Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAQUEL LIMA | ||
Descritores: | PROGENITOR FRASES DESONROSAS | ||
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Nº do Documento: | RP20240925205/23.6T9VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A circunstância da mãe de um menor, filho igualmente do assistente, ter feito saber à CPCJ as afirmações daquele: 1 - No dia 25 de Dezembro de 2021, depois de chegar da casa do pai, durante o jantar, o CC disse “foda-se”, arrotou, meteu o dedo no rabo e cheirou, tendo, depois de repreendido pela mãe, dito que em casa do pai é assim que se faz, que fez como o tio que “faz isso e depois cheira” 2 - “A mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe” 3 - “Após voltar de casa do pai, o CC queixou-se à mãe dizendo que lhe doía a região genital e, quando questionado acerca do motivo de tal dor, o CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira” 4 - “Posteriormente, depois de chegar de casa do pai, o CC queixou-se novamente, dizendo que tinha a pilinha quente e a doer” 5 - “O CC vê a série “…” em casa do pai” 6 - “ O CCl diz que em casa do pai não se faz trabalhos de casa, quando confrontado, diz que em casa do pai brinca-se, dança-se, joga-se cartas com mulheres sem roupa e come-se com as mãos" embora possam contender com a qualidade do progenitor enquanto pai, mas são desonrosas em termos penais. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 205/23.6T9VFR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira Juiz 2 ACÓRDÃO I. RELATÓRIO Por decisão de 29.02.2024 foi proferido despacho de não pronúncia de AA RECURSO DO ASSISTENTE O assistente, requerente da abertura de instrução, BB, não se tendo conformado com tal decisão veio interpor recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª Não é verdade que os factos em causa aparentemente não são, nem objectiva nem subjectivamente, dos mais graves de entre aqueles que se podem integrar no tipo legal em causa. 2.ª As declarações, imputações e afirmações proferidas pela Arguida aquando da queixa contra o Assistente na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo ..., revestem dignidade penal nas circunstâncias (tempo, modo e lugar) em que aconteceram. 3.ª Vejamos as afirmações, imputações e declarações aqui em discussão: - No dia 25 de Dezembro de 2021, depois de chegar da casa do pai, durante o jantar, o CC disse “foda-se”, arrotou, meteu o dedo no rabo e cheirou, tendo, depois de repreendido pela mãe, dito que em casa do pai é assim que se faz, que fez como o tio que “faz isso e depois cheira” (relevo e sublinhado nossos). - “A mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe” (relevo e sublinhado nossos). - “Após voltar de casa do pai, o CC queixou-se à mãe dizendo que lhe doía a região genital e, quando questionado acerca do motivo de tal dor, o CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira” (relevo e sublinhado nossos). -“Posteriormente, depois de chegar de casa do pai, o CC queixou-se novamente, dizendo que tinha a pilinha quente e a doer” (relevo e sublinhado nossos). - “O CC vê a série “...” em casa do pai” (relevo e sublinhado nossos) -“ O CC diz que em casa do pai não se faz trabalhos de casa, quando confrontado, diz que em casa do pai brinca-se, dança-se, joga-se cartas com mulheres sem roupa e come-se com as mãos “(relevo e sublinhado nossos). 4.ª Conforme defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/11/2011, a verificação do ilícito não se pode circunscrever ou limitar à valoração isolada e objectiva das expressões, exigindo-se que as mesmas sejam analisadas e valoradas em função do circunstancialismo de tempo, modo e lugar em que foram proferidas. 5.ª Ora, o significado difamatório das palavras proferidas pela Arguida tem que ser avaliado no contexto em que as mesmas foram proferidas, que neste caso aconteceu perante uma Entidade Pública, o que agrava a conduta praticada pela Arguida, sem qualquer fundamento ou motivo para ter feito o que fez. 6.ª Pelo que, a culpa do agente é muitíssimo agravada, pelo modo e local (principalmente) utilizados pela Arguida para proferir as aludidas expressões e imputações formuladas. 7.ª Sendo certo que, as expressões da Arguida não têm outro objectivo que não o da ofensa, sendo verdadeiramente lesivas à honra e consideração do Recorrente. 8.ª A Arguida bem sabia que as declarações, afirmações e imputações formuladas são falsas, descabidas, ofensivas à honra e/ou consideração do Recorrente. 9.ª Até porque, a Arguida conhecendo bem o Recorrente, com quem esteve durante anos casada, sabia perfeitamente que o Recorrente era incapaz de praticar qualquer um daqueles factos, e sabia que tais afirmações causariam graves e sérios incómodos e prejuízos de natureza não patrimonial (danos morais) ao Recorrente. 10.ª Para a protecção dos interesses do filho ser concretizada, não é necessário cometer um crime de difamação. Aliás, é indevido e descabido tudo o que foi dito a respeito do Recorrente. 11.ª Por «honra» deverá entender-se a integridade moral de cada um, a probidade de carácter, rectidão, lealdade e dignidade subjectiva, fazendo parte da essência da personalidade humana, enquanto condição essencial e de natureza moral para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 02/10/1996). 12.ª A Arguida agiu de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era ilícita e lesiva à honra e consideração do Recorrente. 13.ª Como é do perfeito conhecimento da Arguida, o Recorrente é pessoa séria e honesta, que faz tudo pelo seu filho sentindo-se gravemente lesado na sua honra e consideração. 14.ª O Recorrente é pessoa de bem, pacato, trabalhador, é um pai presente, dedicado, respeitador e respeitado por todos aqueles que o conhecem. 15.ª O Recorrente nunca teve problemas com terceiros e mantém relações saudáveis de convivência e amizade na comunidade onde reside e está inserido. 16.ª O Recorrente goza de uma irrepreensível reputação ética e moral no meio onde reside. 17.ª Mais, os filhos procuram nos pais um modelo com o qual possam se identificar, e, ciente disso o Recorrente transmite ao filho os comportamentos corretos e adequados para este vir a ser um jovem consciente, responsável e bem-educado. 18.ª Tem entendido a jurisprudência maioritária que o crime que tratam estes autos é um crime de perigo, ou seja, basta que os factos em questão sejam capazes de ofender a honra e consideração do visado, mesmo que hipoteticamente essa honra e consideração não tenham sido efectivamente atingidos, embora tenham sido de forma grave, séria e intencional. 19.ª Não sendo justo a Arguida sair impune após ter difamado o Recorrente, duma forma tão grave e cruel. 20.ª Faz parte dos direitos básicos o direito de viver em uma sociedade justa e livre. Sendo uma sociedade justa aquela que aquela que dá garantias de equilíbrio na forma como se conciliam os diferentes interesses da vida em sociedade. 21.ª A conduta da Arguida traduz a imputação de factos e formulação de juízos inverídicos, que a mesma sabia perfeitamente que não correspondiam à verdade, tendo a Arguida perfeita a noção de que é proibido e punido por lei atentar contra a honra e a consideração alheias. 22.ª As expressões supra mencionadas contêm um carácter suficientemente ofensivo da honra e consideração que permita a sua censura pena, quer pela sua gravidade, quer pelo facto de as mesmas terem sido proferidas perante uma Entidade Pública. 23.ª Nestes termos, o despacho proferido pelo Tribunal a quo deverá ser substituído, devendo o recurso interposto ser julgado procedente e, em consequência disso, deve entender-se que os factos descritos na acusação configuram a prática do crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º do Código Penal. 24.ª Atendo o exposto, deve entender-se que os factos descritos na acusação configuram a prática do crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º do Código Penal. NB: bold da nossa autoria * RESPOSTA DO MP A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo desta forma: 1. Nos presentes autos o assistente BB apresentou queixa e deduziu acusação particular contra a arguida AA, alegando que a arguida apresentou queixa de si junto da CPCJ ..., da qual fez constar que o filho de ambos, CC, lhe transmitiu as situações ocorridas durante as suas estadias em casa do assistente, que considera ofensivas da sua honra e consideração e que integrarem um crime de difamação. 2. A arguida requereu a abertura de instrução, alegando que em virtude da comunicação conflituosa havida entre si e o assistente não averiguou junto deste se as afirmações do filho eram ou não verídicas e foi por acreditar na veracidade das mesmas que optou por comunicar à CPCJ o ocorrido para que a mesma averiguasse tais matérias e que agiu no direito que lhe assiste de garantia do bem-estar do filho. 