Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3820/21.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
NEXO CAUSAL
FACTOS INSTRUMENTAIS
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
NULIDADES DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP202205233820/21.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 05/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Relativamente a factos instrumentais não há o ónus de impugnação do Réu que, se os não impugnar, meramente faz resultar a sua admissão provisória, podendo tal admissão ser afastada por prova posterior (nos termos da parte final, do nº2, do art. 574º, do CPC, - “a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”). Face a tal regime adjetivo, nunca necessária é para, validamente, afastar a admissão de factos instrumentais a observância do contraditório prévio à prolação da sentença que pretenda afastar tal admissão por nunca decisão surpresa se poder configurar.
II - O despacho saneador que organiza matéria de facto não forma caso julgado sobre julgamento fáctico da causa e nenhuma violação do contraditório se verifica ao ser decidida na sentença a matéria de facto de modo diverso daquela organização, bem conhecendo as partes os factos da causa (contantes dos seus articulados) - o objeto de instrução – a, após exercício do contraditório finda a instrução, passarem pelo crivo do julgador, que, na sentença, decide, livremente, de facto e de direito.
III - As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito. Não determina o vício de nulidade da sentença de oposição entre os fundamentos e a decisão nem o de omissão de pronúncia, vícios formais estes a que aludem, respetivamente, as als. c) e d), do referido nº1 (suscetíveis de conduzir à sua anulação), a falta de recolha de determinado facto para o compósito fáctico dos factos provados ou dos não provados, ou a falta de análise critica das provas, nem o desacerto da subsunção jurídica, apenas podendo tais faltas, omissões e erros configurar erro de julgamento e motivar a alteração da decisão da matéria de facto e a revogação da decisão de mérito.
IV - Relacionando-se o pedido de reapreciação da prova com elementos de características subjetivas, o tribunal de 2.ª instância só deve alterar a decisão da matéria de facto quando se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos, que houve erro na 1.ª instância. Não se verificando este é de manter a decisão da matéria de facto.
V - Verificando-se deficiências na gravação da prova oralmente produzida (declarações e depoimentos) que a tornem impercetível (mesmo que, apenas, em parte), sendo a inquirição essencial para a apreciação do recurso, na parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto, ficando o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pelo apelante, porquanto a mesma tem de ser feita com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou, não pode o recurso deixar de improceder, nessa parte, por nenhum erro na apreciação da prova poder resultar.
VI - Naquela situação, o apelante, que omitiu o dever de se certificar da conformidade da gravação com a prova produzida em audiência, que não arguiu (tempestivamente) a nulidade e que incumpriu, ainda, as completas especificações e demonstrações em que a impugnação da decisão da matéria de facto se funda, não pode, ante tais incumprimentos e omissões, deixar de ver a decisão da matéria de facto, baseada na livre convicção do julgador, fundada na apreciação conjunta e conjugada de toda a prova produzida, mantida.
VII - Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, mantendo-se esta, o conhecimento daquela fica necessariamente prejudicado (nº2, do artigo 608º, ex vi da parte final, do nº2, do art. 663º, e, ainda, do nº6, deste artigo, ambos do CPC).
VIII - Após a extinção do contrato de mediação imobiliária a remuneração continua a ser devida ocorrendo a perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, mas, para tal, impõe-se que o comprador tenha chegado ao negócio através da atividade desenvolvida pelo mediador. Sendo necessária a verificação de nexo causal entre a atividade de mediação e a celebração do contrato visado, nada provando a autora ter feito a justificar o recebimento de comissão pela conclusão do negócio, afastada estando a presunção que pode resultar do facto de ter gozado do regime de exclusividade, nenhum direito à remuneração lhe pode ser reconhecido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº3820/21.9T8PRT.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto - Juiz 5

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: E..., Lda
Recorrida: C..., C.R.L..

E..., Lda propôs ação declarativa de condenação contra C..., C.R.L. pedindo a condenação desta a paga-lhe a quantia de 756.765,42 €, acrescida de juros à taxa legal de 7% desde a citação até efetivo e integral pagamento, referente à remuneração acordada em contrato de mediação imobiliária que com esta celebrou.
A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Julga-se a ação não provada e improcedente, absolvendo-se a ré, C..., C.R.L., do pedido formulado pela autora, E..., Lda.
Custas da ação a cargo da Autora.
Dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando a simplicidade da causa (art. 6.º, n.º 7, do RCP).
Valor da causa: o dado pelas partes”.
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Apresentou a Autora recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que julgue procedente, por provado, o pedido formulado pela Autora, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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A Ré apresentou contra alegações pugnando por que se negue provimento ao recurso e se confirme a decisão recorrida, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
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Ao abrigo do nº1, do art. 617º, do CPC, proferiu o Tribunal a quo despacho a indeferir a arguição da nulidade por a sentença não enfermar de qualquer nulidade pois contém:
- decisão consequente com os fundamentos, não contendo qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível;
- pronúncia sobre todas as questões que o tribunal deva apreciar – não se podendo confundir questões com argumentos aduzidos pela parte, não contendo, por outro lado, pronúncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento.
Refere, ainda, o Tribunal a quo ter respeitado a sentença o disposto na parte final, do nº2, do art. 574º, do CPC.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da violação do contraditório, por afastamento, na sentença, da admissão de factos condensados no despacho saneador.
2. Da nulidade da sentença recorrida, por padecer dos vícios, previstos nas als c) e d), do nº1, do art. 615º, do CPC, oposição entre a fundamentação e a decisão e omissão de pronúncia;
3. Da reapreciação da decisão da matéria de facto:
3.1- Da verificação do erro na apreciação da prova e consequências da deficiente gravação;
4. Da reapreciação da decisão de mérito: do direito à remuneração.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. Outorga dos contratos de mediação
1 A autora, E..., Lda (adiante, Executivo), dedica-se à atividade de mediação imobiliária, integrada na rede R....
2 A autora, por meio do seu angariador AA, contactou a ré, C..., C.R.L. (adiante, C...), no sentido de apurar se esta estava interessada na venda das suas instalações sitas nas ruas de ... e ..., no Porto.
3 A ré manifestou à autora interesse na venda das suas instalações, se a sua promoção tivesse caráter reservado, sem anúncios em prospetos ou na Internet, designadamente, e se fosse encontrado um imóvel alternativo para adquirir, para desenvolvimento da sua atividade.
4 A autora propôs à ré que a Executivo diligenciasse, simultaneamente, pela venda das instalações da C..., nos termos pretendidos, e pela obtenção de novas instalações para que esta prosseguisse a sua atividade, o que foi aceite pela ré.
5 A ré informou a autora de que as suas decisões seriam sempre tomadas colegialmente, com os inerentes constrangimentos.
6 Em 16 de julho de 2019, autora e ré, no âmbito da atividade da primeira, subscreveram três documentos intitulados, respetivamente, Contrato N.º ..., Contrato N.º ... e Contrato N.º ..., juntos aos autos e que aqui se dão por transcritos, todos com o mesmo teor, salvo quanto à identificação do imóvel e ao preço de venda, rezando o primeiro, além do mais:
“Cláusula 1.ª (Identificação do Imóvel)
O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fração autónoma / prédio (rústico/urbano) / estabelecimento comercial, destinado(a) a ___, sendo constituído por _2__ divisões assoalhadas, com área total de _288__ m2, sito na (Rua, Av., Etc.) Rua ..., 177a__ (freguesia) União Freg. ...__, (concelho) _Porto_, descrito na Conservatória do Registo Predial de _Porto_, sob a ficha n.º _57__, com licença de construção/utilização n.º ___, emitida pela Câmara Municipal de ___, em ___/___/___ e inscrito na matriz predial (urbana / rústica) com o artigo n.º _...__ da freguesia de União Freg. ... __ / omisso na matriz, com Certificado Energético n.º ___.
Cláusula 2.ª (Identificação do Negócio)
1 - A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra Trespasse Arrendamento ___, pelo preço de 750.000,00 Euros (SETECENTOS E CINQUENTA MIL EUROS), desenvolvendo, para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.
2 - Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicada de imediato e por escrito à Mediadora.
Cláusula 3.ª (Ónus e Encargos)
O imóvel encontra-se livre de quaisquer ónus ou encargos.
O Segundo Contratante declara que sobre o imóvel descrito no número anterior recaem os seguintes
ónus e encargos (hipotecas e penhoras) ___, pelo valor de ___ Euros.
Cláusula 4.ª (Regime de Contratação)
1 - O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2 - Nos termos da legislação aplicável quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência, ficando o Segundo Contratante obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.
Cláusula 5.ª (Remuneração)
1 - A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável o cliente.
2 - O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração:
A quantia de _6__ % calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, nunca inferior à quantia de ___, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
A quantia de ___ Euros (___), acrescida do I.V.A. à taxa legal em vigor.
3 - O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:
O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa, em caso do valor do sinal ser igual ou superior a 10% do valor total do negócio.
___% após a celebração do contrato-promessa e o remanescente de ___% na celebração da escritura ou conclusão do negócio.
4 - O direito à remuneração não é afastado pelo exercício do direito legal ou contratual de preferência sobre o imóvel.
(…)
Cláusula 8.ª (Prazo de Duração do Contrato)
O presente contrato tem uma validade de _15__ (dias / meses) contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.
(…)
Depois de lido e ratificado, as partes comprometem-se a cumprir este contrato segundo os ditames da boa-fé, e vão assinar.
Feito em duplicado, destinando-se um exemplar a cada uma das partes intervenientes.
Porto_, _16 de _julho_de _2019”.
7 Nos documentos referidos no ponto 6 – factos provados –, são identificados os seguintes imóveis a vender:
a) Prédio urbano sito na rua ..., ..., descrito na conservatória do Registo predial do Porto com o número ....... ..., pelo preço de € 750.000,00;
b) Prédio urbano sito na rua ..., ..., descrito na conservatória do Registo predial do Porto com o número ....... ..., pelo preço de € 10.500.000,00;
c) Prédio urbano sito na rua ..., ..., descrito na conservatória do Registo predial do Porto com o número ....... ..., pelo preço de € 650.000,00.
8 Em 16 de julho de 2019, autora e ré subscreveram o documento junto a fls. 4, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
ADENDA AO CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA Nº __86__ / __19__ Relativamente ao contrato de mediação supra identificado, o regime de exclusividade não se aplica apenas no caso de contactos diretos de potenciais compradores com a proprietária.
Porto, __16__ de __julho__ de __2019__

2. Conhecimento da intenção de venda por terceiros
9 – A autora divulgou a venda das instalações da ré junto da rede de contactos que dispõe para o tipo de imóveis em causa.
10 – A autora procurou encontrar um novo imóvel para a ré prosseguir a sua atividade.
11 – A autora identificou um imóvel como podendo corresponder ao pretendido pela ré para as suas futuras instalações, sendo a venda deste mediada por uma sociedade do grupo Réplica, através do seu angariador BB (adiante, BB).
12 – Durante a visita da ré a este imóvel, na pessoa do arquiteto CC, acompanhado por AA e, pela parte vendedora, por BB, aquele arquiteto, conhecendo a atividade de mediação imobiliária deste, informou BB da intenção da C... de vender as suas instalações, tendo-lhe entregue um cartão de visita, para ser contactado, no caso de este conhecer algum interessado.
13 – Apercebendo-se do teor da conversa com CC, AA abordou BB e comunicou-lhe que a Executivo tinha a exclusividade da mediação na venda das instalações da ré, pelo que todas as propostas de compra que viesse a obter teriam de passar pela autora, sendo depois partilhada a comissão.
