Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALEXANDRA PELAYO | ||
Descritores: | CASO JULGADO EXCEPÇÃO DILATÓRIA AUTORIDADE DO CASO JULGADO FUNDAMENTO DE FACTO | ||
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Nº do Documento: | RP202307121736/20.5T8VCD-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigos 580º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). II - A figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da exceção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida - visa a garantia, a coerência e a dignidade das decisões judiciais. III - A autoridade do caso julgado abrange as questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior. IV - Quer na função positiva, quer na função negativa, os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1736/20.5T8VCD-A.P1 Juíza Desembargadora Relatora: Alexandra Pelayo Juízes Desembargadores Adjuntos: Rodrigues Pires Maria da Graça Mira Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 2 SUMÁRIO: ……………………… ……………………… ……………………… Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO: A..., S. A., com sede em Lisboa, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra: 1. AA, residente em ...; 2. BB, residente em , ..., Matosinhos; 3. CC, residente em ... - Vila do Conde; e 4. DD, residente na mesma morada. Pede a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe a quantia de € 49.853,46, acrescida dos juros contabilizados às taxas de juro sucessivamente em vigor e aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, que se vencerem desde a data da citação. Para tanto, alegou em suma que adquiriu e pagou à sociedade B... o bem identificado por “C...”, composto por treze equipamentos, sendo os Réus AA e BB (aqui 1º e 2º RR) os legais representantes daquela sociedade. A aquisição de tais bens pela Autora teve como objetivo dá-los em locação à sociedade D..., Lda., representada pelos Réus CC e DD (aqui 3º e 4º RR). Foi criada na Autora a convicção que os bens haviam sido entregues pela vendedora à locatária, o que motivou o pagamento do preço dos bens à empresa B... do valor devido pela aquisição dos bens. Pelo que, veio a ser celebrado o contrato de locação n.º ..., que se iniciou a 24.09.2013, tendo a empresa locatária D..., Lda. procedido ao pagamento das rendas mensais devidas, o que fez até Dezembro de 2014. Uma vez que a locatária D..., Lda., deixou de pagar as rendas a que se obrigara, a Autora intentou ação contra ela, que deu origem ao processo 142327/15.0YIPRT - que correu termos contra a locatária “D..., Lda. pedindo, a devolução dos bens e o pagamento das quantias em dívida. Nessa ação porém, a Ré foi absolvida dos pedidos, por se ter concluído que o objeto acima descrito – C... - não lhe foi entregue, tendo o contrato de locação sido declarado nulo. Entende a Autora que, foram todos os aqui Réus quem dominaram todas as circunstâncias e condições em que o contrato de locação foi assinado, tendo usado (de forma ilegítima e abusiva) desse domínio para defraudar a Autora causando-lhe um grave prejuízo, de que pretende ser ressarcida. Que se está, na verdade, perante uma atitude concertada dos aqui Réus na medida em que foi a atitude conjunta de todos ( por um lado dos Réus AA e BB que convenceram a Autora que tinham entregue o bem C... composto por treze equipamentos à empresa Locatária e apresentaram a fatura do mesmo para pagamento e que receberam tal quantia e, por outro lado, dos Réus CC e DD que confirmaram perante a Autora que tinham recebido o aludido bem, mediante a assinatura da confirmação de aceitação/auto de receção, requisito essencial para pagamento do equipamento pela Autora) a causa-efeito do dano/prejuízo causado à Autora, devendo por isso serem os aqui Réus solidariamente responsáveis e devedores à Autora da quantia de € 49.853,46 (valor da fatura de compra e venda dos equipamentos). Os Réus CC e DD vieram contestar, defendendo-se invocando a exceção dilatória da ilegitimidade passiva e a autoridade do caso julgado, tendo ainda invocado a exceção perentória da prescrição, impugnando ainda os factos alegados, apresentando a sua versão dos mesmos. O Réu EE igualmente contestou, aderindo à contestação apresentada pelos demais Réus e, no essencial, reproduzindo a mesma. A Autora respondeu às exceções invocadas na contestação, pugnando pela sua improcedência. A Autora foi convidada a aperfeiçoar os seus articulados, no sentido de explicar qual a concreta conduta censurável que imputa aos Réus no sentido de preenchimento da sua culpa. Em resposta a tal convite, a Autora , referiu que as declarações dos Réus CC e DD de que receberam o equipamento, constantes junto às respetivas assinaturas dos contratos de locação, foram efetuadas intencionalmente, sem que os bens tenham, na realidade, sido entregues e recebidos, tendo todos os Réus atuado concertadamente com o específico objetivo de causar prejuízo à Autora, através do pagamento da contrapartida monetária pela aquisição de bens que, na realidade, não foram recebidos e que não existiam. Foi proferido despachos saneador, tendo sido apreciadas as exceções invocadas pelos Réus. Assim, foi julgada improcedente a exceção da ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD, os quais foram julgados parte legítima. De seguida foi apreciada a questão prévia do caso julgado, nos seguintes termos: “(…) Todavia, foi dado como demonstrado, no âmbito da sentença proferida no proc.º 142327/15.0YIPRT que, caso a aí Ré D..., Lda., representada pelos aqui Réus CC e DD, soubesse da real natureza do contrato que celebrava, nunca o teria efetuado (ponto 37 da matéria de facto provada). Assim, de uma assentada, aquele Tribunal excluiu a existência de dolo por parte da aludida sociedade (e dos seus gerentes, reflexamente, conforme acima se expôs). Nos demais pontos dados como provados, foi igualmente afastada a negligência da sociedade. Perante o exposto, resulta que a discussão acerca de, pelo menos, parte dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na qual a Autora assenta o pedido nos presentes autos, foram já objeto de discussão, apreciação e decisão no proc. n.º 142327/15.0YIPRT. Pelos motivos que acima se aludiram, tais factos dados como provados na aludida sentença, por força da autoridade do caso julgado, igualmente devem ser considerados demonstrados nestes autos.” Foi ainda julgada a exceção da prescrição, que foi julgada improcedente. De seguida, o tribunal, proferiu o seguinte despacho: “Atento o estado atual dos autos e os elementos probatórios existentes, designadamente em virtude da existência da autoridade do caso julgado concedida pelo proc.º 142327/15.0YIPRT, acima apreciada, considera o Tribunal dispor de elementos que lhe permitam apreciar, desde já, a decisão de mérito relativamente aos Réus CC e DD, bem como a litigância de má-fé da Autora no que a tais Réus respeita, o que se fará de imediato. De facto, a matéria de facto relativa a tais Réus já admite a resposta como provada e não provada, em virtude da decisão proferida no âmbito do aludido processo, conforme infra se demonstrará. Por tal motivo, face ao princípio da economia processual e para evitar a prática de atos inúteis, não haverá lugar à realização de audiência final quanto a tais Réus.” Foi proferida de seguida, sentença que apreciou o pedido formulado contra os 3º e 4º Réus, decidindo: “Em face do exposto, e relativamente aos Réus CC e DD, o Tribunal decide: a) Julgar a presente acção totalmente improcedente e, por via disso, absolver integralmente os Réus CC e DD do pedido formulado pela Autora A..., S. A.; e b) Condenar a Autora A..., S. A. no pagamento de uma multa no valor de dez UC’s, por litigância de má-fé, bem como no pagamento de uma indemnização a favor dos Réus CC e DD, a liquidar em decisão ulterior, depois de ouvidas as partes. Custas a determinar a final” No que concerne aos demais Réus AA e BB, foi determinado o prosseguimento dos autos, com fixação dos termos do litígio e dos temas de prova. Inconformada a Autora A..., S.A., veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões: “1. O presente recurso incide sobre a sentença de fls., e respetivos fundamentos, que absolveu os Réus CC e DD do pedido formulado pela Autora e que condenou a Autora em multa e indemnização como litigante de má-fé. 2. Pretende-se com o presente recurso a alteração da decisão sobre a autoridade do caso julgado; a alteração da decisão da matéria de facto e a alteração da decisão de condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização. 3. Discorda-se do entendimento do Tribunal a quo em como o estado atual dos autos e os elementos probatórios existentes, designadamente em virtude da existência da autoridade do caso julgado concedida pelo proc. n.º 142327/15.0YIPRT, permitem apreciar a decisão de mérito relativamente aos Réus CC e DD, bem como a litigância de má-fé da Autora no que a tais Réus respeita, dispensando a realização de audiência final quanto a tais Réus. 4. A Autora apresenta a presente ação com fundamento na responsabilidade civil extracontratual de quem, bem sabendo que determinados bens não lhe haviam sido entregues, ainda assim declara tê-los recebido, o que implicou sério prejuízo patrimonial para a Autora que adquiriu tais bens com base na emissão de tal falsa declaração. 