3. Mediante douto despacho de 29/02/2024, a Mma. JIC decidiu não pronunciar a arguida, com o fundamento de que a comunicação efetuada pela arguida à CPCJ tratou-se de mera reprodução de imputações de factos e não de juízos de valor e ainda que se possa questionar se poderão ser considerados ou não objetivamente ofensivos da honra e consideração, a verdade é que ficou suficientemente indiciado que a mãe os reproduziu na CPCJ, onde se dirigiu, por ser a entidade competente para proteção do filho e atendendo à ausência de uma comunicação funcional com o pai do mesmo, pelo que não se encontra preenchido o elemento subjetivo do crime de difamação. 4. Inconformado com a referida decisão, veio o assistente recorrer, alegando nas suas conclusões, em síntese, que as declarações, imputações e afirmações proferidas pela arguida aquando da queixa contra o assistente na CPCJ, que constitui uma entidade pública, são falsas, descabidas e revestem dignidade penal, porquanto são ofensivas da sua honra e/ou consideração. 5. Subscrevemos a posição assumida pela Mma. JIC, no sentido de que a arguida denunciou junto da CPCJ situações objetivas que alegadamente se passariam em casa do progenitor/assistente, sem formular juízos de valor relativamente ao assistente, e que a mesma tinha o direito/dever de proteger o seu filho, justificando assim a não pronúncia da arguida por entender que esta atuou a coberto de causas de exclusão da ilicitude, previstas nos artigos 31.º n.º 2 al. b) e c), e 36.º, do Código Penal. Atento o exposto e salvo o devido respeito por opinião contrária, deve o recurso improceder. NB: bold da nossa autoria * RESPOSTA DA ARGUIDAA arguida veio, igualmente, responder ao recurso, apresentando as seguintes Conclusões: 1. Vem o Recorrente interpor recurso da matéria de facto do despacho de não pronúncia prolatado pelo douto Tribunal a quo. Porém, não cumpre os requisitos previstos no nº 3 do art.º 412º do CPP uma vez que não indica os pontos de facto que foram incorretamente julgados nem qualquer prova – documental e/ ou testemunhal – nem qualquer reavaliação e/ ou renovação probatória que fundamente a sua posição. De facto, o Recorrente apenas emite a sua opinião relativamente ao inscrito no despacho de não pronúncia prolatado pelo douto Tribunal a quo. Entendimento com que não se concorda e por cuja improcedência se pugna. Ao que acresce, O Recorrente, além de, salvo melhor opinião, ter incumprido o previsto no nº 3 do art.º 412º do CPP, incumpriu, também, o disposto no nº 1 do mesmo artigo. 2. Porquanto o Recorrente, ao invés de sumariar o expendido na motivação do recurso apresentado, mais não fez que transcrever parcialmente o aí inscrito. 3. Prova do ora alegado é que não só o Recorrente incluiu nas suas conclusões a transcrição parcial de acórdãos putativamente fundamentadores da sua posição, como também transcreveu e repetiu diversas vezes – conforme realizado na motivação de recurso apresentada – os seus argumentados ao invés de sumariá-los. 4. Assim, não sendo as conclusões infirmadas pelo Recorrente nem concisas nem precisas, sempre se dirá que deverá, salvo melhor opinião, o presente recurso ser rejeitado atenta a ausência de conclusões. Acresce, ainda, O Recorrente considera que os atos praticados pela Recorrida integram o crime de difamação previsto e punido pelo disposto no art.º 180º do CP, entendimento com que não se concorda, uma vez que a Recorrida se deslocou à CPCJ e explanou as situações ocorridas em casa do Recorrente porque as reputou como verdadeiras atenta a coerência do discurso do filho. O que demonstra que a Recorrida agiu no propósito de proteger e defender os interesses do filho de ambos e não de difamar o Recorrente. Ao que acresce o facto de a CPCJ ser uma autoridade pública e não um terceiro – conceito, este, fundamental para fundar a existência do crime de difamação. Além do que a Recorrida não proferiu qualquer expressão atentatória do bom nome do Recorrente, mas apenas se socorreu da autoridade pública competente para averiguação dos factos que lhe foram comunicados pelo filho, o que, a acontecer, sempre exigiria a efetivação das medidas consideradas necessárias por aquela entidade. Ademais, ainda que se considerasse que a Recorrida cometera um crime de difamação – o que se repudia – sempre a situação sub judice se integraria nas causas de ilicitude referidas no nº 2 daquela norma, dado que a Recorrida se encontrava a defender um – in casu, o crescimento saudável do seu filho – e tinha motivos para acreditar no que lhe havia sido dito pelo filho de ambos. 5. Razão pela qual se considera que jamais poderá a Recorrida ser pronunciada e/ ou condenada pelo crime de difamação. 6. Ademais, salvo melhor opinião, a existir qualquer conduta criminosa por parte da Recorrida – o que veementemente se repudia – jamais poderia a mesma ser integrada como consistindo no crime de difamação, p.p. art.º 180º do CP, mas sim no crime de denúncia caluniosa, p.p. art.º 365º do CP. 7. Além do mais, a Recorrida não emitiu juízos de valor acerca do caráter do Recorrente. 8. Motivo porque se entende que não constitui o crime de denúncia caluniosa os factos realizados pela Recorrida. 9. Donde se pugna pela manutenção da decisão instrutória prolatada pelo douto Tribunal a quo. Destarte, por tudo o supra exposto, se pugna pela manutenção da decisão recorrida, declarando a improcedência do recurso interposto. NB: bold da nossa autoria * PARECERJá nesta Relação, o Ex. Sr.º Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer dizendo (…)Sem pretender quebrar o devido respeito por opinião contrária, e que é muito ou superlativo, e igualmente, sem prejuízo de eventual erro de intelecção, deficit de avaliação ou de mera observação, a ser colmatado por mais avisado, atento e ponderado entendimento, e admitindo ainda que as únicas certezas que tenho são as minhas dúvidas (e na tentativa de evitamento de qualquer faux pas) a conduta da arguida para além de ser penalmente irrelevante encontra-se plenamente justificada pelos deveres decorrentes das responsabilidades parentais que sobre si impendiam. Com efeito, em síntese muito apertada, espremendo argumentos e encurtando ideias, o direito de os pais educarem os seus filhos é expressamente reconhecido na Constituição Política da República Portuguesa, mas não representa verdadeiramente um direito subjectivo individual. De acordo com o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição, «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos». Trata-se, por conseguinte, de um “poder-dever”, ou mais concretamente ainda, de poderes concedidos aos pais para serem exercidos no interesse dos filhos, no quadro das relações familiares que ente si estabelecem. Como é salientado por VIEIRA DE ANDRADE, «Os direitos dos pais de educação dos filhos não são meras liberdades em face do Estado, representam, no seu conteúdo essencial, poderes sobre os filhos. Não são nesta dimensão rigorosamente direitos dos indivíduos, mas poderes concedidos no quadro da autonomia familiar e estariam até fora da matéria dos direitos fundamentais se não fosse a intensidade pessoal que caracteriza a organização da família na vida social e que é recolhida no seu reconhecimento jurídico-constitucional. (…) compreende-se que os direitos concedidos aos pais dentro da família sejam acoplados com deveres quando tenham a natureza de poderes de pessoas sobre outras pessoas, exercidos no interesse destas últimas e não dos seus titulares» (VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6.ª ed., Almedina, 2019, p. 154, nota 354). (…) Sem pretender quebrar o elevadíssimo respeito por opinião divergente, e até, porventura, mais avisado e sedimentado entendimento (com a especial e inarredável ressalva que ao contrário dos “factos”, as opiniões não são “falsas” nem “verdadeiras”, e muito menos, a minha, constituirá o critério barométrico da solução jurídica ideal e infalível) no caso concreto, a arguida usou de uma faculdade de denuncia e em consciência (que podia até estar mal informada) apenas cumpriu um dever de proteção do filho a situações disruptivas, com as quais não concordava, tudo indicando que agiu com boa fé isto é – id est – com o intuito primário de proteger o filho da exposição a comportamentos indevidos protagonizados pelo pai da criança. Independentemente de a matéria denunciada ser ou não verdadeira, se o menor disse à mãe ora arguida aquilo que ela depois transmitiu à C.P.C.J. e que consta da acusação particular, não me custa aceitar que era dever da arguida proteger o filho do rumo de uma educação com a qual não concordava e, por conseguinte, denunciou os factos, como lhe foram transmitidos pelo menor, àquela entidade oficial com competência legal na protecção da infância e juventude. De referir, que a arguida não propalou os factos por amigas e vizinhos, ou fê-los constar de qualquer escrito que depois divulgou indiscriminadamente por um número indeterminado de pessoas. Não. Nada disso. Denunciou os factos à entidade competente, de primeira linha, que possui a competência funcional e material especialmente vocacionada para a proteção das crianças no âmbito e decurso de um processo de separação do assistente. Se a arguida quisesse mesmo difamar o assistente e tivesse