adquirir pela 1ª A. aos credores, empréstimo esse feito por um ano e renovável por iguais e sucessivos períodos. 16- Em 25/10/2011, por documento notarial, a 1ª A. declarou rectificar esta constituição de hipoteca, dela ficando a constar que o empréstimo era afinal contraído por um ano, renovável apenas por um ano e que era de 52.500,00 euros. 17- Esta hipoteca sobre a fracção Z garantia o pagamento da quantia de 50.000,00 euros de que o 1º R. deu quitação à 1ª A… 18- Os 1ºs Rs. não entregaram à 1ª A. qualquer quantia, com obrigação desta de restituir igual montante, dizendo as quantias de 50.000,00 euros referidas supra a parte do preço acordado para a venda do imóvel. 19- Iniciando-se o pagamento das prestações referidas em 10 e 13 em Novembro de 2011, a 72ª prestação seria devida em Outubro de 2017 e não em Novembro de 2017. 20- Os 1ºs Rs. são casados entre si desde 10/10/1960, sem convenção antenupcial. 21- O R. E… dedica-se à actividade da construção e promoção imobiliária, sendo desta sua actividade que obtém os rendimentos para fazer face aos encargos da sua familiar. 22- Foi sob as ordens do R. E… que se procedeu à construção do imóvel em causa nestes autos, contratando terceiros para o efeito que, sob sua orientação, o construíram. 23- O preço pago pela 1ª A. aos 1ºs Rs. foi integrado no património de ambos os Rs.. 24- A 1ª A. estava interessada em adquirir uma habitação de tipologia T4 para a sua habitação permanente e do seu agregado familiar. 25- A cave da fracção adquirida era ampla. 26- No dia 15/11/2011 houve uma inundação na cave da habitação. 27- No dia seguinte, a 1ª A. encontrou um trabalhador na sua casa, enviado pelo 1º R. para verificar a situação da infiltração. 28- No dia 18/11/2011, a 1ª A. remeteu aos Rs. a carta que consta de fls. 419, questionando o 1º R. sobre o facto de ter enviado alguém para verificação da infiltração, sem o seu conhecimento prévio, não tendo chegado a comunicar-lhe a existência da mesma porque não lhe havia atendido o telefone, considerando tal facto uma violação do seu direito de propriedade. 29- Nessa carta, a 1ª A. alertava os 1ºs Rs. que a reparação dos defeitos que já havia comunicado era urgente e que deveria ser efectuada com prévia vistoria a todo o imóvel por técnico qualificado, com presença do director de obra que acompanhou a sua execução, com marcação antecipada de dia e hora. 30- Por carta datada de 18/11/2011, a 1ª A. comunicou aos 1ºs Rs. ter detectado os defeitos que elencou nesse documento e que aqui se consideram reproduzidos. 31- Nesse documento referiu ainda a 1ª A. que a gravidade dos defeitos se reflectia na falta de condições de habitabilidade da referida casa, pois as infiltrações e água, a grande humidade existente, o bolor e o cheiro a mofo era prejudicial à sua saúde e das 4 crianças que nela habitavam, acrescentando que a casa não tinha condições de salubridade. 32- A 1ª A. remeteu ainda aos 1ºs Rs. uma outra carta, datada de 18/11/2011, em que lhes solicitava uma lista dos valores pagos aquando da venda para análise e esclarecimento dos mesmos. 33- O 1º R. respondeu à 1ª A., nos termos que constam de fls. 304, cujo teor aqui se considera reproduzido, em 30/11/2011, referindo que os alegados defeitos ou irregularidades deviam e seriam seguramente eliminados, sugerindo uma visita conjunta ao local. 34- A 1ª A. fez várias alterações aos móveis do imóvel que ia adquirir aos 1ºs Rs.. 35- Pela realização do registo de rectificação da constituição da hipoteca, a 1ª A. pagou aos serviços de registo a quantia de 312,50 euros. 36- Pelos actos notariais realizados mas que não se reportam à venda do imóvel, a 1ª A. pagou ao cartório notarial quantia de 450,00 euros. 37- A 1ª A. pagou a título de Imposto de Transmissões pela aquisição do imóvel a quantia de 3.162,81 euros. 38- A 1ª A. pagou de honorários a advogado pela compra do imóvel a quantia de 61,50 euros. 39- A 1ª A. pagou a título de imposto de selo pela aquisição do imóvel a quantia de 1.400,00 euros. 40- A 1ª A. adquiriu em 10/11/2011 um desumidificador para ultrapassar os problemas de humidade existentes no imóvel, tendo despendido a quantia de 169,00 euros. 