5. Como a própria A. (de boa fé) alega na sua petição inicial, em momento anterior tinha corrido termos ação judicial – processo 142327/15.0YIPRT - contra a locatária “D..., Lda”. em que esta veio a ser absolvida por se ter concluído que o objeto do contrato de locação – C... - não lhe foi entregue, tendo o contrato de locação sido declarado nulo. 6. No aludido processo n.º 142327/15.0YIPRT, a causa de pedir foi o incumprimento pela aí ré de um contrato de locação / prestação contratual, e o pedido então formulado consistia na condenação da aí ré no pagamento do valor das rendas vencidas e vincendas do mencionado contrato de locação, por força da resolução do contrato por incumprimento/falta de pagamento das rendas contratadas. 7. O Tribunal naquela 1ª ação decidiu que o contrato de locação em causa se encontrava ferido de nulidade por impossibilidade originária da prestação dado que os objetos locados não haviam sido entregues. 8. Fundamentando-se tal decisão no facto de se ter provado que o contrato pelo qual a autora adquiriu à empresa «B...» as 13 máquinas que pretendia locar à ré (compra e venda) configura uma venda de bens alheios uma vez que resultou provado que das referidas treze máquinas que a autora adquiriu à mencionada empresa, pelo menos 12 pertenciam à E..., SA, incluindo duas daquelas que faziam parte do contrato que originariamente a ré D... celebrou com esta sociedade. 9. É precisamente a decisão da ação anterior que leva a Autora a apresentar a presente ação com o seguinte enquadramento: Se os bens afinal não foram entregues, nos termos decididos na ação anterior, então quem assinou a declaração confirmando o recebimento respetivo terá de ser responsabilizado por isso. 10. É esta a matéria sobre a qual a Autora pretendia produzir prova: quem colocou na Confirmação de Aceitação dos bens a data do recebimento. Segundo se crê, terão sido os Réus agora absolvidos. 11. Cabe esclarecer que a causa de pedir nos presentes autos integra a invocação do prejuízo sofrido pela Autora pelo incumprimento do contrato de compra e venda que celebrou com a sociedade B... (da qual são sócios gerentes os réus nesta ação AA e BB) prejuízo para o qual foi determinante a declaração dos aqui apelados (CC e DD), em como haviam recebido os bens que constituíam a designada C... na data que, pelo seu próprio punho, apuseram na designada “Confirmação de Aceitação”: 24.09.2013. 12. A Autora não funda a sua ação na circunstância de ter sido celebrado o contrato de locação, mas tão-só na circunstância de os aqui Réus CC e DD terem emitido uma declaração no sentido de terem recebido no dia 24.09.2013 os bens integrantes da designada C... sem que lhes tivesse sido entregue qualquer bem nessa data, fosse ele qual fosse. 13. Dir-se-á que estavam convencidos de que o contrato anterior entre a D... e a E... já não estava ativo. Pois muito bem, mas então teriam que ter dado a conhecer tal situação à A... e não, como fizeram, confirmado à A... que naquela concreta data tinham recebido os bens que lhes foram entregues pelo fornecedor B.... 14. Acrescendo que no processo n.º 142327/15.0YIPR foi objeto de profunda análise o contrato de locação celebrado entre a Autora e a D... e não a declaração dos aqui Apelados em como receberam os bens objeto de locação em tal contrato no dia 24/09/2013 e o efeito de tal declaração na decisão da Autora em pagar a fatura de compra e venda de tais bens junto do fornecedor dos mesmos. 15. Não resulta de nenhum dos pontos aludidos pelo Tribunal a quo (pontos 24, 30, 31, 33 e, sobretudo, 37) qualquer facto que contrarie o que vem alegado pela Autora nestes autos, e nada ficou demonstrado a propósito da declaração aposta na Confirmação de Aceitação dos bens de que os mesmos haviam sido recebidos pela sociedade locatária em 24.09.2013: quem terá colocado esta data? E com isso confirmado que recebeu bens que lhe foram naquela data entregues. 16. Para o que aqui se discute, o que se retira de tal matéria de facto provada é que os Apelados na data em que assinaram a confirmação de aceitação dos bens (inclusa no contrato de locação da Autora) sabiam que não haviam recebido qualquer bem! 17. Ora, a matéria de facto que a Autora pretendeu discutir e provar nos presentes autos consubstancia-se no facto dessa declaração ter sido causa direta do prejuízo sofrido pela Autora - não o prejuízo derivante do incumprimento do contrato de locação - mas o prejuízo decorrente do custo da aquisição dos bens. 18. Ainda que tivesse resultado provado no processo n.º 142327/15.0YIPRT que toda a situação que rodeou a celebração do contrato de locação entre a D... e a Autora foi do conhecimento da sociedade D... (pontos 16 a 30 dos factos provados), e à qual a Autora foi absolutamente alheia, nunca foi pretensão da Autora colocar em causa nos presentes autos a circunstância da sociedade D... ter sido, como aconteceu como a Autora, ludibriada pela sociedade B.... 19. E mesmo que se admitisse que a autoridade do caso julgado na ação intentada contra a sociedade abrangesse os aqui Apelados (gerentes dessa sociedade) tal não significaria que os factos aí provados fossem desfavoráveis à Autora no que respeita à matéria de facto alegada nestes autos e que integram a causa de pedir. 20. Pelo que, não se verifica na presente situação nem a exceção de caso julgado (que pressupõe identidade de partes, causa de pedir e pedido), nem se verifica a identidade de caso julgado na aceção (reproduzida na sentença a quo) que lhe dá designadamente o Acórdão da Relação de Coimbra de 11.06.2019 proferido no âmbito do processo 355/16.5T8PMS.C1 publicado em www.dgsi.pt. 21. Nem as partes são as mesmas, nem tão pouco o decidido na 1ª ação constitui pressuposto ou condição da definição da situação jurídica da 2ª ação, já que a falsa declaração de recebimento dos bens não foi questão discutida na 1ª ação nem constitui qualquer um dos seus fundamentos. 22. Por nos parecer absolutamente impressivo, no que diz respeito à abrangência objetiva e subjetiva da autoridade de caso julgado, dá-se aqui por reproduzido conforme se fez nas conclusões, o Acórdão da Relação de Lisboa de 24/03/2022 produzido no âmbito do processo 7960/14.2T8LSB-A.L1-2, publicado em www.dgsi.pt. 23. Não há assim, no caso concreto, funcionamento do instituto jurídico da autoridade de caso julgado pela tripla circunstância de: a) as partes serem distintas e estar em causa uma declaração dos aqui Réus que não foram partes na ação inicial; b) O facto de partes da nova ação serem representantes da parte na 1ª ação não leva a que a autoridade de caso julgado os abranja: os mesmos são terceiros do ponto de vista da sua qualidade jurídica face ao decidido na 1ª ação (cfr. artigo 581º nº 2 parte final do Código de processo Civil); c) O facto de a matéria de facto considerada provada numa ação não poder ter, por si só, força de caso julgado fora da mesma, tal como se decide no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2005. 24. Fundamentando-se na decisão do processo n.º 142327/15.0YIPRT, considerou o Tribunal a quo provada a matéria de facto constante de pontos 1 a 20 (reproduzidos nas alegações). 25. Todavia, e com todo o respeito devido, a matéria de facto dada como provada num determinado processo não pode, sem mais, ser transposta para a decisão sobre a matéria de facto do processo novo, já que os mesmos não são abrangidos pela autoridade de caso julgado! 26. Não obstante e, para o caso de assim se não entender, à cautela impugnam-se, especificadamente, os pontos da matéria de facto considerada provada nos presentes autos. 27. Ponto 12 da matéria de facto considerada provada: 12. Na realidade, os bens que compunham a aludida “C...” não pertenciam, nem nunca pertenceram, à Ré B.... 28. Resulta do ponto 35 da decisão da matéria de facto provada no processo n.º 142327/15.0YIPRT que: À data da outorga do contrato referido em 1), com a exceção da máquina identificada na al. a) do ponto 31, todas as máquinas constantes da listagem de fls.39 era pertença da E... que, em Maio de 2015, as vendeu a empresas concessionárias autorizadas da F.... 29. Correspondendo a listagem de fls. 39 às máquinas adquiridas pela Autora à B... e que compunham a C... objeto do contrato de locação, resulta claro que terá de ser alterada a decisão do ponto 12 da matéria de facto provada, passando a constar que: 12. Na realidade, com exceção da máquina Modelo ..., com o nº de série ..., os bens que compunham a aludida “C...” não pertenciam, nem nunca pertenceram, à Ré B.... 30. Impugna-se ainda o ponto 1 da matéria de facto considerada não provada nos presentes autos: 1. Que os Réus CC e DD soubessem que não tinham recebido os bens objeto do contrato de locação e que com a declaração (falsa) em como tal tinha acontecido, criariam essa falsa convicção à Autora, que assim os iria adquirir, pagando o respetivo preço sendo que, igualmente, declararam saber que esses mesmos bens no final do contrato teriam de ser entregues à Autora, bem sabendo que nenhum bem seria entregue, por inexistente. 31. Conforme já supra se expos, resulta da matéria de facto provada no 142327/15.0YIPRT que a sociedade D... assinou o contrato de locação (do qual consta a confirmação de aceitação dos bens com data de 24/09/2013) - facto provado 1 – e que nessa data nenhum dos bens objeto do contrato de locação com a Autora foi entregue - factos provados 32 e 34. 