intenção de o rebaixar teria obviamente utilizado outros meios mais eficazes e contundentes para conseguir esse objetivo. Bastava utilizar as redes sociais, onde a mensagem seria difundida por uma mole imensa de pessoas indeterminadas. Quer isto dizer que, aos olhos da experiência comum e do cidadão medio, objectivamente, a intenção da arguida foi direcionada em denunciar os factos perante um órgão oficial com competência funcional para proteger o seu filho de um tipo de educação ou de exposição a condutas associadas à brejeirice, maus modos e ao palavrão, que nos nossos dias não são raras e ainda subsistem em algumas franjas da sociedade. Também as pessoas que utilizam estes termos como modo de vida, sem maldade e recorrentemente, não são mais nem menos, dignas ou indignas, melhores ou piores pais. Não se enquadram actualmente no status quo ou no mainstream educativo, mas, na cor das minhas lentes, podem ser pais muito virtuosos e genuinamente interessados no bem estar e desenvolvimento pessoal dos filhos. Assim, sinceramente, não obstante a penhorada deferência e elevadíssimo respeito que devemos sempre assumir por opinião diferente e do qual os nossos adversários opinativos são seguramente credores, não se consegue perscrutar nem se vislumbra qualquer animus injuriandi vel difamandi, que aliás sempre seria dispensável, pois o tipo legal de crime de difamação previsto, sancionado e punido no artigo 180.º do Código Penal – C.P. não exige qualquer dolo especifico para a sua consumação e basta-se com o com o dolo genérico – artigo 14.º do Código Penal – C.P..Para além disso, a conduta da arguida é penalmente irrelevante pois não integra qualquer tipo legal de crime. (…). A ofensa à honra ou consideração não é, no entanto, susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social, ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras, ainda que direccionadas a pessoa identificada, distinção que importa ter bem presente porque estas últimas, ainda que possam gerar repulsa social, não são nem devem ser objecto de sanção penal”. Posto isto, e já com vista à apreciação da questão essencialmente colocada nos presentes autos, importa que nos perguntemos se alguma das expressões comunicadas pela arguida à C.P.C.J. tem a virtualidade de causar dano à honra do assistente em qualquer das vertentes penalmente tuteladas. Perfilhamos a posição acaudilhada no despacho recorrido, secundado pelas respostas do Digníssimo magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância e da arguida, no sentido que as expressões denunciadas pela arguida não possuem relevância criminal e são completamente anódinas ou placebos jurídicos na orla penal do nosso ordenamento jurídico. A protecção penal dada à honra e consideração e a punição dos factos lesivos desses bens jurídicos, só se justifica em situações em que objectivamente as palavras denunciadas não têm outro conteúdo ou sentido que não o da ofensa, apoucamento ou achincalhamento do visado, ou em situações em que, ultrapassada a mera susceptibilidade pessoal, as palavras ou expressões difundidas são, objectivamente, verdadeiramente lesivas da honra e consideração do visado. Uma expressão degradante e penalmente relevante só assume o carácter de «difamação» ou «injuria» quando nela não avultasse em primeiro plano qualquer intenção de proteção do filho, fora de uma discussão objectiva sobre questões controvertidas, ainda que acalorada, mas antes se pretendesse o puro enxovalho e diminuição do destinatário. (…) Isto é – id est - para além da crítica polémica e extremada da educação que o assistente supostamente prestava ao filho, expondo-o a condutas pouco recomendáveis, tinha de se ter indiciado que a arguida visou o rebaixamento, a humilhação e apoucamento do visado. Por outras palavras, a conduta da arguida só assumiria relevância criminal quando os factos denunciados ou a crítica proferida perdessem todo o contacto com a questão e problema que a motivava, ou com a discussão das questões de interesse educativo, e em vez disso, passasse a obedecer apenas ao propósito intencional de apoucamento e humilhação do pai do filho. Mas não foi o que aconteceu.(…) Os factos denunciados não são objectivamente desonrosos para o assistente, mas apenas fazem dele, na representação colectiva que se possa fazer dos mesmos à luz dos valores vigentes, um pai que não se enquadra no comportamento educativo devido, pressuposto pelas atuais exigências daquilo que deve ser o exercício saudável e normativo das responsabilidades parentais. Na verdade, tendo em conta o contexto da denuncia especialmente dirigida à C.P.C.J. e a opinião da generalidade das pessoas ou do cidadão comum, não haverá dúvida que as mencionadas expressões não revelam um cariz manifestamente difamatório e injurioso, ofendendo de modo jurídico-penalmente relevante a honra e consideração do assistente. É uma denuncia depreciativa, sem dúvida, e que não enaltece as qualidades positivas de pai do assistente, mas encontra-se longe de integrar a prática do crime de difamação ou qualquer outro. Aliás, o Direito Penal não deve intervir para criminalizar condutas comuns, simples desrespeitos, descortesias ou más educações. Tem que haver um mínimo de significado da conduta, um mínimo de gravidade, para que se considere ter a mesma alcançado o patamar da tipicidade e para se lhe conferir dignidade penal. Os tribunais não existem para apelidar de “criminosas” ou condenar pessoas que adoptam comportamentos destemperados, incorrectos e avessos a uma conduta bem-educada, mas que no contexto de uma situação de grande discórdia e de discussões travadas entre pessoas em litígio, não deixam de ser socialmente toleradas, embora criticáveis. Isto não significa que se não defenda a existência de um dever comportamental de educação e respeito nas relações entre as pessoas e que o desejável não seja a sua estrita observância nas relações pessoais. Significa, simplesmente, que nem tudo o que viola as regras de bom comportamento, da cortesia e de boa educação constitui os crimes tutelados pelos artigos 180.º e 181.º do Código Penal.” NB: bold da nossa autoria Não houve resposta ao Parecer. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, onde deve ser julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº3, al. c), do diploma citado. II. FUNDAMENTAÇÃO A) DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a questão essencial é determinar se existem indícios suficientes da prática, pela arguida, do crime de difamação, que determinem a sua submissão a julgamento. B) DECISÃO RECORRIDA Com vista à apreciação da questão supra enunciada, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida da qual transcrevemos as partes essenciais. (….) Por discordar do teor da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público, a arguida requereu a abertura de instrução, nos termos do disposto no art.º 287.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que em virtude da comunicação conflituosa havida entre si e o ora assistente, não averiguou junto deste se as afirmações do filho de ambos, CC, eram ou não verídicas e foi por acreditar na veracidade das mesmas que optou por comunicar à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo o ocorrido para que a mesma averiguasse tais matérias e que agiu no direito que lhe assiste de garantia do bem-estar do filho, pelo que a sua conduta se enquadra nas causas de exclusão da ilicitude previstas no art.º 180.º n.º 2 do Código Penal; que a CPCJ não é um terceiro, mas sim uma “autoridade pública” pelo que não se encontra preenchido um elementos objectivos do tipo que lhe é imputado, nem os elementos do tipo subjectivo do mesmo. Termina pedindo o arquivamento dos autos. (…) III – Fundamentação Dispõe o art.º 286.º n.º 1 do Código de Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. (…) Dispõe o art.º 283.º n.º 2 aplicável “ex vi” do art.º 308.º n.º 2 do Código de Processo Penal que “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada,por força deles,em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”. Deve assim o juiz de instrução criminal compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida em sede de inquérito e de instrução e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, consequentemente, remeter ou não a causa para a fase de julgamento. Importa, pois, apreciar se existem nos presentes autos, indícios suficientes da prática pela arguida do crime de que se encontra acusada. Conforme se referiu supra, a arguida encontra-se acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação p. e p. pelo art.º 180.º n.