41- Em 18/11/2011, a casa adquirida apresentava: - infiltrações de água em várias zonas da casa, nomeadamente nas paredes expostas ao exterior, pelas janelas, na porta da entrada principal, nas paredes da cave, no tecto da garagem cuja água caia através de uma tampa eléctrica existente junto ao portão, pela clarabóia; - falta de sistema de drenagem para o exterior; - falta de sistema de ventilação em toda a casa; - caixilharia das janelas insegura e de fraca qualidade, provocando infiltrações de água, entrada de frio e vento, condensação; - fissuras nas paredes e no muro exterior; - ondulamento nas ligações dos tectos falsos; - pintura a descascar nas paredes interiores e exteriores; - rodapés a descolar; - a base de chuveiro da suite provocava a inundação da casa de banho. 42- A casa adquirida: - não tem soleiras junto ao portão grande e da rampa de acesso a este; - a louça sanitária não é toda da mesma marca, existindo peças de marca Roca e marca Valadares; - tinha cerâmica rachadas; - não tinha a electrificação do portão da garagem; - tinha falta de tomadas; - não tinha ligação tdt. 43- O teor de humidade era elevado depositando-se a água nas madeiras dos parapeitos das janelas. 44- A água escorria pelas paredes. 45- A casa cheirava a mofo, surgindo bolores nas zonas de infiltração de humidades, no chão, nas roupas, dentro dos roupeiros. 46- O 1º R. nunca reconheceu que o imóvel tivesse problemas de humidade. 47- A cave não pode ser utilizada para quarto de dormir. 48- A A. e o seu agregado familiar deixaram o imóvel adquirido aos 1ºs Rs. no início de 2012. 49- O imóvel mantém-se encerrado e sem realização de quaisquer cuidados de conservação. 50- O 1º R. intentou contra os As. execução apresentando como título a declaração confessória de dívida. 51- Em oposição, em 21/06/2012, a aqui 1ª A. declarou pretender resolver o contrato de compra e venda celebrado com os 1ºs Rs.. ** a) Para além do que resultou provado, as partes quisessem ter escrito coisa diversa do que foi declarado nos documentos.Não se provou que: b) A 1ª A. não tivesse pago a quantia de 50.000,00 euros a que se refere o recibo de fls. 48. c) O 1º R. tivesse garantido à 1ª A. que o imóvel podia ser transformado em T4, podendo criar-se um quarto de dormir na cave. d) A 1ª A. apenas tivesse adquirido o imóvel com base nessa garantia. e) O 1º R. tivesse garantido a elevada qualidade do imóvel. f) Tenha sido a 1ª A. a suportar o pagamento da quantia de 901,90 euros referida no documento de fls. 311 pela constituição da hipoteca. g) A 1ª A. tivesse suportado os custos com gás a que se reportam os documentos de fls. 313 verso e 314. h) A 1ª A. tivesse pago o que quer que fosse a título de IMI. i) Os 1ºs Rs. não tivessem efectuado quaisquer obras. j) Os 1ºs Rs. se tivessem recusado a fazer as obras. l) Os filhos da A. tivessem adoecido. m) Só em 20/12 a A. tivesse sabido que a cave não poderia ser utilizada como quarto de dormir. n) A casa não se encontrasse em condições adequadas ao uso habitacional. o) Tivessem sido realizadas outras obras, custeadas pelos As.. p) A A. tivesse suportado quaisquer custos com a mudança realizada. q) A A. tivesse suportado custos com seguros de vida, comissões e encargos bancários. r) A 1º A. tivesse pago quaisquer quantias relativas ao mútuo contraído perante o 2º R. ou à confissão de dívida feita perante os 1ºs Rs.. s) Tivesse sido acordada qualquer marca de louça sanitária. * Numa primeira análise do recurso, fica-se com a impressão de que os apelantes pretendem impugnar a decisão do tribunal sobre a matéria de facto. Daí que invoquem a força probatória do documento constituído pelo alvará de utilização do imóvel vendido, que invoquem uma contradição entre os factos provados sob os itens 33º e 46º e os não provados sob as als. i), j) e n) e que tenham transcrito os esclarecimentos prestados pelos peritos, em audiência, bem como toda a prova produzida em audiência, por depoimentos de parte e por depoimentos testemunhais.Todavia, tudo isso redunda num trabalho inútil e inconsequente, já que não pode concluir-se que os apelantes tenham, efectivamente, impugnado tal segmento da sentença, ou pelo menos, não pode admitir-se o seu recurso, nessa parte. Com efeito, disciplinado o recurso tendente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, dispõe o artigo 662º do CPC: 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) (…)”. A hipótese de o Tribunal da Relação alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, prevista no nº 1 da norma citada, em consequência de recurso interposto por uma das partes, exige que o recorrente observe o regime prescrito no artigo 640.