32. Aliás, seguindo de perto a matéria de facto provada que vem identificada pelo Tribunal a quo, resulta demonstrado que os Apelados sabiam que os bens objeto do contrato de locação (aqueles que eram na sua convicção os bens incluídos) que celebraram com a Autora já se encontravam na posse da D... desde 31/07/2012, ao abrigo de um outro contrato de locação que havia sido celebrado entre a D... e outra locadora (E...). 33. Pelo que se impõe a conclusão: a declaração dos Apelados em como haviam recebido os bens objeto do contrato de locação da Autora em 24/09/2013 não corresponde à verdade (como resulta provado). 34. Anote-se, para o efeito, que a declaração de recebimento dos bens objeto do contrato de locação com a Autora em 24/09/2013 e os efeitos da mesma na celebração do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a sociedade B..., não foi matéria de facto que tenha sido decidida desfavoravelmente à Autora no processo n.º 142327/15.0YIPRT, nem foi em tal processo objeto de decisão. 35. E mesmo que os Réus CC e DD não soubessem exatamente a que bens se referia a sua declaração no sentido de os terem recebido, a verdade é que sabiam não ter recebido quaisquer bens em 24/09/2013! 36. Esta sua declaração não pode deixar de ter sido intencional! Não é possível equacionar uma situação em que duas pessoas, ou pelo menos uma delas (a que apôs na Confirmação de Aceitação a data do falso recebimento dos bens) esteja a declarar ter recebido um conjunto de bens indicando uma data concreta do recebimento sem na realidade ter recebido bem algum e que não esteja a agir de forma intencional, bem sabendo estar a produzir uma declaração falsa. Se a referida conduta não foi intencional, pelo menos há-de ter sido forte e grosseiramente negligente, o que a Autora pretendia demonstrar nos presentes autos. 37. Era esta a prova que a Autora pretendia conseguir fazer com recurso sobretudo ao depoimento de parte dos próprios CC e DD e dos demais Réus AA e BB, com quem os primeiros terão interagido. 38. Só com a produção de prova poderemos saber quem na realidade apôs pelo seu punho a data da confirmação de aceitação e em seguida assinou, sendo certo que – ao que se crê – foi pelo menos um dos Réus CC e DD. 39. Considerando, assim, a Autora/Apelante que se impõe a revogação da douta sentença e que o processo prossiga quanto aos Réus CC e DD. 40. Não tem qualquer fundamento a má-fé, não só porque não se coaduna com o disposto no artigo 542.º do CPC (não se encontra preenchido nenhum dos requisitos previstos), como não cabe na atitude da Autora supra detalhada. 41. A autora não alega factos que sejam falsos, nem nega factos que sejam verdadeiros, nem oculta factos relevantes (antes dá a conhecer logo na petição inicial o facto de ter corrido termos a ação judicial anterior), para além de que não se encontra em nenhuma situação de incumprimento de qualquer dever imposto. 42. Na verdade, a Autora vem por via da presente ação submeter ao douto Tribunal a situação que descreveu de forma a apurar-se a responsabilidade dos atos dos Réus, agindo com a probidade processual que lhe é exigida. 43. E fá-lo na convicção de que tais atos foram determinantes para o prejuízo da Autora, que é real, tendo sido a Autora a verdadeira lesada. 44. Não obstante o que se discutiu, provou e ficou decidido no processo 142327/15.0YIPRT a verdade é que se os Réus aqui Apelados não tivessem assinado a declaração em como haviam recebido os bens locados na data assinalada, a Autora não teria pago o seu preço e toda a situação já conhecida nos autos não se teria verificado. 45. Sem descurar que a Autora foi alheia a todo o circunstancialismo que veio a ser descrito pelos Réus aqui Apelados (e já considerado provado) para justificar tal ato. 46. Foi e é, assim, com a convicção que os fatos alegados são verdadeiros que a Autora propôs a presente ação, tentando fazer valer o direito que entende ter, isto sem embargo de vir, ou não, a obter a sua procedência. 47. Não o fazendo com dolo, ou negligência ou com qualquer intenção que lhe possa ser censurada, mas tão só com a intenção de defender o seu direito. 48. Recorre-se ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/5/2019, disponível in www.dgsi.pt nos termos reproduzidos nas alegações. 49. Conclui-se, portanto, que a autora não está nos presentes autos a deduzir uma pretensão que saiba ser ilegítima ou não ter fundamento, ou sequer a tentar convencer o douto tribunal de factos que não correspondam à realidade. 50. Não se mostrando preenchidos os pressupostos de condenação da aqui autora como litigante de má-fé, nem tão pouco no pagamento da multa ou indemnização nos termos requeridos pelos Réus aqui Apelados, tendo a mesma sempre agido de boa-fé. 51. Ao decidir como decidiu violou o Tribunal essencialmente as disposições legais vertidas nos artigos 542º, 543º,580º e 581º do Código de Processo Civil. 52. Requerendo-se que o douto Tribunal da Relação decida que a autoridade do caso julgado não abrange os Réus CC e DD (nem qualquer outro Réu); revogue a douta sentença do Tribunal a quo e substituía a mesma por outra que absolva a Autora/Apelante do pedido de condenação como litigante de má-fé, não condenando em multa nem em indemnização; e decida que os autos não detêm elementos suficientes para proferir decisão final sobre o mérito da causa, determinando o prosseguimento dos autos também quanto aos Réus CC e DD. Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a já costumada e esperada Justiça.” Os Réus CC e DD, vieram apresentar Contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma: “1. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, tendo o Juiz a quo, feito uma valoração criteriosa e prudente das provas produzidas, incluindo as provas documentais trazidas pelas partes. 2. Conta-se em algumas, poucas, linhas o caso dos presentes autos e para o decidir, não serão necessárias mais do que umas brevíssimas considerações, tal a linearidade das questões aqui trazidas à colação. 3. Os Recorridos são gerentes da sociedade comercial por quotas D..., LDA. (D...) desde 23.06.2005. 4. Decorrente de Requerimento de Injunção intentado pela Autora (A.) contra a D... a 30.10.2015 correu termos na Instância Central – 2ª Secção – J6 Póvoa de Varzim, a Ação de Processo Comum nº 142327/15.0YPRT. 5. A referida ação não só foi julgada totalmente improcedente, como a A. Foi condenada a restituir à D... a quantia de € 24.564,58 acrescida de juros, em virtude de o contrato celebrado entre ambas as partes ter sido declarado nulo. 6. Na sentença proferida em 1ª Instância resultaram provados, entre outros, os factos seguintes: “3 - No referido documento denominado «contrato de locação n.º ..., o bem objeto de locação é identificado como «C...»; 11 – A indicação e identificação de cada uma das 13 máquinas constantes na listagem de fls. 39 foi fornecida à Autora pela empresa «B..., Ldª»; 21 - Em Setembro de 2013, o representante da B..., Ldª contactou e ré e propôs-lhe melhorar as condições comerciais e financeiras do acordo que havia celebrado com a E..., mantendo exatamente os mesmos equipamentos em utilização, através da “transferência” do contrato da E... para a aqui autora; 23- Mais referiu que a B... trataria de todos os procedimentos legais e administrativos, nomeadamente do cancelamento do contrato com a E...; 24- Por estar convicta de que o procedimento decorreria da forma que lhe foi explicada pelo representante da B..., Ldª, a ré subscreveu o contrato referido em 1); 30 – Após esta última data, em reunião mantida com representantes da F... e da E..., foi pelos representantes destas empresas comunicado à ré que a «B...» não cancelou o contrato referido em 16) e que a E... nunca alienou a quem quer que seja as máquinas fotocopiadoras objeto do mesmo. 31 – Somente após esta data é que a ré tomou conhecimento, através do portal do cliente online da autora da identificação das máquinas associadas ao contrato de locação que celebrou com a autora que está junta a fls. 39; 32 – Dentre as máquinas identificadas na listagem referida no ponto 10) dos factos provados (fls. 39) não foram entregues á ré, nem por esta recebidas as seguintes:… 33 – A Ré nunca deu instruções à B..., Ldª para as incluir as máquinas referidas em 31 no contrato de locação que celebrou com a Autora; 34 – As restantes máquinas identificadas na listagem de fls. 39 encontravam-se na posse da Ré desde a celebração do contrato com a E... referido em 16); 35 – À data da outorga do contrato referido em 1), com a exceção da máquina identificada na al. a) do ponto 31, todas as máquinas constantes da listagem de fls.39 era pertença da E... que, em Maio de 2015, as vendeu a empresas concessionárias autorizadas da F...; 36- A ré enviou à autora, que recebeu, a carta datada de 31 de Dezembro de 2014 – cuja cópia está junta a fls. 51, com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido – através da qual declara proceder á revogação, com justa causa, do contrato de locação n.º ..., solicitando ainda que, no prazo de 15 dias, a ora autora lhe restituísse todas as quantias pagas ao abrigo do mesmo contrato; 37 – Se a ré soubesse que o contrato que celebrou com a E... se manteria em vigor não teria celebrado o contrato referido em 1);”. 