Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | NULIDADES DE SENTENÇA FACTOS NOTÓRIOS OMISSÃO DE PRONÚNCIA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE ALEGAÇÃO RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CONTRATO DE COMPRA E VENDA IMÓVEL | ||
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Nº do Documento: | RP202410088843/22.8T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I. A desconsideração pelo tribunal de factos notórios não consubstancia nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas um eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto. II. A pronúncia sobre questões de facto para as quais o tribunal não estivesse habilitado a responder por exigir conhecimentos especiais, não se tendo socorrido da prova pericial, não consubstancia nulidade da sentença por excesso de pronúncia, mas eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto. III. A falta de indicação nas conclusões de todos os factos impugnados no corpo das alegações não conduz à rejeição total do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, apenas não serão apreciados os concretos pontos de facto que não constem das conclusões. IV. Se não forem mencionados nas conclusões os concretos meios de prova em que se alicerça a impugnação relativamente a cada facto impugnado, nem indicadas com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso, mas se o tiverem sido de forma minimamente satisfatória no corpo das alegações tal bastará para se considerarem cumpridos os ónus mencionados no nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do art. 640º do CPC. V. Não ficando provado que a vendedora do imóvel haja realizado obras que tenham introduzido alterações nas redes prediais que só pudessem ser consideradas válidas depois da aprovação pela A..., nem que tivesse omitido alguma obrigação legal ou contratual que impusesse a actualização dessa infraestrutura, não incorre a vendedora em responsabilidade contratual, designadamente por venda de coisa defeituosa, ainda que as A... notifiquem os actuais proprietários para procederem à actualização daquela infraestrutura. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 8843/22.8T8PRT.P1- APELAÇÃO ** Sumário (elaborado pela Relatora):……………………………… ……………………………… ……………………………… ** I. RELATÓRIO:1. AA e BB intentaram acção declarativa de condenação, a correr termos sob processo comum, contra B... Unipessoal, Lda tendo peticionado a condenação da Ré a pagar-lhes a título de indemnização a quantia de: a) €18.700,14 (dezoito mil setecentos euros e catorze cêntimos), a título de danos patrimoniais, sem prejuízo das quantias que se venham a apurar e que se relegam para liquidação de sentença; b) 10.000,00€ € pelos danos não patrimoniais, artigo 496º do Cód. Civil. Como fundamento das referidas pretensões, os Autores alegaram em síntese que, em 16.06.2015 adquiriram a propriedade do imóvel descrito no artigo 1º da pi, através de contrato de compra e venda celebrado com a Ré, tendo esta, em data anterior à alineação do imóvel aos AA, procedido à remodelação total do imóvel uma vez que o mesmo se encontrava degradado e desgastado, tendo essas intervenções passado por uma reconstrução total do edifício, tanto na parte exterior, como na parte interior, nomeadamente, ao nível da cobertura, reforço de estrutura, caixilharias, pavimentos, electricidade, canalizações, casas de banho, cozinha e, que nas negociações da aquisição do imóvel, foi garantido por parte da Ré, que o edifício estava completamente renovado segundo os normais critérios e regras das boas práticas construtivas, quer ao nível das intervenções, quer ao nível dos materiais empregues, e que o mesmo cumpria todas as especificidades legais na sua estrutura, isto é, ao nível de licenciamento camarário, relativamente canalização e electricidade. Porém, em meados de 2019, os Autores foram notificados pelas A... informando-os de que o imóvel não se encontrava em conformidade com a lei quanto às infraestruturas prediais, designadamente, quanto ao abastecimento/ drenagem de águas residuais e pluviais, isto é, saneamento, tendo sido confrontados, na qualidade de actuais proprietários, para regularizarem a situação, uma vez que havia várias queixas por parte da vizinha relativamente a problemas nas condições de salubridade que se agravam nas ligações de drenagem à rede pública. Como os Autores tinham adquirido o imóvel à Ré na convicção de que este cumpria todas as regras de construção, incluindo de salubridade, tentaram junto dela a resolução do problema, sem sucesso, uma vez que não lograram obter qualquer resposta por parte da Ré, tendo-lhe comunicado que caso não procedesse à resolução do problema junto dos serviços A..., iriam adjudicar a obra a terceiros, imputando-lhe os custos, o que fizeram, tendo adjudicado a elaboração do projecto e a obra a empresas certificadas e arcado com os custos, pretendendo ser ressarcidos dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do incumprimento contratual da Ré. 2. A Ré deduziu contestação, alegando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, pedindo a sua absolvição da instância, bem como impugnou os factos alegados pelos AA, sustentando que o imóvel tem licença de utilização desde 1959, tem ligação à rede pública de águas desde 1935, que não fez uma remodelação completa do imóvel apenas procedeu à remodelação dos interiores do imóvel, sem qualquer modificação da sua estrutura, tendo igualmente realizado obras de escassa relevância urbanística ao nível da fachada (pintura) e do telhado (remodelação do telhado à época), não procedeu a qualquer alteração no ramal de ligação à rede pública de saneamento, o qual se manteve inalterado, estavam aquelas obras isentas de controlo prévio, nos termos do artigo 6.º do RJUE e do artigo B-1/31.º do Código Regulamentar do Município ..., não lhe sendo exigível a apresentação de qualquer processo de licenciamento. Mais alegou que não tem conhecimento de qualquer reclamação quanto aos alegados entupimentos do saneamento, visto que tal facto nunca lhe foi comunicado pelos AA. – que habitam a casa desde Junho de 2015, altura em que compraram a habitação- e, que ainda que tal tenha sucedido, tal facto jamais lhe poderá ser assacado, visto que não fez qualquer obra ao nível do saneamento. Alegou ainda que não consta dos autos qualquer intimação das A... dirigida aos AA. para que “regularizem a situação” – nem sequer se descreve, em concreto, qual a suposta regularização necessária e que não se mostram descritos os serviços alegadamente adjudicados pelos AA a terceiros nem comprovados os alegados pagamentos. 3. Os Autores exerceram o contraditório, por escrito, relativamente à matéria de excepção, pugnando pela improcedência da ineptidão da petição inicial, concluindo como na PI. 4. Realizada audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial e fixou o objecto do litígio e os temas de prova. 5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Por todo o exposto, julga-se a presente ação, improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré, B... UNIPESSOAL, LDA., do pedido efetuado pelos Autores, AA e BB. Custas pelos Autores. Registe e Notifique.” 6. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. Vem o presente Recurso recair sobre a Douta Sentença a fls…, proferida nos autos de ação declarativa de condenação que correu termos no Juízo Local Cível do Porto –Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o n.º de processo 8843/22.8T8PRT, que julgou aquela totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré B... UNIPESSOAL, LDA da totalidade do pedido contra si deduzido e condenou os Autores nas custas do processo; 2. Errou o tribunal ao não considerar outros factos tais como os factos notórios e os factos que tem que conhecer em virtude do exercício das suas funções, pra na verdade é evidente que uma ligação de saneamento de 1935 não pode ser considerada legal à luz das normas e regulamentos atuais e que o facto de uma construção ter licença de utilização em 1954 não significa que não padeça de problemas de salubridade tendo em conta a realidade urbanística e construtiva atual. 3. O juiz não está vinculado às alegações apresentadas pelas partes quanto à matéria de Direito, sua interpretação e indagação, o que é o mesmo que dizer que cabe ao Tribunal interpretar, indagar e aplicar o Direito, que entenda, face aos factos, o mais adequado para ser feita Justiça! 4. O Douto Tribunal, na aplicação do Direito, desviou-se do princípio estabelecido no artigo 5º do CPC e, por isso, deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter conhecido e, em simultâneo apreciou questões que não podia tomar conhecimento, por não possuir conhecimentos especiais acerca de questões urbanísticas e da construção, devendo, no uso dos instrumentos do direito substantivo e adjetivo, munir-se de especialistas que melhor pudessem esclarecer questões plasmadas nos termas de prova, designadamente nos pontos 1, 4 e 5, conforme o disposto nos artigos 388º do CC e 467º, nº1 do CPC. 5. Ora, atendendo aos factos dados como provados pelo Douto Tribunal e ao objeto do presente litígio, os Recorrentes não se conformam com os fundamentos de facto e de direito da Douta Sentença, e entendem, que aquela douta decisão fez um errado enquadramento fáctico e jurídico, que culminou na decisão que ora se pretende sindicar; 6. É facto assente que entre Autores e Ré foi celebrado um contrato de compra e venda do prédio urbano sito na Rua ..., na cidade do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana n.º .... 7. São factos assentes que, a Ré é uma sociedade comercial que entre outros tem por objeto a construção civil e à venda de imóveis 8. São, também, factos assentes que a Ré antes da venda do prédio procedeu à realização de obras de remodelação do imóvel por o mesmo se encontrar degradado e desgastado. 9. Que essas obras consistiram na procedeu à remodelação dos interiores do imóvel, pintura da fachada e remodelação do telhado à época e à remodelação das canalizações do interior do imóvel. Tendo ainda renovado as caixilharias, os pavimentos, a eletricidade e as casas de banho e a cozinha do imóvel. 10. Que os Autores cerca de 3 anos após a aquisição do imóvel foram notificados pela A... para apresentarem em 10 dias projeto de alterações das instalações hidráulicas do aludido prédio porque a vizinha se queixava de problemas de salubridade. 11. Resultou ainda assente que o prédio estava ligado à rede pública de saneamento desde 1935 e que a sua ligação à rede pública do prédio dos Autores se fazia pelo ..., pelo menos desde 1952 e que por e-mail a proprietária do ... pediu uma vistoria aos dois prédios, referindo que a casa ao lado da sua -atualmente dos autores- tinha sido construído uma casa nº .... que substituiu a existente. E que a salubridade de ambas a habitação se encontra a degradar. 12. Assente ainda que a licença de habitabilidade da habitação dos Autores é de 1954 e que a Ré quando procedeu à remodelação da casa A Ré manteve a solução de drenagem do prédio através do .... 13. Assente ainda que a Ré não alterou o ramal de ligação à rede de saneamento, mantendo-a inalterada, tendo a Ré mantido a solução de drenagem do prédio, que era feita através do prédio contiguo, o .... Além de que a ligação à rede pública do imóvel foi feita em 1935. 14. Ficou ainda assente que a sociedade C..., Lda. apresentou um orçamento para a alteração das redes de águas residuais e pluviais no valor de €16.857,00. 15. Afigura-se errada a decisão tomada pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto provada, desde logo quando refere “Nos autos nada de concreto alegam os Autores sobre as obras de remodelação efetuadas pela Ré no prédio, sendo a factualidade provada insuficiente para concluir pelo seu carácter “ilegal”. Sendo aliás também quanto às mesmas genérica a informação das A....” 16. Ora, de acordo com o depoimento das testemunhas arroladas pelos Autores, todas elas concretizam o que verificaram no prédio ao nível de exporem razões de ciência e de conhecimento acerca da matéria de saneamento e de construção, estas testemunhas nenhuns valores tiveram para o tribunal, conforme se alcança da motivação. 17. Quando, na verdade todas as testemunhas referem que o saneamento era obsoleto e que não estava de acordo com o que legalmente exigível, por isso, os Autores tinham o ónus de provar que o defeito, o vício existia à data da compra. 