º 1 do Código Penal. Funda-se a acusação particular deduzida pelo assistente BB e acompanhada pelo Ministério Público na circunstância, em síntese, de ter celebrado casamento com a arguida no dia 13 de Setembro de 2008, fruto do qual nasceu CC, no dia ../../2011 e, bem assim, que em virtude de dificuldades de relacionamento entre ambos, o casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença homologatória a 20 de Abril de 2021. Mais refere que, no dia 4 de Fevereiro de 2022, a arguida apresentou queixa de si (assistente) junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo ..., alegando que o filho de ambos lhe transmitiu as seguintes situações ocorridas durante as suas estadias em casa do pai: “1) No dia 25 de Dezembro de 2021, depois de chegar da casa do pai, durante o jantar, o CC disse “foda-se”, arrotou, meteu o dedo no rabo e cheirou, tendo, depois de repreendido pela mãe, dito que em casa do pai é assim que se faz, que fez como o tio que “faz isso e depois cheira”; 2) A mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe; 3) Após voltar de casa do pai, o CC queixou-se à mãe dizendo que lhe doía a região genital e, quando questionado acerca do motivo de tal dor, o CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira; 4) Posteriormente, depois de chegar de casa do pai, o CC queixou-se novamente, dizendo que tinha a pilinha quente e a doer; 5) O CC vê a série “...” em casa do pai; 6) O CC diz que em casa do pai não se faz trabalhos de casa, quando confrontado, diz que em casa do pai brinca-se, dança-se, joga-se cartas com mulheres sem roupa e come-se com as mãos”. Mais refere que a arguida agiu sem lhe dar conhecimento prévio, apesar de sempre ter existido diálogo entre as partes sobre todas as questões relacionadas com o filho de ambos, desde o momento da separação do ex-casal até à data e mesmo após a referida participação feita pela arguida na CPCJ .... Alega também que a arguida actuou de forma livre e com o propósito único de ofender a honra e consideração do assistente, bem como denegrir o seu bom nome e tentar lesar a autoestima como pai também. Mais refere que tal participação infundada chegou ao conhecimento de familiares, amigos e conhecidos do assistente, bem como pelos diversos técnicos que estiveram envolvidos neste tipo de processos, tendo a arguida sujeitado o assistente a prestar declarações em entidades diversas, para “limpar” a sua reputação e bom nome das falsidades infundadas de que estava a ser alvo. Refere também que a arguida imputou ao assistente palavras ofensivas e formulou juízos falsos infundados, difamatórios e lesivos da sua honra, consideração e bom nome, dirigindo-se a terceiros, com o intuito de denegrir o bom nome do assistente. Finalmente refere que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tais expressões e juízos eram ofensivos da honra e consideração do assistente e que a sua conduta era proibida e punida por lei. Compulsados os autos, verifica-se que os mesmos tiveram origem numa queixa apresentada pelo assistente e subscrita por Advogado e cujo teor coincide no essencial com a acusação particular deduzida contra a arguida – cfr. fls. 2 a 5. Na ocasião, arrolou como testemunhas DD e EE. Juntou ainda cópias do seu assento de casamento e do assento de nascimento do filho do ex-casal- cfr. fls. 6 e 7, bem como cópia da acta da tentativa de conciliação realizada, no dia 20 de Abril de 2021, no âmbito da acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge n.º 2321/21.0T8VNG do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, onde além de ter sido decretado o divórcio por mútuo consentimento, foi também homologado o acordo havido entre os progenitores (os ora assistente e arguida )relativamente ao exercício das responsabilidades parentais do filho menor CC – cfr. fls. 9 a 12. Foi ainda junta cópia da informação social elaborada pela Segurança Social para o processo de promoção e protecção n.º 2562/22.2T8AVR do Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira, datada de 23 de Agosto de 2022 – cfr. fls. 13 e 14, bem como cópia do despacho de arquivamento proferido a 27 de Outubro de 2022 de tal processo – cfr. fls. 15 a 18. Interrogada a arguida no dia 19 de Abril de 2023, a mesma declarou que os factos descritos na acusação foram-lhe transmitidos pelo seu filho CC e, como achou que eram graves, fez a participação à CPCJ para averiguação; que no processo de averiguações chegaram a um acordo para a educação do filho – cfr. fls. 78 a 80. Inquirido o assistente a 14 de Abril de 2023, o mesmo declarou que os factos por si denunciados correspondem à verdade; negar na totalidade os factos denunciados pela suspeita na CPCJ e que já se encontram arquivados; negar comportamentos desadequados na presença do seu filho CC, considerando incompreensíveis as acusações apresentadas pela suspeita; manter contacto presencial e telefónico com a suspeita, relacionamento esse que classifica como cordial, sem qualquer tipo de divergência e/ou conflito e não ter conhecimento de qualquer facto para além dos denunciados nos autos – cfr. fls. 83 e 84. Inquirida como testemunha no dia 14 de Abril de 2023, EE, mãe do assistente, afirmou ter tido conhecimento pelo seu filho da queixa apresentada pela suspeita à CPCJ e que tal queixa provocou no seu filho revolta, tristeza e nervosismo; ter sido ouvida na CPCJ ..., sendo apenas alertados para evitar o uso de calão na presença do seu neto; negou comportamentos desadequados do seu filho na presença do seu neto, considerando incompreensíveis as acusações apresentadas pela suspeita, afirmando que o seu filho, é um pai amigo, carinhoso, presente, mantendo com o mesmo um excelente relacionamento; que o seu neto gosta de estar na companhia do pai, manifestando constantemente a vontade de permanecer mais tempo na companhia do mesmo; que o seu filho e a suspeita mantêm um relacionamento cordial, respeitando o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais; que nunca presenciou qualquer tipo de divergências/discussões entre o seu filho e a suspeita – cfr. fls. 86. Foi ainda inquirida como testemunha, no dia 13 de Julho de 2023, DD que afirmou ser amiga do ora assistente há cerca de oito anos e tem pelo mesmo consideração, uma vez que o considera pessoa isenta e com responsabilidades pessoais, profissionais e como progenitor; entende que o mesmo é pessoa idónea, de bom trato e amoroso com o filho, de quem cuida com carinho, de forma educada e responsável; ter tido conhecimento dos factos denunciados e que, na sua opinião, são completamente descabidos, infundados e que considera graves; que o denunciante é pessoa que não tem hábitos promíscuos, tanto quanto sabe, nem atitudes ou posturas menos correctas, muito menos com o filho, de quem cuida bem e educa e ensina a ser responsável e respeitador; não entender a razão da descrição efectuada pela denunciada na CPCJ e que no seu entendimento prejudicou e prejudica o ofendido; que abordada pelo ofendido, que lhe comunicou o acima descrito, o mesmo estava muito em baixo e completamente envergonhado, deprimido e revoltado com tais acusações, dizendo-lhe que era uma grave injustiça o que a aqui denunciada estava a fazer contra si; que no processo da CPCJ e posteriormente no processo de promoção e protecção que foi instaurado a pedida do denunciante, já, entretanto, arquivado, foram ouvidos vários familiares do ofendido, inclusive, o menor filho do mesmo e a mãe do denunciante de cerca de 70 anos de idade entre outros; que tal situação assim exposta, levou o denunciando a um isolamento e desgosto pelas acusações que lhe foram assim falsamente imputadas; que, actualmente, o denunciante é uma pessoa diferente e que deixou de sair com amigos, que está mais abatido e socialmente isolado, não conversando com a alegria que lhe era habitual e que o mesmo lhe disse que se encontra lesado na sua honra e consideração; nada mais saber acerca dos factos denunciados – cfr. fls. 106 e 107. Em sede de instrução, foram inquiridas como testemunhas FF, irmã da arguida e ex-cunhada do assistente; GG, pai da arguida e ex-sogro do assistente; HH, mãe da arguida e ex-sogra do assistente; II, antiga professora da criança CC e JJ, actual companheiro da arguida com quem vive em união de facto. Da análise de tais elementos probatórios resultam suficientemente indiciados os seguintes factos relevantes para a decisão instrutória: 1.O assistente e a arguida contraíram, entre si, casamento católico no dia 13 de Setembro de 2008. 2.Durante o casamento nasceu CC a ../../2011. 3.O casamento referido em 1. foi dissolvido por divórcio por sentença proferida a 20 de Abril de 2021. 4.No dia 4 de Fevereiro de 2022, a arguida apresentou queixa junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens ..., alegando que o filho de ambos lhe transmitiu as seguintes situações ocorridas durante as suas estadias em casa do pai: “1) No dia 25 de Dezembro de 2021, depois de chegar da casa do pai, durante o jantar, o CC disse “foda-se”, arrotou, meteu o dedo no rabo e cheirou, tendo, depois de repreendido pela mãe, dito que em casa do pai é assim que se faz, que fez como o tio que “faz isso e depois cheira”; 2) A mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe; 3) Após voltar de casa do pai, o CC queixou-se à mãe dizendo que lhe doía a região genital e, quando questionado acerca do motivo de tal dor, o CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira; 4) Posteriormente, depois de chegar de casa do pai, o CC queixou-se novamente, dizendo que tinha a pilinha quente e a doer; 5) O CC vê a série “...” em casa do pai; 6) O CC diz que em casa do pai não se faz trabalhos de casa, quando confrontado, diz que em casa do pai brinca-se, dança-se, joga-se cartas com mulheres sem roupa e come-se com as mãos”. 