º do CPC. Aí se estabelece: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 – (…). No presente caso, os apelantes começam por não especificar os pontos de facto que consideram que deveriam ter merecido um juízo de prova diverso do proferido, e em que sentido haveria de ser apreciada qualquer factualidade a que, a esse propósito, se referissem. Aliás, cumpre afirmar, nem o fazem nas conclusões das suas alegações – onde tal deve constar, por ser aí que se define o objecto do recurso, tal como resulta da conjugação das normas constantes dos arts. 639º e 635º, nº 4 do CPC – nem o fazem no próprio corpo das alegações. Note-se que, mesmo ao invocarem uma contradição entre pontos da matéria de facto provada e não provada, (pontos 33º e 46º e als. i), j) e n), nem sequer extraem daí qualquer conclusão, pronunciando-se sobre eventuais consequências do que interpretam por contradição, quanto à matéria de facto a considerar fixada. Em qualquer caso, verificados tais pontos da decisão, que só adquirem sentido no respectivo contexto, não se reconhece a contradição afirmada pelos apelantes. Para além disso, e no que respeita aos meios de prova, os apelantes invocam uma força probatória plena do alvará de utilização que, a seu ver, atesta “a situação em que a habitação se encontrava”. Porém, não só inexiste tal força probatória plena quanto ao estado da habitação, pois que tal não corresponde ao conteúdo desse documento, como nem sequer os apelantes extraem daí qualquer consequência em relação a qualquer ponto dos factos provados ou não provados da sentença. Isto é, não apontam nenhum que deva ser decidido noutro sentido, em função desse documento. Para além disso, não menos inconsequente é a reprodução das diversas declarações prestadas por diversos intervenientes, em audiência, pois que não só não individualiza os segmentos dos respectivos discursos em que o tribunal deve atentar, como lhe impõe a norma citada, como nem extrai qualquer consequência quanto à alteração do juízo probatório referente a qualquer facto. Nestas circunstâncias, é claramente impossível compreender qual a matéria de facto concreta que os apelantes entendem que deveria merecer outro juízo probatório e quais os factos a serem provados ou não provados alternativamente e em que meios de prova, à luz de um diferente exame, se poderia fundar esse juízo. Assim, e se em sede de conclusões do seu recurso o cumprimento daquele ónus estabelecido nos nºs 1, al. b) e 2, al. a) do art. 640º do CPC é claramente incumprido, por não se poderem considerar “especificados” os meios de prova em que os apelantes sustentam a sua argumentação, tão pouco pode considerar-se que o mesmo tenha sido observado sequer no próprio texto da alegação. O desvio desta actuação em relação ao regime processual fixado para o recurso da decisão sobre a matéria de facto é evidente e absoluto. É, em conclusão, incontornável a conclusão de que os apelantes, quer nas conclusões do seu recurso, quer na argumentação de onde as mesmas procedem, incumpriram totalmente o que lhe é imposto pelo art. 640º, nº 1, nas als. a) e c), quanto à especificação dos factos a avaliar diferentemente e à solução a esse respeito defendida; e na al. b) e no nº 2, al a), do CPC, deixando por satisfazer o ónus de especificar, em relação aos meios de prova cujos resultados transcrevem - os depoimentos de parte e das testemunhas - os segmentos da gravação dos seus depoimentos em que se funda a sua discordância. Por todo o exposto, com fundamento nas normas legais citadas, nem sequer pode admitir-se o recurso dos apelantes nessa parte, isto é, no tocante à impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal recorrido, com fundamento em erro na apreciação da prova testemunhal e documental produzida nos autos. Declara-se, nestes termos, a rejeição do