18. Que desconheciam o vício, pois só tomaram conhecimento dele quando foram notificados pela A... comunicando o facto, como só tiveram noção da dimensão do problema quando pediram o parecer à A... (factos 8 e 9) 19. Cabia à Ré afastar a existência do vício ou a sua culpa, o que não o faz, a Ré por confissão admite não ter alterado o saneamento, mantendo a solução que existia – datada de 1935- sendo a Ré uma empresa da construção civil que realizou as obras, tinha obrigação de saber que deveria cumprir as normas e os regulamentos em vigor para o sistema de drenagem de águas e não o fez. 20. Na verdade, resulta, desde logo, claro do depoimento das testemunhas CC (Diligencia 8843-22.8T8PRT 2023-06-21 14-54-48) e DD (Diligencia 8843-22.8T8PRT 2023-06-21 15-12-249) que o saneamento não respeitava as normas, tinha dimensões reduzidas e estava ligado para as traseiras e não para o coletor da via pública. 21. Também o arquiteto EE no seu depoimento fez referência que após a notificação da Águas e a pedido do Autor se deslocou à câmara ... e verificou que não havia qualquer projeto além do projeto de 1952 e que não havia qualquer pedido de licença, nem mesmo comunicação de inícios de trabalhos e acrescentou que numa reunião tida com o técnico da câmara verificou que muitas alterações do imóvel não podiam ser licenciadas, acrescentou que as medidas que fez do imóvel não correspondem às medidas do projeto inicial (Gravação 8843-22.8T8PRT 2023-06-21 15-30-32) 22. Na verdade, as sobreditas testemunhas afirmam, sem qualquer contradição, que o imóvel dos Autores tinha problemas de saneamento e tinha tido obras de remodelação quase total, referindo a testemunha CC que na sua opinião careciam de licenciamento, aliás consta do parecer emitido pela A... (facto 9) que a vizinha mandou um e-mail em 2017, a propósito da construção nova, que substituiu a construção anterior cerca de 2 anos antes da sua queixa. 23. O Tribunal a quo assenta o juízo que faz sobre este facto no depoimento da testemunha arrolada pela Ré, que é seu subordinado e por isso sob subordinação jurídica da Ré, não podendo ser credível na descrição que faz quanto à remodelação, por isso, tal testemunha não deveria ser valorada conforme foi. 24. Não pode perder-se de vista que, como decorre dos factos provados, que a construção é anterior a 1935, que teve obras licenciadas em 1952, que a licença de utilização é de 1954 e que a ligação à rede pública é de 1935, por isso, a Ré vendeu uma casa aos Autores com vícios, porquanto faz parte das regras da experiência comum que a Ré ao não proceder à alteração da rede de saneamento como lhe competia violou as mais elementares regras construtivas, porquanto não é normal nem natural remodelar uma casa toda e, manter o saneamento com quase 80 anos de existência. Além disso, desrespeitou as normas e regulamentos em vigor à data das obras. 25. Não é, pois, crível que a Recorrida que é uma empresa da área da construção civil e compra e venda de casas, ignorasse a obrigação que impendia sobre ela de, comunicar os inícios de trabalhos à cama, o que não fez, nem o demonstrou ter feito, quando lhe competia. Como também não soubesse, que em cumprimento das regras construtivas atuais era obrigatório proceder à alteração da rede de saneamento e a instalação hidráulica do imóvel, tal conduta é merecedora de censura. 26. Se a Recorrida demonstrasse que os Autores sabiam da situação do saneamento e que lhes tinha sido comunicado que não havia pedido licenças de obras, nem de instalação hidráulica, sempre ocorria causa de exoneração da culpa, mas não aconteceu, por isso, a Ré agiu com culpa. 27. Não faz qualquer sentido, aliás, face ao parecer emitido pela A..., o tribunal tendo-o dado por integralmente reproduzido não extraísse dele factos relevantes e que levariam a outra decisão da causa, designadamente que a casa esteve desabitada, que houve uma decisão de não fornecer serviços àquela habitação sem ser apresentado projeto de instalação hidráulico. 28. É, aliás, manifesto que o tribunal a quo, estribado na existência de licença de utilização concluísse que as obras não eram “ilegais”, ora se as obras fossem legais fazia sentido os autores receberem notificação da A... para apresentar projeto de instalação hidráulica”, claro que não. 29. Por si só este facto deveria ser suficiente para o tribunal concluir que ocorreu um vicio na coisa vendida e, consequentemente obrigar a Recorrida indemnizar. 30. Os Autores realizaram todas as obras necessárias para obter a respetiva licença da A..., tudo isso ficou comprovado pelos factos 14 e 15, devendo ainda ser relevado o depoimento das testemunhas arroladas pelos Autores que todas foram identificar os trabalhos realizados no prédio, porém sem conseguir apontar valores. 31. Não podem os Autores concordar com a resposta negativa aos factos d) e) e f), consta dos autos prova documental, pelo menos quanto aos factos e) e f) que levariam a resposta contrária. Na verdade, o Douto Tribunal nada refere quando às testemunhas dos Autores a quem foi questionado se as obras e os serviços que realizaram no imóvel já se encontravam pagos, as respostas foram todas afirmativas. 32. Apesar dos Autores não juntarem aos autos documentos comprovativos dos pagamentos, sempre o tribunal nos termos do artigo 562º nº2 do CC deveria ter arbitrado um valor, ou relegar para execução de sentença a sua liquidação 33. Isto porque o tribunal na sentença identifica as testemunhas DD, CC e EE como tenham intervindo nas obras de instalação de rede hidráulica, porém dá como não provado que os Autores despenderam valores, nem do ramal nem da implementação do projeto, nem da conceção arquitetónica do ramal, nem mesmo deslocações, tempo gasto para resolver os assuntos e pedir documentos, etc… 34. Por isso, os factos d) e) e f), deveriam ser dados como provados e deles constar a seguinte redação: - OS AUTORES PAGARAM À A... A CONSTRUÇÃO DO RAMAL DE ACESSO PUBLICO; - OS AUTORES PAGARAM A D..., LDA. OS SERVIÇOS QUE POR ELE FORAM PRESTADOS; - OS AUTORES PAGARAM À C..., LDA. € 11.150,00 PELOS SERVIÇOS PRESTADOS OU OS AUTORES PAGARAM À C..., LDA. PELOS SERVIÇOS PRESTADOS. 35. consta dos autos prova documental, pelo menos quanto aos factos e) e f) que levariam a resposta contrária. Na verdade, o Douto Tribunal nada refere quando às testemunhas dos Autores a quem foi questionado se as obras e os serviços que realizaram no imóvel já se encontravam pagos, as respostas foram todas afirmativas, conforme se poderá aferir do 36. Os Recorrentes desconheciam, sem culpa os vícios da coisa, mas mesmo que se considere que assim não é e que, portanto, o vício é tão ostensivo quanto o que resulta da sentença recorrida, sempre impendia sobre os Recorridos um dever de informação aos Autores acerca do vício de que padecia o imóvel, dado a rede de saneamento não respeitar as normas e os regulamentos em vigor. 37. Errou igualmente o Tribunal na enunciação dos factos provados, devendo, por isso o facto 8 ter uma redação que se adeque à prova produzida, passando, por isso a ter como redação o seguinte: “NA SEQUÊNCIA DA VISTORIA REALIZADA, QUER AO PRÉDIO DOS AA, QUER AO PRÉDIO CONTÍGUO, EM 28 DE MAIO DE 2019, OS AUTORES FORAM NOTIFICADOS PELAS A..., PARA EM 10 DIAS, A CONTAR DA RECEÇÃO DO PRESENTE PROCEDER À APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE ALTERAÇÃO DAS INSTALAÇÕES HIDRÁULICAS EM CAUSA, OU, SE ASSIM O ENTENDER POR CONVENIENTE PRONUNCIAR-SE SOBRE O QUE ANTECEDE.” 38. O Tribunal errou ainda na enunciação do facto 17, pois da prova produzida e, por ter interesse para a motivação, deveria o mesmo ter a seguinte redação: “O IMÓVEL ESTÁ DOTADO DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO EMITIDA PELA CÂMARA MUNICIPAL ... EM 18.03.1954”, tendo esta nova redação suporte, não só por documentos juntos aos autos por Autores e Ré (fls…), como ainda pela prova do facto 9, corroborada pela testemunha EE, que consultou o processo na câmara. 39. O Tribunal errou na colocação do facto 18 nos factos provados, pois não se encontra na Sentença qualquer meio de prova, quer documental, quer testemunhal que induzisse nessa formulação, por isso, este facto deverá eliminado. 40. Erra igualmente o Tribunal na formulação do facto 22, pois subentende-se que deverá estar-se a referir ao prédio ...-prédio serviente- e não ao prédio dos Autores, por isso, e por ser relevante para a boa decisão da causa, deverá o facto 22 dado como provado ter a seguinte redação: “O prédio ... FOI DADO EM CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO EM 16.07.1958”, conforme atesta o documento emitido pela A... em julho de 2019 e dado como provado no facto 9. 41. Face à prova produzida, mais precisamente, prova documental o douto tribunal deveria ter ainda dado como provado que: A RÉ EM 20/08/2014 CELEBROU COM A... CONTRATO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E DRENAGEM DE ÁGUAS RESIDUAIS; EM 2012 PRÉDIO ESTAVA DEVOLUTO E COM PEDIDO DE IMPEDIMENTO DE CONTRATO; QUE SEGUNDO INSPEÇÃO FEITA, O prédio ... ENCONTRA LIGADO Á REDE PREDIAL ATRAVÉS DO ..., tudo suportado no documento emitido pela A... em julho de 2019, corroborado pela testemunha FF ouvido em audiência de julgamento, conforme consta da Sentença. 42. Erra, igualmente, o Tribunal a quo na apreciação que faz quanto à matéria de facto, quando não leva aos factos provados al. a) que “A Ré procedeu à remodelação total do edifício”, para concluir de forma diversa da conclusão extraída do tribunal, basta articular os factos dados como provados: que a vizinha se queixava de problemas de salubridade desde a intervenção feita pela Ré e, se a A... notificou os Autores para a apresentação de projeto de alteração de instalações hidráulicas, é porque aqueles serviços entenderam que, feita a vistoria pedida pela vizinha (facto 9) as intervenções realizadas (remodelação/reabilitação) eram de tal modo profundas que obrigavam à adequação da rede do prédio às novas exigências urbanísticas no que diz respeito ao saneamento, ou na escrita da A..., instalações hidráulicas, porquanto já não prevaleceria o princípio do respeito pelo existente, porque, na verdade, já tinha sido remodelado, incluindo as canalizações (facto 6). Por isso, em face desta lógica a obra realizada pela Ré é “ilegal” por ter feito uma remodelação total e não adequou o saneamento às novas exigências urbanísticas e de salubridade. 43. Deve por isso, ser levado aos factos provados que “A RÉ PROCEDEU À ROMODELAÇÃO TOTAL DO EDIFÍCIO”. 44. Não é possível assumir, sem mais, que o prédio tinha licença de habitabilidade e que as obras eram de escassa relevância urbanística, por isso que não ocorreram “erros na execução dos trabalhos – defeitos”. 45. Por essa razão, o Tribunal a quo deveria ter concluído que os defeitos identificados pela A... se devem a uma intervenção no edifício em incumprimento do dever legal de comunicação de inícios de trabalhos para que a câmara ... pudesse fiscalizar que tipo de trabalhos iriam ser realizados e, desse modo pedir a intervenção da A... para aferir da necessidade de apresentação de projeto e realização de substituição da canalização de acordo do as normas e regulamentos em vigor para o sistema de drenagem já referenciado no processo administrativo, conforme consta do facto 9. 46. De todo o modo, o facto de o prédio ter licença de utilização desde 1954 e estar ligado à rede pública desde 1935 não permite concluir que as obras de remodelação encetadas pela Ré fossem legais, basta atender ao regulamento municipal da câmara ... e ao Decreto-Regulamentar nº 23/95 de 23 de agosto, para se poder concluir que o saneamento do prédio dos Autores na data da venda não cumpria as normas vigentes à data da sua remodelação. 47. Que a Ré mesmo alterando as canalizações manteve, de forma ilegal, o sistema de drenagem do prédio através da servência do prédio ..., solução que atualmente não é admitida por força do Decreto-Regulamentar. 48. Aliás se as obras não fossem ilegais, por que razão a A... notificaria os Autores para legalizar o sistema de saneamento e elaborar projeto de instalação hidráulica? 49. No caso é manifestamente desajustada a aplicação do direito ao caso concreto, pois se fosse enquadrado, como devia no contrato de compra e venda e nos deveres acessórios que lhe subjazem, designadamente o de garantia da inexistência de vícios, sempre o ónus da prova caberia à Ré, e que consistiria em provar que os Autores sabiam do vício e mesmo assim quiseram comprar o imóvel e que agiram sem culpa. 50. A Ré, não afasta nem um nem outro pressuposto que integram o dever de indemnizar, por isso, é obrigação da Ré pagar aos Autores todos os prejuízos decorrentes do vício da coisa. 51. No caso os Autores optaram pela reparação porquanto tratava-se de uma questão de salubridade e para isso foram instados pela A... – facto 8. 52. Os Autores lograram provar que realizaram as intervenções e quem as realizou, aliás consta da motivação que quer o CC, quer o EE, quer o DD referiram isso, porém não foram juntos documentos que provassem os valores, se dúvidas o douto tribunal tivesse, sempre poderia usar do disposto no artigo 562 nº2 do CC e fixar o montante de acordo com os princípios da equidade ou, em alternativa, socorrer-se da possibilidade de esses valores serem relegados para liquidação de sentença. 