14 – Ulteriormente, BB efetuou diversos contactos tendo em vista a identificação de eventuais interessados na compra das instalações da ré.
15 – Aceitando a informação prestada por AA, no sentido de a Executivo ter a exclusividade da mediação na venda das instalações da ré, BB comunicou à autora as propostas de compra que obteve de potenciais compradores.

3. Proposta veiculada pela A...
16 – Foi neste contexto que BB contactou um potencial interessado e, por este, foi posto em contacto com DD (adiante, DD), gerente da sociedade de mediação imobiliária A..., Lda, a quem indagou sobre o eventual interesse de clientes desta na compra das instalações da ré.
17 – DD comunicou a BB o interesse de uma entidade sua representada, combinando os dois a realização de uma visita aos diferentes edifícios que compõem instalações da ré, nas ruas de ... e ..., no Porto.
18 – A visita referida no ponto 17 – factos provados – foi breve e apenas pelo exterior dos edifícios, por coincidir com o período de férias no funcionamento da C....
19 – A A..., Lda, apenas tomou conhecimento da existência das instalações da ré para venda por informação recebida do potencial interessado contactado por BB, referido no ponto 16 – factos provados –, e, mais pormenorizadamente, com a informação deste recebida.
20 – Em 5 de agosto de 2019, DD, por conta da sociedade de mediação imobiliária A..., Lda, remeteu a BB a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 5 v. (apenso documental), onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:
De: A... ...
Date: segunda, 5/08/2019 à(s) 15:30
Subject: LOI
To: BB <...>, BB <...> Cc: EE <...>
Boa tarde BB,

Como combinado segue abaixo, a Carta de Intenção e Confidencialidade, com apresentação da nossa proposta para o Imóvel, ... no Porto.
Desde já agradeço a vossa atenção e aguardo o v/ contacto.
Muito obrigado,

21 Com a mensagem referida no ponto 20 – factos provados – seguiu o documento junto a fls. 6, onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:
CARTA DE INTENÇÃO E CONFIDENCIALIDADE A..., Lda
Porto, 5 de Agosto de 2019 Ex.mos Sr.s C..., C.R.L
Vimos pela presente, formalmente apresentar a nossa oferta de compra não vinculativa e condicionada “A Due Diligence” do Imóvel designado ..., com área bruta de construção aproximadamente 4000m2, situado na Rua ..., ..., ... Porto.
Preço: 9.500.000 € (NOVE MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS). – 20% no acto da assinatura do CPCV;
– 20% 6 meses após o CPCV ;
– 20% 6 meses após prazo anterior;
– 40% no acto da escritura. (até Dezembro de 2020 podendo este prazo ser estendido) O prazo de oferta desta LOI, seria por 30 dias.
Período de Exclusividade – Será necessário um período de 1 mês para poder analisar a operação (Due Diligence) desde a aceitação da proposta por parte do vendedor/comprador.
Condições: A presente oferta de compra está condicionada à conclusão de eventuais contingências, sob o critérios do Fundo, D..., S.L. do relatório da Due Diligence informam que será comissionada pelo licitante que concluído dentro do prazo da oferta e que, entre outros abrangerá a análise técnica, jurídica, fiscal, financeira imobiliária e contratual da operação, sendo necessária a validação especializada de todas essas áreas.
Confidencialidade: Esta carta envia-se sob a condição de que a própria carta e seu conteúdo sejam confidenciais e nem a própria carta nem seu conteúdo serão divulgados, de forma privada e pública, sem o prévio consentimento por escrito das partes. Somente pode ser transmitido as informações para esses funcionários e / ou conselheiros que precisam conhecê-la para avaliar a possível transação, quem será informado da natureza confidencial da mesma. O vendedor concorda em facilitar as informações necessárias para realizar, A Due Dilligence, bem como facilitar a visita ao imóvel. Da mesma forma o comprador compromete-se a tratar as informações fornecidas confidencialmente, transmitindo-as apenas à equipe que executará a operação.
Mandatários de Compra

DD & EE
(…)A..., Lda
22 Em 5 de agosto de 2019, BB remeteu a FF e AA a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 5 v. (apenso documental), para que a retransmitisse à ré a proposta junta, onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:
De: BB <...> Date: segunda, 5/08/2019 à(s) 15:45
Subject: Fwd: Proposta ...
To: FF <...>, AA ...
Cc: GG <...>
Boa tarde HH e AA, Envio proposta da DD.

Alguma dúvida ou esclarecimento, disponham. Abraço,
BB

23 Com a mensagem referida no ponto 22 – factos provados – seguiu em rodapé a mensagem referida no ponto 20 – factos provados – e o documento acima transcrito que a acompanhou.
24 AA remeteu à direção da ré o documento transcrito no ponto 21 – factos provados.
25 Em 9 de agosto de 2019, a ré remeteu a AA a mensagem de correio eletrónico cuja cópia se encontra junta a fls. 6 v. (apenso documental), onde consta, para além do mais que aqui se dá por transcrito:
De: CC <...> Date: sexta, 9/08/2019 à(s) 11:07
Subject: Proposta da A..., Lda
To: AA <...> Ex.mos Senhores
A Direção da C... confirma a recepção da proposta da A..., Lda e agradece o seu envio. Informamos, contudo, que sendo a Direção um órgão colegial que decide pelo seu conjunto e que neste momento a maioria dos seus membros se encontram em período de férias, já que por normas internas temos de tirar as nossas férias em Agosto para não interferir com o período letivo. Assim, só na primeira semana de Setembro a Direção estará em posição de analisá-la e depois contactaremos a dar uma resposta.
Com os melhores cumprimentos,
P’ela Direção da C...
CC
Direção da C...
26 No início de setembro de 2019, a gerente da A..., Lda, comunicou à ré que a proposta transmitida pela autora era confidencial, nunca tendo sido autorizado o seu envio à autora, não estando esta legitimada a veiculá-la, bem como que tal proposta havia já caducado, por ter decorrido o “prazo de oferta” fixado.
4. Denúncia dos contratos de mediação
27 Após a receção da mensagem referida no ponto 25 – factos provados –, a autora continuou a publicitar o imóvel, e fez várias visitas ao mesmo com outros potenciais interessados.
28 Com data de 18 de dezembro de 2019, a ré enviou à autora carta junta a fls. 7, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assunto: Rescisão dos contratos de mediação imobiliária nos ../19, ../19 e ../19 Exmos. Senhores
A C..., C.R.L vem por este meio rescindir os contratos de mediação imobiliária nos ../19, ../19 e ../19, celebrados com V. Exas no dia 16 de julho de 2019, de acordo com a cláusula 80 constante dos mesmos.
A ausência de propostas que se verifica já há mais de um mês, leva-nos a procurar outras soluções para a venda dos imóveis, pelo que não faz sentido estarmos neste momento com um contrato de exclusividade. Contudo, tal não invalida que caso V. Exas consigam obter propostas para a aquisição dos imóveis, estas não possam ser discutidas no mesmo pé de igualdade com outras que eventualmente venhamos a receber.
Com os melhores cumprimentos,
29 Não foi dada pela autora qualquer resposta formal à comunicação recebida, referida no ponto 28 – factos provados.

5. Venda dos imóveis referidos nos contratos de mediação
30 Após o envio da carta referida no ponto 28 – factos provados –, a A..., Lda, comunicou à ré o interesse de aquisição dos prédios por duas entidades espanholas, a referida no ponto 21 – factos provados – e a sociedade X..., SL, que se propunham adquirir os imóveis para si ou para uma sociedade a constituir entre elas.
31 Em 31 de janeiro de 2020, a ré prometeu vender às sociedades X..., SL, e D..., S.L., ou à sociedade por esta a constituir, os imóveis identificados no ponto 7 – factos provados –, conforme documento junto a fls. 7 v., que aqui se dá por transcrito
32 Em 21 de fevereiro de 2020, a ré, por escritura pública, declarou vender à sociedade D..., Lda, que declarou adquirir, os imóveis identificados no ponto 7 – factos provados –, pelos preços de € 8.7000.000,00 (…), de € 415.000,00 (…) e de € 385.000,00 (…), conforme documento junto a fls. 14, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: “este contrato, teve intervenção de mediador imobiliário, A..., Lda, com a licença AMI no .....
33– A sociedade D..., Lda, foi constituída pelas sociedades X..., SL, e D..., S.L., para, designadamente, celebrar a escritura referida no ponto 32 – factos provados.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados. Resultaram, assim, não provados os factos:
34 BB solicitou a AA o agendamento de uma visita às instalações da ré, para que os clientes da A..., Lda, as conhecessem.
35 AA agendou com a ré a visita solicitada, comunicando o agendamento a BB, que, por sua vez, comunicou a DD.
36 A visita agendada por AA foi integrada, designadamente, por BB e por DD, sendo também acompanhada por AA.
37 A proposta constante do documento transcrito no ponto 21 – factos provados – foi antecedida de duas visitas aos imóveis promovidas pela autora e que contaram com a presença conjunta do vice-presidente da ré, CC, de FF e AA, em representação da autora, de DD e de BB.
38 Na segunda visita aos imóveis esteve presente II, representante da proponente D..., S.L.
39 A autora tentou junto dos diretores da ré saber qual o motivo do envio da carta referida no ponto 28 – factos provados –, nunca tendo sido dada uma explicação clara sobre o ocorrido.
40 Foi a atividade por desenvolvida pela autora que permitiu a concretização do negócio de compra e venda dos imóveis objeto dos contratos de mediação imobiliária celebrados com a ré.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Conclui a Apelante pela nulidade da Sentença proferida, ou, pelo menos, pela anulabilidade, e por dever ser a mesma revogada e substituída por outra que condene a Ré no pedido formulado pela Autora, invocando erro na subsunção dos factos ao direito decorrente da não apreciação e adequada valoração da prova produzida.
Entendendo ter havido:
- violação do contraditório;
- falta de apreciação e valoração de toda a prova produzida;
- falta de análise crítica de toda a prova produzida nos autos;
- incorreta recolha dos factos na sentença;
- errada subsunção dos factos ao direito;
entende que a sentença fez uma errada apreciação da prova produzida, estando verificada uma omissão de pronúncia e oposição entre os fundamentos e a decisão, como previsto nas als c) e d), do nº1, do art. 615º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que nos reportamos na falta de outra indicação, e pretende seja revogada a decisão e substituída por outra que julgue procedente, por provado, o pedido formulado pela Autora.
Tanto as nulidades da sentença como o erro de julgamento (de facto ou de direito) respeitam a vícios de conteúdo da sentença. Contudo, as nulidades específicas da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito.
Na consideração do disposto nos arts. 663º, n.º 2 , ex vi art. 608º, n.º 2, tendo sido equacionada nulidade processual e suscitadas nulidades da sentença recorrida, cabe conhecer, de imediato, desses vícios, dado que, caso procedam, tal poderá determinar a devolução dos autos à 1ª Instância para que sane a alegada invalidade, com o consequente prejuízo do conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pela apelante[1].

Apreciemos:

1º - Da violação do contraditório
As nulidades processuais distinguem-se das nulidades específicas da sentença bem como do erro de julgamento (de facto ou de direito). Estes respeitam a vícios de conteúdo, aqueles respeitam à própria existência de atos processuais.
In casu, a Autora/apelante procura fazer-se valer de todos eles e, embora não argua, expressamente, nulidade processual, por preterição do contraditório, sustenta que o tribunal a quo decidiu, com violação do princípio do contraditório, convocando o artigo 3.º, do CPC, e pede a revogação da decisão e a sua substituição por outra que, considerando provados os factos que alega, julgue procedente, por provado, o pedido que formulou.