recurso, nessa parte. * Na sequência do que antes se decidiu, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto a considerar, nos precisos termos que provinham da 1ª instância.Importa, então, aferir se tal factualidade é apta a sustentar a conclusão enunciada pelo tribunal a quo, de reconhecimento do direito da A. à resolução do contrato de compra e venda que teve por objecto a habitação descrita supra, ou se lhe deveria ser reconhecido um direito mais limitado, da reparação dos defeitos denunciados, como pretendem os apelantes. Certo é, no entanto, que se levantam o problema, nenhum argumento desenvolvem tendente à sustentação da sua tese. Com esse propósito, limitam-se a alegar: “O Tribunal lançou mão da Lei da Defesa do Consumidor. Mas fê-lo erradamente. É sabido que essa lei e suas alterações, aludem a directrizes comunitárias, e visam defender o consumidor, muito particularmente o consumidor de coisas móveis embora aflora imóveis. Mas para estes não é preciso o recurso a essas leis, as nossas normas dão segurança absoluta à aquisição de imóveis e defendem com muito pormenor o adquirente. Por isso, também aqui a Juiz a quo andou em erro ou no mínimo precludiu-se a nossa lei cível em benefício de leis cuja finalidade principal é reportada aos móveis ou equipamentos.” É óbvia, no entanto, a falta de razão dos apelantes. Como se sabe, o regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (actualizado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05) visou a harmonização dos sistemas de protecção dos consumidores, entre os países da UE, mas com expressa preocupação de prevenir “a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor” (preâmbulo do diploma). Daqui resulta um sistema legislativo plural, integrado pelas normas gerais do direito civil, pelas normas especiais “de defesa do consumidor” constantes da na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e pelas normas especialíssimas deste D.L. 67/2003 (além de outras constantes de outros diplomas ainda mais especializados em função da especificidade de serviços e produtos prestados, como crédito, energia, telecomunicações), todas elas constituindo um regime jurídico complexo, cuja vocação é sempre a de facultar ao consumidor a utilização dos instrumentos que lhe sejam mais favoráveis, isto é, que lhe confiram maior grau de protecção contra a violação dos seus direitos contratuais, postos em causa num concreto acto de consumo. Daí que nenhuma crítica possa ser feita à qualificação jurídica conferida pelo tribunal à pretensão dos AA, pois que com toda a pertinência aí poderia ela obter tutela legal. Conclui-se, pois, por ser absolutamente adequada a subsunção da situação jurídica em apreço ao regime constante do D.L. 67/2003, de 08 de Abril. Por outro lado, e operando já um tal regime, mais uma vez se verifica a ausência de razão dos apelantes ao apontarem a sua essencial vocação para a resolução de questões referentes a contratos de consumo sobre bens móveis. No respectivo art. 1º-B, al. b) é expressamente prevista a aplicação das regras do diploma aos contratos que tenham por objecto bens imóveis, sendo, aliás, absolutamente coerente a sua extensão aos contratos de empreitada, nos termos previstos no nº 2 do art. 1º-A. Não se aceita, por isso, a tese dos apelantes segundo as quais a definição dos direitos dos AA., maxime da 1ª A., haveria de ocorrer no quadro legal constituído pelos arts. 1218º a 1285º do C. Civil (dando, em qualquer caso, por adquirida a aplicabilidade da regra constante no art. 1225º, nº 4 do C.Civil, que alarga o âmbito do regime ao vendedor do imóvel que tenha sido o seu próprio construtor). Regressando à análise dos termos da aplicação do regime constante do referido DL 67/2003 ao caso em apreço, verifica-se nenhuma questão ter sido suscitada pelos apelantes. Por conseguinte sobre tal matéria, só podem ter-se por preenchidos tais pressupostos, quer os de ordem subjectiva quer os de ordem objectiva. Quanto aos primeiros, assume relevância a qualidade de “consumidor” da 1ª A., bem como a de “vendedor” do 1º R., atenta a inserção do negócio em questão no âmbito da sua actividade profissional. Quanto aos segundos, é relevante quer a subsunção do