53. Dúvidas não subsistem de que face à prova produzida, não podia o tribunal entender que os Autores não tiveram gastos com a execução do projeto – já que o pagamento do projeto encontra-se provado no facto 14 e com a obras para a sua implementação e preparação para posterior ligação à via pública, cuja competência das obras pertence à A..., como é do conhecimento geral e faz parte das regras da experiência. 54. A Ré não fez prova do que lhe competia, isto é, que os Autores não realizaram as obras, nem que as obras não eram necessárias para repor a legalidade e obstar à degradação da salubridade do prédio dos Autores e do prédio contiguo, como também não fizeram prova de que fizeram comunicação dos inícios dos trabalhos, prova essa que sempre seria documental. 55. Muito menos fizeram prova de que a substituição da instalação hidráulica não era necessária, também esta prova se faria através de documento designado de parecer emitido pela câmara ... e pela A.... 56. Incorre, pois, também por aqui, a sentença recorrida em erro de julgamento quanto à apreciação que faz do facto constante do ponto 8, 10 e 23, que deveria levar a uma decisão contrária à que teve. 57. Mas mesmo imaginando –seguindo a linha de raciocínio ínsita na sentença recorrida – que assim não é, ou seja, que o vício da coisa não é imputável à Ré porque o prédio tinha licença de habitabilidade, sempre seria de apurar se a existência deste elemento é, por si só, suficiente para concluir que as obras realizadas pela Ré eram legais. 58. Erra a sentença ao imputar o ónus da prova aos Autores, quando, na verdade no âmbito do contrato de compra e venda e quando se alega vício da coisa, os compradores apenas têm que provar o vício, por isso, os Autores fizeram a sua parte. Cabendo à Ré provar a inexistência do vício ou que os Autores o conheciam, o que não logrou acontecer. 59. De qualquer modo, incorreu ainda em erro a sentença, quando integra a relação entre Autores e Ré no contrato de empreitada e não no contrato de compra e venda ao qual se aplica o regime especial do DL nº 67/2003, de 8 de maio, o que permite alargar os prazos de exigência da reparação ou indemnização e de garantia, nos termos do artigo 5. 60. Não caberia aqui qualquer motivo de caducidade do direito de exigir dos Autores, porque a Ré não alegou. 61. A caducidade da exigência de indemnização não ocorreu, não só por ser de aplicar o regime da defesa do consumidor, como pelo facto da legislação COVID-19 ter suspendido os prazos de caducidade e prescrição, que abrangeu o caso dos Autores. 62. Conclui-se, pedindo que seja considerando procedente o presente recurso e revogada, consequentemente, a sentença recorrida, por a mesma violar toda a legislação supracitada. Concluíram, pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, e consequentemente seja revogada a Douta Decisão recorrida, que julgou totalmente improcedente a ação intentada pelos Autores, substituindo-a por outra que julgue procedentes os pedidos formulados por eles e condene o Réu nos precisos termos peticionados. 7. A Ré apresentou contra-alegações, suscitando a questão do valor do recurso, incumprimento dos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e de direito, pugnando pela confirmação do julgado. 8. Foram observados os vistos legais. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts 635º, nº 3 e 4, 639º, n.ºs 1 e 2 e 608º nº 2 do CPC- devendo o tribunal resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, nem estando sujeito ás alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito- cfr. art. 5º nº 3 do CPC). Em face das conclusões de recurso dos aqui Apelantes, e das questões prévias colocadas nas contra-alegações, foram colocadas a este Tribunal de 2ª Instância as seguintes questões: -valor do recurso; - se houve incumprimento pelos Apelantes dos ónus previstos no art. 639º e 640º do CPC; -se a sentença padece de nulidades; - se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada; - se a Apelada incorreu em responsabilidade contratual perante os Apelantes e, em caso afirmativo como fixar a indemnização a atribuir. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. Os Autores são donos e legítimos possuidores do imóvel sito na Rua ..., na cidade do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana n.º .... 2. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à promoção imobiliária, construção civil, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, importação, exportação, representação e comercialização de materiais de construção, artigos de decoração e iluminação. 3. Em 16/06/2015, os Autores adquiriram a propriedade do imóvel descrito em 1. através de contrato de compra e venda celebrado com a Ré. 4. Em data anterior à alineação do imóvel aos Autores, a Ré procedeu à remodelação do imóvel uma vez que o mesmo se encontrava degradado e desgastado. 5. A Ré procedeu à remodelação dos interiores do imóvel, pintura da fachada e remodelação do telhado à época. 6. A Ré remodelou as canalizações do interior do imóvel. 7. A Ré renovou as caixilharias, os pavimentos, a eletricidade e as casas de banho e a cozinha do imóvel. 8. Em 28 de maio de 2019, os Autores foram notificados pelas A..., para em 10 dias, a contar da receção do presente proceder à apresentação do projeto de alteração das instalações hidráulicas em causa, ou, se assim o entender por conveniente pronunciar-se sobre o que antecede. 9. As A... emitiram parecer em 9 de julho de 2019, do qual consta que: (…) “O presente pedido de esclarecimento vem no desenvolvimento de uma intimação à visada, na qualidade de proprietária do prédio sito Rua ..., para proceder à apresentação de projeto de alteração das instalações hidráulicas do referido prédio, no seguimento da qual, a visada veio requerer o prazo de 6 meses para que pudesse dar execução às diligências necessárias ao cumprimento do exigido pela A.... No pedido de esclarecimento, a sua signatária alega que comprou o prédio à empresa B... Unipessoal Lda. e que teria sido esta empresa a efetuar as obras de remodelação. Aquando da aquisição, o prédio tinha contador definitivo instalado. Presume assim que todas as vistorias necessárias à verificação do cumprimento legal das exigências de todas as entidades licenciadoras da obra de remodelação tenham sido devidamente efetuadas, acrescentando que, após a aquisição da propriedade, não executou qualquer obra na mesma. Requer cópia dos autos de vistoria realizados e a indicação dos funcionários ou técnicos responsáveis pelos mesmos, nos termos previstos no artigo 110.º do RJUE, na sua redação em vigor. Antecedentes De modo a contextualizar a questão em apreço, foi solicitado pelos Serviços Jurídicos o envio do processo físico do referido prédio, sendo possível, após a sua consulta, traçar o seguinte registo histórico do mesmo. O prédio sito ao n.º ... é antigo e já em outubro de 1935, foi pedida a sua ligação å rede pública, a essa data já disponível. Era então proprietário o Sr. GG. Mais tarde, em 1952, foi apresentado um projeto de construção para o prédio sito aos números ..., pelo Sr. HH, o qual veio a merecer despacho de conformidade, com a emissão do respetivo alvará de utilização em 09.02.1954. Entre 1957 e 1958, foi apresentado um projeto de construção para o n.º ..., pela requerente D. II, do qual veio a resultar a emissão da licença n.º ..., em 16.07.1958. Após a execução das obras respetivas, o prédio foi dado em condições de utilização a partir de 27.08.1959. - Ou seja, já a essa data, os prédios ... e ... estavam ligados à rede pública, em condições de conformidade regulamentar, tendo em conta os normativos então em vigor. Até 2012, o processo físico do prédio não tem qualquer nova entrada de registo. Em 2012, está registada urna diligência efetuada aos prédios ... e ..., para se verificar se se trata efetivamente de dois prédios autónomos. Resultou da verificação que o prédio do … estava a essa data ligado à rede pública, com CRI- no passeio, encontrando-se desabitado. Por tal razão, não foi feita a verificação da rede predial. Por informação do funcionário JJ, de 24.10.2012, o prédio ... liga à rede pública de saneamento (ARD), através do prédio .... Em 25.10.2012, foi solicitado internamente que não se efetue contrato de fornecimento de água para o prédio ..., enquanto o seu proprietário não pagar o respetivo ramal e não executar as obras interiores necessárias à sua ligação à rede pública de ARD. Este pedido é, aparentemente contraditório com os antecedentes atrás aludidos, desconhecendo-se a razão que o terá motivado, por nada existir em registo que permite esclarecer este aspeto. De todo o modo, desconhece-se que seguimento foi dado àquele pedido, urna vez que nada existe no processo subsequentemente ao mesmo. O registo seguinte do processo, por extrato da base de dados de saneamento, data já de 17.11.2017, para se fazer referência apenas a que a substituição do coletor público de ARD está prevista para breve. Em 04.04.2018, a base de dados de saneamento identifica os seguintes proprietários dos dois prédios: ... Garagem II — com contrato de abastecimento de água rescindido; ... CA KK com contrato de abastecimento em vigor ... CB - LL- com contrato de abastecimento em vigor; Por mail de 30.10.2017, é pedida por moradora do ... a realização de uma inspeção aos prédios n.º ... e ..., justificando-se o pedido no facto de que há cerca de dois anos ter sido construído uma casa nº ..., que substituiu a existente e que, de então para cá, há sempre necessidade de se proceder a operações de limpeza do saneamento, verificando-se um cheiro insuportável a fossa e mosquitos. A inspeção feita comprova que o prédio ... se encontra ligado para drenagem ao .... Na base de dados de clientes, consta no n.º ..., em 05.04.2018, como cliente a D. BB, autora do pedido de esclarecimento objeto da presente informação, que sucedeu, em 06.08.2015, à B..., anterior titular. Este contrato com a B... terá sido celebrado em 20.08.2014, não existindo no sistema qualquer aviso de impedimento para a sua celebração. Apesar da confirmação de que, por essa data ou anterior, o prédio terá sido objeto de obras de remodelação, não foi apresentado qualquer pedido de aprovação de projeto de redes prediais à A..., razão pela qual se manteve a solução de drenagem do prédio através do ..., não tendo sido exigida individualização à rede pública de ARD. Por mail da CM..., foi dada informação de que para o local não foi apresentado qualquer processo de licenciamento, no âmbito do qual e a ter ocorrido, teria sido pedida a intervenção das A... para aprovação do projeto de especialidade de redes prediais de água e saneamento. A informação do técnico MM de 05.04.2018, faz urna síntese da situação dos dois prédios: Que estão ligados à rede pública através do ...; Que a rede predial do ... está degradada; Que, em 2012, o … estava devoluto e com pedido de impedimento de contrato; Que foi celebrado contrato em 2015 para o 487. Que o prédio ... foi remodelado, sem que tenha sido apresentado pedido de licenciamento, desconhecendo-se, por isso, a dimensão dessa remodelação. Que, por tal razão, não foi exigida a individualização da ligação à rede pública de ARD. Em 28.03.2019, procedeu-se à intimação da D. BB para proceder apresentação de projeto de alteração das instalações hidráulicas. Como já referido, num primeiro momento, pediu 6 meses para regularizar a situação, num segundo, apresentou o pedido de esclarecimento aqui em apreço. Apreciação Feito este percurso sobre o histórico do prédio, importa concluir o seguinte, tendo em conta a informação disponível. O prédio está ligado à rede pública de ARD desde 1952, através do prédio .... Terá ocorrido que os dois prédios tenham sido inicialmente um único prédio, destacando-se subsequentemente o … do primeiro, mantendo, por partilha, a ligação do ... à rede pública. Em 2012 e encontrando-se o … devoluto, terá havido um pedido para não se autorizar a contratação do serviço de abastecimento e drenagem de águas residuais ao prédio, em virtude de não ter sido pago o respetivo ramal de saneamento nem terem sido executadas adequadas obras de adequação da rede predial de esgotos para ligação ao coletor. Entende-se mal este pedido, uma vez que o prédio já se encontrava ligado através do ..., razão pela qual, presume-se, o pedido não teve seguimento efetivo, Entre 2012 e 2014 ou 2015, porventura, tendo como promotora a B... Unipessoal Lda., foram realizadas no prédio ... obras de remodelação, aparentemente ilegais, porquanto e segundo informações