5.A arguida agiu sem dar qualquer conhecimento prévio ao assistente. 6.A participação referida em 4. chegou ao conhecimento pelo menos de um familiar e amigo do assistente, através deste, e dos diversos técnicos que estiveram envolvidos no processo. 7. O assistente e a arguida limitavam o seu diálogo ao estritamente necessário devido ao conflito existente entre ambos e a sua comunicação era e é conflituosa, motivo pelo qual a arguida não averiguou junto do assistente se as afirmações do filho de ambos eram ou não verídicas. 8. A arguida agiu acreditando na veracidade das informações prestadas pelo filho e assim optou por comunicá-las à CPCJ com o propósito de que as mesmas fossem averiguadas por esta entidade, com competência para protecção de crianças e jovens. E como não suficientemente indiciados os seguintes factos: a)A arguida actuou de forma livre e com o propósito único de ofender a honra e consideração do assistente, bem como denegrir o seu bom nome e tentar lesar a autoestima como pai. b)A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tais expressões e juízos eram ofensivos da honra e consideração do assistente e que a sua conduta era proibida e punida por lei. Com efeito, a factualidade vertida de 1. a 3., resulta suficientemente indiciada das cópias do assento de casamento do assistente e da arguida, do assento de nascimento do filho destes e da acta da diligência onde foi decretado o divórcio. A factualidade referida em 4., resulta das declarações do assistente e da arguida prestadas em sede de inquérito, coincidentes e a constante do ponto 5., resulta evidente da forma como os factos ocorreram e das declarações prestadas por ambos, sendo certo que a arguida, expressamente, o admite no seu requerimento de abertura de instrução. No que diz respeito à factualidade constante do ponto 6., a mesma mostra-se suficientemente indiciada, em virtude dos depoimentos das testemunhas EE e DD , respectivamente, mãe e amiga do assistente que o afirmaram em relação a si próprias, esclarecendo que foi o assistente quem lhes deu conhecimento do teor da denúncia efectuada pela arguida à CPCJ, sendo certo que o conhecimento por parte dos técnicos que estiveram envolvidos no processo é, naturalmente, consequência necessária da denúncia. Relativamente à factualidade vertida em 7., e concernente à existência de conflito e forma de comunicação entre assistente e arguida, a mesma resulta suficientemente indiciada, pese embora o teor das declarações do assistente e do depoimento da sua mãe, a testemunha EE, a respeito em sede de inquérito e que o negaram. Com efeito, tais declarações e depoimento mostram-se claramente infirmados pelo teor da informação elaborada pela Sra. Técnica da Segurança Social e do despacho de arquivamento proferido no âmbito do processo de promoção e protecção juntos pelo próprio assistente de fls. 13 a 18, de onde resulta a factualidade em análise e que conferem credibilidade aos depoimentos das testemunhas FF, HH, II e JJ, prestados em sede de instrução e que o afirmaram. Tendo em consideração a existência de conflito existente entre assistente e arguida e ausência de uma comunicação funcional entre ambos, naturalmente que, em face das regras da experiência comum e normalidade da vida, fácil é de concluir estar suficientemente indiciado ter sido por esse motivo que a arguida não averiguou junto do assistente se as afirmações do filho eram ou não verídicas. É certo que, infelizmente, sobretudo na perspectiva do superior interesse das crianças, muitas vezes, os pais em conflito e precisamente por causa disso, acabam por apresentar denúncias falsas contra o outro progenitor, inclusivamente, junto da CPCJ. No caso concreto, entendo que os elementos probatórios permitem inferir não ter sido esse o caso, atendendo, ao teor da própria participação efectuada pela progenitora à CPCJ, em que se limita, de uma forma objectiva, a descrever factos e unicamente factos, sem qualquer juízo de valor, que o filho lhe disse, ocorridos, sobretudo e maioritariamente em casa do pai e não com imputação directa a este. Por outro lado, importa salientar que o próprio assistente, quando ouvido pela Sra. Técnica da Segurança Social que elaborou o teor da informação social junta pelo próprio assistente a fls. 13 e 14, nunca colocou em causa que o filho não tenha transmitido tais informações à mãe e que sejam uma pura invenção desta, antes admitindo sempre tal possibilidade, ainda que negando o conteúdo das mesmas ou apresentando justificações para as afirmações do filho. E a verdade é que resulta de tal informação social a veracidade objectiva de algumas informações constantes da denúncia à CPCJ, como seja, a circunstância de o tio paterno ser presença habitual no casa do pai (ora assistente) nos Domingos; o agregado familiar ser composto pelo pai e pela avó paterna, o facto de ser utilizado calão pelos adultos também da família paterna e até a existência de um baralho de cartas com mulheres nuas, já para não falar que o próprio assistente admitiu que o filho viu o ... quando ainda vivia com ambos os pais e que, inclusivamente, o filho já havia simulado movimentos sexuais consigo. Deste modo, o tribunal deu também como suficientemente indiciados os factos vertidos em 8 e, necessariamente, como não indiciados os vertidos em a) e b). De salientar que não se atendeu, naturalmente, a matéria constante da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público que não são factos, mas sim alegações de índole jurídica e conclusiva e, consequentemente, não susceptíveis de prova, nem a factualidade irrelevante para o preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do crime imputado à arguida ou, pura e simplesmente, contrária à suficientemente indiciada. Seleccionada a factualidade suficientemente indiciada, importa agora aferir se a mesma é susceptível de integrar a prática de um crime de difamação imputado à arguida. Dispõe o art.º 180.º n.º 1 do Código Penal que “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”. O n.º 2 do mesmo preceito legal acrescenta que “a conduta não é punível quando: a)A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar”. O n.º 3 prevê que “sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar” e o n.º 4 que “a boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”. Este tipo de ilícito concretiza-se assim, numa imputação indirecta, através de terceiros, à pessoa do ofendido, a quem é feita a imputação de factos, mesmo sobre a forma de suspeita, ou a formulação de juízos, ofensivos da sua honra e consideração. A honra é entendida no ordenamento jurídico-penal português, como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. A “honra” é assim a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter. A “consideração” é o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros–cfr. Simas Santos e Leal-Henriques in “Código Penal anotado – parte especial”, pág. 469. As modalidades do crime são: a)imputação de um facto ofensivo, ainda que meramente suspeito, ou seja, sem o carácter de certeza, como que carecendo de confirmação – atribuir um facto, apresentá-lo como correcto ou verdadeiro segundo a convicção ou perspectiva do imputante, que assim se identifica com o respectivo conteúdo; b) formulação de um juízo de desvalor – a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo; c) reprodução de uma imputação ou de um juízo – divulgar uma afirmação alheia, ou seja, uma afirmação que não é objecto de uma convicção do próprio divulgante, bastando assim que o arguido tenha transmitido informações ou observações alheias, relacionando-se positivamente com o seu conteúdo. O “facto” traduz-se naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. É assim um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência. O “juízo” é não uma apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor. Como refere Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, para aferir se as palavras proferidas são ou não ofensivas da honra e consideração de uma pessoa, há que atender ao contexto situacional, pese embora, existam palavras cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração e que exprimem e carregam consigo um indesmentível desvalor, objectivamente ofensivo. Mais acrescenta aquele Ilustre Professor que “o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização. Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo”. Conforme refere o Ac. Da Relação do Porto de 19/04/2017, disponível in www.dgsi.pt., “refira-se agora que, como critério orientador os factos imputados ou a formulação de juízos hão ser ou resultar ofensivos do ponto de vista da generalidade das pessoas. (…) Nos crimes de injúria e difamação, não se protege a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja mas tão só, a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e pela consideração que lhe são devidas. Assim, uma das características da injúria é a sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente dependente do lugar, do ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre e do modo como ocorre, daí que, só em cada caso concreto se possa afirmar se há ou não comportamento delituoso. Por outras palavras, em cada caso concreto haverá que ter em conta as condições ambientais, a classe social do ofendido e do seu agressor, o seu relacionamento, os laços de parentesco e confiança entre ambos, os hábitos de linguagem, a formação moral, etc.” Beleza dos Santos in RLJ n.º 92, pág. 168, refere que “não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem aquilo que o queixoso entende que o atinge, de certo ponto de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. (…) O tipo objectivo de difamação estará preenchido com a imputação de factos, palavras ou juízos desonrosos, desonestos e vergonhosos, a par do dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades. Em sentido amplo, o bom nome e reputação, incluem, enquanto sínteses de apreço pelas qualidades determinantes da identidade de cada indivíduo e pelos valores pessoais adquiridos pelo mesmo, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político”. No que concerne ao tipo subjectivo, de referir que não existe um dolo específico, na medida em que não é exigível a existência de uma especial intenção, o propósito de ofender, sendo bastante a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém. Sucede, porém, que o legislador entendeu que, em casos especiais, não são puníveis condutas que têm atrás de si motivos relevantes e sérios. São as situações previstas no n.º 2 do art.º 180.º do Código Penal que configuram verdadeiras causas de exclusão da ilicitude. O n.º 4 estabelece uma reserva ao princípio da impunibilidade da conduta baseada no n.º 2 al. b) ou seja, uma cláusula exclusória da responsabilidade criminal que deixa de funcionar quando o agente não se rodeou dos cuidados necessários para se certificar de que a imputação feita era de considerar verdadeira. De salientar, porém, que não é admissível a prova da verdade das imputações quando o que se pretende é provar a adequação à pessoa ofendida do uso de certos termos, epítetos e expressões ofensivas, como: “mentiroso”, “intruso”, “manhoso”, “prepotente”, “viracasacas” e de “usar métodos reles e baixos” – cfr. Ac. da Relação do Porto de 29/05/1991 in CJ XVI, 3, 275. Importa ainda ter em consideração que as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 180.º do Código Penal são cumulativas. Conforme refere Faria Costa in op. cit., pág, 622, “se se chega à conclusão de que a imputação desonrosa não cumpre um interesse legítimo, não há lugar para qualquer produção de prova em ordem a demonstrar a verdade desses factos”. Importa ainda salientar, conforme se referiu supra, o disposto no n.º 3 do art.º 180.º do Código Penal, segundo o qual, “sem prejuízo do disposto nas alíneas b),c)ed)don.º2doart.º31.º,odisposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar”. Dispõe o art.º 31.º n.º 1 do Código Penal que “o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade” sendo que o n.º 2 acrescenta: “nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: a)Em legítima defesa; b)No exercício de um direito; c)No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade (…)”. De salientar ainda o disposto no art.º 36.º n.º 1 do Código Penal segundo o qual “não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar”. Importa ainda salientar que nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor, dois direitos fundamentais da pessoas inscritos na Constituição da República Portuguesa ao mesmo nível hierárquico de tutela – a honra e a liberdade de expressão previstos, respectivamente, nos art.º 26.º e 37.º da Constituição da República Portuguesa. Dispõe o art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de descriminação”. O art.º 37.º da Lei Fundamental estabelece, por seu turno, que “todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento por palavras, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar, e ser informados, sem impedimentos ou discriminações”. Assim sendo, a prevalência de um deles em cada caso, conforme refere o Ac. da Relação de Lisboa de 11/12/2019, disponível in www.dgsi.pt, “tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra”. Verificando-se um conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos, deverá procurar-se uma solução que passe pela realização óptima de cada um deles, harmonizando-os segundo um princípio da concordância prática, para o que se deverá atender aos dados do caso concreto, usando-os segundo critérios de proporcionalidade, razoabilidade e adequação. Conforme refere o Ac. da Relação do Porto de 04/11/2020, disponível www.dgsi.pt, “necessária se tornará a compressão do direito à honra para salvaguarda da liberdade de expressão, no qual se inclui o direito à crítica objectiva, que se vem traduzindo, na prática jurisprudencial, na exigência da verificação de ataques à honra ou reputação social com certo nível de gravidade, pois só nestas circunstâncias uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não poderá ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão consagrado no art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”. Também Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, pág. 110 e 111, referem que “o direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e de outro”. Por outro lado, na indagação sobre se determinada conduta constitui crime contra a honra importa ainda ter em consideração o disposto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, de que Portugal é contratante, interpretada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, nomeadamente no que concerne ao seu art.º 10.º concernente ao direito à liberdade de expressão. Importa salientar que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem enfatizando as características básicas que definem uma sociedade democrática, onde se inclui a liberdade de expressão como forma de pluralismo, tolerância e espírito de abertura, sendo assim muito liberal na protecção de tal direito. Assim sendo, conforme tem vindo a entender a jurisprudência, uma expressão proferida só assume o carácter de “difamação” quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas, isto é, só poderá falar-se de “difamação” quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário e passa a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa, atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social. – cfr., neste sentido, entre outros o supra citado Ac. da Relação de Lisboa e os Ac. da Relação do Porto de 19/04/2017, 04/11/2020 e 22/02/2023, todos disponíveis in www.dgsi.pt.. Manuel da Costa Andrade in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma perspectiva Jurídico-Criminal”, pág. 232 a 240 e cujo entendimento tem vindo a ser perfilhado pela jurisprudência, é claro ao considerar atípica a crítica objectiva, ou seja, a crítica de obras, prestações, realizações e actuações, sendo que essa crítica pode situar-se nos âmbitos político, artístico, desportivo ou outros. Neste caso, estamos perante uma situação de atipicidade e nem sequer perante uma justificação nos termos do disposto no art.º 31.º n.º 2 al. c) do Código Penal, de uma conduta típica pelo exercício de um direito, isto é, o direito de crítica. Efectivamente, da redacção dos art.º 180.º n.º 1 e 181.º n.º 1 do Código Penal, resulta que os crimes de difamação e injúria supõem a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, actuações, obras, prestações ou realizações. Estes juízos, que são cobertos pela liberdade de expressão e crítica não configuram elemento constitutivo de algum desses dois tipos de crime. Efectuada a análise do tipo legal de crime imputado à arguida, forçoso é de concluir que os factos suficientemente indiciados e elencados supra não são susceptíveis de permitir a formulação de um juízo de maior probabilidade de condenação da mesma do que absolvição se submetida a julgamento e, consequentemente, a sua pronúncia para julgamento. Com efeito, desde logo, da análise da participação efectuada pela arguida à CPCJ resulta que os únicos factos aí descritos imputados directamente ao pai são: “a mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe”; “O CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira”. Tudo o demais aí relatado é apontado à casa do pai que, conforme resulta do teor da informação social era habitada e frequentada por outras pessoas. Importa salientar que se trata de reprodução de imputações de factos e não de juízos de valor e ainda que se possa questionar se poderão ser considerados ou não objectivamente ofensivos da honra e consideração conforme entendidos pela generalidade das pessoas, a verdade é que ficou suficientemente indiciado no caso concreto que a mãe os reproduziu na CPCJ, onde se dirigiu, por ser a entidade competente para protecção do filho e atendendo à ausência de uma comunicação funcional com o pai do mesmo, atendendo ao conflito existente entre ambos. Daqui decorre não só a falta do elemento subjectivo do crime de difamação, uma vez que a arguida não agiu com consciência de ofensa da honra e consideração do assistente e da ilicitude de tal conduta, mas com o intuito de protecção do filho, sendo certo que o fez, dirigindo-se à entidade competente para o efeito – cfr. art.