imóvel vendido à categoria de bem de consumo, para efeitos desse diploma (cfr. al. b) do art. 1ºB, como referido), quer a conclusão pela não conformidade entre o imóvel entregue e o objecto contratualmente previsto, atenta a variedade e gravidade dos defeitos apresentados por esse mesmo imóvel, que o tornam inadequado para os fins a que se destina, designadamente a habitação permanente de uma família. Note-se que, quanto a tal matéria, os apelantes não colocam em causa a existência dos defeitos descritos, nem a sua gravidade, nem sequer o prejuízo que eles importam para a utilização do imóvel para os fins a que é destinado. O que alegam é que os mesmos defeitos são passíveis de reparação, pelo que não devem justificar a resolução do contrato. Esta actuação processual conduz, pois, a que não se devam discutir aqueles pressupostos (matéria, de resto, tratada perfeitamente na sentença recorrida), remetendo-nos para a questão que é a verdadeira essência do recurso: a da razoabilidade da solução de resolução contratual. Sobre esta questão, no entanto, é clara a solução adoptada pelo legislador: no nº 1 do art. 4º do diploma, prevê-se que a referida falta de conformidade do bem transaccionado com o objecto do contrato permite ao comprador exigir a reparação do bem, a sua substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato; e no nº 5 desse mesmo artigo, estabelece-se: “O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.” No regime geral da venda de coisas defeituosas, os direitos a exercer pelo comprador não surgem como alternativos, mas subordinados, em razão do que normalmente se designa por um princípio de eticização da escolha, decorrente do princípio da boa-fé (cfr. Ac. do STJ de 24/’1/2008, proc. nº 07B4302, em dgsi.pt). Porém, no regime especial sob análise, com evidentes objectivos de alargamento da tutela dos interesses do consumidor/comprador, é expressamente prevista a alternatividade da escolha, sem prejuízo da salvaguarda de um grau suficiente de tal “eticização” pela omnipresença do princípio da boa-fé, bem como do regime do abuso de direito. Isso mesmo se afirmou no Ac. do STJ 05-05-2015, proc. nº 1725/12.3TBRG.G1.S1 (em dgi.pt): “I - Nos termos do DL n.º 67/2003, de 08-04, os meios que o comprador que for consumidor tem ao seu dispor para reagir contra a venda de um objecto defeituoso, não têm qualquer hierarquização ou precedência na sua escolha. Segundo o n.º 5 do art. 4.º do referido diploma legal, essa escolha apenas está limitada pela impossibilidade do meio ou pela natureza abusiva da escolha nos termos gerais.” Neste sentido, também, Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 5ª ed., pg. 169. Os limites à opção pela resolução do contrato, resultantes do princípio geral da boa fé e/ou do instituto do abuso de direito coincidiriam com a identificação de uma grave desproporção entre a imposição desse resultado ao vendedor e o reduzido significado dos defeitos em que se consubstancia a referida “não conformidade”. Reduzido significado esse inerente ora à falta de gravidade dos defeitos, ora à simplicidade e garantia de definitividade da sua eliminação. Isso mesmo se assinalou no Acórdão deste TRP de 15/09/2011 (em dgsi.pt), oportunamente citado na sentença em crise, que afirma ser apenas relevante “uma desproporção acentuada entre o exercício do direito de resolução e a dimensão dos defeitos que o fundam, a exigir que se lance mão do instituto do abuso do direito (…) uma desproporção manifesta entre a resolução pretendida e a insignificância dos meios necessários à reparação dos defeitos (…)”. No entanto, como bem referiu o tribunal a quo, não se identifica neste caso uma tal desproporção, tal a diversidade e seriedade dos defeitos existentes na habitação vendida que, poucos dias depois da entrega, a já tornavam desconforme relativamente aos fins que haveriam de ser proporcionados pela aquisição de um imóvel para habitação com um preço significativo, de mais de 250.000,00€. Recordem-se os factos provados sob os pontos 41º a 45º: infiltrações de água em várias zonas da casa, nomeadamente nas paredes expostas ao exterior, pelas janelas, na porta da entrada principal, nas paredes da cave, no tecto da garagem