da CM..., não foi apresentado nenhum pedido de licenciamento e não foi apresentado para aprovação da A... os projetos de redes prediais de águas e esgotos e de ligação à rede pública de ARD. Como já dito, com esta B... foi celebrado em 20 de agosto de 2014 um contrato de abastecimento de água e drenagem de águas residuais, ao qual se aplicou, por se tratar de uma sociedade comercial, a tarifa comercial / indústria. Assim, fica claro que o contrato em causa não foi celebrado para obras, embora pudesse ter sido utilizado para esse efeito. Caso tivesse sido feito contrato para esta finalidade, tal teria alertado a A... para a necessidade de ser apresentado aqueles projetos, o que, como visto, não aconteceu. O facto do contrato de serviços de abastecimento de água e drenagem de águas residuais domésticas ter sido celebrado, mesmo tendo em conta o pedido de não autorização de 2012, pode ter resultado da circunstância de, estando o prédio regularmente ligado à rede pública, desde 1952, não existir, do ponto de vista legal, fundamento idóneo para esse impedimento. O que, efetivamente, coloca o prédio em situação de exigência de atualização técnica das suas redes prediais ao regulamento municipal em vigor (vigência iniciada em 1993) e do DR 23/95, que o habilitou, são as obras de remodelação feitas entre 2012 e 2015, na medida em que terão introduzido alterações nas redes prediais, as quais só poderão ser consideradas válidas, depois da aprovação pela A.... Como já se aduziu, tais obras terão sido ilegais, por falta de controlo prévio por parte do Município ... e, na sua área de intervenção, por parte da A.... Concluídas as referidas obras, foi o prédio ... adquirido pela D. BB que, em 5 de agosto de 2015, celebrou novo contrato de abastecimento de água e drenagem de águas residuais com a A.... De referir, pois, que a celebração destes dois contratos de abastecimento de água e de saneamento, primeiro, com a B... e depois com BB, não constitui presunção suficiente da regularidade das redes prediais do prédio, mas tão somente que, sem qualquer outra intervenção no mesmo, teria de ser respeitado o princípio do existente, à luz do disposto no artigo 60.º do RJUE aprovado pelo DL 555/99, na sua redação em curso. Tendo-se executado aquelas obras de remodelação, as infraestruturas prediais em causa teriam de ser atualizadas em função das regras técnicas previstas no citado Decreto-Regulamentar n.º 23/95, designadamente, através de ligação autónoma à rede pública de ARD. Ao não se proceder desse modo, como era devido, as condições de salubridade do prédio ... e, por inerência, as condições de salubridade do ..., prédio serviente no que respeita às ligações de drenagem para a rede pública de ARD, agravaram-se, como dão nota as comunicações da moradora do ..., D. Soledade. Em conclusão, Face ao exposto e sem embargo de dever ser junto à resposta a dar ao presente pedido de esclarecimento o relatório técnico da inspeção feita em abril de 2018 (creio que a este se refere a informação ..., do técnico MM), mantém-se a obrigação que onera o atual proprietário de regularizar a situação de desconformidade com o regime atualmente em vigor, como deveria ter ocorrido com a execução das obras de remodelação atrás referidas. De tudo o que vai aqui exposto, deve ser dada a devida informação à requerente, em cumprimento do disposto no artigo 110.º do RJIJE, que expressamente invoca.” 10. Os Autores foram notificados pelas A..., na qualidade de atuais proprietários, em virtude de queixas da vizinha por problemas de salubridade. 11. Os Autores adquiriram o imóvel à Ré na convicção de que este cumpria todas as regras de construção. 12. Os Autores enviaram à Ré as cartas datadas de 20 de agosto de 2019, 27 de janeiro de 2020 e 05 de março de 2020. 13. Da carta data de 05 de março de 2020 consta que: “No seguimento das comunicações havidas e trocadas, por via dos mandatários, venho, por este meio, reiterar, pessoalmente, o seguinte: Como é do s/ conhecimento a empresa B... Unip, Lda. vendeu-me uma moradia, totalmente reconstruído, sita na Rua ..., Porto. A reconstrução do edifício foi integral, tanto da parte exterior, como da parte interior, a nível de cobertura, reforço de estrutura, caixilharias, pavimentos, eletricidade, canalizações, casas de banho, cozinha, etc. Em face à extensão de tais obras executadas pela V/ empresa, deveria ter havido a apresentação de um projeto de licenciamento junto da autoridade administrativa, com inclusão dos vários projetos de especialidades. Ora, pesquisado tal situação junto da CÂMARA MUNICIPAL ..., verificou-se que não foi apresentado qualquer projeto de licenciamento, tão pouco houve comunicação prévia de execução das obras. No mês de fevereiro de 2020, em reunião camarária tida, foi-me, novamente, confirmado essa obrigatoriedade de licenciamento. Ora, tal situação leva a que seja obrigado a regularizar essa omissão de formalidade cometida por v/ empresa junto da autoridade administrativa por forma a obter a licença de utilização do edifício. Assim, foi já solicitado, no passado, por mim e por terceiro, à V.exa. o envio dos seguintes projetos e termos de responsabilidade respetivos: - projeto de arquitetura; termo de responsabilidade do construtor; -livro de obras; -Ficha técnica de habitação; -projetos de especialidade e respetivos termos de responsabilidade: - projeto de eletricidade; - projeto térmico; - projeto acústica; - projeto de estabilidade; -projeto de gás; - projeto de ventilação; - projeto de segurança contra incêndio; - plano de acessibilidade; - projeto de ITED; - projetos de água (abastecimento / drenagem de águas residuais, drenagem de águas pluviais; etc. Só que, à presente data, nada foi enviado, tendo já decorrido mais 30 dias sobre a última interpelação nesse sentido. Não podendo perdurar tal situação, foram obtidos orçamentos para a execução dos projetos de especialidades e de arquitetura (que seriam da s/ responsabilidade), no valor de Euros 6.700,00 + Euros 4.620,00 + IVA, perfazendo o valor global de Euros 13.923,60 com IVA). Assim, mais uma vez. agradeço envio de tais projetos no prazo de 10 dias. Caso tais projetos não sejam enviados, ver-me-ei forçado a adjudicar a terceiros a execução dos aludidos projetos necessários para o licenciamento, imputando, mais tarde, a V/ empresa esse custo. Pelo que, julgo que é do interesse de todos o envio dos mesmos por forma a minimizar os custos a todas as partes intervenientes.” 14. Os Autores pagaram à sociedade E..., Lda. a quantia de € 984,00 - PIH - Projeto de Instalações de Hidráulica - ... (adjudicação 20%H + projeto de licenciamento 60%H). 15. A sociedade C..., Lda. orçou os custos para a alteração das redes de águas residuais e pluviais em € 16.857,00. 16. A Ré não alterou o ramal de ligação à rede pública de saneamento, mantendo-se inalterado. 17. O imóvel está dotado de licença de utilização/habitabilidade. 18. Aquando da aquisição do prédio, o prédio tinha contador definitivo instalado. 19. A ligação à rede pública do imóvel em questão foi feita em 1935. 20. Em 1952, foi apresentado um projeto de construção para aquele imóvel. 21. Em 1957/1958, foi apresentado um projeto de construção para o imóvel n.º ... (contíguo ao imóvel referido em 1.). 22. O prédio foi dado em condições de utilização. 23. A Ré manteve a solução de drenagem do prédio referido em 1. através do .... 2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos: a) A Ré procedeu à remodelação total do edifício. b) A Ré introduziu alterações nas redes prediais de saneamento do prédio referido em 1. carecidas de licenciamento. c) A Ré não respondeu às cartas enviadas pelos Autores. d) Os Autores pagaram às A... € 3.914,24. e) Os Autores pagaram a C..., Lda. € 11.150,00. f) Os Autores pagaram a D..., Lda. € 651,90. g) Os Autores despenderam € 2.000,00 com interpelações, deslocações, perda de tempo com a procura de profissionais para a apresentação de projetos, contratar serviços jurídicos. h) Os Autores vivem com sucessivas e constantes preocupações. i) Tiveram de gastar o seu período de descanso em busca, quer de profissionais para a resolução do seu problema, quer reuniões nas entidades oficiais. j) Os Autores tiveram de suportar as queixas constantes dos vizinhos sobre maus cheiros e inundações. k) Os Autores vivem angustiados com o referido em j). l) O referido em j) agravou o estado de saúde da Autora. m) Os Autores deixaram de convidar a família e os amigos para irem a sua casa. ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.Valor do Recurso Nos termos do art. 12º nº 2 do RCP nos recursos o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da ação. Os Apelantes indicaram como valor do recurso €18.700,14. No despacho saneador foi fixado como valor da causa o valor de €28.700,14. Os Apelantes decaíram totalmente na sentença recorrida, sendo a sucumbência total, pelo que o valor do presente recurso é de €28.700,14 admitindo-se que a indicação dada pelos Apelantes possa ser decorrência de lapso de escrita quanto ao primeiro dígito, face à similitude do restante valor numérico. Incumprimento dos ónus do art. 639º do CPC. A Apelada sustenta que as conclusões apresentadas pelos Apelantes além de não serem sintéticas, não se mostram claras, nem cumprem o estipulado no nº 2 do art. 639º do CPC. Apesar de as conclusões dos Apelantes não primarem pela clareza, misturando as alegações referentes à impugnação da decisão sobre a matéria de facto com as alegações de direito, apresentando argumentação sobre questões não abordadas na sentença recorrida e aludindo a nulidades da sentença de forma vaga e não individualizada, não se nos afigura ser caso de convite ao aperfeiçoamento por não serem sintéticas ou inteligíveis, o que podem é não conduzirem ao efeito pretendido por falta de alegação de fundamentos para o efeito e isso não é passível de convite de correção. Quanto à falta de indicação das normas violadas, afigura-se-nos que o recurso centra-se essencialmente na impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, quanto à indicação do direito aplicável os Apelantes aludiram quer ao Decreto-Regulamentar nº 23/95 de 23.08 (Conclusão 46), quer ao regime especial do DL nº 67/2003 de 8.05 (Conclusão 59), pelo que, apesar de não concretizados os artigos desses diplomas legais alegadamente violados, afigura-se-nos minimamente cumprido o ónus exigido pelo art. 639º do CPC. Em suma, embora incipiente, a alegação vertida pelos Apelantes nas conclusões de recurso observa satisfatoriamente as especificações a que alude o art. 639º do CPC, nelas tendo sido indicados quais os vícios de que padece a decisão recorrida, remetendo quer para a legislação pretensamente violada e que não foi aplicada, quer para os factos vertidos na sentença recorrida e a consequência que deveria ter sido retirada à luz do enquadramento jurídico propugnado pelos Apelantes. Por conseguinte, não merece acolhimento a questão a esse propósito suscitada pela Apelada nas contra-alegações. Nulidades da sentença Sob as Conclusões 2 a 4 os Apelantes aludiram de forma confusa à violação pelo tribunal a quo do art. 5º do CPC, de não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter conhecido e em simultâneo de ter apreciado questões de que não podia tomar conhecimento, fazendo alusão à desconsideração de factos notórios e factos de que o tribunal tinha obrigação de conhecer em virtude do exercício das funções, bem como à questão de o tribunal não possuir conhecimentos especiais acerca de questões urbanísticas e da construção e não se ter socorrido de especialistas conforme disposto nos arts. 388º do CC e 467º nº 1 do CPC, sem contudo ter tirado qualquer consequência dessas alegações, mormente pedindo que se declarasse nula a sentença recorrida, tendo-se limitado a peticionar a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue procedentes os pedidos formulados na pi. As nulidades processuais têm de ser arguidas perante o tribunal que alegadamente as cometeu, não podendo ser objecto de conhecimento em primeira linha pelo Tribunal de 2ª Instância. Com elas não se confundem as nulidades da sentença, taxativamente contempladas no art. 615º nº 1 do CPC, nulidades essas que não sendo de conhecimento oficioso devem ser expressamente alegadas pelo recorrente para que possam ser apreciadas. Embora os Apelantes não tenham feito referência expressa ao art. 615º nº 1 al. d) do CPC, argumentaram que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar e simultaneamente conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento. Adiantamos desde já que resulta, porém, evidente da leitura das conclusões de recurso que não estamos perante qualquer nulidade da sentença, estamos sim perante uma manifestação de inconformismo com a decisão sobre a matéria de facto prolatada pelo tribunal recorrido, e a invocação de erro de julgamento quanto ao mérito, erros de julgamento que foram igualmente suscitados nas demais conclusões de recurso e serão apreciados em sede própria de apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e de julgamento de mérito. Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo [1], só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença. Perante a alegação acima mencionada, embora os Apelantes não se tenham socorrido especificamente deste preceito legal, aludem ao que consta do art. 615º nº 1 al. d) do CPC, o qual tem o seguinte teor “É nula a sentença quando: (…) d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;” Vejamos. Este comando normativo é consequência do princípio consagrado no art. 608º, n.º 2 do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Segundo ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, o aludido princípio é um “corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264º, n.º 1 e 664º, 2ª parte) que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (…) Por isso é nula a decisão quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (art. 668º nº 1 al. d) 1ª parte), ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia. (…) O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (…) a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art.668º, nº 1, al. d) 2ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia.”[2] Questões para efeito do referido preceito legal são «… todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» [3], não se confundindo com os argumentos, razões ou pressupostos (de facto e de direito) em que a parte funda a sua posição sobre a questão suscitada. Diferente das questões a decidir referidas no citado art. 608.º n.º 2 do CPC, são os argumentos ou razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista. Existe nulidade da sentença quando o juiz deixa de conhecer a questão/pretensão que devia conhecer, mas já não existe nulidade da sentença se apenas deixa de apreciar qualquer argumento ou razão jurídica suscitada pela parte em abono da sua pretensão. Quando as partes submetem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». [4] Este entendimento tradicional decorrente da lição do Prof. Alberto dos Reis, tem sido perfilhado pela Jurisprudência, a qual, de forma reiterada, perfilha a posição de que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, pois que o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos alegados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se «sobre as questões que devesse apreciar» ou sobre as «questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.» [5] Em suma, ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respectiva causa de pedir) e das excepções deduzidas, devendo apreciar e decidir todas as questões trazidas aos autos pelas partes e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos. Em função desse condicionalismo, torna-se evidente que a decisão recorrida não padece da referida nulidade, nem por omissão de pronúncia, nem por excesso de pronúncia, porquanto mesmo que tivesse desconsiderado factos notórios não consubstanciaria uma omissão de pronúncia mas um erro de julgamento quanto a matéria de facto e, ainda que porventura se tivesse pronunciado sobre questões de facto para as quais poderia não ter conhecimentos especiais, não se tendo socorrido da prova pericial, tal não consubstancia qualquer excesso de pronúncia mas quando muito uma insuficiência de prova a alegar como fundamento de impugnação da decisão sobre os pontos concretos da matéria de facto que porventura exigissem o recurso a esse tipo de prova. Essa eventual insuficiente fundamentação de facto por falta de recurso a um meio de prova apenas relevaria em sede de alegação de erro quanto ao julgamento da matéria de facto, não consubstanciando qualquer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento, pelo contrário, contrariamente ao defendido pelos Apelantes impunha-se ao tribunal que conhecesse dos factos vertidos nos temas de prova 1, 4 e 5, socorrendo-se das provas requeridas pelas partes e, saber se a prova pericial devia ou não ter sido determinada oficiosamente pelo tribunal seria quando muito um argumento a utilizar na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não traduzindo qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Diferente das pretensões deduzidas, são os argumentos de facto e as provas utilizadas pelo tribunal a quo na decisão proferida quanto à matéria de facto por si considerada para a resolução das pretensões formuladas e que lhe incumbia decidir. Relativamente à invocada nulidade por omissão de pronúncia, a falta de razão dos Apelantes é ainda mais evidente, porquanto aquilo que para os Apelantes parece evidente são meras asserções conclusivas, não consubstanciam factos notórios ou do conhecimento geral que devessem ser atendidos pelo tribunal a quo na sentença recorrida e ainda que o fossem, o que não concedemos, a desconsideração de factos não alegados pelas partes não traduz omissão de pronúncia sobre questão que devesse apreciar. Contrariamente ao sustentado pelos Apelantes o error in judicando quer em matéria de facto, quer em matéria de direito não se confunde com as nulidades da sentença, nem a eventual violação do art. 607º nº 3 e 5 do CPC traduz um excesso de pronúncia que conduza à nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al d) do CPC, sendo certo que os Apelantes nem sequer concretizam essa pretensa violação. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica, ou a não apreciação ou valoração de um meio de prova arrolado pela parte pode traduzir, eventualmente, um erro de julgamento, mas não traduz qualquer nulidade por omissão de pronúncia.[6] Os Apelantes podem discordar dos fundamentos de facto e/ou dos meios de prova em que se alicerçou a decisão recorrida, não podem é alegar que a sentença é nula por excesso ou omissão de pronúncia quando se limitam a não concordar com o sentido da pronúncia emitida pelo tribunal, porque nesse caso não se está perante uma nulidade mas uma discordância jurídica a escalpelizar em sede de mérito da decisão, a título de erro do julgamento de facto, ou erro de julgamento de direito. Não se vislumbrando qualquer nulidade na sentença recorrida, improcede este argumento recursivo. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Perante as exigências estabelecidas no art. 640º nº 1 do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. De acordo com o referido no nº 2 do mesmo preceito legal, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[7] A Apelada nas suas contra-alegações veio requerer a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto sustentando que os Apelantes não deram cumprimento aos ónus estabelecidos no referido preceito legal, ao não fazerem constar das conclusões de recurso todos os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, ao remeterem para a “prova produzida” sem especificarem, quanto a cada um dos factos que entendem ter sido mal julgados os concretos meios de prova que infirmam as suas conclusões, não indicaram com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso indicando apenas o nome do ficheiro em questão seguido de um resumo daquilo que interpretaram do depoimento das testemunhas. Vejamos. Quanto à falta de indicação nas conclusões de todos os factos impugnados no corpo das alegações tal falta não conduz à rejeição total do recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o que sucede é que relativamente aos pontos de facto cuja impugnação os Apelantes fizerem menção apenas no corpo das alegações, tendo sido totalmente omitidos nas conclusões, uma vez que estas delimitam o objecto do recurso, conduzirão apenas e tão só à não apreciação dos pontos que não constem das conclusões, porque relativamente aos que tiverem sido concretizados nas conclusões com expressa indicação do ponto de facto/alínea vertido na sentença recorrida nenhum impedimento se coloca ao seu conhecimento desde que observados os demais ónus. Deste modo, afigura-se-nos satisfatoriamente impugnados os pontos de facto vertidos nos pontos 8, 17, 18 e 22 dos factos provados (Conclusões 37, 38, 39, 40, 56) e nas alíneas a), d), e) e f) dos factos não provados (Conclusões 31, 34, 35 e 42), assim como os pontos de facto que os Apelantes pretendem ver aditados aos factos provados (Conclusão 41). Quanto ao facto de não mencionarem nas conclusões os concretos meios de prova em que alicerçam a impugnação relativamente a cada facto impugnado, nem indicarem com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, convém salientar que se o tiverem feito de forma minimamente satisfatória no corpo das alegações tal bastará para se considerarem cumpridos os ónus mencionados no nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do art. 640º do CPC como tem sido jurisprudência reiterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, citando-se como exemplo o mais recente AC STJ de 08.02.2024, cujo sumário expressivamente refere que “I – O ónus do artigo 640.º do CPC não exige que as especificações referidas no seu n.º 1 constem todas das conclusões do recurso; II – É admitir que as exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo. 640.º, em articulação com o respetivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações. “[8] No AUJ nº 12/2023, de 14 de novembro, estão reproduzidos os ensinamentos que têm preconizado a posição praticamente unânime do STJ de exigirem apenas a indicação dos concretos pontos de facto impugnados nas conclusões, podendo os concretos meios probatórios, a decisão alternativa e os segmentos da gravação constarem no corpo das alegações, apelando “aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade enquanto modeladores dos aspetos formais do acatamento dos ónus impostos ao recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto.” Nele se pode ler a esse propósito que, “Consagrada se mostra uma efetiva existência de um segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, com uma imposição rigorosa dos ónus cujo incumprimento determinam a imediata rejeição do recurso, referem, contudo, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre(53) que como abundante jurisprudência tem defendido, o cumprimento dos ónus previstos na disposição legal não deve incorrer num excesso de exigência formal, violadora do princípio da proporcionalidade, até por não existir sustentação clara na lei ou no seu espírito que tal imponha, e assim não seria necessário indicar nas conclusões, os meios probatórios ou os segmentos da gravação em que o recorrente se funda. Por sua vez, Abrantes Geraldes(54) explicita que no atual regime o legislador visou, sanar dúvidas do anterior preceito e reforçar o ónus imposto ao recorrente, na previsão expressa de o recorrente indicar a decisão alternativa, que no seu entender devia ser proferida. Sintetiza assim o sistema no que concerne ao ónus de impugnação: "a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; [...] e) O recorrente deixará expressa na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzida, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interpretação de recursos de pendor genérico ou inconsequente.