7. Conforme indicado na motivação da fundamentação da sentença da 1ª instância, a decisão fundamentou-se na: “É que o contrato pelo qual a aqui autora adquiriu à empresa «B...» as 13 máquinas que pretendia locar à ré – e que configura uma autêntica compra e venda – não pode deixar de uma venda de bens alheios. Com efeito, conforme resultou provado, das referidas treze máquinas que a autora adquiriu à mencionada empresa, pelo menos 12 pertenciam à E..., SA, incluindo duas daquelas que faziam parte do contrato que originariamente a ré celebrou com esta sociedade. Quer isto dizer que a «B..., Ldª» vendeu à aqui autora um conjunto de bens que não lhe pertenciam, inquinando assim o referido negócio de compra e venda com o vício da nulidade (art. 292º do Código Civil), o qual é de conhecimento oficioso do tribunal (art. 286º do Código Civil). … É que os equipamentos objeto do financiamento pretendido através da celebração do contrato dos autos nunca estiveram na efetiva disponibilidade do fornecedor (B...), apesar de ter vendido à autora/locadora e de os dever entregar à ré locatária. Por isso, exceção feita aos três equipamentos que integraram o contrato de locação que originariamente a ré celebrou com a E..., a ré nunca pôde fruir daqueles equipamentos, uma vez que o gozo destes não lhe foi concedido. Como se sabe, nos termos do n.º 1 art. 401º do Código Civil, a impossibilidade originária da prestação gera a nulidade do negócio, a qual deve ser declarada ex officio pelo Tribunal. A nulidade ora verificada prejudica, naturalmente, as pretensões pecuniárias e indemnizatórias formuladas pela autora com base no invocado incumprimento contratual da ré.”. (Pág. 19 – 4º parágrafo e pág. 21 – 1º parágrafo – negrito e sublinhado nosso). 8. Inconformada, a A. recorreu da decisão da 1ª Instância, tendo o recurso corrido termos no Tribunal da Relação do Porto, 2ª Secção, sob o nº 142327/15.0YIPRT.P1. 9. Por unanimidade o recurso foi julgado totalmente improcedente e a decisão recorrida confirmada na integra, tendo os Srs. Desembargadores com a sua sabedoria e experiência resumido de forma exemplar o que se passou e que se aplica integralmente ao caso em apreço, que se passa a citar: “Ora, ouvida cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados…, e considerando ainda o teor dos documentos juntos aos autos, …” (Pág. 28): - “Mais disse a testemunha que a relação com a B... era já anterior, mas começaram a surgir problemas – queixas de clientes que foram lesados, duplicação de contratos, e que também por ela foram lesados, pois que “pagaram logo à cabeça” o preço das máquinas de que alegadamente a fornecedora seria proprietária, etc. – razão pela qual fizeram cessar a parceria que tinham”. (Pág. 29 – 1º parágrafo – negrito e sublinhado nosso – DEPOENTE FUNCIONÁRIA DA A.). - “Mais declarou que a B... foi concessionária do F... até final de Outubro 2014, altura em que detetaram práticas que ferem o código de ética com a F.... Esclareceu que recebeu uma reclamação da ré e que se inseriu nessas práticas contrárias ao código da B... e que segundo veio a apurar sugeriu à ré a troca de locador, assegurando que terminaria o contrato com a E..., o que nunca sucedeu e, …”. (Pág. 31 – 2º e 3º parágrafo – negrito e sublinhado nosso – DEPOENTE FUNCIONÁRIA DA F...). - “Começou por explicar que a B... era uma concessionária da rede F..., durante vários anos. Disse ainda que já não trabalham com tal empresa, por terem sido detetados problemas com clientes, dizendo ainda existirem outros casos com o dos autos.” (Pág. 31 – último parágrafo negrito e sublinhado nosso – DEPOENTE FUNCIONÁRIA DA E...). - “Finalmente sempre se dirá que é nossa segura convicção que a B..., intencionalmente, e pelo que acima se deixou consignado ludibriou diretamente, a autora e a ré, dando origem todo este litigio, que aliás ao que se veio a apurar não foi o único, sendo certo que tempos por seguro, face à prova produzida nos autos que se a ré soubesse que o contrato que havia celebrado a 13.07.2012 com E... se manteria em vigor não teria celebrado o contrato com a autora datado de 24.09.2013 e em causa nestes autos.” (Pág. 33 – último parágrafo – negrito e sublinhado nosso). - “Todavia, não podemos olvidar que a autora, depois de conhecedora de toda a situação acima provada nos autos insistiu em demandar a ré para haver dela o pagamento de rendas e de outras despesas contratuais a que sabia ou não podia desconhecer que não tinha direito, não a desresponsabilizando o facto de ter sido ela própria ludibriada pela B..., pois não lhe é legitimo tentar passar os prejuízos desse facto para a ré, o que “in casu” ronda o exercício do direito de ação em manifesto abuso de direito.” (Pág. 41 – 1º parágrafo – negrito e sublinhado nosso). 10. Efetivamente, foi o que se passou, estamos perante um caso de polícia, perante um crime, em que a A. e os Recorridos, foram vítimas e, nas palavras do Tribunal da Relação do Porto, a A. tenta passar os prejuízos primeiro para a Empresa e agora para os Gerentes da mesma. 11. Não obstante toda a fundamentação das decisões judiciais da 1ª e 2ª Instância dar como provado que a D... e consequentemente os seus legais representantes, os ora Recorridos, pois são estes cuja assinatura obriga a sociedade e é através deles que a vontade da sociedade se manifesta, foram, tal como a A., ludibriados pela B... e que nunca teriam assinado o contrato de locação com a A. caso soubessem das reais intenções da B.... 12. Vem agora a A., alegar na P.I. que “9.º … foram todos os aqui Réus quem dominaram todas as circunstância e condições e que o contrato de locação foi assinado, tendo usado (de forma ilegítima e abusiva) desse domínio para defraudar a Autora causando-lhe um grave prejuízo.” “16.º Sendo por demais evidente que se está perante uma atitude concertada dos aqui Réus na medida em que foi uma atitude conjunta de todos (…) a causa efeito do dano/prejuízo que aqui se reclama, …”. 13. Enquadrando a causa de pedir contra os gerentes da D..., os Recorridos, no instituto da Responsabilidade Extracontratual Por Factos Ilícitos (art. 483º a 498º do Código Civil), porquanto, no seu entender, estes numa “atitude concertada” com os gerentes da B..., os 1º e 2º Réus, defraudaram a A., causando-lhe danos. 14. É manifesto que, na hipótese de decisão favorável à A., o que não se concede e apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio e cautela de patrocínio, teria de se considerar que os Recorridos agiram com dolo ou mera culpa, violando o direito da A., o que estaria em manifesta contradição com as decisões judiciais da 1ª e 2ª Instância que consideraram que a B... ludibriou a A. e os Recorridos (enquanto gerentes da D...) e que estes nunca teriam assinado o contrato se soubessem das reais da B.... 15. Conforme se refere e bem na sentença recorrida, uma sociedade comercial, por corresponder a uma construção humana abstrata, não tem vontade e capacidade de ação própria, estando dependente de concretas pessoas que, por si e em seu nome, no caso os Recorridos na qualidade de gerentes da D..., tomam as decisões necessárias para que estas atinjam o seu escopo. 16. Sendo a vontade da D... uma mera manifestação da vontade dos gerentes assume particular relevância a intenção, vontade e conhecimento dos Recorridos, já que foram os mesmos quem, em nome da sociedade, assinaram o contrato de locação com a A. 17. Vontade essa que, conforme abundantemente explicado no Ação de Processo Comum nº 142327/15.0YPRT e no subsequente acórdão Tribunal da Relação do Porto, 2ª Secção, com o nº 142327/15.0YIPRT.P1, sofreu diversas vicissitudes, tendo-se concluídos que os Recorridos foram ludibriados e que se soubessem que o contrato que anterior se manteria em vigor não teria celebrado o contrato locação com a A. 18. Se dúvidas houvesse quanto à falta de fundamento do presente recurso, é a própria A. quem reconhece os factos supra descritos ao afirmar que “…, nunca foi pretensão da Autora colocar em causa nos presente autos a circunstância da sociedade D... ter sido, como aconteceu com a Autora ludibriada, pela sociedade B....” (Pág. 5, último parágrafo, segunda parte, do presente Recurso). 19. Confessando a Autora que a D... foi ludibriada e sendo do senso comum que as pessoas coletivas, não têm naturalisticamente vontade própria, necessitando obrigatoriamente de pessoas, no caso os ora Recorridos como Gerentes, que formem e exteriorizem a sua vontade. 20. É lógico concluir, como já nos ensinava Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) através da teoria do silogismo que: Se a vontade da sociedade por quotas é expressa pelos seus gerentes; Se a vontade da sociedade foi ludibriada/viciada; Logo, a vontade dos seus gerentes foi ludibriada/viciada. 