Cumpre, desde já, deixar claro que nada se entende ser como a apelante conclui, improcedendo todas e cada uma das conclusões que formula, adianta-se.
Comecemos pela invocada violação do contraditório, por na Sentença terem sido “omitidos factos julgados provados no Despacho Saneador” e não ser atendido ao já aí “decidido”, sendo que com “alteração de qualificação dos factos provados é alterada de forma substancial a forma como são qualificados os factos provados”.
Labora a Autora em erro pois que nada foi decidido no saneador, nenhuns factos foram considerados provados naquela peça processual, cabendo ao juiz, na sentença, onde julga a causa, a decisão, quer da matéria de facto quer a de mérito, sem que a subsunção jurídica efetuada contenda com o contraditório, em nada violado.
Vejamos.
A conceção ampla do princípio do contraditório, consagrada no artigo 3º, já há muito defendida pelo Professor Lebre de Freitas[2] para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[3].
Esta vertente do contraditório, que surgiu no nosso direito processual como uma inovação, revela grandes potencialidades práticas em termos de cooperação, de lealdade recíproca dos vários intervenientes processuais e de eficácia das decisões judiciais que passam, sempre, a ser previstas pelas partes.
E, na medida em que garante a igualdade das partes - pela possibilidade de pronúncia e resposta - leva a que, mais fácil e frequentemente, se obtenha a verdade material e que a solução do litígio seja a mais adequada e justa, logrando-se atingir num maior número de casos a realização dos verdadeiros objetivos finais de que o processo é um mero instrumento para alcançar.
Como vimos, e como refere o ilustre professor Lebre de Freitas, cuja lição vimos seguindo[4], o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão dos fundamentos de direito em que ela vá assentar, sendo o mesmo o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa[5].
É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.
Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida.
A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade.
Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo. Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
A regra do contraditório passou, assim, a abarcar a própria decisão de uma questão de direito, decisiva para a sorte do pleito, inovatória, inesperada e não perspetivada pelas partes, tendo de ser dada a estas a possibilidade de, previamente, a discutirem sendo que tal “entendimento amplo da regra do contraditório, afirmado pelo nº3, do art. 3º, não limita obviamente a liberdade subsuntiva ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º); trata-se apenas e tão somente, de, previamente ao exercício de tal “liberdade subsuntiva” do julgador, dever este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de exceções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar”[6].
Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se reforçar e aproveitar a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influir ativamente na decisão[7]. A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
Uma determinada questão, seja relativa ao mérito da causa seja meramente adjetiva, não pode ser decidida, quer em primeira instância, quer em via de recurso, com um fundamento jurídico diverso, até então omitido nos autos e não ponderado pelas partes sem que, antes, as mesmas sejam convidadas a sobre ela se pronunciarem.[8]. O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes, prendendo-se a surpresa, que se visa evitar, com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar (o que nada tem a ver com o conteúdo da decisão em si).
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia, pois que a decisão surge como fruto do contributo de todos, sendo o exercício do contraditório, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Destarte, em obediência ao princípio do contraditório, e salvo em casos de manifesta desnecessidade, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[9].
Há decisão surpresa se o juiz, inesperadamente e afastando-se do enquadramento factual e jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução mais correta decisão do litígio. Não tendo as partes configurado a questão nos termos entendidos pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos[10], só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade.
A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º, onde se consagra que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Dada a relevância, exposta, do contraditório, é indiscutível que a inobservância desse princípio, com prolação de decisão-surpresa, é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que a sua inobservância constitui uma omissão grave e representa uma nulidade processual, por a omissão ser suscetível de influir no exame ou na decisão da causa.
E, carecendo a nulidade de ser invocada pelo interessado na omissão da formalidade ou na repetição desta ou na sua eliminação (art. 197º, n.º 1), no prazo de dez dias, após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo (art. 199º, n.º 1), sob pena de ficar sanada, estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso[11].
No caso estamos perante manifesta desnecessidade de ouvir as partes, sendo evidente que a nulidade, sequer arguida expressamente, não foi cometida já que a questão, de conhecimento oficioso do tribunal, sempre tendo de ser conhecida pelo julgador, que é a quem cabe fazer a recolha dos factos e a subsunção jurídica dos mesmos, se prende com os factos alegados, verificando-se manifesta desnecessidade de ouvir as partes, atenta a evidência da decisão que se prende com os factos já analisados e discutidos, e, mesmo que ouvidas fossem, sempre a decisão iria ser a mesma.
Como se decidiu no Ac. da Relação de Guimarães de 15/11/2018 (relator: José Alberto Moreira Dias, em que a ora relatora foi adjunta) “impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sib imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa.
Deste modo é que a jurisprudência nacional tem considerado que a decisão-surpresa a que se reporta o art. 3º, n.º 3 do CPC, pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não estivesse prevista nem tivesse sido configurada por aquela[12].
Se por hipótese, numa ação para ressarcimento de um lesado com fundamento na responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação, o autor pede, com base na culpa efetiva do demandado, o pagamento de determinada quantia, e o tribunal, na sequência da audiência final e após alegações de direitos das partes em que cada uma sustenta que a culpa deve ser atribuída à contraparte, acaba por decidir que cada uma delas contribuiu com uma quota de 50% para a produção do evento danoso e fixa em metade a indemnização da quantia peticionada pelo demandante, ou conclui que, em caso de colisão de veículos em que não logrou apurar as concretas circunstâncias em que se deu essa colisão, conclui pela aplicação ao caso das regras do instituto da responsabilidade pelo risco, e condena o demandado a indemnizar o demandante em função dessas regras, nestes casos, não existe qualquer decisão-surpresa que exigisse a observância do princípio do contraditório a que alude o art. 3º, n.º 3 do CPC.
Com efeito, a decisão tomada pelo tribunal não só é emanação dos factos alegados e debatidos pelas partes, em que o tribunal se cingiu a esses factos, sem recurso a factos novos não alegados por aquelas, como o enquadramento jurídico feito pelo tribunal consubstancia algo que aquelas previram ou, pelo menos, tinham a obrigação legal de prever como possível.
Quem instaura uma ação de indemnização tendo em vista obter a indemnização pelos danos sofridos emergentes de acidente de viação com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, imputando ao demandado a culpa exclusiva pelo acidente, que nega essa culpa, antes a imputando ao demandante, não pode apartar-se da hipótese de o tribunal, em face da discussão da causa, vir a optar por uma partição de culpas ou pelo risco na produção do acidente.
Da mesma forma, instaurada uma determinada ação com fundamento no incumprimento de um contrato-promessa e imputando cada um dos pleiteantes esse incumprimento à sua contraparte, tendo cada uma delas a possibilidade de esgrimir os seus argumentos para defesa da respetiva posição processual, era previsível que o tribunal pudesse vir a enveredar por uma posição em que a atribuição da responsabilidade pelo incumprimento fosse parcial.
Deste modo, tem-se entendido que apenas ocorre uma decisão-surpresa quando a solução seguida pelo tribunal se desvincula “totalmente do alegado pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as mesmas terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”. Nesta situação poderemos dizer que “o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao julgador”[13].
Nesta perspetiva, segundo a jurisprudência, não existirá decisão-surpresa quando a decisão, retius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado, pelo que se não o fez, sib imputet.
Ao invés, estaremos perante uma decisão-surpresa para efeitos do art. 3º, n.º 3 quando ela comporte uma solução jurídica, que embora juridicamente possível, as partes não tinham obrigação de prever, isto é, quando não fosse exigível que as partes tomassem oportunamente posição sobre essa concreta questão jurídica que acabou por ser sufragada pelo tribunal ou, no mínimo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que as partes o haviam feito[14][15].
Revertendo ao caso em análise, a apelante não podia, razoavelmente, contar com outra qualificação jurídica que não a operada pelo tribunal a quo, com base nos factos alegados e atenta, desde logo, a definição que foi efetuada do objeto do litígio e dos temas da prova enunciados, com aplicação, como veremos, à elaborada listagem de “factos não controvertidos” do regime adjetivo vigente para factos alegados e que se não mostrem controvertidos.
E nunca o enquadramento jurídico poderia deixar de ser o efetuado, pelo que desnecessário e inútil se revelaria anulação para exercício do contraditório.
Na verdade, a decisão tomada pelo tribunal não só é emanação dos factos alegados e debatidos pelas partes, em que o tribunal se cingiu a esses mesmos factos, sem recurso a novos, como o enquadramento jurídico feito pelo tribunal consubstancia algo que aquelas tinham a obrigação legal de prever, não podendo a questão, adjetiva, merecer outra solução.
Destarte, não configura caso de decisão surpresa a sentença que considera factos e os qualifica de outro modo, por manifesta ser a desnecessidade de pronúncia dado os factos em que assenta serem os alegados, ser previsível e dever ter sido prevista (cfr. definição do objeto do litígio e temas de prova), nunca podendo a sentença ser anulada para observância do contraditório, puro ato inútil, pois que tal nunca poderia levar a decisão diversa.
Insurge-se a apelante contra a sentença por, após terem sido elencados, no saneador, determinados factos como provados, naquela peça processual ter sido proferida decisão sobre a matéria de facto com diferente sentido e enquadramento, sem respeito pelo contraditório, em violação do artº. 3º, do CPC.
O apelado sustenta que o exarado no saneador não constitui caso julgado sobre o julgamento da matéria de facto e sequer se verifica a alegada alteração.
E assim é. Na verdade, a decisão sobre a matéria de facto tem lugar na sentença, sendo aí que se procede, após instrução, à recolha dos factos, para os “provados” e para os “não provados”.
E quanto à suscitada questão de terem já sido considerados provados factos no despacho saneador e de posteriormente se ter apreciado de novo, alterando o decidido, cumpre referir que na sentença bem se observou o disposto na parte final, do nº2, do art. 574º, que consagra que “a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”.
Com efeito, relativamente a factos instrumentais alegados pelo Autor na petição inicial não há o ónus de impugnação do Réu que, se os não impugnar, faz, meramente, resultar uma admissão provisória dos mesmos, porquanto tal admissão sempre pode ser afastada por prova posterior.
E sendo os próprios temas da prova o objeto da instrução[17], neles se incluem os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts 341º e segs, do Código Civil.
Assim, enunciados temas da prova, como é o caso - para, no final da instrução, o juiz decidir, na sentença, os factos que considera provados e não provados -, correspondendo um deles a um facto, tem de ser o mesmo objeto direto da instrução, não estando, contudo, as partes inibidas de produzir prova sobre factos instrumentais ou circunstâncias que indiciem ou revelem aquele. Nos temas de prova de formulação mais genérica é objeto de instrução toda a factualidade pertinente para a sua concretização, tendo em conta a previsão normativa de que depende o resultado da ação, aí se incluindo a livre discussão dos factos em relação de instrumentalidade. No final, o juiz discrimina na sentença os factos (expressões representativas da realidade) que considerou provados e não provados, seguindo a orientação geral que consta do art. 607º, nº3 e 4”[18].
Destarte, havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais, constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado nos autos, com inteira observância da contraditoriedade – arts 410º, do CPC e 341º e segs, do Código Civil
E é garantida ampla liberdade, em sede de instrução, no sentido de permitir que, na produção de meios de prova sejam averiguados os factos circunstanciais ou instrumentais, designadamente aqueles que possam servir de base à posterior formulação de presunções judiciais, sendo que a instrução da causa “deve ter como critério delimitador o que seja determinado pelos temas da prova erigidos e deve ter como objetivo final habilitar o juiz a expor na sentença os factos que relevam para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito”[19].