[...] Mais salienta, que devendo as exigências ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrente do princípio da autorresponsabilização das partes, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais, de tal modo que seja violado o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, denegando a apreciação da decisão sobre a matéria de facto, sem apoio legal ou na vontade do legislador, constituindo um pretexto formal para não conhecer da impugnação, mencionando "[...] com bastante frequência se verifica que uma leitura concertada das alegações, e não apenas das respetivas conclusões, permite afirmar o preenchimento dos requisitos mínimos a que deve obedecer uma peça processual para a qual não está legalmente prevista uma estrutura rígida nem para a motivação, nem sequer para o segmento conclusivo." Perante o assim decidido reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, analisaremos o recurso que recai sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto à luz dessas premissas. No que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas se apreciará os concretos pontos de facto impugnados identificados nas conclusões de recurso, ainda que porventura no corpo das alegações outros tenham sido mencionados (no caso apenas detetamos a menção à alínea g) dos factos não provados no corpo das alegações e omitida nas conclusões) e, no caso de a indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sob o ponto de vista dos Apelantes impunham decisão diversa da recorrida não constarem das conclusões, a apreciação far-se-á se tais indicações constarem no corpo das alegações, como adiante iremos pormenorizar. Para melhor compreensão da impugnação sobre a decisão da matéria de facto apresentada pelos Apelantes, elenca-se, por ordem numérica, cada um dos factos impugnados, seguido da apreciação sobre o cumprimento dos referidos ónus: Ponto 8 dos factos provados: “Em 28 de maio de 2019, os Autores foram notificados pelas A..., para em 10 dias, a contar da receção do presente proceder à apresentação do projeto de alteração das instalações hidráulicas em causa, ou, se assim o entender por conveniente pronunciar-se sobre o que antecede. “ Os Apelantes pretendem que se altere a redação desse facto e passe a ser a seguinte: “Na sequência da vistoria realizada, quer ao prédio dos AA, quer ao prédio contíguo, em 28 de maio de 2019, os Autores foram notificados pelas A..., para em 10 dias, a contar da receção do presente proceder à apresentação do projeto de alteração das instalações hidráulicas em causa, ou, se assim o entender por conveniente pronunciar-se sobre o que antecede. “ Os Apelantes na Conclusão 37 pediram que o facto 8 passe a ter uma redação que se “adeque à prova produzida”, não indicando os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sob o seu ponto de vista impõem aquela alteração. E também não o fizeram no corpo das alegações, nas quais a propósito da impugnação do ponto 8, alegaram que “face à prova documental junta aos autos e que se encontra pacificamente aceite, deve aquele facto passar a ter aquela redação”. Perante o exposto, não cumpriram minimamente os ónus de impugnação previstos no art. 640º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do CPC, rejeitando-se a reapreciação deste ponto de facto. Ponto 17 dos factos provados: “O imóvel está dotado de licença de utilização/habitabilidade.” Os Apelantes pretendem que se altere a redação desse facto e passe a ser a seguinte: O imóvel está dotado de licença de utilização emitida pela CÂMARA MUNICIPAL ... em 18.03.1954. Os Apelantes na Conclusão 38 alegam que esta nova redação tem suporte não só por documentos juntos aos autos por Autores e Ré (fls…), como ainda pela prova do facto 9, corroborada pela testemunha EE que consultou o processo na câmara, não indicando quais os concretos documentos que utilizaram para pedir tal alteração, nem indicaram com exactidão as passagens da gravação da referida testemunha em que se funda esta impugnação. Porém, no corpo das alegações, a propósito da impugnação do ponto 17, aludiram os Apelantes que tal consta dos “documentos 1 da Contestação e 1 da PI, a fls…consta do ponto 9 e do depoimento da testemunha EE, Arquitecto, que foi consultar o processo à CÂMARA MUNICIPAL ... a pedido dos Autores conforme Gravação -8843-22.8T8PRT-2023-06-21-15-30-3206-21-15-30-32 registo temporal de 21-06-2023, 15:30 às 16:07, hiato temporal 01:52 a 02:52, em especial o hiato de tempo entre 12:07 a 12:12 e 12:14 a 12:16, tendo cumprido minimamente os ónus de impugnação previstos no art. 640º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do CPC, permitindo assim a reapreciação deste ponto de facto. Efectivamente na certidão permanente do registo predial do imóvel em questão nestes autos, que constitui doc 1 junto com a pi, sob a AP ... consta a autorização de utilização emitida pela Câmara Municipal em 1954.03.18, assim também mencionada na Cláusula 4ª do contrato de compra e venda do imóvel celebrado entre Apelantes e Apelada, assim como consta dos autos o Alvará de utilização nº ... emitido pela Câmara Municipal nessa data, o qual constitui o doc. 1 da contestação, pelo que, da prova documental referenciada pelos Apelantes extraímos a data de emissão da mencionada licença de utilização do imóvel dos Apelantes, razão pela qual se defere o requerido pelos Apelantes, passando o ponto 8 dos factos provados a ter a seguinte redação: 8- O imóvel está dotado de licença de utilização emitida pela CÂMARA MUNICIPAL ... em 18.03.1954. Ponto 18 dos factos provados: “18. Aquando da aquisição do prédio, o prédio tinha contador definitivo instalado.” Os Apelantes pretendem que se elimine este facto, alegando na Conclusão 39 que não se encontra na sentença qualquer meio de prova, quer documental, quer testemunhal que induzisse nessa formulação. Contrariando esta afirmação, a Apelada sustentou que tal facto resulta do declarado pela própria Autora a pág. 135 no documento que constitui o “pedido de esclarecimento” datado de 10.04.2019 apresentado às A..., EM que se mostra junto aos autos por esta empresa em 13.12.2022. E efectivamente assim é, desse documento consta essa afirmação, sendo certo que também consta que as A... celebraram contrato de fornecimento de água em 2014 com a aqui Apelada o que corrobora aquela afirmação, pelo que mantém-se o ponto de facto 18. Ponto 22 dos factos provados: “O prédio foi dado em condições de utilização. “ Os Apelantes pretendem que se altere a redação desse facto e passe a ser a seguinte: “O prédio ... foi dado em condições de utilização em 16.07.1958. “ Os Apelantes na Conclusão 40 afirmaram que se subentende que o tribunal deverá estar a referir-se ao prédio ...- prédio serviente- e não ao prédio dos Autores, por isso, e por ser relevante para a boa decisão da causa deverá passar a ter aquela redação, não indicando os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sob o ponto de vista dos Apelantes impõem aquela alteração. E também não o fizeram no corpo das alegações, nas quais a propósito da impugnação do ponto 22, alegaram apenas que “tendo em conta a prova documental produzida e atendida pelo Tribunal a quo deveria ter dado outra redação a este facto, porquanto omite a data em que foi emitido o alvará de utilização do imóvel objecto destes autos. Para além disso, a emissão de licença de utilização refere-se ao prédio ... e não ao prédio dos autos. Assim, conforme atesta o documento emitido pela A... em julho de 2019 e dado como provado no facto 9 o facto 22 deve ter a seguinte redação”. Perante o exposto, cumpriram minimamente os ónus de impugnação previstos no art. 640º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do CPC, aludindo ao documento emitido pelas A... e dado como provado no ponto 9 dos factos provados. Ora, esse documento está dado como provado efectivamente nesse ponto 9 dos factos provados, o qual não foi impugnado, pelo que o que dele consta está já dado como provado, afigurando-se-nos irrelevante para a decisão da causa saber se se refere ao prédio ... ou ao prédio ..., pois que relativamente a este último a existência de licença de utilização já consta do ponto 18 dos factos provados e caso este ponto se refira ao prédio ... o que consta do referido documento é que “após a execução das obras respectivas, o prédio foi dado em condições de utilização a partir de 27.08.1959, e não na data que os Apelantes pretendem ver aposta. Deste modo, mantém-se a redação deste ponto de facto. Ampliação dos factos provados: Sob a Conclusão 41 defenderam os Apelantes que face à prova produzida, mais precisamente documental, o tribunal deveria ter ainda dado como provados os seguintes factos: - A Ré em 20/08/2014 celebrou com A... contrato de abastecimento de água e drenagem de águas residuais; - Em 2012 o prédio estava devoluto e com pedido de impedimento de contrato; -Segundo inspeção feita, o prédio ... encontra-se ligado à rede predial através do .... Invocaram para o efeito o documento emitido pelas A... em Julho de 2019, corroborado pela testemunha FF ouvido em audiência de julgamento, sendo que no corpo das alegações nada mais acrescentaram, designadamente não fizeram constar a indicação da gravação deste último depoimento. Para além de tais factos constarem já da transcrição do documento emitido pelas A... em Julho de 2019 vertido no ponto 9 dos factos provados, o último dos factos pretendido acrescentar também já consta do ponto 23 dos factos provados, pelo que a ampliação pretendida mostra-se inútil e como tal vai indeferida. Alínea a) dos factos não provados: “a) A Ré procedeu à remodelação total do edifício. “ Os Apelantes pretendem que este facto considerado não provado pelo tribunal a quo, passe a facto provado. Os Apelantes na Conclusão 42 afirmaram que para concluir de forma diversa da conclusão extraída do tribunal basta articular os factos dados como provados, aludindo aos pontos 6 e 9 dos factos provados e à lógica. No corpo das alegações aludem à articulação dos pontos 11, 9, 4, 5, 6, e 7 dos factos provados, ao depoimento da testemunha NN (sem qualquer indicação das exactas passagens da gravação desse depoimento) e ao depoimento da testemunha EE fazendo alusão à gravação deste último depoimento e ao registo temporal de 21-06-2023, 15:30 às 16:07, no hiato temporal 12:28 a 12:26. Deste modo, para a alteração deste ponto de facto só nos podemos socorrer deste último depoimento, pois apenas relativamente a este foram devidamente cumpridos os ónus do art. 640º nº 1 al. b) e nº 2 al. a) do CPC. O que foi dado como provado sobre os pontos 9 e 11 nada nos diz quanto às obras que concretamente foram realizadas no imóvel pela Apelada e, os demais pontos 4, 5, 6 e 7 referem-se às obras que o tribunal entendeu que resultaram dos meios de prova mencionados na motivação, tendo considerado que essa obras não eram suficientes para que pudesse dar como provado que a Ré tivesse procedido à remodelação total do edifício. Desde logo cumpre salientar que os Apelantes haviam alegado no art. 5º da pi que as intervenções tinham passado por uma reconstrução total do edifício, tanto na parte exterior, como na parte interior, nomeadamente reforço de estrutura e sobre esse alegado reforço de estrutura não foi produzida qualquer prova, quer documental, quer testemunhal, assim como os Apelantes admitem que foi produzida prova de que a Apelada não alterou o ramal de ligação à rede pública de saneamento, mantendo-se inalterado (ponto 16 dos factos provados que não foi impugnado) e que a Ré manteve a solução de drenagem do prédio (ponto 23 dos factos provados que não foi impugnado), motivos que por si só permitem concluir que a remodelação não foi total. Por último, o depoimento da testemunha cuja exacta passagem da gravação foi devidamente indicada- EE- nada sabia sobre quais foram as obras realizadas pela Ré, não impondo o seu depoimento a prova segura e consistente do facto que consta da alínea a) dos factos não provados, que se mantém. Alíneas d), e) e f) dos factos não provados: d) Os Autores pagaram às A... € 3.914,24. e) Os Autores pagaram a C..., Lda. € 11.150,00. f) Os Autores pagaram a D..., Lda. € 651,90. Pretendem os Apelantes que tais factos considerados pelo tribunal a quo não provados, transitem para os factos provados com a seguinte redação: - Os Autores pagaram à A... a construção do ramal de acesso público; -Os Autores pagaram a D..., Lda os serviços que por ele foram prestados; -Os Autores pagaram à C..., Lda €11.150,00 pelos serviços prestados; Ou -Os Autores pagaram à C..., Lda pelos serviços prestados. Sob as Conclusões 31 a 35 os Apelantes afirmaram que consta dos autos prova documental pelo menos quanto aos factos e) e f) que levariam a resposta contrária, assim como as testemunhas dos Autores DD, CC e EE que o tribunal identifica como tendo intervindo nas obras de instalação hidráulica, a quem foi questionado se as obras e os serviços que realizaram no imóvel já se encontravam pagas tendo as respostas sido todas afirmativas, admitindo porém não terem junto aos autos documentos comprovativos dos pagamentos, sem que tenham indicado quais os concretos documentos constantes do processo que sob o seu ponto de vista impõem aquela alteração, nem indicaram as exactas passagens da gravação daqueles depoimentos testemunhais. No corpo das alegações já fizeram menção às exactas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais de EE, CC e DD, permitindo considerar cumpridos os ónus de impugnação pelo menos quanto à prova testemunhal, mantendo-se por concretizar quais os documentos de que se socorrem para fundamentarem as pretendidas alterações. A prova no seu conjunto é livremente apreciada pelo juiz de 1ª instância e a decisão é tomada segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, devendo ser analisadas criticamente as provas, indicadas as ilações que delas o tribunal tirou e especificados os meios de prova que foram decisivos para a sua convicção, tendo o tribunal a quo assim procedido. Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Importa, pois, apurar se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre estes factos que considerou não provados sob as alíneas d), e) e f). Na motivação da decisão recorrida a esse propósito está escrito que, “CC, empreiteiro, reportou-se às obras realizadas no prédio dos Autores para fazer a ligação de saneamento, esclarecendo, contudo, que o trabalho não foi terminado. Afirmou que o seu trabalho foi faturado ao arquiteto, não resultando dos autos, contudo, quaisquer documentos relativos a valores efetivamente auferidos pela testemunha. A testemunha DD, arquiteto, afirmou ser a sua empresa responsável pela obra de correção do ramal de saneamento, não tendo, contudo, a obra sido concluída, não tendo sido feita a ligação à rede pública. Afirmou ter já recebido o valor da obra dos clientes, não resultando, contudo, dos autos documentos comprovativos desse pagamento. A testemunha EE, arquiteto, afirmou ter acompanhado o Autor à Câmara Municipal para analisar a documentação Camarária existente e visitou a casa ainda em obras, previamente a sua aquisição pelos Autores.” Resulta desde logo evidente que, tal como os Apelantes admitem, não juntaram aos autos um único documento comprovativo dos pagamentos que estão vertidos naqueles pontos de facto impugnados. E, apesar de as testemunhas acima referenciadas terem feito alusão a estarem pagos os trabalhos que executaram no imóvel dos Apelantes, não há uma única factura que demonstre os serviços realizados para os Apelantes naquele imóvel, nem qual o valor cobrado por cada uma daquelas empresas (valores que curiosamente nenhuma delas soube precisar), nem muito menos foram juntos recibos dos alegados pagamentos, quando é certo que tais testemunhas fizeram questão de afirmar que estava tudo facturado, pelo que, se assim é não se compreende porque não foram juntos tais documentos, sendo que também seria possível aos Apelantes juntarem pelo menos comprovativos dos meios de pagamento utilizados nesses alegados pagamentos dos serviços, comprovativos esses que se os tivessem certamente não teriam deixado de os juntar aos autos, o que não fizeram. Neste tipo de matéria o tribunal deve ser exigente na prova, como o foi o tribunal a quo, não sendo o depoimento testemunhal meio probatório idóneo para demonstrar alegados pagamentos de serviços prestados por empresas que estão obrigadas a emitir factura e recibo do que recebem, pelo que, na ausência das facturas/recibos e/ou comprovativos dos meios de pagamento utilizados cuja impossibilidade de junção não foi alegada, a prova testemunhal indicada pelos Apelantes não tem força probatória suficiente para dissipar as dúvidas sobre os alegados pagamentos, não permitindo dar como provado que os Apelantes pagaram, isto é, a prova testemunhal indicada pelos Apelantes não impõe decisão diversa daquela que foi proferida. Não obstante, jamais se poderia dar como provado que os Autores pagaram às A... a construção de um ramal de acesso público porque sobre esse facto os Apelantes nem sequer invocaram qualquer prova, mormente documental como se impunha. E ainda que se atendesse aos depoimentos testemunhais em que se basearam os Apelantes para impugnarem as alíneas e) e f) dos factos não provados, sempre seria inadequado e inócuo dar como provado que os Autores pagaram a D..., Lda e/ou a C..., L “pelos serviços prestados”, como pretendem os Apelantes, quando estes nunca alegaram nos seus articulados que serviços foram prestados por aquelas sociedades e para quê, não se estando perante uma mera falta de prova sobre valores (como parecem sustentar os Apelantes) mas perante uma absoluta falta de alegação dos serviços concretamente prestados e dos fins que visavam alcançar. Em jeito de conclusão, com excepção da alteração da redação do ponto 8 dos factos provados, vai indeferida a pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Responsabilidade da Apelada perante os Apelantes Os Autores/Apelantes intentaram a presente ação contra a Ré/Apelada pedindo a condenação desta a pagar-lhes uma indemnização quer a título de danos patrimoniais, quer não patrimoniais, invocando que adquiriram à Apelada em 2015 um imóvel que esta havia remodelado totalmente por se encontrar degradado, tendo essas intervenções passado por uma reconstrução total do edifício, tendo sido garantido por parte da Apelada que o edifício estava completamente renovado segundo os normais critérios e boas práticas construtivas, porém em meados de 2019 foram notificados pelas A... informando-os de que o imóvel não se encontrava em conformidade com a lei quanto às infraestruturas prediais, designadamente quanto ao abastecimento/drenagem de águas residuais e pluviais, isto é, saneamento, tendo logo após sido confrontados com uma notificação das A... para regularizarem a situação uma vez que havia várias queixas por parte de uma vizinha relativamente a problemas nas condições de salubridade que se agravam nas ligações de drenagem à rede pública. Em face dessas notificações os Apelantes terão tentado que a Apelada procedesse à resolução do problema junto dos serviços A..., sem que esta o tenha feito, pelo que, como estavam a ser pressionados pelas A... adjudicaram a elaboração do projecto e a obra a empresas certificadas avisando previamente a Apelada de que o iriam fazer, tendo arcado com os custos de tal resolução. Na petição inicial, no capítulo intitulado “Da Responsabilidade da Ré” alegaram os aqui Apelantes que “com a sua omissão, isto é, com a não apresentação do projecto de licenciamento de águas residuais junto das A..., nem com a execução das obras de acordo com o projecto a Ré violou as mais elementares regras da boa construção”. Mais alegaram que “a Ré bem sabia, ou tinha obrigação de saber da necessidade de projecto específico para o saneamento e necessárias obras para a sua adequação às exigências dos serviços das águas dado tratar-se de uma construção antiga.” Acrescentaram que a “imprudência da Ré em não proceder ao licenciamento e à execução da obra de saneamento foi a causa dos danos provocados aos AA.” e, que “dúvidas não há acerca da obrigação da Ré no ressarcimento de todos os danos que causou aos AA porquanto e conforme supra mencionado, era seu dever cumprir todas as regras inerentes à sua legis artis, diligenciar pelo cumprimento das regras construtivas, como pedido de licenciamento, apresentação de projectos de especialidade e realização das obras necessárias à utilização do imóvel”. Compulsados os articulados dos aqui Apelantes aqueles estão repletos de afirmações conclusivas, totalmente esvaziadas de conteúdo fáctico que nunca veio a ser devidamente concretizado, tendo concluído que exigem da Ré o ressarcimento do “valor despendido com a regularização da presente situação, quer na sua casa, quer junto das A..., não tendo concretizado, como se lhes impunha, qual era a situação que necessitava de regularização ao nível do saneamento, quais foram as legis artis violadas pela aqui Apelada, que obras não foram feitas pela Apelada e são necessárias para a utilização do imóvel, e que trabalhos foram adjudicados a terceiros e para que fim. E se é inegável a indefinição do objecto do processo em termos factuais, o enquadramento jurídico não apresenta maior definição, porquanto para além de terem referido que estamos perante uma relação de natureza contratual (para beneficiarem da presunção de culpa da aqui Apelada), apenas convocaram o art. 486º do CC citando que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”, bem como o art. 483º do CC quanto à verificação dos seus pressupostos. Em momento algum mencionaram se o dever de praticar o acto omitido, cuja violação assacam à aqui Apelada, decorre da lei ou decorre da legis artis. Apenas em sede de alegações de recurso lançam mão do Regulamento municipal e do Decreto-Regulamentar nº 23/95 de 23.08, burilando a sua alegação quanto ao fundamento subjacente à demanda da aqui Apelada ao aludirem que o saneamento era obsoleto e não estava de acordo com o que era legalmente exigível (defeito ou vício que existia à data da compra) e, que o saneamento não respeitava as normas, tinha dimensões reduzidas e estava ligado para as traseiras e não para o coletor da via pública, porém, como é evidente, não tendo esses factos sido atempadamente alegados não foram considerados na sentença recorrida e como tal não podem ser utilizados em sede deste recurso. Mais alegaram em sede deste recurso que “a construção é anterior a 1935, que teve obras licenciadas em 1952, que a licença de utilização é de 1954 e que a ligação à rede pública é de 1935, por isso, a Ré vendeu uma casa aos Autores com vícios, porquanto faz parte das regras da experiência comum que a Ré ao não proceder à alteração da rede de saneamento como lhe competia violou as mais elementares regras construtivas, porquanto não é normal nem natural remodelar uma casa toda e, manter o saneamento com quase 80 anos de existência. Além disso, desrespeitou as normas e regulamentos em vigor à data das obras.” Concluíram não ser crível que a Recorrida que é uma empresa da área da construção civil e compra e venda de casas, ignorasse a obrigação que impendia sobre ela de, comunicar os inícios de trabalhos à câmara, o que não fez, nem o demonstrou ter feito, quando lhe competia. Como também não soubesse, que em cumprimento das regras construtivas atuais era obrigatório proceder à alteração da rede de saneamento e a instalação hidráulica do imóvel (…). Se na petição inicial o que estava invocado como fundamento para responsabilizar a aqui Apelada parecia ser uma omissão de licenciamento de obras feitas pela Apelada ao nível da rede de águas residuais e pluviais- saneamento-, em sede deste recurso os Apelantes reforçam a alegação de ter havido da parte da Apelada uma omissão de execução de obras de alteração da rede de saneamento e instalação hidráulica do imóvel, alteração essa que alegadamente seria uma obrigação que impendia sobre a aqui Apelada por decorrer de “regulamentos em vigor” ou “regras construtivas”. Os Apelantes apelam ao princípio de que a indagação do direito incumbe ao tribunal, mas olvidam que é sua obrigação alegar os factos essenciais à procedência da sua pretensão, definindo o objecto do processo em função da causa de pedir invocada na petição inicial, alegando-os nos respectivos articulados, de forma a tais factos serem contraditados e objecto de instrução. Perante tal conduta errática dos aqui Apelantes coloca-se a dúvida sobre o fundamento de responsabilização da aqui Apelada: se é a violação da legis artis por não ter alterado a rede de saneamento quando alegadamente tal obrigação lhe era imposta legalmente, ou se é o não licenciamento de obras feitas no imóvel que tenham alterado a rede de saneamento existente e tenham conduzido à notificação dos Apelantes pelas A... nos termos que melhor constam do documento reproduzido no ponto 9 dos factos provados. Esses dois fundamentos foram invocados indiscriminadamente pelos Apelantes, mas são incompatíveis: ou foram realizadas pela aqui Apelada obras na rede de águas carecidas de licenciamento e a falta de licenciamento é o “vício” que os Apelantes invocam para responsabilizar a aqui Apelada; ou não foram realizadas pela aqui Apelada obras que eram impostas por lei e essa omissão é o “vício” subjacente à demanda da aqui Apelada. Porém, independentemente da apontada incongruência, qualquer uma daquelas hipóteses suscitadas pelos aqui Apelantes não encontra suficiente respaldo nos factos dados como provados na sentença recorrida e aqui mantidos em sede de recurso, nem permite a procedência da sua pretensão indemnizatória à luz do direito aplicável ao caso concreto. Senão vejamos. Os aqui Apelantes compraram à aqui Apelada em Junho de 2015 um imóvel que havia sido remodelado por esta, porque era um edifício antigo degradado, tendo a aqui Apelada procedido à remodelação dos interiores do imóvel, pintura da fachada e remodelação do telhado à época, remodelação das canalizações do interior do imóvel, caixilharias, pavimentos, electricidade, casas de banho e a cozinha, tendo os aqui Apelantes adquirido o imóvel à aqui Apelada na convicção de que este cumpria todas as regras de construção. Em Maio de 2019 os aqui Apelantes foram notificados pelas A... para, em 10 dias, procederem à apresentação do projecto de alteração das instalações hidráulicas em causa. Perante aquela notificação os aqui Apelantes solicitaram pedido de esclarecimento às A..., a qual depois de contextualizar os antecedentes do prédio em causa, esclareceu que “ o que efectivamente coloca o prédio em situação de exigência de actualização técnica das suas redes prediais ao regulamento municipal em vigor (vigência iniciada em 1993) e do DR 23/95 que o habilitou, são as obras de remodelação feitas entre 2012 e 2015, na medida em que terão introduzido alterações nas redes prediais, as quais só poderão ser consideradas válidas depois da aprovação pela A.... Como já se aduziu, tais obras terão sido ilegais, por falta de controlo prévio por parte do Município ... e, na sua área de intervenção, por parte da A.... Concluídas as referidas obras, foi o prédio ... adquirido pela D. BB que, em 5 de agosto de 2015, celebrou novo contrato de abastecimento de água e drenagem de águas residuais com a A.... De referir, pois, que a celebração destes dois contratos de abastecimento de água e de saneamento, primeiro, com a B... e depois com BB, não constitui presunção suficiente da regularidade das redes prediais do prédio, mas tão somente que, sem qualquer outra intervenção no mesmo, teria de ser respeitado o princípio do existente, à luz do disposto no artigo 60.