21. O meritíssimo Juiz a quo fez correta aplicação dos factos ao direito ao julgar procedente a exceção dilatória da autoridade do caso julgado, absolvendo integralmente os Recorridos do pedido, porquanto uma decisão favorável à A., nos presentes autos teria de considerar que os Recorridos agiram com dolo ou mera culpa, violando o direito da A., o que estaria em manifesta contradição com as decisões judiciais da 1ª e 2ª Instância que consideraram que a B... ludibriou a A. e os Recorridos e que estes nunca teriam assinado o contrato se soubessem das reais intenções da B.... 22. Tal situação seria feriria de morte a coerência e a dignidade das decisões judiciais, que se visa garantir através da figura da autoridade do caso julgado, evitando-se a prolação de decisões posteriores que sejam juridicamente incompatíveis com a primeira. 23. Verifica-se assim, a existência de caso julgado na sua na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, em relação aos Recorridos, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 24. Embora a A. tente novamente fazer passar a ideia da existência de uma conspiração entre os Recorridos e os restantes Réus para a defraudar, nomeadamente no que à assinatura do contrato e respetivo termo de aceitação respeita, a verdade é muito simples de explicar, conforme aliás, novamente consta da Sentença e Acórdão, proferidos no processo 142327/15.0YPRT. 25. Desde 2009 que a D... mantinha relações comerciais com os restantes Réus na qualidade de sócios e gerentes das sociedades F..., G..., LDA. e B..., LDA. (Cf. Doc. 11 e 12 juntos com a contestação). 26. A 31 de Julho de 2012, a D..., com intermediação da G..., LDA., celebrou Contrato de Prestação de Serviço de Cópia e Impressão com a locadora financeira E... SA. (E...). (Cf. Doc. 13 junto com a contestação). 27. Através do qual a E... alugou à D..., mediante o pagamento de uma renda mensal, uma série de impressoras. 28. A D..., por via do Departamento de Compras, foi contactada pela B..., LDA., no sentido de melhorar as condições comerciais e financeiras do suprarreferido contrato celebrado com a E.... 29. Bastando para o efeito, MANTENDO-SE EXATAMENTE OS MESMOS EQUIPAMENTOS EM UTILIZAÇÃO, transferir o contrato de locação de financeira da E... para a A. 30. Alegadamente, em face da desvalorização dos equipamentos e da política comercial agressiva praticada pela A., a D... beneficiaria, sem qualquer custo adicional ou de cancelamento do contrato existente, de uma redução de € 360,00 no valor das rendas mensais (€ 1.660,00 para € 1.300,00), bem como da garantia da inexistência de quaisquer aumentos de renda ao longo do contrato (Cf. Doc. 17 junto com a contestação). 31. Mais informou a B..., LDA., que trataria de todos os procedimentos legais e administrativos, nomeadamente do cancelamento de contrato com a E.... 32. Dada a confiança decorrente do histórico de 4 anos de boas relações comerciais com os sócios e gerentes da B..., LDA., a D..., através dos sues Gerentes ora Recorridos, decidiu aceitar a proposta por estes formulada. 33. A 4 de Setembro de 2013, a B..., LDA. enviou à D... os documentos a assinar relativos à transferência do contrato para a A., informado nessa mesma data que o contrato com a E... tinha ficado sem efeito (Cf. Doc. 15 junto com a contestação). 34. Entre esses documentos, foi enviado um documento, através do qual a D... passou para a B..., LDA., com efeitos a 31.07.2015, todas as responsabilidades relativas ao contrato assinado com a E..., declarando a B..., LDA., aceitar a responsabilidade pelo contrato de aluguer Cf.Doc. 16 junto com a contestação). 35. Foi na convicção dos pressupostos acima elencados que, a D... a 24 de Setembro de 2013, através dos sues Gerentes ora Recorridos, assinou o Contrato de Locação nº ..., com a A. 36. Convicção essa para qual a A. contribuiu, ao colocar no Contrato de Locação como “Bem objeto de locação – “C...” (Cf. Doc. 3 junto) com a P.I. 37. Pois a D..., fruto do anterior contrato de locação com a E..., já tinha na sua posse uma série de equipamentos da Marca ..., pelo que, acreditando nas promessas feitas pela B..., LDA., de que se manteriam os equipamentos já em utilização, a designação “C...” correspondia ao prometido. 38. Obviamente que se do contrato de locação ou através de anexo constasse, como é aliás prática geral, a descrição efetiva dos bem objeto de locação (Marca, Modelo, Nº de série) a D... imediatamente se teria apercebido do erro e nunca assinaria o mesmo sem que o bem estivesse corrigido. 39. Porém, o contrato é omisso quanto à identificação concreta dos equipamentos, não existindo qualquer termo de entrega, sendo apenas feita menção a “uma C...”. 40. De igual forma a fatura que suporta a “suposta” aquisição dos equipamentos pela Recorrente não discrimina qualquer equipamento ou o seu valor, limitando-se a mencionar “C...”. 41. A existir algum comportamento a censurar na formação do contrato este será o da A., pois uma empresa multinacional, presente em 33 países, com 1900 colaboradores a nível mundial, com cerca de 2.4 bilhões de euros em novo negócio no ano de 2021, que arroga ser especialista global em soluções operacionais e financeiras (https://www.A....pt/), não deveria aceitar que um parceiro, no caso a B..., LDA., lhe apresente um pedido de contrato tendo como Objeto de renting: C... (Doc. 1 a 3) e aceitar uma fatura com o descritivo C... (Doc. 1 P.I.). 42. Pelo que, não tendo os Recorridos colocado em causa a assinatura do contrato locação, face à existência de autoridade de caso julgado no sentido de absolver os Recorridos, bem como face à própria confissão da A. na Pág. 5, último parágrafo, segunda parte, do seu Recurso, considerando que a vontade da D..., manifestada através dos Recorridos foi ludibriada, verifica-se que bem andou meritíssimo Juiz a quo quanto à matéria de facto provada e não provada. 43. Se dúvidas houvesse, que não há, no presente recurso, perdoe-se a repetição, a A. expressamente admite saber que a vontade da D..., manifestada através dos Recorridos foi ludibriada (Pág. 5, último parágrafo, segunda parte, do Recurso). 44. Acresce que, a funcionária da A. FF demostra esse prévio conhecimento ao depor que “Mais disse a testemunha que a relação com a B... era já anterior, mas começaram a surgir problemas – queixas de clientes que foram lesados, duplicação de contratos, e que também por ela foram lesados, pois que “pagaram logo à cabeça” o preço das máquinas de que alegadamente a fornecedora seria proprietária, etc. – razão pela qual fizeram cessar a parceria que tinham”. (Acórdão TRP Pág. 29 – 1º parágrafo – negrito e sublinhado nosso). 45. Cumpre ainda salientar as palavras do Tribunal da Relação do Porto “Todavia, não podemos olvidar que a autora, depois de conhecedora de toda a situação acima provada nos autos insistiu em demandar a ré para haver dela o pagamento de rendas e de outras despesas contratuais a que sabia ou não podia desconhecer que não tinha direito, não a desresponsabilizando o facto de ter sido ela própria ludibriada pela B..., pois não lhe é legitimo tentar passar os prejuízos desse facto para a ré, o que “in casu” ronda o exercício do direito de ação em manifesto abuso de direito.” (Acórdão TRP Pág. 41 – 1º parágrafo – negrito e sublinhado nosso). 46. Finalmente referir que, que foram efetuadas diversas queixas-crime contra a sociedade B..., LDA. decorrentes de situações em tudo idênticas à descrita na ação e acórdão acima mencionados, tendo a A. intervindo nesses processos tendo assim conhecimento das condutas imputadas, conforme facilmente se poderá apurar através de uma consulta à base de dados do DIAP/Ministério Público. 47. Ora, nos termos do disposto no artigo 542º do CPC, litiga de má-fé quem com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos, sendo o litigante de má-fé condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir, podendo tal indemnização consistir no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários e técnicos ou no reembolso dessas mesmas despesas e ainda na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé (artigo 543º do CPC). 48. Ora, do supra exposto resulta inequívoco que a A litiga nos autos com clara e manifesta má-fé, não só porque deduz pretensão cuja falta de fundamento legal não pode ignorar, como também por alterar de forma consciente a verdade dos factos. 49. Pelo que, uma vez mais, bem andou o meritíssimo Juiz a quo ao condenar a A. como litigante de má-fé. 50. Conclui-se assim que, a sentença recorrida não merece reparo, resultado da livre apreciação e valorização da prova, segundo critério práticos, realistas e lógicos decorrentes da prova documental e testemunhal produzida. 51. Pelo que o Juiz a quo fez o julgamento em estrito cumprimento do disposto no art. 607º do CPC, não merecendo a decisão qualquer reparo. 52. De igual forma a decisão recorrida aplica de forma correta o direito aos factos provados, pelo que também por essa via não merece reparo.” O recurso foi admitido como APELAÇÃO, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II-OBJETO DO RECURSO: Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes: -questão relativa à autoridade de caso julgado em que se baseou a sentença, para absolver os RR do pedido. -modificabilidade da decisão de facto; -litigância de má-fé. III-FUNDAMENTAÇÃO: Com relevo para a decisão, e no que aos Réus CC e DD diz respeito, na sentença foi julgada provada a seguinte matéria de facto: 1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens com o propósito de os alugar e aluguer dos mesmos, (cfr. certidão permanente com o código de acesso ...). 