Não há, pois, “cristalização da matéria de facto na fase intermédia do processo, ficando relegada para a sentença, isto é, para depois de concluída a instrução, a definição do quadro fáctico da lide, o que é, aliás, uma decorrência do dever de o juiz considerar na decisão os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução (art. 5º, nº2, al. b))”[20], consagrando este preceito todos os factos a expor na decisão da matéria de facto (cfr. nº1, 2 e 3, de tal artigo) .
Importa referir que a “maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados”, em obediência ao estatuído no nº 4, do art. 607º.
E na exposição dos factos, quer dos provados quer dos não provados “o juiz não deve orientar-se por uma preconcebida solução jurídica do caso, antes deve assegurar a recolha de todos os factos que se mostrem relevantes em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito” pois “não é de excluir que, apesar de o concreto juiz entender que basta um determinado enunciado de factos provados ou não provados para que a ação proceda ou improceda, o tribunal superior, em sede de recurso, divirja daquela perspetiva e considere outras soluções dependentes do apuramento de outros factos. Em tais circunstâncias, melhor será que o juiz, de forma previdente, use um critério mais amplo, inscrevendo na matéria de facto provada e não provada todos os elementos que possam ter relevo jurídico, evitando ou reduzindo as anulações de julgamento decretadas ao abrigo do art. 662º, nº2, al. c), in fine[22].
E sendo os temas de prova o objeto da instrução, não são eles o objeto da decisão da matéria de facto, tendo, sim, de ser analisados, para efeitos de serem considerados provados ou não provados, os factos alegados pelas partes, nos articulados da causa.
Como vimos, factos que figurem de uma qualquer listagem de factos não controvertidos que possa ter sido elaborada não podem ser considerados como assentes em termos definitivos (sendo a admissão meramente provisória), pois que mesmo que efetivamente não impugnados se encontrem sempre irão ser objeto de decisão e bem podem deixar de ser admitidos (v. parte final, do nº2, do art. 574º).
Assim, o juiz nunca pode dar resposta de provado ou não provado a Lista de supostos “Factos não controvertidos” nem a temas de prova, mas a concretos, específicos, determinados factos alegados pelas partes, a densificar a causa de pedir ou a defesa por exceção apresentada.
Cumpre deixar claro que nenhum desrespeito do contraditório se verificou, nenhuma nulidade processual tendo sido cometida, pois que no despacho saneador nenhuns factos foram considerados provados (nem o podiam ter sido), apenas tendo, após identificação do “objeto do litígio” e antes da enunciação dos “temas da prova”, como determina o nº1, do art. 596º, sido exarados factos que se afirmaram, no momento, “não controvertidos”, o que não corresponde ou equivale a factos provados e que, como tal, tenham de ser considerados na sentença.
O despacho saneador que organiza matéria de facto de determinada maneira não constitui caso julgado sobre o julgamento da matéria de facto. Nenhum caso julgado se formou, nenhum julgamento da matéria de facto foi, sequer, efetuado no saneador e nenhuma violação de contraditório se verificou, bem conhecendo a Autora os factos da causa (contantes dos articulados das partes), a ser objeto de instrução e de, após ela e de, mais uma vez, concedida às partes a possibilidade de exercerem o contraditório (em alegações orais – cfr. al. e), do nº3, do art. 604º), passarem pelo crivo do julgador, que decide, na sentença, de facto e de direito (cfr. art. 607º).
Assim, improcede a suscitada nulidade processual, de preterição do contraditório, sendo que a peça processual de definição do compósito fáctico da causa e o momento próprio para decisão da matéria de facto, com indicação dos factos provados e dos factos não provados e respetiva fundamentação, é a sentença a proferir pelo juiz, após a proposição da prova, produção de mesma e de exercício do contraditório.
Destarte, sempre nulidade processual improcede, nada cabendo anular por violação do contraditório.
*
2º - Da nulidade da sentença
Como bem comentam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, é “verdadeiramente impressionante a frequência com que, em sede de recurso, são invocadas nulidades da sentença ou de acórdãos, denotando um número significativo de situações em que o verdadeiro interesse da parte não é propriamente o de obter uma correta apreciação do mérito da causa, mas de “anular” a toda a força a sentença com que foi confrontada”[23], na grande esmagadora maioria dos casos, acrescentamos nós, sem qualquer razão meramente plausível.
Argui a apelante nulidade da sentença, imputando-lhe os vícios constantes das alíneas c) e d), do nº1, do artigo 615.º, por:
i) os fundamentos constantes do despacho saneador estarem em oposição com a decisão;
ii) o Juiz não se ter pronunciado – “omissão de pronúncia” -, sobre factos e não ter efetuado análise crítica de toda a prova produzida.
A Apelada pronunciou-se pela não verificação de tais vícios.
Entende o Tribunal ser a decisão consequente com os fundamentos, não contendo qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, e ter havido pronúncia sobre todas as questões que o tribunal devia apreciar, o que confundido não pode ser com os argumentos aduzidos pela parte.
Analisemos se a sentença padece dos invocados vícios.
O nº1, do art.º 615º, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
“(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
As nulidades de sentença, sendo vícios intrínsecos da formação desta peça processual, referentes à estrutura, aos limites e à inteligibilidade da mesma, são vícios formais, taxativamente consagrados no referido nº1, que tipifica vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com, hipotéticos, erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[24]. Trata-se, pois, de um error in procedendo, nada tendo a ver com os erros de julgamento - error in iudicando - seja em matéria de facto seja em matéria de direito. Como vícios intrínsecos da peça processual em causa, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nele desenvolvido, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer por essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[25]. Respeitam à estrutura ou aos limites da sentença, reportando-se àquela os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão) e a estes os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)[26].
Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.”.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[27].
Sustenta a apelante que a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia sobre factos e análise critica da prova, aludindo, ainda, a oposição entre fundamentação e decisão.
Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão (que a proceder conduz à anulação da sentença) e a discordância do resultado obtido, cumpre reforçar e deixar claro que os vícios da sentença não podem ser confundidos com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa (que, na procedência conduz à alteração da decisão da matéria de facto e/ou à revogação da decisão).
“Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão[28].
Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[29].
Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a)[30].
Não obstante a essencialidade reconhecida à fundamentação, entende a doutrina e a jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, isto é, a omissão absoluta de motivação, determina a nulidade da decisão. Tal acontece, designadamente, nos casos de falta de discriminação dos factos provados, ou de genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou de meros conclusivos juízos de direito, e não apenas em situações de mera deficiência da mesma[31], de fundamentação alegadamente insuficiente e, ainda menos, de putativo desacerto da decisão [32].
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada[33] atacáveis em via de recurso e não determinativos daquela invalidade.
A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas tão só mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso[34].
E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º.
Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b)[35].
Verificando-se contradição entre os fundamentos e a decisão quando no raciocínio do julgador existe vício tal que apontando a fundamentação num sentido a decisão segue em sentido oposto, pelo menos diferente, constata-se que no caso a decisão se orienta no mesmo sentido da fundamentação.
A apontada nulidade não se verifica no caso pois que nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão se verifica, antes os fundamentos aduzidos conduzem, necessariamente, à decisão, que de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível não padece, antes a mesma tem um só sentido e é clara, evidente e bem percetível, prendendo-se a questão suscitada, antes com o mérito que, adiante, será objeto de reapreciação.
E, como a apelada sustenta, a fundar-se a contradição em terem sido dado como provados determinados factos no despacho saneador e ter, na sentença, sido efetuada diversa qualificação e desta não constarem todos os factos provados feitos constar, como tal, no saneador, certo é que nunca tal seria causa de nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, pois esta nulidade apenas existe quando a contradição resultar apenas da própria sentença e não a do cotejo desta com outras peças do processo ou de uma incorreta decisão, por excesso, por omissão ou por deficiente apreciação, sobre a matéria de facto. E bem refere a recorrida, “como se decidiu no Ac. do STJ, de 22.02.2019, prolatado no Proc 19/14.4T8VVD.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt, “A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respetivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade)”, sequer vindo suscitado erro de construção do silogismo judiciário, mas, meramente, a relevância dada na sentença a certos factos e a interpretação e valoração, questão que se prende com erro de julgamento, nunca com a construção lógica da sentença, que de ambiguidade ou obscuridade, que a torne ininteligível, nunca padece.
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Relativamente ao vício de omissão de pronúncia (al. d)), cumpre referir que devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir, das exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”[36].
Assim, cabe distinguir “questões” das “razões ou argumentos”, pois que uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar e outra, diversa, é invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”[37].
A não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, não a sendo suscetível de determinar a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
A nulidade da sentença, por omissão ou excesso de pronuncia, há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2, do referido artigo 608º, do qual resulta o dever do juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras[38] e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção[39].
O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[40].
Orienta-se a jurisprudência uniformemente no sentido de a nulidade por omissão de pronúncia supor o silenciar por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão escassamente fundamentada a propósito dessa questão[41] ou decisão que não acolha os argumentos do apelante e decida em sentido oposto ao que o mesmo se apresentou a propugnar, o caso.
A sentença deve, pois, “começar pelo conhecimento das questões processuais que podem conduzir à absolvição da instância, devendo nela ser consideradas todas as que as partes tenham deduzido, a menos que prejudicadas pela solução dada a questão anterior de que a absolvição tenha já resultado. Se, porém, puder ter lugar uma decisão de mérito inteiramente favorável à parte cujo interesse a exceção dilatória vise tutelar, o juiz deve proferi-la em vez de absolver o Réu da instância (nº5, do art. 278).
Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do mérito da causa.
O juiz vai agora respondendo aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja prejudicada pela decisão deste, assim acontecendo quando procede o pedido principal, não havendo lugar à apreciação do pedido subsidiário (ver o nº2, do art. 554), quando, ao invés, não é atendido um pedido prejudicial relativamente a outro cumulativamente deduzido (ver o nº3 do art. 555) e quando identicamente, a procedência ou, ao invés, a improcedência do pedido principal acarreta a não apreciação do pedido reconvencional (…) O mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, se mais do que uma subsidiariamente fundar o pedido, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo Réu ou pelo autor reconvindo e àquelas de que deva tomar conhecimento oficioso. (…)“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Réis. CPC anotado cit., V. p. 143)”[42], até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual”[43].
E caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, podendo é existir um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, e, então, caso assista razão ao recorrente, ser de alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
No caso, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, é arguida, por falta de apreciação fáctica e de análise crítica de toda a prova.
Ora, e como se decidiu no Acórdão desta Relação acabado de proferir no processo nº 588/14.9TVPRT.P1, Relator: Pedro Damião e Cunha, em que a ora Relatora foi adjunta as questões submetidas à apreciação do tribunal a que o legislador se refere identificam-se “com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. III. Nessa medida, embora a não apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte, possa, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, daí apenas pode decorrer um eventual erro de julgamento (“error in iudicando”), mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia. IV. Ou seja, este tipo de omissão pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, logicamente, nessa medida, só em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão. V. É justamente isso o que sucede no caso concreto com a alegação do Recorrente que confunde a invocação da nulidade da sentença (por omissão de pronúncia) e a arguição da existência de erro de julgamento, que era o que deveria ter fundamentado o seu recurso”.
Não padece, pois, a decisão dos apontados vícios formais, que improcedem.
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3º. Da reapreciação da decisão da matéria de facto
Impugnada a decisão da matéria de facto e resultando cumpridos os ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), pois que a Apelante faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo), cumpre conhecer do objeto do mesmo, reapreciando os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.
O nº1, do art. 662º, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[44] (consagrado no artigo 607.º, nº 5) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[45].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[46].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[47], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas - como a prova testemunhal e declarações de parte -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto. Insurge-se a mesma contra a decisão da matéria de facto por a prova gravada, as declarações de parte e a prova testemunhal que convoca, imporem decisão diversa quanto aos pontos que refere.