º 6.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei n.º 147/99 de 01/09. Ora importa atender que, nos termos do disposto no art.º 1878.º n.º1do Código Civil, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança. Deste modo, a actuação da arguida, enquanto mãe de uma criança que lhe relata factos que podem contender com a sua segurança, tem não só o direito como o dever de, para proteger o filho, denunciar tal situação às entidades competentes para averiguar a mesma, o que, aliás, se mostra suficientemente indiciado ter sucedido no caso concreto. A actuação da arguida está assim suficientemente indiciada a coberto das causas de exclusão da ilicitude previstas no art.º 31.º n.º 2 al. b) e c) do Código Penal e, mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir, nos termos do disposto no art.º 36.º n.º 1 do Código Penal que o dever de a arguida proteger o seu filho sempre se sobreporia ao dever de se abster de lesar a honra do alegado agressor, “in casu”, o ora assistente – cfr. neste sentido, o Ac. da Relação de Évora de 24 de Janeiro de 2017, disponível in www.dgsi.pt. A conduta da arguida suficientemente indiciada não é, assim, ilícita e, consequentemente, não é criminalmente punível. Em face do exposto, forçoso é de concluir que não foram recolhidos indícios suficientes já em sede de inquérito de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação à arguida da uma pena ou de uma medida de segurança, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 308.º n.º 1 do Código de Processo Penal, tem, necessariamente, de ser proferido um despacho de não pronúncia. * IV – DecisãoEm face do exposto e ao abrigo do disposto nos art.º 283.º n.º 2 “a contrario”, 307.º n.º 1 e 308.º n.º 1 do Código de Processo Penal, decido não pronunciar: AA, divorciada, nascida a ../../1984, natural da freguesia e concelho de Espinho, filha de GG e de HH, titular do cartão de cidadão n.º ..., residente na Rua ..., n.º ..., 1.º Dto, Traseiras, ... ..., pelos factos constantes da acusação particular de fls. 116 a 118 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido nos termos do disposto no art.º 307.º n.º 1 do Código de Processo Penal e que lhe imputa a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação p. e p. pelos art.º 180.º n.º 1 do Código Penal e, em consequência, determino o arquivamento do processo.” NB: bold da nossa autoria C) APRECIAÇÃO DA QUESTÃO EM RECURSO. Pode atribuir-se aos actos praticados pela arguida relevância penal, impondo a pronúncia da mesma? * Antes de mais, em jeito de nota, e ao contrário do que afirma a arguida, a invocação de um alegado erro na valoração da matéria de facto não segue os mesmos termos quando estamos perante uma decisão instrutória, ou uma sentença.Como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa de 03-04-2019, tirado no processo 3106/18.6T9LSB.L1-9 “I- O vício de erro notório na apreciação da prova, bem como os demais enunciados no nº 2, do artigo 410º, do CPP, são vícios relativos à sentença, não tendo aplicação à decisão instrutória a que se reporta o artigo 307º, do mesmo Código; II-E tal acontece porque dizem respeito à matéria de facto provada ou não provada, coisa que está ausente de uma decisão de instrução, a qual apenas pode concluir pela existência de matéria de facto suficientemente indiciada ou não indiciada, e que esses vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência, o que naturalmente exclui o recurso a quaisquer elementos externos à decisão, ainda que constantes do processo; III- Para a apreciação do recurso da decisão instrutória impõe-se a análise de todos os elementos indiciários constantes do processo, tanto os presentes no inquérito como os produzidos já na fase de instrução, para se concluir sobre a sua suficiência ou não com vista à prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, respectivamente, pelo que, a crítica à decisão sobre a existência ou inexistência dos indícios não é admissível pela invocação do vício de erro notório na apreciação da prova tal como no nosso ordenamento jurídico se encontra configurado no nosso ordenamento jurídico, artº 410 nº 2 al. c) do CPP.” (sublinhado nosso) No caso que ora nos é colocado a apreciar, o ponto fulcral do recurso não se prende com a valoração da prova feita pela Sr.ª Juiz de Instrução. A questão, parece-nos, prende-se com a interpretação das afirmações efectuadas pela arguida. Assim: - a Sr. Juiz considerou que das afirmações efectuadas pela arguida (relativamente às quais não há qualquer divergência) apenas duas delas diziam directamente respeito ao pai do menor, ou seja. “ Com efeito, desde logo, da análise da participação efectuada pela arguida à CPCJ resulta que os únicos factos aí descritos imputados directamente ao pai são: “a mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe”; “O CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira”. Tudo o demais aí relatado é apontado à casa do pai que, conforme resulta do teor da informação social era habitada e frequentada por outras pessoas.”. A Sr. Juiz, abstendo-se de qualificar as afirmações em causa como atentatórias da honra, ou não, parte para a decisão considerando que, a serem desonrosas, não haveria crime em virtude da ausência do elemento subjetivo. Assim: “ Importa salientar que se trata de reprodução de imputações de factos e não de juízos de valor e ainda que se possa questionar se poderão ser considerados ou não objectivamente ofensivos da honra e consideração conforme entendidos pela generalidade das pessoas, a verdade é que ficou suficientemente indiciado no caso concreto que a mãe os reproduziu na CPCJ, onde se dirigiu, por ser a entidade competente para protecção do filho e atendendo à ausência de uma comunicação funcional com o pai do mesmo, atendendo ao conflito existente entre ambos.” O Sr. Procurador Geral Adjunto, no Parecer que proferiu nos autos, entendeu: “ Posto isto, e já com vista à apreciação da questão essencialmente colocada nos presentes autos, importa que nos perguntemos se alguma das expressões comunicadas pela arguida à C.P.C.J. tem a virtualidade de causar dano à honra do assistente em qualquer das vertentes penalmente tuteladas. Perfilhamos a posição acaudilhada no despacho recorrido, secundado pelas respostas do Digníssimo magistrado do Ministério Público junto da 1.ª instância e da arguida, no sentido que as expressões denunciadas pela arguida não possuem relevância criminal e são completamente anódinas ou placebos jurídicos na orla penal do nosso ordenamento jurídico. (…) Os factos denunciados não são objectivamente desonrosos para o assistente, mas apenas fazem dele, na representação colectiva que se possa fazer dos mesmos à luz dos valores vigentes, um pai que não se enquadra no comportamento educativo devido, pressuposto pelas atuais exigências daquilo que deve ser o exercício saudável e normativo das responsabilidades parentais. Na verdade, tendo em conta o contexto da denuncia especialmente dirigida à C.P.C.J. e a opinião da generalidade das pessoas ou do cidadão comum, não haverá dúvida que as mencionadas expressões não revelam um cariz manifestamente difamatório e injurioso, ofendendo de modo jurídico-penalmente relevante a honra e consideração do assistente.” Analisemos as expressões em causa: 1- No dia 25 de Dezembro de 2021, depois de chegar da casa do pai, durante o jantar, o CC disse “foda-se”, arrotou, meteu o dedo no rabo e cheirou, tendo, depois de repreendido pela mãe, dito que em casa do pai é assim que se faz, que fez como o tio que “faz isso e depois cheira” 2- “A mãe soube que o pai ensinou o CC a fazer movimentos sexuais porque, inopinadamente, este os reproduziu agarrado à perna da mãe” 3- “Após voltar de casa do pai, o CC queixou-se à mãe dizendo que lhe doía a região genital e, quando questionado acerca do motivo de tal dor, o CC disse que o pai lhe dava murros na pilinha como brincadeira” 4- “Posteriormente, depois de chegar de casa do pai, o CC queixou-se novamente, dizendo que tinha a pilinha quente e a doer” 5- - “O CC vê a série “...” em casa do pai” 6- “ O CC diz que em casa do pai não se faz trabalhos de casa, quando confrontado, diz que em casa do pai brinca-se, dança-se, joga-se cartas com mulheres sem roupa e come-se com as mãos “ Como bem diz a Sr. Juiz, apenas as afirmações constantes dos pontos 2, 3 e 4 dizem respeito a condutas imputadas ao pai do menor, o aqui assistente. Estas afirmações podem colocar em dúvida o comportamento, a nível sexual, do assistente relativamente ao filho? Na