2. Assim, no âmbito do objeto do seu negócio, a Autora adquiriu e pagou à empresa B... o bem identificado por “C...”, composto por treze equipamentos, pelo valor de € 49.853,46. 3. A aquisição do bem acima descrito teve como único propósito a sua locação no âmbito do contrato com o n.º ..., celebrado com a sociedade D..., Lda., com início em 24/09/2013. 4. Na realidade, tal contrato pressupunha a manutenção, pela D..., dos mesmos bens (impressoras e fotocopiadoras) que já detinha, apenas sendo os mesmos transferidos da anterior locadora – E... – para a Autora. 5. Tal transferência foi proposta à sociedade D..., Lda. pela B..., tendo sido aceite por aquela, porquanto permitia o pagamento de uma renda mensal mais vantajosa, comprometendo-se a B... perante a D..., Lda. a efetuar tal transferência dos bens da E... para a Autora. 6. Consequentemente, com base em tais pressupostos e a pedido da sociedade B..., os sócios da D..., Lda., aqui Réus CC e DD, apuseram a sua assinatura ao contrato de locação, no qual é declarada a receção dos aludidos bens. 7. A Autora não esteve presente aquando da entrega dos bens objeto de locação, assentando o seu modelo de negócio na entrega de tal bem ser assegurada pela fornecedora do mesmo. 8. Por via disso, com a receção do contrato de locação assinado a Autora ficou convicta que os pressupostos para o pagamento à empresa B... estavam preenchidos – os bens haviam sido entregues à locatária e o contrato subscrito dentro dos trâmites legais. 9. Aprovada a proposta de locação e recebida a documentação do Contrato de Locação, a Autora pagou à B... o valor da fatura correspondente à compra do bem objeto do contrato. 10. O contrato de locação n.º ... iniciou-se a 24/09/2013, tendo a empresa locatária D..., Lda. procedido ao pagamento das rendas mensais devidas, o que fez até Dezembro de 2014. 11. Após o incumprimento do pagamento das rendas pela D... Lda., e no âmbito da acção judicial contra a aludida sociedade tendo em vista tal pagamento – processo 142327/15.0YIPRT – veio esta a ser absolvida por se ter concluído que os bens constantes do contrato de locação não lhe foram entregues, tendo sido o contrato de locação sido declarado nulo, não obstante a aqui Autora ter adquirido e pago à B... o valor de € 49.853,46. 12. Na realidade, os bens que compunham a aludida “C...” não pertenciam, nem nunca pertenceram, à Ré B.... 13. A sociedade D..., Lda., bem como os Réus CC e DD, não tinham conhecimento, à data da celebração do contrato de locação com a Autora, de quais os concretos bens que compunham a aludida “C...”. 14. Caso tivessem conhecimento dos bens, não teriam celebrado o contrato. 15. A Autora apenas procedeu à aquisição e pagamento dos aludidos bens porque estava convencida de que havia sido firmado um contrato válido de locação e de que os mesmos haviam sido entregues à sociedade identificada no mesmo como locatária. 16. A Autora não recebeu as rendas acordadas a partir de Dezembro de 2014 até Setembro de 2016 (fim do contrato de locação), tendo inclusivamente sido condenada a restituir o valor das rendas pagas (de Outubro de 2013 a Dezembro de 2014), em virtude da declaração de nulidade do contrato de locação, nem recuperou os equipamentos que adquiriu (que nunca existiram na esfera da B... e que, por isso, nunca lhe foi entregue/devolvido), pelo que sofreu um prejuízo patrimonial que ascende à quantia total de € 49.853,46. 17. A empresa B... foi declarada insolvente por sentença proferida a 13/07/2015. 18. A Autora, aquando da propositura da presente acção, sabia que a D... Lda., bem como os seus legais representantes (os aqui Réus CC e DD) não tinham conhecimento que a sociedade B... não era proprietária dos bens que vendera à Autora. 19. Mais sabia a Autora que a própria sociedade D..., Lda., na pessoa dos seus legais representantes, tinha sido igualmente ludibriada pela sociedade B.... 20. Igualmente sabia a Autora que, caso a D..., Lda., na pessoa dos seus legais representantes, tivesse conhecimento dos contornos do negócio elaborado pela B..., nunca teria celebrado o contrato de locação com a Autora. E foram julgados não provados os seguintes factos: 1. Que os Réus CC e DD soubessem que não tinham recebido os bens objeto do contrato de locação e que com a declaração (falsa) em como tal tinha acontecido, criariam essa falsa convicção à Autora, que assim os iria adquirir, pagando o respetivo preço sendo que, igualmente, declararam saber que esses mesmos bens no final do contrato teriam de ser entregues à Autora, bem sabendo que nenhum bem seria entregue, por inexistente. 2. Que os Réus CC e DD tenham agido com a específica intenção de causar prejuízo à Autora. IV-APLICAÇÃO DO DIREITO Discorda em primeira linha a Apelante com a sentença recorrida, por entender que não se verifica in caso a autoridade do caso julgado, extraída do processo 142327/15.0YIPRT, conforme foi entendido em sede de questão prévia. Diz a Apelante que não há, no caso concreto, funcionamento do instituto jurídico da autoridade de caso julgado pela tripla circunstância de: a) as partes serem distintas e estar em causa uma declaração dos aqui Réus que não foram partes na ação inicial; b) O facto de partes da nova ação serem representantes da parte na 1ª ação não leva a que a autoridade de caso julgado os abranja: os mesmos são terceiros do ponto de vista da sua qualidade jurídica face ao decidido na 1ª ação (cfr. artigo 581º nº 2 parte final do Código de processo Civil); c) O facto de a matéria de facto considerada provada numa ação não poder ter, por si só, força de caso julgado fora da mesma, tal como se decide no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2005. Alega que, mesmo que se admitisse que a autoridade do caso julgado na ação intentada contra a sociedade abrangesse os aqui Apelados (gerentes dessa sociedade) tal não significaria que os factos aí provados fossem desfavoráveis à Autora no que respeita à matéria de facto alegada nestes autos e que integram a causa de pedir. Pelo que, não se verifica na presente situação nem a exceção de caso julgado (que pressupõe identidade de partes, causa de pedir e pedido), nem se verifica a identidade de caso julgado. Nem as partes são as mesmas, nem tão pouco o decidido na 1ª ação constitui pressuposto ou condição da definição da situação jurídica da 2ª ação, já que a falsa declaração de recebimento dos bens não foi questão discutida na 1ª ação nem constitui qualquer um dos seus fundamentos. Acresce que, fundamentando-se na decisão do processo n.º 142327/15.0YIPRT, o Tribunal a quo considerou provada a matéria de facto constante de pontos 1 a 20 (reproduzidos nas alegações). Ora, a matéria de facto dada como provada num determinado processo não pode, sem mais, ser transposta para a decisão sobre a matéria de facto do processo novo, já que os mesmos não são abrangidos pela autoridade de caso julgado. Já os Apelados entendem que ocorre autoridade do caso julgado, tendo-se em consideração que da matéria de facto provada na identificada ação resulta que estamos perante a prática de um ilícito criminal pela sociedade vendedora dos bens, do qual foram vítimas a Autora aqui Apelante, mas também a sociedade gerida pelos Réus ora apelados, sendo que a Autora o que pretende é tentar passar os prejuízos primeiro para a Empresa e agora para os Gerentes da mesma. Resulta das decisões judiciais da 1ª e 2ª Instância, foram, tal como a A., ludibriados pela B... e que nunca teriam assinado o contrato de locação com a A. caso soubessem das reais intenções da B.... Vejamos. O tribunal recorrido, após apreciar a questão suscitada na contestação da autoridade do caso julgado com referência ao proc.º 142327/15.0YIPRT, decidiu o seguinte: “Pelos motivos que acima se aludiram, tais factos dados como provados na aludida sentença, por força da autoridade do caso julgado, igualmente devem ser considerados demonstrados nestes autos.” E com base em tal pressuposto, apreciou do mérito da ação, concluindo que, com base no ponto 37 da matéria de facto provada constante da sentença proferida no proc.º 142327/15.0YIPRT no sentido que, caso a aí Ré D..., Lda., representada pelos aqui Réus CC e DD, soubesse da real natureza do contrato que celebrava, nunca o teria efetuado, que nesse processo foi excluída a existência de dolo por parte da aludida sociedade (e dos seus gerentes, reflexamente, conforme acima se expôs) e que, nos demais pontos dados como provados, foi igualmente afastada a negligência da sociedade, gerida pelos apelados. Conclui assim que “pelo menos, parte dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na qual a Autora assenta o pedido nos presentes autos, foram já objeto de discussão, apreciação e decisão no proc. n.º 142327/15.0YIPRT.” Dessa forma e com base na autoridade do caso julgado, que julgou verificar-se, deu como provados nesta ação os factos dados como provados na aludida sentença e com base na factualidade julgada provada na identificada ação, reproduzidos nesta, apreciou do mérito da causa, absolvendo os aqui Réus dos pedidos contra eles formulados. A questão que se coloca neste recurso consiste assim em saber se, da decisão proferida no processo n.