Entende a Ré apelada que[48] acertadamente se mostra decidida a matéria de facto[49].
Ao proceder-se à audição da prova produzida oralmente em audiência de julgamento e gravada a fim de reapreciar a decisão quanto aos pontos impugnados, constatamos as deficiências e o ruído existente na gravação que a tornam impercetível, particularmente no que concerne à prova produzida na sessão de dia 6 de Dezembro de 2021 (cfr fls 35).

3.1 - Da deficiente gravação da prova oralmente produzida e das suas consequências na reapreciação da decisão da matéria de facto

Constata-se, até como a própria recorrente refere nas alegações de recurso, estarem depoimentos impercetíveis, o que prejudica e, mesmo, impede a apreciação da impugnação da matéria de facto.
E perante a impossibilidade de aceder a todas as provas acessíveis ao Tribunal de 1ª instância, para, então, se poder aferir do acerto da decisão da matéria de facto, nos termos supra expostos, não pode, por facto imputável a quem se pretende fazer valer da gravação, dado nada se ter apresentado, no momento próprio a suscitar, deixar de improceder esta parte do recurso.
Na verdade, como já se decidiu no Ac. desta Relação de 24/9/2020, proc. nº. 4704/12.7TBMTS.P1, em que a ora Relatora foi adjunta:
I- A Lei 41/2013 de 26/06 (que aprovou o novo CPC) introduziu uma relevante alteração no regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, expressamente determinando que esta tem de ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – vide artigo 155º nº 4 do CPC. Disponibilização que deve ocorrer no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.
II- Porque a disponibilização da gravação deve ocorrer no prazo de dois dias [e salvo se esta disponibilização não respeitar este prazo, caso em que a parte deverá suscitar tal questão perante o tribunal a quo] recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias possa arguir a respetiva nulidade.
Assim não o fazendo violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício.
III- Na medida em que esta falta cometida pode influir no exame da causa [como sempre o será quando a parte invocar que tal vício obsta ao exercício do seu direito de impugnação da matéria de facto que pretende exercer], configura a mesma uma nulidade secundária.
Nulidade que assim deverá ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso”.
Aí se fundamenta, com a nossa inteira concordância, que “A Lei 41/2013 de 26/06 (que aprovou o novo CPC) introduziu uma relevante alteração no regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, expressamente determinando que esta tem de ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – vide artigo 155º nº 4 do CPC (diploma legal a que faremos referência, salvo se em contrário for expressamente indicado).
Gravação esta que deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respetivo ato (nº 3 do mesmo artigo).
Na medida em que esta falta cometida pode influir no exame da causa [como sempre o será quando a parte invocar que tal vício obsta ao exercício do seu direito de impugnação da matéria de facto que pretende exercer], configura a mesma uma nulidade secundária.
Para o efeito dispondo a parte dos já referidos 10 dias (nº 4 já referido) quando logo no ato se não aperceba da deficiência de gravação. Dez dias contados desde a disponibilização da gravação [sendo disponibilização, diferente de entrega, já que esta pressupõe uma atuação do interessado que promove a entrega e aquela respeita a um ato da secretaria que coloca a gravação disponível à parte que na mesma esteja interessada para lha entregar se esta o requerer] esta a ocorrer no prazo máximo de dois dias, tal como decorre do já referido nº 3 do artigo 155º.
Ao remeter o legislador a arguição da falta ou deficiência da gravação para o regime das nulidades (nulidades secundárias, cujo regime está regulado nos artigos 195º e segs. do CPC) resulta do artigo 199º que a mesma deverá ser arguida logo no ato, se de tal se aperceber a parte. Ou então, a partir do momento em que tomou conhecimento da mesma, ou dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência (vide nº 1 deste artigo 199º).
Porque a disponibilização da gravação deve ocorrer no prazo de dois dias [e salvo se esta disponibilização não respeitar este prazo, caso em que a parte deverá suscitar tal questão perante o tribunal a quo] recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias arguir a respetiva nulidade.
Assim não o fazendo violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício.
Nulidade que assim deverá ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.
Preceitua o nº 3 do artigo 199º - artigo que regula as regras gerais da arguição destas nulidades secundárias – que se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo para a arguição da nulidade (o já referido de 10 dias), poderá a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
Porém e pela natureza da nulidade em causa, entende-se claramente afastada esta opção. Basta para tanto atentar no facto de após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, ser o processo concluso para proferir sentença no prazo de 30 dias.
Só após esta e respetiva notificação, correndo o prazo para a interposição do recurso e subsequente prazo para as contra-alegações.
Tanto é quanto baste para concluir pela inviabilidade de a expedição do processo em recurso poder ocorrer antes do referido prazo ter decorrido.
A justificar o entendimento que cremos maioritário de ter sido afastada a possibilidade de a arguição da nulidade da gravação – ao contrário do que na vigência do anterior CPC chegou a ser defendido – ser invocada apenas em sede de recurso[50].
Antes se defendendo que a mesma deve ser arguida perante o tribunal a quo para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.”.
Assim, constituindo a deficiência da gravação dos depoimentos prestados em audiência uma irregularidade que pode influir no exame e na decisão da causa, devendo tal nulidade ser arguida pela parte, no prazo de 10 dias a contar da disponibilidade dos registos pelo tribunal, nos termos do nº4, do artº 155º, bem se conhece, também, a posição assumida jurisprudencialmente no sentido de, no entanto, poder o tribunal da Relação, “conhecer oficiosamente dessa nulidade, ao abrigo do artº 9º do DL nº 39/95, de 15.2 e do artº 156º, “in fine” do CPC”, dado que este artigo “não se encontra revogado (expressamente) pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, que aprovou o atual CPC, nem de forma tácita pelo preceituado no art.º 155º do mesmo código, constituindo, pelo contrário, aquele normativo um “caso especial em que a lei permite o conhecimento oficioso” (da nulidade processual) a que alude o art.º 196.º, in fine, do atual CPC”, Ac. RG de 28/3/2019, proc. 3268/17.0T8BRG.G1[52].
Ora, assim não se entende, considerando-se que os interesses que estão em causa são interesses eminentemente privados, das partes, na repetição dos depoimentos deficientemente gravados, relacionados com o direito ao recurso, certo sendo que ao próprio direito de recorrer, são impostos limites, não sendo um direito absoluto, e bem podendo a parte não o exercer.
Nada permite considerar serem interesses públicos, na descoberta da verdade material, que estão em jogo, estando-o, tão só, o direito da parte ao duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, sendo à reapreciação fáctica que se destina a gravação, já que a prova foi produzida, em audiência contraditória, perante o julgador em 1ª instância, que bem a ouviu, com imediação (a ele se não destinando a gravação).
Não estando, diretamente, interesses de ordem pública em causa, mas, primordialmente, particulares, não cabe conhecer oficiosamente da nulidade, a qual tinha de ser suscitada, pelo interessado, no momento próprio, querendo, e não o tendo sido, precludido se mostra o direito à sua arguição.
Com efeito, pode a Relação ordenar, oficiosamente, a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que tal se mostre (no seu, fundado, entendimento, e após audição da prova gravada), essencial ao apuramento da verdade, de molde a poder formar a sua autónoma convicção face à globalidade da prova relevante, no contexto da impugnação da decisão de facto, mas já o não pode se nenhuma razão houver para afirmar tal essencialidade, existindo, como no caso, tão só, meras opiniões e convicções da parte interessada. Esta, a pretender impugnar a decisão de facto, devia ter atuado no sentido de arguir a nulidade em causa e o não fez.
Assim, a Relação pode ordenar, por sua iniciativa, a repetição das provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade, mas já o não pode fazer se nenhuma justificada razão existir para tal, mas mero interesse do apelante.
E, sem ouvir os depoimentos, não estão reunidas as condições para se poder proceder à análise da prova, segundo o princípio da livre apreciação das provas, fixado no nº1, do art. 655º, não podendo, por isso, o Tribunal da Relação modificar o julgado em 1.ª instância, antes, na improcedência da impugnação, tem de manter o decidido.
Não se trata de dar prevalência a soluções de justiça material sobre a formal, pois que no processo, há já uma convicção formada sobre a substância e nada justifica a necessidade de formação de uma outra.
Não é a reapreciação essencial ao apuramento da verdade material, nada nos permitindo concluir pela necessidade ou conveniência da repetição da prova, e precludido está já para as partes o direito de arguirem o vício, por extemporaneidade.
Não havendo, no caso, dúvida de que a gravação dos depoimentos e declarações prestadas se mostra impercetível, sendo a sua audição essencial para apreciação do recurso da matéria de facto, pois só revisitada a prova produzida na sua plenitude se poderia apreciar da existência de erro na sua apreciação, nenhuma alteração à decisão da matéria de facto pode ser introduzida.
Ora, destinando-se a gravação a possibilitar a reapreciação da prova no recurso e sendo, até, o próprio direito de recorrer, que envolve interesses particulares, limitado, não satisfazendo o recorrente os ónus impostos para a impugnação da matéria de facto nunca esta pode ser reapreciada, improcedendo esta parte do recurso, dada a não demonstração do invocado erro.
Impugnada a matéria de facto, na reapreciação desta, a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, mas somente se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente (admitido) impuserem diversa decisão (cfr. nº 1 do artigo 662ºdo CPC).
E cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis, sendo o princípio da livre apreciação das provas, como vimos, a base da decisão, quando estão em causa documentos sem valor probatório pleno, relatórios periciais, depoimentos das testemunhas e declarações de parte (cfr. art.os 341º. a 396º. do Código Civil e nº4 e 5 do art. 607.º e n.º3, do art. 466.º, do CPC).
Importa, ainda, considerar que é ónus do recorrente apresentar a sua alegação, com conclusões, a indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – nº1, do artigo 639º -, estas a delimitar o objeto do recurso, conforme estatui o n.º 3 do artigo 635º. Analisadas as conclusões formuladas pela recorrente, resulta que a mesma, invocando erro na apreciação da prova, pretende a alteração da decisão da matéria de facto quanto aos factos referidos nas conclusões supra exaradas e para justificar o erro de julgamento convocou a prova gravada.
Ora, os depoimentos gravados no dia 6/12/2021, com muitos ruídos, são de muito difícil audição e, mesmo, parcialmente inaudíveis, conforme verificámos pela audição da gravação.
Só a total percetibilidade da prova gravada que o recorrente invoca nos permitiria apreciar se a decisão recorrida merece crítica e formar a nossa livre convicção, certo sendo, ainda, incumbir ao recorrente invocar, motivar e demonstrar o erro na apreciação da prova que imputa à decisão recorrida e ele próprio alude a serem partes dos depoimentos impercetíveis.
Como se entendeu no citado Ac. da TRL de 30/05/2017, “Sendo a inquirição (parcialmente impercetível) essencial para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da decisão de facto, fica o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pelo apelante porquanto a reapreciação da prova tem de ser feita com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou.” (negrito nosso).
Uma vez que a nulidade da deficiente gravação não foi, tempestivamente suscitada para que pudesse ser conhecida e sanada, impossibilitado está este Tribunal de efetuar a reapreciação da prova e, consequentemente de conhecer da impugnação da matéria de facto para a alterar.
Assim, resultando deficiências na gravação da prova, traduzidas em impercetíveis declarações e depoimentos (mesmo que apenas parcialmente) e sendo a inquirição essencial para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da decisão de facto, ficando o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pelo apelante, porquanto tem de ser feita com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou, o apelante, que não arguiu, tempestivamente, a nulidade e incumpriu as especificações e demonstrações em que funda o recurso, não pode, ante tal incumprimento, deixar de ver improceder o recurso, nessa parte.