verdade, não se consegue perceber bem o sentido das mesmas. O pai teve algum comportamento grave, susceptível de colocar em causa a sua idoneidade como pai? O menor diz que os toques na pilinha eram brincadeiras. Na expressão 1 está em causa uma conduta inapropriada, imputada ao tio do menor, que se passou na casa do pai. Relativamente às expressões 5 e 6, o que está em causa são actuações (a 5 praticada pelo pai) que alegadamente se passaram na casa do pai, que podem contender com a sua qualidade enquanto educador, mas que não são, de modo algum, desonrosas (penalmente falando). Temos que concordar com o Sr. Procurador Geral Adjunto quando diz que a denúncia que a arguida efectuou na Comissão de Protecção de menores “é uma denuncia depreciativa, e que não enaltece as qualidades positivas de pai do assistente, mas encontra-se longe de integrar a prática do crime de difamação ou qualquer outro. Aliás, o Direito Penal não deve intervir para criminalizar condutas comuns, simples desrespeitos, descortesias ou más educações. Tem que haver um mínimo de significado da conduta, um mínimo de gravidade, para que se considere ter a mesma alcançado o patamar da tipicidade e para se lhe conferir dignidade penal. Os tribunais não existem para apelidar de “criminosas” ou condenar pessoas que adoptam comportamentos destemperados, incorrectos e avessos a uma conduta bem-educada, mas que no contexto de uma situação de grande discórdia e de discussões travadas entre pessoas em litígio, não deixam de ser socialmente toleradas, embora criticáveis. Isto não significa que se não defenda a existência de um dever comportamental de educação e respeito nas relações entre as pessoas e que o desejável não seja a sua estrita observância nas relações pessoais. Significa, simplesmente, que nem tudo o que viola as regras de bom comportamento, da cortesia e de boa educação constitui os crimes tutelados pelos artigos 180.º e 181.º do Código Penal.” Concordamos com esta posição, de forma clara, no que toca às afirmações constantes dos pontos 1, 5 e 6 referidos supra. Relativamente às afirmações dos pontos 2, 3 e 4, a verdade é que, igualmente, não é apontado ao assistente nenhuma conduta desonrosa. A denúncia que a arguida fez refere-se a alegadas brincadeiras que o filho afirmou ter com o pai. Obviamente que a arguida entendeu que as “brincadeiras” traduziam um comportamento errado. O tribunal percebe a revolta, o desassossego e a impotência sentida pelo assistente, enquanto pai, ao ser confrontado com o teor da denúncia. Compreendemos o contexto em que a mesma ocorreu, após um divórcio, com filho menor cujas responsabilidades parentais cumpria regular. Dar a conhecer na CPCJ que o menor afirma que na casa do pai, o tio coloca o dedo no rabo e cheira, que não faz os trabalhos de casa porque ali só se brinca, dança, joga-se com cartas com mulheres nuas e come-se com as mãos, faz com que as afirmações do menor (e que o assistente não coloca em causa) tomem proporções maiores. Dar a conhecer à CPCJ que o menor afirma que o pai tem com ele brincadeiras, dando murros na “pilinha” do filho, causando-lhe dor, é a alavanca para uma investigação mais aturada relativamente a esses comportamentos, ou pelo menos, permite ponderar se existirá mais alguma coisa para além dessas ditas brincadeiras. Porém, temos que concordar que as mesmas não são atentatórias da honra do assistente. Seguindo de perto o Acórdão do Tribunal da Reação de Coimbra de 06-01-2010, tirado no processo 862/08.3TAPBL.C1 “Como é sabido, a vida em sociedade pauta-se por normas, nem todas elas de carácter jurídico. A teia de relações sociais que necessariamente se estabelece em torno de cada indivíduo e que lhe permite interagir com os demais, pressupõe, por força da própria natureza humana, uma regulação normativa. Basicamente, é usual distinguir-se entre normas religiosas, normas de costume, normas morais e normas jurídicas - Para desenvolvimento do tema, veja-se Alessandro Groppali, “Introdução ao Estudo do Direito”, 3ª Ed., pags. 31/35. As primeiras, valem nas relações entre os crentes de uma mesma religião ou fé e entre estes e o Deus em que acreditam. A violação destas normas importa, para o crente, a sanção do castigo divino e a desaprovação dos outros crentes. As normas de costume respeitam ao comportamento em determinadas circunstâncias; são normas de conveniência, de decoro, de higiene, de etiqueta ou de cerimónia. A sua violação acarreta a reprovação por parte de quem lhes atribui importância, e pode importar ainda um sentimento de mal-estar ou desconforto social para quem, respeitando por princípio essas normas, delas se afastou. A sanção que as acompanha é, pois, essencialmente, uma reprovação social. As normas morais radicam numa noção de “bem” e de “mal”, são normas cuja violação gera uma intensa reprovação por parte dos membros da comunidade e que nos casos mais ostensivos conduz a uma verdadeira desqualificação social do infractor, que se verá olhado com desdém ou deixará de ser aceite em certos círculos sociais. Por fim, as regras jurídicas prendem-se com o núcleo essencial da convivência humana. Tutelam valores de tal modo relevantes para a vida em sociedade que o Estado impõe coactivamente a sua observância, estipulando sanções para os infractores. Todos estes grupos de normas se reflectem, directa ou indirectamente, na personalidade moral dos indivíduos e todas as sociedades, pelo menos, as sociedades de pendor humanista, tutelam a personalidade moral. Assim sucede entre nós, tutelando a Constituição da República Portuguesa a personalidade moral, consagrando a sua inviolabilidade no art. 25º, nº 1 - Art. 25º, nº 1, da CRP: “A integridade moral e física das pessoas é inviolável”.. No desenvolvimento desse princípio, o Código Civil consagra uma tutela geral, estatuindo, no respectivo art. 70º, nº 1, que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. O direito penal, por seu turno, tutela a honra e reputação do indivíduo, enquanto expressão da irrenunciável dignidade pessoal. Honra, no sentido pressuposto pelas normas que lhe conferem tutela penal, tanto pode ser a honra subjectiva ou interior, no sentido de juízo valorativo que cada um faz de si mesmo, como honra objectiva ou exterior, correspondente à consideração de que alguém goza entre quem o conhece, ao bom nome e reputação no contexto social envolvente - Para desenvolvimento do tema veja-se José de Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pag. 603, em anot. ao art. 180º.. A ofensa à honra ou consideração não é, no entanto, susceptível de confusão com a ofensa às normas de convivência social, ou com atitudes desrespeitosas ou mesmo grosseiras, ainda que direccionadas a pessoa identificada, distinção que importa ter bem presente porque estas últimas, ainda que possam gerar repulsa social, não são objecto de sanção penal. Posto isto, e já com vista à decisão da questão essencialmente colocada no recurso, importa que nos perguntemos se alguma das expressões proferidas pelo arguido tem a virtualidade de causar dano à honra do assistente em qualquer das vertentes penalmente tuteladas, porque se assim não for, a sorte do recurso estará traçada, sem necessidade de maior indagação.” NB: bold da nossa autoria Percebemos que na perspectiva do assistente, este, conhecendo a arguida, esteja completamente convencido que a denúncia efectuada só teve como objectivo colocar em causa a sua honra, aqui entendida como forma de desqualificação social do assistente, que se verá olhado com desdém ou deixará de ser aceite em certos círculos sociais. Veja-se que o recorrente afirma “tais afirmações causariam graves e sérios incómodos e prejuízos de natureza não patrimonial (danos morais) ao Recorrente”. Podíamos pensar, como faz o assistente, que a arguida, conhecendo a pessoa com quem viveu vários anos, tinha que saber que as insinuações (referimo-nos às brincadeiras do pai batendo na pilinha do filho) que estão por trás destas afirmações e das demais, não são verdade, pelo que deste conhecimento era possível retirar a verdadeira intenção da arguida. Porém, logo de seguida, lembramo-nos que, por regra, os abusos sexuais vêm das pessoas mais insuspeitas. A título meramente académico (uma vez que já afirmámos que não é posta em causa a honra do assistente) pensemos no que aconteceria se o processo fosse a julgamento. O julgador, para quem assistente e arguido são pessoas estranhas e desconhecidas, ficaria, no mínimo, com a dúvida relativamente ao motivo pelo qual a arguida efectuou a denúncia. Fê-lo para defender o filho? Só esta dúvida determinava a absolvição da mesma. Daí que concordemos com a decisão instrutória. III- DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente BB, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo assistente/ recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. Porto, 25 de Setembro de 2024 (Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos) Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990. Raquel Lima Maria Joana Grácio Paula Natércia Rocha |