cuja água caia através de uma tampa eléctrica existente junto ao portão, pela clarabóia; falta de sistema de drenagem para o exterior; falta de sistema de ventilação em toda a casa; caixilharia das janelas insegura e de fraca qualidade, provocando infiltrações de água, entrada de frio e vento, condensação; fissuras nas paredes e no muro exterior; ondulação nas ligações dos tectos falsos; pintura a descascar nas paredes interiores e exteriores; rodapés a descolar; a base de chuveiro da suite provocava a inundação da casa de banho; falta de soleiras; a louça sanitária não é toda da mesma marca; cerâmicas rachadas; falta de electrificação do portão da garagem, de tomadas e de ligação tdt; elevado teor de humidade, depositando-se a água nas madeiras dos parapeitos das janelas; água a escorrer pelas paredes; cheiro a mofo e bolores nas zonas de infiltração de humidades, no chão, nas roupas, dentro dos roupeiros). O exercício do direito de resolução não aparece, pois, fundado em simples defeitos de pintura ou numa má instalação de caixilharias, por exemplo, caso em que se verificaria a referida desproporção, indutora de um abuso de direito. Pelo contrário, a diversidade e gravidade dos defeitos surgidos no imóvel logo muito pouco tempo decorrido sobre a sua entrega excluem que se possa afirmar ser abusivo o exercício do direito invocado pela 1ª A. De resto, nem os apelantes desenvolvem uma efectiva argumentação tendente à estruturação de uma conclusão por um tal abuso de direito. Resta, pois, concluir, em plena concordância com o tribunal a quo, pela plena justificação da pretensão de resolução do contrato que é objecto deste processo, deduzida pelos AA. * Nenhuma outra questão se mostra suscitada neste recurso, designadamente quanto aos efeitos enunciados como resultado da resolução contratual decretada. Nada há, por isso, que decidir a esse propósito.Resta, então, concluir pela falta de fundamento das críticas que fundamentaram a impugnação da decisão recorrida, nos seus dois vectores, a qual haverá de ser integralmente confirmada. Consequentemente, julgar-se-á improcedente a presente apelação. * 1 - O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (actualizado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05) visou a harmonização dos sistemas de protecção dos consumidores, entre os países da UE, mas com expressa preocupação de prevenir “a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor”. Daqui resulta um sistema legislativo plural, integrado pelas normas gerais do direito civil, pelas normas especiais “de defesa do consumidor” constantes da na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e pelas normas especialíssimas deste D.L. 67/2003 (entre outros) todas elas constituindo um regime jurídico complexo, cuja vocação é a de facultar ao consumidor a utilização dos instrumentos que lhe confiram maior grau de protecção contra a violação dos seus direitos contratuais, postos em causa num concreto acto de consumo.Sumário: 2 - O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril é aplicável à compra e venda de um imóvel para habitação em que o construtor/vendedor desenvolva profissionalmente tal actividade. 3 - A falta de conformidade do bem vendido com o objecto do contrato permite ao comprador exigir a reparação do bem, a sua substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato, sem precedência de qualquer dessas soluções sobre as demais, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito. 4 - Os limites à opção pela resolução do contrato resultantes do princípio geral da boa-fé e/ou do instituto do abuso de direito coincidem com a identificação de uma grave desproporção entre a imposição desse resultado ao vendedor e a pouca gravidade dos defeitos ou a simplicidade e garantia de definitividade da sua eliminação. 5 - Não se identifica uma tal desproporção no caso de elevada diversidade e gravidade dos defeitos de uma habitação, prejudiciais para as condições da sua utilização. * Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, na confirmação integral da douta decisão recorrida.3 – DECISÃO Custas pelos apelantes. Registe e notifique. * Porto, 12/9/2017Rui Moreira Fernando Samões Vieira e Cunha |