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A al. c), do nº2, do art. 662º, estatui que a Relação deve, “mesmo oficiosamente”:
“c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória, a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Não cabe anular a sentença por se não vislumbrar que a mesma das referidas patologias padeça e nada se nos afigura necessário ampliar para que a causa possa ser decidida, como adiante se verá.
Entendemos nenhuma alteração ser de introduzir à decisão proferida sobre a matéria de facto, decidida segundo a livre convicção do julgador, que de factos relevantes à decisão é integrada, não de conclusões ou matéria de direito. Não resultando padecer a mesma dos invocados erros, omissões e contradição e sendo o demais irrelevante para a modificação da decisão que contém os factos essenciais para o efeito, é de manter a decisão da matéria de facto, quer quanto aos factos provados quer quanto aos não provados, estes cuja decisão “resultou da ausência de prova quanto aos mesmos”, mais se referindo que “O lastro documental (junto) não oferece conforto à alegação da autora, no que ao âmago do litígio diz respeito. Ressalvada a retransmissão da proposta obtida por BB, não encontramos nenhuma outra atividade da autora respeitante ao futuro adquirente. Em especial, não existe, designadamente, nenhuma comunicação da autora para proceder ao agendamento de visitas (ou reuniões com os interessados) nem qualquer tipo de registo das visitas efetivamente realizadas.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora foram contraditórios e pouco firmes, no que respeita a saber quem esteve no local na data das alegadas visitas, quem acompanhou tais visitas no interior das instalações da ré e, acima de tudo, quem nelas estava presente como parte compradora. Da prova testemunhal produzida resulta a convicção de ter ocorrido uma visita coletiva (pelo menos) com inúmeros interessados não identificados – não sendo possível afirmar com um mínimo de certeza se nela estaria presente um representante da entidade que veio a adquirir aquelas instalações.
Não é sequer certo que tal putativa visita tenha ocorrido antes da apresentação da proposta veiculada pela A... ou no seu prazo de resposta. Note-se que a dita representante da interessada participante da futura adquirente surge no processo de negociação num momento em que a escola (dirigida pela C...) se encontra praticamente encerrada para férias – tornando implausível a alegação de que tal visita teria ocorrido com a presença de responsáveis da ré (e até com aulas a decorrer). Já a narrativa apresentada por algumas testemunhas, no sentido apenas ter sido realizada uma breve visita (pelo exterior) antes da apresentação da proposta, casa bem com o curto espaço de tempo que medeia entre a outorga dos contratos de mediação e a apresentação da proposta.
A dúvida sobre a ocorrência dos factos foi resolvida em conformidade com o disposto nos arts. 414.º do Cód. Proc. Civ. e 342.º, n.º 1, do Cód. Civ., levando-se na devida consideração a doutrina que – sem qualquer explicação epistemológica – sustenta existir uma presunção de facto da causalidade entre a mediação e o negócio, na pendência do contrato com exclusividade (adiante identificada)”.
Não se verificando nulidade processual por preterição do contraditório nem nulidade da sentença, não sendo de a anular, e não sendo de alterar o julgamento da matéria de facto operado pela 1ª Instância, livremente efetuado, a decisão da matéria de facto mantém-se integralmente, nenhuma alteração cabendo introduzir-lhe, nada mais relevando para a decisão de mérito, atento o objeto da ação, delimitado pelo pedido e pela causa de pedir.
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4º - Da reapreciação da decisão de mérito
Enunciou o Tribunal a quo bem, como a própria apelante conclui, as questões a resolver e bem efetuou a subsunção jurídica em função da matéria de facto provada, que aqui se mantém inalterada, considerando estarmos perante Mediação imobiliária, atividade que “consiste na procura, por parte das empresas de mediação, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis. A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se, quando o cliente seja o titular do direito sobre o imóvel objeto do negócio visado, na promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões – cfr. os n.os 1 e 2 do art. 2.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro (RJMI), alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto” e in casu os negócios visados nos documentos apresentados como formalizando os contratos de mediação vieram a ser concretizados, conforme provado se mostra.
Estando em causa nos autos, tão só, a remuneração do mediador imobiliário analisa o Tribunal a quo “Reza o n.º 1 do art. 19.º do RJMI que a remuneração do mediador imobiliário só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (salvo nos casos de celebração de contrato-promessa, se previsto no contrato de mediação). Não significa isto que a remuneração seja sempre devida com a conclusão do negócio, designadamente nos casos em que a mediação não tem lugar em regime de exclusividade. Para tanto, ainda é necessário que se estabeleça um nexo causal entre a atividade de mediação e a celebração do contrato visado – cfr. o Ac. do STJ de 15-11-2007 (07B3569).
Os elementos qualificadores dos contratos juntos aos autos foram estipulados por escrito, tal como resulta dos factos provados. Temos, assim, incontrovertido que a autora e a ré firmaram em 16 de julho de 2019 três contratos de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, visando cada um a promoção da venda de um prédio urbano propriedade da ré, contra o pagamento da remuneração de 6% calculada sobre o preço, pelo qual os negócios viessem a ser efetivamente realizados.
A qualificação dos contratos firmados entre as partes como sendo contratos de mediação imobiliária é pacífica entre estas, não merecendo ela censura. Também se encontra assente que, em 21 de fevereiro de 2020, os referidos imóveis foram vendidos pela ré à sociedade D..., Lda. Resta agora verificar o que tem este negócio a ver com os referidos contratos de mediação imobiliária”.
E bem entendeu o Tribunal a quo ser a resposta nada, pelo que nunca remuneração seria imposta pela boa fé, antes a mesma injusta e não adequada às circunstâncias do caso, se mostraria.
Com efeito, analisando das “Obrigações do cliente (comitente)”, considerou o Tribunal a quo resolve-se o caso na verificação, ou não, de dois ilícitos contratuais distintos:
i) a violação da convenção de garantia de exclusividade (art. 16.º, n.º 2, al. g), do RJMI);
ii) a violação da obrigação de pagamento da remuneração sempre que a celebração do contrato visado resulta da atividade do mediador, mesmo depois de extinto o contrato de medição (art. 19.º, n.º, 1 do RJMI);
sendo que a apreciação da ocorrência do segundo ilícito no caso concreto tem precedência lógica sobre a análise do primeiro e estando em discussão a compensação da autora pela celebração de um contrato (visado) após a extinção da relação de mediação começa por verificar se a lei contempla esta hipótese e quais os seus pressupostos.
Considerou e bem como a própria Autora acaba por reconhecer:
“2.1. Cláusula de garantia de exclusividade ou de não concorrência
Resulta dos factos provados que os contratos de mediação apresentados como causa de pedir foram outorgados em regime de exclusividade. Com efeito, estabeleceram as partes na cláusula quarta dos contratos:
«1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2 – Nos termos da legislação aplicável quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência, ficando o Segundo Contratante obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade».
A ré dedica algumas linhas no destaque da adenda referida no ponto 8 – factos provados. Fá-lo desnecessariamente. O que descreve em tal adenda não é mais do que o conteúdo legal da convenção de garantia de exclusividade (simples) atualmente aceite (art. 16.º, n.º 2, al. g), do RJMI) – cfr. o recente Ac. do STJ de 17-06-2021 (8373/19.5T8LSB.L1.S1), bem como toda a jurisprudência e doutrina no mesmo citada.
A exclusividade da mediação é isto mesmo: a exclusividade no estabelecimento de vínculos contratuais para o desenvolvimento da atividade de mediação. A cláusula de garantia de exclusividade é, pois, apenas uma cláusula de garantia de não permissão de concorrência – para além de poder representar uma vinculação do cliente à celebração do negócio efetivamente mediado pela mediadora (art. 19.º, n.º 2, do RJMI). Dela se extrai que o cliente não pode outorgar contratos de mediação com outras empresas. Dito de uma forma prosaica: se houver lugar ao pagamento de uma remuneração (comissão) por uma atividade coincidente com o conteúdo da mediação imobiliária, ela tem de ser obrigatoriamente satisfeita ao mediador que goza de exclusividade – cfr. HIGINA ORVALHO CASTELO, O Contrato de Mediação, Coimbra, Almedina, 2014, p. 435 e segs.. Na falta de qualquer outra estipulação escrita especial, a conclusão do negócio visados à margem de qualquer mediação não representa uma violação da garantia de exclusividade, não conferindo ao mediador nenhum direito a uma remuneração.
Não acompanhamos, pois, sem reservas a doutrina de acordo com a qual “a função da cláusula de exclusividade é, em qualquer caso, tão-só a de afastar a necessidade de demonstração do nexo de causalidade entre a atividade do mediador e a conclusão desse negócio” – cfr., antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto, MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, «O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração» in Revista de Direito Comercial, ed. 2017 (2017-07-13), pp. 250 e 251, disponível em <https://www.revistadedireitocomercial.com/o-contrato-de-mediacao>, bem como, na jurisprudência, os Acs. do TRL 30-06-2020 (2450/18.7T8TVD.L1-7), do TRP de 24-09-2019 (97151/18.4YIPRT.P1) e do TRE de 22-03-2018 (7439/16.8T8STB.E1); em sentido não coincidente, com argumentos convincentes, cfr. ORVALHO CASTELO, O Contrato, cit., p. 435 e segs. Afigura-se-nos a violação da garantia de exclusividade representa sempre uma violação do contrato, pelo que, ainda que se aceite que do estabelecimento desta cláusula não resulta, automaticamente, o direito a uma comissão sobre o negócio celebrado em resultado da atividade de outra mediadora – o que não é pacífico –, não está afastada a possibilidade de existência de responsabilidade civil contratual do cliente. O mediador pode só estar na disposição de afetar à mediação determinados meios especiais e mais onerosos – por exemplo, a elaboração de prospetos, portfólios ou catálogos – se tiver a certeza de que, durante determinado prazo, terá a oportunidade exclusiva de, logrando encontrar um interessado, recuperar o seu investimento através do recebimento da comissão. Assim, em caso de violação da garantia de exclusividade, dever-se-á (no mínimo) aceitar que o mediador seja ressarcido dos prejuízos sofridos com a mediação, ao menos pela insatisfação do seu interesse contratual negativo, quando a interposição de outro mediador contratado pelo cliente acaba por frustrar a sua “chance” de vir a encontrar um interessado no negócio (e, por decorrência, de receber uma comissão). O mediador com exclusividade goza (beneficia) sempre do prazo fixado no contrato para conseguir um desfecho que lhe garanta uma remuneração, tendo a ablação deste prazo, inequivocamente, uma expressão patrimonial negativa.
2.2. Ultravigência do dever de pagar a remuneração
Dispõe o n.º 1 do art. 19.º do RJMI, no que para o caso releva, que “a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (…)”. Se a atividade desenvolvida pela mediadora não pode ser dissociada da vigência de um contrato de mediação – somente sendo relevante a atividade desenvolvida a coberto de um contrato de mediação em vigor –, já o direito à remuneração parece abstrair-se dessa vigência. O mesmo é dizer que, se a atividade da mediadora que levou à conclusão do negócio tiver sido regularmente desenvolvida, a circunstância de o contrato visado vir a ser celebrado após a extinção do contrato de mediação – por caducidade ou por denúncia – não afasta o direito da prestadora deste serviço à remuneração acordada.
Essencial é, no entanto, que exista uma adequação causal entre a atividade da mediadora e a conclusão do negócio visado. É esta a jurisprudência atual dos nossos tribunais superiores – cfr., por exemplo, o recente Ac. do TRL de 25-02-2021 (28111/17.6T8.LSB.L1-6).