º do RJUE aprovado pelo DL 555/99, na sua redação em curso. Tendo-se executado aquelas obras de remodelação, as infraestruturas prediais em causa teriam de ser atualizadas em função das regras técnicas previstas no citado Decreto-Regulamentar n.º 23/95, designadamente, através de ligação autónoma à rede pública de ARD. Ao não se proceder desse modo, como era devido, as condições de salubridade do prédio ... e, por inerência, as condições de salubridade do ..., prédio serviente no que respeita às ligações de drenagem para a rede pública de ARD, agravaram-se, como dão nota as comunicações da moradora do ..., D. Soledade. Em conclusão, Face ao exposto e sem embargo de dever ser junto à resposta a dar ao presente pedido de esclarecimento o relatório técnico da inspeção feita em abril de 2018 (creio que a este se refere a informação ..., do técnico MM), mantém-se a obrigação que onera o atual proprietário de regularizar a situação de desconformidade com o regime atualmente em vigor, como deveria ter ocorrido com a execução das obras de remodelação atrás referidas.” Da factualidade apurada resulta que a aqui Apelada nas obras de remodelação a que procedeu antes de vender o imóvel não alterou o ramal de ligação à rede pública de saneamento, mantendo-o inalterado, manteve a solução de drenagem do prédio ... através do prédio ... como sempre havia sido e era do conhecimento das A..., sendo que a ligação à rede pública do referido imóvel foi feita em 1935 apesar de em 1952 ter sido apresentado um projecto de construção para aquele imóvel, sabendo-se que o imóvel está dotado de licença de utilização desde 1954 e, que aquando da aquisição do mesmo pelos aqui Apelantes o prédio tinha contador definitivo instalado tendo as A... inclusivamente celebrado contrato de abastecimento de água com os aqui Apelantes. Tal como as A... acabam por admitir na resposta ao pedido de esclarecimento dos Apelantes a notificação feita aos Apelantes tem como objectivo a actualização das infraestruturas prediais do prédio, exigência que essa entidade também admite só poder fazer aos actuais proprietários daquele prédio no pressuposto de que terão sido realizadas obras entre 2012 e 2015 que introduziram alterações nas redes prediais, as quais só poderiam ser consideradas válidas depois da aprovação pela A.... Ora esse pressuposto não está demonstrado nos autos, não foram alegados factos e por isso não estão dados como provados, que a Apelada tenha procedido a obras que tenham introduzido alterações nas redes prediais e impusessem quer a aprovação prévia das A... mediante a aprovação de projecto, quer a actualização das infraestruturas prediais do prédio. Para isso sempre seria indispensável, porque de factos essenciais se tratavam, que os Apelantes- a quem competia alegar e provar o defeito da coisa vendida-tivessem alegado quais foram as obras realizadas pela Apelada que careciam de aprovação prévia das A... e que introduziram alterações nas redes prediais de molde a causarem problemas de salubridade à vizinha do prédio ... e para cuja resolução necessitaram de contratar os serviços de terceiros, concretizando os trabalhos realizados e esclarecendo em que medida os mesmos eram necessários e adequados a sanar os alegados problemas de saneamento. Na ausência de prova de realização de obras pela aqui Apelada ao nível da ligação à rede pública de águas, inócua se torna a alusão à violação da legis artis na sua execução. Assente que não foi feita qualquer prova de que a aqui Apelada haja realizado obras que tivessem introduzido alterações nas redes prediais que só pudessem ser consideradas válidas depois da aprovação pela A..., cumpre-nos agora aferir se, provado que a Ré não alterou o ramal de ligação à rede pública de saneamento, que data de 1935 e que manteve a solução de drenagem do prédio ... através do ..., tinha alguma obrigação legal ou contratual que impusesse a sua alteração. Pode ser criticável a opção feita pela Apelada de manter uma ligação à rede pública de saneamento que atravessa outro prédio, e que já é muito antiga, porém o que é certo é que essa ligação sempre existiu e a sua alteração nunca foi imposta pela entidade pública responsável, não se podendo afirmar que pelo mero facto de ser antiga esteja obsoleta ou não cumpra com a sua função, factos esses que a verificarem-se deviam ter sido alegados e provados pelos Apelantes enquanto concretização do defeito. Em alternativa, impunha-se que estivesse demonstrado nos autos que qualquer obra de mera remodelação de imóvel exige actualização das infraestruturas ou redes prediais, obrigação que não decorre dos diplomas legais de que os Apelantes se socorreram e que nos parece muito improvável uma vez que a remodelação de um imóvel pode bem ter um carácter meramente estético sem alteração de aspectos estruturais. Ou então, seria necessário que estivesse demonstrado que aquelas obras de remodelação efectuadas pela Apelada, mormente ao nível das casas de banho e canalização interior (que desconhecemos quais foram em concreto), exigiam a referida actualização das infraestruturas ou redes prediais, alegação essa que não foi feita pelos Apelantes (estes pugnavam por tal obrigação no pressuposto de as obras levadas a cabo pela Apelada terem constituído uma remodelação total, vulgo reconstrução). Também a invocada exigência legal não está demonstrada nos autos, nem sequer por apelo ao DL nº 555/99 de 16.12 com as alterações entretanto sofridas, ou ao Decreto-Regulamentar nº 23/95 de 23.08 que aprovou o Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e Drenagem de Águas Residuais, não tendo os Apelantes concretizado um único preceito legal que faça recair sobre a Apelada a exigência de actualização das infraestruturas prediais de distribuição de água e drenagem de águas residuais. Pelo contrário, consta do documento dado como provado sob o ponto 9 que a própria A... refere expressamente que sem qualquer outra intervenção no prédio (pressupondo uma intervenção que tivesse introduzido alterações nas redes prediais, que não ficou demonstrada), teria de ser respeitado o princípio do existente, à luz do disposto no artigo 60.º do RJUE aprovado pelo DL 555/99, na sua redação em curso. O referido preceito legal salvaguarda as edificações construídas ao abrigo do direito anterior que não podem ser afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes. Se em 1935, e mesmo em 1954, não havia impedimento legal para a infraestrutura predial realizada naquele imóvel e a mesma sempre assim funcionou até 2019, ainda que o Decreto Regulamentar nº 23/95 ou qualquer outro diploma legal ou regulamentar tivesse porventura passado a exigir outro tipo de infraestrutura predial, aquele imóvel não poderia ser afectado à luz do art. 60º nº 1 do DL nº 555/99 de 16.12. Também não está demonstrado que a Apelada/vendedora alguma vez tenha garantido aos Apelantes/compradores que actualizara as redes prediais mediante prévia aprovação das A..., ou que essa obrigação decorresse do contrato entre eles celebrado. A propósito da venda de coisas defeituosas refere o art. 913º nº 1 CC que “se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.” Como disposição interpretativa, manda o nº2 do art. 913º CC, atender para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria. Já Pires de Lima e A. Varela alertavam que, “o regime estabelecido nos arts. 913º ss se refere apenas às coisas defeituosas (às coisas com defeito ) e que, entre os defeitos da coisa, se aplica somente aos defeitos essenciais, seja porque impedem a realização do fim a que a coisa se destina, seja porque a desvalorizam na sua afectação normal, seja porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor. São estas conotações de carácter objectivo- mais do que o erro do comprador ou o acordo negocial das partes- que servem de real fundamento aos direitos especiais concedidos pela lei ao comprador e que justificam, pela especial perturbação causada na economia do contrato, os desvios contidos nesta secção ao regime comum do erro sobre as qualidades da coisa.”[9] A noção de defeito implica, assim, a existência de um vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que a coisa se destina, independentemente de esse vício se manifestar posteriormente à celebração do contrato, desde que, nessa altura, já existisse em potência. “A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme àquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, enquanto que a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado. Os vícios e as desconformidades constituem o defeito da coisa.”[10] Para poderem responsabilizar a aqui Apelada- responsabilidade contratual- incumbia aos Apelantes provar o vício do imóvel vendido, demonstrando que o mesmo padece de um defeito essencial, seja porque impede a realização do fim a que o mesmo se destina, seja porque o desvaloriza na sua afectação normal, seja porque o priva das qualidades asseguradas pelo vendedor ou, então provar a desconformidade com o acordado, porém a factualidade provada não permite concluir, como sinteticamente se aludiu na sentença recorrida, pela existência de defeito na coisa vendida ou desconformidade com o acordado. É inegável que o prédio ... sairia beneficiado se a Apelada tivesse actualizado a ligação do sistema de rede pública de drenagem de águas residuais quando remodelou o imóvel, designadamente autonomizando-o daquele outro prédio, mas isso por si só não significa que o imóvel padeça de um defeito essencial e que o mesmo deva ser atribuído à aqui Apelada, cuja obrigação de actualização dessa infraestrutura, como vimos, apenas existiria caso tivesse introduzido alterações nas redes prediais e esse pressuposto também não lograram os aqui Apelantes provar, conforme lhes incumbia por constituir facto constitutivo essencial à procedência da pretensão indemnizatória a que se arrogavam. Uma última palavra para tornar claro que a questão da caducidade não foi abordada na sentença recorrida e ainda que não tenha ficado nela esclarecido o recurso ao disposto no art. 1225º do CC não foi seguramente para conhecer dessa excepção, a qual efectivamente não foi conhecida, terá sido porventura para enquadrar juridicamente a pretensão dos Apelantes, admitindo que a responsabilidade por defeitos nele consagrada recai também sobre o vendedor de imóvel que o tenha modificado ou reparado, como foi o caso da aqui Apelada que vendeu um imóvel por ela previamente remodelado. Em suma, falhando pelo menos um dos pressupostos da responsabilidade contratual- o defeito da coisa vendida- a pretensão dos Apelantes tem de soçobrar. E assim sendo, fica prejudicado o conhecimento da questão da forma de fixação da indemnização, por não poder ser responsabilizada a aqui Apelada a reembolsar os aqui Apelantes por quaisquer pagamentos que estes hajam eventualmente feito a terceiros, ainda que contratados para procederem à actualização da infraestrutura hidráulica do prédio (pagamentos e serviços esses que os Apelantes também não lograram provar). Deste modo, nenhuma censura merece a sentença recorrida, a qual se mantém. ** V. DECISÃO:Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelos Apelantes, mantendo-se a sentença recorrida. Custas a cargo dos Apelantes, que ficaram vencidos. Notifique. Porto, 8.10.2024 Maria da Luz Seabra Maria Eiró Alexandra Pelayo (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico) _______________ [1] A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686. [2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 220-221. [3] A. Varela RLJ, ano 122º, pág. 112. [4] Alberto dos Reis, CPC Anotado, volume V, 1984, pág. 143. [5] AC STJ de 7.07.2016, relatora Consª. Ana Luísa Geraldes, AC STJ de 21.10.2014, relator Consº. Gregório Silva Jesus e AC STJ de 8.02.2011, relator Consº. Moreira Alves, www.dgsi.pt. [6] Neste sentido, entre outros, Ac STJ de 16.11.2021, Proc nº 2534/17.9T8STR.E2.S1 [7] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [8] Proc. Nº 7146/20.7T8PRT.P1.S1 [9] CCivil anotado, vol.II, pág. 212 [10] Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, p. 127ss |