º 142327/15.0IYPRT decorrem efeitos de caso julgado, mormente a título da designada “autoridade do caso julgado”, que obstem ao pedido formulado pela Autora nesta ação, tal como foi decidido na sentença sob recurso. Importará para o efeito, antes do mais, debruçarmo-nos sobre o conceito de caso julgado. Nos termos do artº 619º, nº 1 do C.P.C. “Transitada em julgado a sentença, ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a matéria de facto controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 480 e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.” Por sua vez, dispõe o artº 621º do mesmo diploma que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).” As decisões judiciais, em especial as sentenças, conduzem à pacificação das relações jurídicas controvertidas, contribuindo para a indispensável segurança jurídica e social (cf. art.º 619.º, n.º 1 e 621.º, ambos do CP Civil). Por inerência, razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais impõem que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta, quer por via da exceção do caso julgado, quer por via da exceção da autoridade de caso julgado ou efeito positivo externo do caso julgado. Para o Professor Manuel de Andrade,[1] o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos: – o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”; – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”. E esclarecedoramente aduz: “O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao ato de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.” O efeito negativo do caso julgado implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º do CPC) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º do CPC) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão”[2] Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso. Os aludidos preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (artº 628º do C.P.C.) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial. Porém, é habitual na jurisprudência, assim como na doutrina, proceder-se á distinção no caso julgado entre a sua “vertente negativa” e a “vertente positiva”, defendendo-se que na expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a “exceção de caso julgado” e a “autoridade de caso julgado”.[3] A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 580º do C.P.C.), como vimos.. A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Pode, com efeito, ler-se no citado acórdão do STJ de 08.01.2019 o seguinte: “A jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.” E que “em geral, admitem a projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial.” Explica o Prof. Lebre de Freitas [4] que “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”. No mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa [5], “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”. Relativamente á situação em apreço, não há dúvida que o caso julgado, enquanto exceção dilatória se encontra afastado, visto que o mesmo pressupõe a tríplice identidade, (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), conforme decorre do art. 581º do CPC, o que manifestamente se não verifica no confronto desta ação com a ação que a aqui Autora moveu contra a sociedade D..., LDA e que deu origem ao P. nº 142327/15.0IYPRT em que pedia a resolução do contrato de locação com aquela celebrado, com fundamento em incumprimento definitivo do contrato, pedindo ainda a restituição dos bens locados, processo em que, desde logo os aqui Réus não foram parte[6], inexistindo identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, daí que apenas possa ter lugar a vertente positiva do Caso Julgado, vulgo a “autoridade do caso julgado”, com o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. Pressupondo que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida (nesse sentido), a autoridade de caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 581º do C.P.C.[7] Constitui entendimento dominante da jurisprudência que a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – ver por todos os acórdãos do STJ de 12.07.2011 e de 21.3.2013[8]. Conforme se pode ler no Ac do STJ de 30.3.2017, já citado, “A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.” Como diz Miguel Teixeira de Sousa [9], “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.” Isto posto, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 581° do CPC, Como explicava o Professor Alberto dos Reis [10] “É em função do teor da decisão que se mede a extensão objetiva do caso julgado”, consequentemente, a autoridade deste. Ora, desde logo, constitui orientação doutrinária e jurisprudencial prevalecente que o caso julgado incide sobre a decisão e não abrange os fundamentos de facto, por si mesmos. Antunes Varela[11] afirma que “os factos considerados provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[12], “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado», porquanto «esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respetiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta”. Também Remédio Marques,[13] afirma que o caso julgado “não se estende, em princípio, aos fundamentos de facto da sentença final”. Na jurisprudência, pode ler-se no Acórdão do STJ, de 02.03.2010[14], que “a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se, sobretudo, a nível da decisão, da sentença propriamente dita e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela», pelo que «os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente”. Se isto é assim, quanto aos efeitos da exceção dilatória do caso julgado, em que existe identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, quando estamos perante a figura da autoridade do caso julgado, em que pode não existir tal identidade, tal como não existe no caso em apreço, por maioria de razão, não se pode defender que a “autoridade” do caso julgado possa ser estendida aos fundamentos de facto autonomizados duma decisão transitada em julgada. Assim sendo, porque a sentença recorrida se limitou a transpor a factualidade provada no processo 142327715.0YIPRT, como se estivessem coberta pela força do caso julgado e, por isso, sem o exame crítico a que alude o art. 607º, nºs 4 e 5 do CPC, tal não se mostra admissível. Mas não deixa de colocar-se a questão dos efeitos da autoridade do caso julgado na decisão em apreciação, uma vez que em sede de questão prévia, na sentença o tribunal recorrido julgou a mesma verificada. Desta forma, a nossa atenção deverá recair agora sobre a questão de saber se a autoridade do caso julgado decorrente da sentença proferida no processo 142327715.0YIPRT pela Instância Central da Póvoa de Varzim - 2ª Secção Cível - J6, confirmada por acórdão desta Relação datado de 28.11.2017[15], já transitada em julgado, e que decretou a nulidade do contrato de locação celebrado entre a ora a Autora e a sociedade comercial D..., de que aqui os Réus são gerentes, impede ou não a Autora de discutir nesta ação a responsabilidade daqueles nos prejuízos causados. Na decisão transitada em julgado proferida no identificado processo foi declarado nulo o contrato (de locação) celebrado entre a Autora (A...) e a Ré (D..., LDA) e, consequentemente condenou-se a Ré a restituir à Autora a quantia €24.564,58, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, á taxa legal de 4%. O fundamento desta nulidade, por impossibilidade originária da prestação (art. 401º nº 1 do C.Civil), que determinou a condenação da Autora a restituir as rendas que havia recebido da Ré, teve origem na nulidade do contrato pelo qual a aqui autora adquiriu à empresa «B...» as 13 máquinas que pretendia locar à ré – e que configura uma autêntica compra e venda – que foi qualificada como uma venda de bens alheios. Com efeito, conforme resultou provado, das referidas treze máquinas que a autora adquiriu à mencionada empresa, pelo menos 12 pertenciam à E..., SA, incluindo duas daquelas que faziam parte do contrato que originariamente a ré celebrou com esta sociedade. Quer isto dizer que a «B..., Ldª» vendeu à aqui autora um conjunto de bens que não lhe pertenciam, inquinando assim o referido negócio de compra e venda com o vício da nulidade. O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão. Importa pois saber se a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão, que não coincide com o objeto da segunda, constitui ou não pressuposto ou condição da relação ou da situação jurídica que nesta é necessário regular ou definir. Caso tal aconteça, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão. Vejamos agora o que se discute nesta ação, para perceber se existe alguma relação de conexão ou de prejudicialidade na decisão transitada. Como é sabido, a causa de pedir traduz o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um ato ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir - o acto ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar, identificando-se com os concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, ou seja, a causa de pedir traduz-se nos acontecimentos da vida em que o A. apoia a sua pretensão.