A relação deste direito (ultravigente) com a existência de uma cláusula de garantia de exclusividade é inexistente: ou o contrato ulteriormente celebrado resulta da atividade do mediador, caso em que terá direito à remuneração, sendo irrelevante se este atuou, ou não, em regime de exclusividade; ou a celebração do contrato visado nada tem a ver com a atividade de mediação anteriormente desenvolvida a coberto de um contrato já extinto, caso em que a remuneração não é devida, sendo irrelevante se aquela (inconsequente) atividade foi, ou não, desenvolvida em regime de exclusividade
Vale isto dizer que, também aqui, não acompanhamos sem reservas a doutrina de acordo com a qual a existência de exclusividade (prevista no contrato entretanto extinto) representa uma “uma maior complexidade” na fixação dos limites da ultravigência da obrigação de satisfação da remuneração – cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, «O contrato», cit., p. 252. A exclusividade pretérita em nada altera as coordenadas relevantes na resolução desta questão, sobretudo quando se entenda – como se entende nesta doutrina, embora não seja pacífico ser esse o sentido lei –, que o mediador com exclusividade não tem direito à remuneração quando (comprovadamente) a sua mediação em nada foi útil para a conclusão do contrato visado (ainda na vigência do contrato de mediação), assentando esta na mediação de outro mediador.
3. Causas da frustração do negócio na vigência do contrato de mediação
3.1. Violação da cláusula de exclusividade
Conforme consta no ponto 12 – factos provados –, pode afirmar-se que a ré ensaiou a violação da cláusula de garantia de exclusividade. Com efeito, a iniciativa do arquiteto CC não se pode ter como traduzindo uma mera diligência desenvolvida diretamente pela ré junto de um potencial interessado no negócio. Pelo contrário, a iniciativa de CC traduz um convite à mediação por parte de um terceiro (BB /Réplica).
O incumprimento contratual – designadamente da convenção de garantia de exclusividade – constitui o inadimplente no dever de ressarcir a contraparte pelo prejuízo causado (art. 798.º do Cód. Civil), nos quadros da responsabilidade civil contratual. Importa, no entanto, ter presente que não existe nenhuma relação causal entre esta iniciativa de CC e o suposto dano da autora. Não foi por causa do convite deste arquiteto, em violação do dever de não aceitar a concorrência de outras mediadoras, que a autora deixa de auferir uma determinada remuneração.
Ao mesmo resultado se chega pela via da interpretação e da integração contratual. Ainda que se entenda que o direito ao valor da remuneração, em caso de violação da cláusula de garantia de exclusividade, resulta diretamente do contrato, e não do instituto da responsabilidade civil contratual – isto é, ainda que se entenda que estamos perante um direito ao cumprimento do dever de pagar a remuneração, e não a uma indemnização por incumprimento do dever de garantir a exclusividade –, sempre se terá de concluir que não é por causa desta iniciativa do atual vice-presidente da direção da ré que a autora deixa de auferir a remuneração acordada. Não só esta iniciativa não afastou a Executivo do processo negocial – já que BB a fez intervir na veiculação das propostas que obteve –, como sem ela nem sequer haveria a proposta na qual a autora pudesse suportar a sua demanda.
Em suma, se o interesse contratual (ou a expetativa) da autora se vem a frustrar, alegadamente por culpa da ré, tal não se deve à descrita iniciativa do arquiteto CC junto de BB.
3.2. Causa da frustração do negócio
A proposta recebida da representante da sociedade participante da sociedade que veio a adquirir os imóveis não foi imediatamente aceite pela ré, conforme consta do ponto 25 – factos provados. Antes de a ré se pronunciar sobre ela, a A..., Lda, comunicou à C... que se considerava dela desobrigada, por ter decorrido o prazo da duração da proposta (art. 228.º do Cód. Civil).
Para além do facto de não se poder considerar que a ré recusou uma proposta contratual, nem que satisfazia integralmente as condições previstas no contrato de mediação, importa ainda ter presente que a ausência de decisão da C..., uma cooperativa de ensino, encontra-se justificada pelo momento em que surge a proposta – início de agosto, no meio das férias escolares – e pela circunstância de as suas decisões – máxime, sobre a venda das suas instalações – assumirem a forma de deliberação de um órgão colegial. Considerando estas circunstâncias, não se encontra preenchida a hipótese enunciada no n.º 2 do art. 19.º do RJMI, por falecer o juízo de imputação que justifica a pesada cominação legal, não prescindindo a relevância legal da violação da obrigação de pagamento, decorrente da insatisfação do ónus de celebração do contrato visado, da culpa do obrigado.
Em conclusão, o alegado direito da autora à remuneração não se pode fundar na frustração do negócio na pendência do contrato de mediação.
4. Relação entre a mediação e o negócio celebrado
4.1. Limites das obrigações do comitente
É apodítica a afirmação de que o comitente não tem nenhum dever de ajudar o mediador com exclusividade na sua atividade nem de fazer a mediação por ele. Por assim ser, se o cliente encontrar (sem contributo da mediação) um interessado no negócio, não tem nenhuma obrigação de comunicar este facto ao mediador, podendo – ainda que a exclusividade impeça a negociação direta do comitente – aguardar pelo fim do contrato de mediação para celebrar com esse interessado o negócio pretendido – sem que esta conduta represente uma violação do contrato de mediação. Apenas terá a obrigação, com diferente fundamento (art. 762.º, n.º 2, do Cód. Civil), de comunicar a celebração do negócio visado com a contraparte por si encontrada, na pendência da mediação, para evitar que o mediador continue a desenvolver a sua atividade, agora inutilmente.
O mesmo se diga do caso de abordagem do comitente por um mediador concorrente, apresentando um potencial interessado no negócio. Não existe nenhuma obrigação de ceder a mediação ao mediador com exclusividade (que nada fez por ela); apenas está vedada a celebração do contrato visado na pendência do contrato de mediação com exclusividade. Somente no caso de também o mediador com exclusividade encontrar um interessado, apresentando este uma proposta satisfaz as condições previstas no contrato de mediação, terá aquele direito à remuneração, se o comitente recusar a celebração do negócio assim angariado – porventura com o propósito de conclusão de um negócio melhor angariado por outro mediador, após o termo da exclusividade. Mas tem-no não por força da celebração de um contrato (o que se veio a concretizar após a sua mediação); antes por força da frustração de um outro (o por si angariado que foi recusado por causa da intenção de futura celebração do primeiro) – tudo por decorrência do disposto no (art. 19.º, n.º 2, do RJMI).
Em suma, repisando uma ideia acima já desenvolvida, após a extinção eficaz do contrato de mediação com exclusividade, é absolutamente irrelevante a circunstância de o negócio que vem a ser concluído ter sido, ou não, celebrado com a intervenção e um (outro) mediador, assim como é irrelevante saber se a negociação – e mesmo a mediação – se iniciou ainda na vigência do contrato de mediação com exclusividade. No reconhecimento ao mediador do direito ultravigente a uma remuneração, relevante é apenas a circunstância de o negócio visado ter sido concluído com o contributo causalmente relevante do mediador (com exclusividade ou sem ela).
4.2. Relação causal entre a mediação e o negócio concluído
Não esclarece a lei qual é a intensidade da relação causal entre a mediação e o negócio concluído que justifica o pagamento da remuneração, designadamente, quando este vem a ser concluído diretamente pelo cliente, sem qualquer mediação, ou quando vem a ser celebrado algum tempo depois de cessada a vigência do contrato de mediação.
Quando se entenda que a lei não exige, para que a remuneração seja devida, que a celebração do negócio objeto do contrato de mediação resulte exclusivamente da atuação do mediador, talvez seja forçoso concluir que é suficiente, por exemplo, para demonstração daquele nexo de causalidade, a alegação e prova de que a autora fez uma visita ao imóvel com um interessado que angariou – isto é, que anteriormente desconhecia a existência da vontade de negociar por parte do cliente − e que esse interessado veio a celebrar o contrato visado diretamente com o comitente. No entanto, mesmo aqui, em ordem a realizar tal demonstração, deve exigir-se a prova de uma relevante proximidade temporal entre a atividade da autora e a celebração do negócio visado – “pouco tempo depois”, nos termos empregues no Ac. do TRP de 13-05-2014 (867/12.0TBESP.P1). Coincidência entre a identidade de um interessado e a identidade do comprador não equivale, pois, a adequação causal – não se podendo presumir ou ficcionar a mesma −, cabendo à mediadora a demonstração da efetiva ocorrência de tal nexo – cfr. o Ac. do TRC de 18-02-2014 (704/12.5T2OBR.C1).
Nesta questão, isto é, na identificação dos elementos caracterizadores desta adequação, a normal utilidade da produção jurisprudencial dos tribunais superiores perde-se bastante, pois todos os arestos afirmam ou negam a relação causal em face das circunstâncias muito particulares de cada caso − como o número de visitas, a apresentação de propostas, a realização de reuniões, a apresentação do interessado ao cliente, existência de garantia de exclusividade ou a homogeneidade temporal dos acontecimentos −, particularidades estas que marcam a idiossincrasia de cada litígio e tornam inviáveis as generalizações − sobre a adequação causal, cfr. os Acs. do STJ de 12-12-2013 (135/11.4TVPRT.G1.S1) e de 01-04-2014 (894/11.4TBGRD.C1.S1), do TRL de 20-03-2014 (3199/08-4TBCLD.L1-2), do TRC de 03-02-2015 (1399/11.9TBCLD.C1) e de 09-09-2014 (1421/12.1TBTNV.C1), e do TRG de 29-09-2014 (1651/11.3TBBCL.G1).
Os maiores problemas suscitados a propósito da relação entre a atividade do mediador e a celebração do contrato visado colocam-se nos casos de concausalidade e de interrupção do nexo causal. Assim, por exemplo, quando a mediação seja levada a cabo por mais do que um mediador, aceita-se que não tem direito à remuneração aquele que apenas promoveu uma visita do interessado, vindo este, mais tarde, a efetuar nova visita promovida por outro mediador, sendo este último quem vem a conseguir a sua proposta de compra ou aceitação da proposta de venda. Aqui a remuneração cabe ao segundo mediador – cfr. a exposição teórica constante do STJ de 01-04-2014 (894/11.4TBGRD.C1.S1), bem como a doutrina nele citada.
Dir-se-á que o exemplo que acabámos de dar não corresponde ao vertente, isto é, àquele em que o cliente, no contexto de um contrato de mediação com exclusividade, aborda diretamente um segundo mediador, realizando este outras diligências de mediação, em resultado das quais vem a ser celebrado o contrato pretendido, já depois de extinto o contrato de mediação com o primeiro mediador. No entanto, a semelhança existe, já que os mediadores não têm qualquer relação contratual entre si, estando sempre apenas em causa a vinculação contratual entre o mediador e o seu cliente.
O que analisamos neste momento é, antes de tudo o mais, a existência de uma quebra da adequação causal, e ainda não a violação de deveres contratuais. Em ambos os casos descritos, a causa próxima e efetiva da celebração do contrato visado não é a intervenção do primeiro mediador, mas sim do último (ou do cliente, diretamente), de tal modo que é à intervenção do novo mediador que deve ser imputado o sucesso na celebração do negócio.