[16] Atenta a causa de pedir nesta ação, a Autora pretende demonstrar que os Réus, pessoas singulares ao declarem (na qualidade de gerentes da sociedade D...) no contrato de locação que foi julgado nulo, terem recebido os bens objeto dos mesmos, criaram na Autora a convicção que os bens haviam sido efetivamente entregues pela vendedora à locatária, o que motivou o pagamento do preço dos bens à empresa B.... Como na ação 142327/15.0YIPRT se provou que os bens não lhe foram entregues, tendo o contrato de locação sido declarado nulo, por se entender ter ocorrido uma venda de bens alheios, a Autora sofreu um prejuízo no valor de € 49.853,46 correspondente ao preço que pagou pelos bens que deu em locação àquela sociedade. Entende a Autora que, foram todos os Réus (pessoas singulares) demandados nesta ação, onde se incluem os ora Apelados, quem, numa atitude concertada, convenceram a Autora que tinham entregue á D... LDA, o equipamento objeto do contrato de locação, tendo dominado todas as circunstâncias e condições em que o contrato de locação foi assinado e usado (de forma ilegítima e abusiva) desse domínio para defraudar a Autora causando-lhe um prejuízo, de que pretende ser ressarcida. Relativamente aos Réus CC e DD alega que aqueles confirmaram perante a Autora que tinham recebido o aludido equipamento, mediante a assinatura da confirmação de aceitação/auto de receção, requisito essencial para pagamento do equipamento pela Autora) a causa-efeito do dano/prejuízo causado à Autora, devendo por isso serem os aqui Réus solidariamente responsáveis e devedores à Autora da quantia de € 49.853,46 (valor da fatura de compra e venda dos equipamentos). Trata-se assim de uma ação baseada na responsabilidade civil dos gerentes. Com efeito, a sociedade D... LDA, que contratou com a Autora é uma sociedade por quotas, cabendo, por isso, as funções de administração e representação, embora distintas, à gerência (artigo 252º CSC). Nessa medida, a sociedade é representada por um ou mais gerentes, devendo ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena, nada impedindo que a escolha recaia sobre estranhos à sociedade (vide artigo 252º, n.º 1 CSC). “As atribuições do órgão de administração assumem, como é óbvio, papel fundamental para a vida social: é a este órgão que cabe, verdadeiramente, a condução dos negócios sociais, a prática corrente dos atos destinados a dinamizar e prosseguir o escopo da sociedade. São várias as disposições legais que impõem determinados comportamentos aos gerentes, designadamente o artigo 64º CSC, de acordo com o qual «os gerentes (…) de uma sociedade devem atuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores». Em consonância com este dever de diligência dos gerentes, bem como dos deveres resultantes para eles dos artigos 6º, n.º 4, 254º, 398º e 428º, entre outros, que eles estão sujeitos a responsabilidade civil (artigo 71º a 73º, 78º e 79º) e criminal (artigo 509º e seguintes) pelos atos que pratiquem ou omissões em que incorram no exercício das suas funções e que infrinjam tais deveres. Com efeito, no exercício das suas funções, os administradores, por acção ou omissão, com preterição dos deveres legais ou contratuais, podem causar danos, quer à sociedade, quer aos sócios, quer a terceiros. A responsabilidade dos gerentes funda-se sempre na culpa – é subjetiva – ainda que a culpa se presuma (artigo 72º, n.º 1 do CSC). Uma vez verificados os pressupostos da responsabilidade civil – facto ilícito, culpabilidade, prejuízos, nexo de causalidade – o gerente é civilmente responsável.[17] A responsabilidade dos gerentes no plano societário é tríplice: a) – Responsabilidade para com a sociedade; b) – Responsabilidade para com os sócios e terceiros; c) – Responsabilidade para com os credores sociais, em particular. In casu, estamos perante uma alegada responsabilidade dos réus, enquanto gerentes, para com um credor da sociedade. Segundo a Autora aqueles gerentes, CC e DD ao confirmarem perante a Autora que tinham recebido o aludido equipamento, mediante a assinatura da confirmação de aceitação/auto de receção, levaram a que a autora pagasse o respetivo preço dos bens, pois que se tratava de um requisito essencial para pagamento do equipamento pela Autora, que ia ser locado àquela sociedade de que aqueles eram gerentes. Haverá agora que atentar agora se no processo 142327/15.0YIPRT, onde foi proferida decisão transitada em julgado, esta questão foi de alguma forma tratada e decida de molde a que a decisão subsequente a proferir nestes autos possa ofender a autoridade do caso julgado. A questão a responder é a de saber se os fundamentos de tal decisão devem ser considerados para efeito de aferição da contradição ou repetição de julgados. Na sentença sob recurso entendeu-se que sim, por entender que ficou desmontado nessa ação que a sociedade ré (da qual os Réus são gerentes) sempre agiu de boa-fé quer perante a vendedora B..., quer perante a autora, quer ainda perante a inicial financeira, a E..., a verdadeira proprietária dos bens vendidos. Efetivamente, pode ler-se no acórdão desta Relação, que confirmou a sentença proferida no identificado processo o seguinte, quando aprecia a conduta da Ré, em sede de apreciação a exceção do abuso de direito, que não foi acolhida, o seguinte: “Está em causa nos autos o exercício formal da ré defender os seus legítimos interesses perante uma situação deveras complexa e danosa a que foi absolutamente alheia, criada e gerida pela B..., sendo ainda manifesto que a ré sempre agiu de boa-fé quer perante esta B..., quer perante a autora, quer ainda perante a inicial financeira, a E.... Ora a ré, depois de inteirada de todos os contornos da situação, por via de várias diligências que levou a cabo, para o efeito, ao vir acionar o direito de pedir a nulidade do contrato que havia celebrado com a autora, por impossibilidade originária da prestação, não entrou em contradição com qualquer seu comportamento anterior, nem havia criado na autora a confiança e a fundada expetativa que a posição jurídica contraria não viria a ser atuada”. A verdade, porém, é que se na decisão transitada em julgado, de alguma forma, considerando a factualidade aí provada deixa antever que a sociedade de que os Réus são gerentes terá sido, tal qual a autora, “ludibriada” pela sociedade vendedora das máquinas, na decisão proferida, não foi incluída a discussão sobre boa-fé da Ré, tão-pouco da eventual existência de uma ação concertada entre os sócios gerentes da sociedade vendedora, B..., que “vendeu” á ora Autora bens pertencentes á sociedade à sociedade E... e os sócios gerentes da Locatária D..., aqui Réus, factualidade aí não discutida e que a Autora pretende demonstrar nesta ação. Falta assim a nosso ver, uma relação de prejudicialidade ou uma relação de concurso material entre os objetos processuais das duas causas, que, como se viu, é claramente diverso e nenhuma tangência apresentam, não sendo possível afirmar que a não consideração do decidido no processo142327/15.0YIPRT, onde foi proferida decisão transitada em julgado, possa comportar algum efeito logicamente incompatível face à decisão dos presentes autos. Não se pode afirmar que a precisa quaestio judicata a decidir nesta ação, tenha sido julgada em termos definitivos naquela outra ação, não se podendo igualmente afirmar a nosso ver que a sua apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, com exceção da questão da nulidade do contrato de locação, questão essa sim abrangida pela autoridade do caso julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior. Desta forma, impõe-se a revogação da decisão, devendo os autos prosseguir para julgamento. Fica prejudicado conhecimento das demais questões suscitadas. VI-DECISÃO Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgada procedente o recurso, revogando-se in tottum a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos para julgamento. Custas a atender a final. Porto, 12 de julho de 2023. Alexandra Pelayo Rodrigues Pires Maria da Graça Mira ____________ [1] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg 305-306. [2] Miguel Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, p. 574. [3] Cfr., por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.3.2017 no P 1375/06.3TBSTR.E1.S1, relatado por Tomé Gomes; de 08.01.2019, relatado por Roque Nogueira, disponíveis in www.dgsi.pt. [4] In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., p. 354. [5] In O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss”. [6] Com efeito, a personalidade jurídica das sociedades comerciais não se confunde com a personalidade jurídica dos seus sócios e dos gerentes, atento o disposto no art. 5º do C. S. Comerciais. [7] Entre outros, veros, Acórdãos do STJ de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt. [8] Disponíveis in www.dgsi.pt. (processo 129/07.4.TBPST.S1 e processo 3210/07.6TCLRS.L1.S1, respetivamente). [9] In Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579. [10] Código de Processo Civil anotado, vol. V, pg. 174. [11] In, “Manual de Processo Civil”, pág. 697. [12] In ob citada, pg. 580. [13] In, “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 2007, pág. 447. [14] Proferido no P nº 690/09.9YFLSB e disponível in www.dgsi.pt [15] Cujas cópias foram juntas a estes autos de recurso. [16] Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, p. 369 e 374 e Manuel de Andrade, Noções obra citada, p. 110 e ss. [17] Sobre esta matéria ver Raúl Ventura e Luís Brito Correia, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e Gerentes de Sociedades por Quotas; Menezes Cordeiro, Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais. |