É apenas nesta adequação causal que se poderá fundar o direito à remuneração. Só não se deverá assim entender, suprindo-se a inadequação causal, quando o concreto procedimento de negociação adotado é violador do dever de boa-fé no cumprimento do contrato (de mediação) – art. 762.º, n.º 2, do Código Civil. Ora, como vimos, não existe nenhuma obrigação de cedência da mediação feita por outrem (nem de “cedência” do interessado encontrado pelo comitente) para o mediador com exclusividade. Apenas existe a obrigação de não celebração do contrato visado, com base na mediação feita por outrem, durante a vigência da mediação com exclusividade e a obrigação de pagamento decorrente da insatisfação do ónus de celebração do contrato visado, no caso de a mediadora com exclusividade ter apresentado um interessado com uma proposta que corresponde ao negócio visado descrito no contrato de mediação (art. 19.º, n.º 2, do RJMI). O mesmo é dizer que o procedimento adotado – isto é, a conclusão do negócio (depois de finda a mediação com exclusividade) com um interessado que foi angariado por outro mediador – não é violador do dever de boa-fé no cumprimento do contrato (de mediação com exclusividade).
4.3. Relação da atividade da autora com o negócio celebrado
Todos os caminhos jurídicos exigem a prévia resposta a uma mesma questão: qual foi a concreta atividade de mediação desenvolvida pela autora com uma relação causal com o negócio que vem ser celebrado? A atividade de mediação que levou à angariação do interessado e à formalização da proposta de compra desenvolve-se nestas breves etapas
a) a ré tomou a iniciativa de contactar um outro mediador, conforme consta no ponto 12 – factos provados;
b) este outro mediador divulgou o negócio e encontrou uma entidade potencialmente interessada, conforme consta no ponto 16 – factos provados;
c) este outro mediador acompanhou a representante da entidade interessada numa visita breve ao local dos imóveis, conforme consta no ponto 17 – factos provados;
d) este outro mediador obteve da representante da entidade interessada uma proposta de aquisição, conforme consta no ponto 20 – factos provados;
e) este outro mediador remeteu à autora a proposta que obteve, para que esta a retransmitisse à ré, conforme consta no ponto 22 – factos provados;
f) a autora reencaminhou a proposta de aquisição obtida para a ré, conforme consta no ponto 24 – factos provados.
Desta breve crónica resulta que a autora nada fez de determinante (ou mesmo apenas de relevante) na angariação do interessado participante da sociedade que veio a celebrar o negócio visado. Apenas foi trazida ao processo porque o (outro) mediador que angariou o cliente, e que tinha os contactos diretos da ré, foi convencido por um seu angariador de que deveria veicular as propostas obtidas através da Executivo, por ter esta a exclusividade na mediação.
Na verdade, a intervenção da Executivo apenas atrapalhou a mediação, por ter introduzido mais uma desnecessária etapa na cadeia de comunicação da proposta, não trazendo qualquer vantagem ou mais-valia ao processo, apenas servindo tal etapa os interesses da autora, e não os do cliente. A Executivo mais não foi do que um mero núncio, e apenas no seu próprio interesse, não visando a sua intervenção a execução do contrato de mediação, mas apenas garantir a obtenção de um proveito.
Em suma, não se pode dizer que a intervenção da autora tenha sido suficiente, ou mesmo útil, para a conclusão do negócio visado – o que, de acordo com uma solução plausível de direito, afasta a necessária adequação causal, não bastando a ocorrência de uma conditio sine qua non, conforme se sustenta no Ac. do TRL de 14-06-2012 (4620/05.9YXLSB.L1-6). Mais do que isto, não se pode afirmar que o “contributo” da autora tenha sido por qualquer modo necessário à conclusão do negócio. Se retirarmos da equação negocial a variável Executivo – isto é, a solicitação de AA a BB, para que este não concluísse a angariação à margem da autora de fora, e, apenas por causa desta solicitação, o reencaminhamento da proposta –, o resultado seria exatamente o mesmo”.
Assim, e dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não a tendo a apelante logrado impugnar, com sucesso, mantendo-se inalterada a matéria de facto, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento (nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo), sempre se dizendo que não pode deixar de se concluir, como fez o Tribunal a quo que após a extinção do contrato de mediação a remuneração continua a ser devida ocorrendo a perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, mas para tal é, efetivamente, necessário que o comprador tenha chegado ao negócio por via da atividade desenvolvida pelo mediador.
Ora, nada tendo a autora logrado provar ter feito, a justificar o recebimento de comissão pela conclusão do contrato celebrado entre a ré e a D..., Lda, afastada estando a presunção que pode resultar do facto de ter gozado do regime de exclusividade, nenhum direito à remuneração lhe pode ser reconhecido.
E, como se referiu, tal em nada conflitua com regras da boa fé, pois que nada resulta ter a Autora efetuado como mediadora imobiliária, quer durante a vigência do contrato de mediação quer após a sua cessação, para aproximar o comprador dos prédios à ré de modo a permitir a concretização do negócio que se veio a realizar, que pudesse justificar o recebimento da comissão que peticiona.
Nenhuma relação causal existe entre a atividade da apelante e o negócio de compra e venda que veio a ser celebrado entre a ré a entidade compradora e o peticionado recebimento, que sempre injusto e desproporcional à atuação da Autora se revelaria.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
*
Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 23 de maio de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Maria José Simões
________________
[1] Ac. RL de 29/10/2015, Proc. n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in dgsi.pt.
[2] Lebre de Freitas (1992). Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil, em Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, pp. 35 a 38
[3] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (1999). Código de Processo Civil (anotado), vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, pág 8
[4] José Lebre de Freitas (2006), Introdução ao Processo Civil. Conceitos e princípios gerais, 2ª ed.. Coimbra: Coimbra Editora
[5] Ibidem, págs 111 a 115
[6] Carlos Lopes do Rego (2004). Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. I. Coimbra, Almedina, pág 32
[7] Cfr. Ac. do STJ de 04/05/99, proc. nº 99057,in dgsi.net
[8] Cfr. Ac. do STJ de 15/10/2002, proc. nº 02A2478 e da RP de 10/01/2008, proc. nº 0736877, ambos in dgsi.net
[9] Ac. da RC de 20/9/2016, proc. nº 1215/14.0TBPBL-B.C1, in dgsi.net
[10] Ac. do STJ de 27/9/2011, proc. nº 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in dgsi.net
[11] Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086, in dgsi. pt
[12] Acs. STJ. de 14/05/2002, Proc. 02A1353; de 24/02/2015, Proc. 116/14.6YLSB, ambos in base de dados da DGSI.
[13] Ac. STJ. 27/09/2011, Proc. 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in base de dados da DGSI.
[14] Ac. RC. de 13/11/2012, Proc. 572/11.4TBCND.C1, in base de dados da DGSI.
[15] Ac. RG de 15/11/2018, proc. Nº 1269/17.7T8VRL.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias)
[16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, pág. 673
[17] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, pág 205
[18] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 502.
[19] Ibidem, pág 503
[20] Ibidem, pág.725
[21] Ibidem, pág 725
[22] Ibidem, pág 744 e seg
[23] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 736
[24] Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.
[25] Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[26] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[27] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[28] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[29] Ibidem, pág 736
[30] Ibidem, pág 736
[31] Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 906, e Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in dgsi.pt
[32] Ac. STJ de 2/6/2016, Processo 781/11 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Almedina, pág. 737
[33] Ac. STJ de 5/4/2016, Processo 128/13, Sumários Abril/2016, pág 8, Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 921
[34] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in dgsi.pt
[35] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737
[36] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737
[37] Ibidem, págs. 55 e 143.
[38] Ac. do STJ, de 30/9/2014, proc. 2868/03: Sumários, setembro 2014, pág 39
[39] Ac. da RL de 17/3/2016, proc. 218/10: dgsi.net
[40] Ac. do STJ, de 20/10/2015, proc. 372/10: Sumários, 2015, p.555
[41] Acs. STJ. de 01/03/2007, proc. 07A091; 14/11/2006, proc. 06A1986; 20/06/2006 e proc. 06A1443, in dgsi.pt
[42] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712-713
[43] Ibidem, pág 714
[44] Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
[45] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[46] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
[47] Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
[48] Bem referindo importar ter presente que: “como escreve Lebre de Freitas “o julgador da matéria de facto deve ter o contacto mais direto possível com as pessoas e coisas que servem de fontes de prova – princípio da imediação – que a produção dos meios de prova pessoal tem lugar oralmente perante os julgadores da matéria de facto – princípio da oralidade – e porque há imediação, oralidade e concentração ... ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis – princípio da livre apreciação da prova” Introdução ao Processo Civil, pags. 155 e ss.). (…) bem se sintetiza no sumário do Ac. da Relação do Porto, de 19.09.2000, “Porque se mantém vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgador por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquelas decisões, nos concretos pontos questionados” (CJ, IV, pag. 187; cfr. também Ac. Rel. Lisboa, de 27.09.2001, in CJ, IV, pag. 98 e ss.). (…) mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por outros meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade” (in. CJ, V, pag. 85), (…)
e que: “ao contrário do que quer fazer crer, a recorrente não radica a impugnação da maior parte da matéria de facto em verdadeiro erro de julgamento mas antes na convicção que o julgador criou sobre a prova produzida. Daí que a discordância da recorrente não consiste tanto em apontar os concretos erros de julgamento (…)mas antes o querer substituir pela sua convicção sobre a apreciação dos meios de prova a convicção do próprio julgador ou, na generalidade das situações, selecionando ele pequenos extratos dos depoimentos, em detrimento de outros, para tentar demonstrar que a ponderação da prova se fosse por si feita conduziria a resultados diferentes, esquecendo que o princípio da liberdade da apreciação da prova de força não vinculativa, como a testemunhal e a pericial, é faculdade do Juiz e não da parte. Ou, dito de outro modo, o que a recorrente pretende é, em suma, que a sua parcial convicção (porque de parte interessada) se sobreponha à judiciosa convicção do julgador (isento por dever de ofício), servindo-se, para tanto de passagens do depoimento de algumas testemunhas por si indicadas e de pequenas citações das declarações dos representantes da Ré, cirurgicamente selecionados, que a recorrente elege como lhe dando razão, tentando demostrar que não deveriam servir para fundar a convicção do julgador”.
[49] Pois:- os pontos 5 e 6 do despacho saneador estão concretizados, em função da prova produzida, no ponto 9 dos factos provados;
- o ponto 11, dos factos provados é a própria recorrente que reconhece que o mesmo está corretamente julgado. Para além disso, não lhe asiste razão quanto à inclusão de que “ficou ainda provado que esta atividade [a A. ter identificado um imóvel para as futuras instalações da Ré] foi desenvolvida pela Autora em cumprimento do acordado com a Ré, em parceria com a Ré imobiliária”, matéria sequer alegada pela Autora na p.i. como não resultou do julgamento da causa, nem tem qualquer relevância para a decisão, já que não faz parte da mediação em causa dos autos (a mediação imobiliária na venda de três edifícios e não a mediação na compra de um edifício para a Ré). Para além disso, dos elementos de prova selecionados pela recorrente não resulta provado o pretendido aditamento.
- o discurso motivador da pretendida alteração ao ponto 12º é uma divergência relativamente à convicção do julgador e não erro de julgamento.
- relativamente ao facto 13, não resulta de tais depoimentos que AA tenha contactado BB no âmbito de alguma parceria estabelecida.
- o facto 15 não contém matéria conclusiva ou de direito nem tece considerações sobre os factos provados e nenhuma contradição apresenta com a restante factualidade.
- o facto 16, a expressão “neste contexto” é matéria de facto de enquadramento do que segue, sendo tal irrelevante para a modificação da decisão.
- o facto 17 não é afastado pelo excerto reproduzido das declarações da testemunha BB e a convicção do Juiz a quo dos depoimentos das testemunhas BB e DD não pode ser substituída pela convicção que a apelante professa dos referidos depoimentos.
- o facto 18 não deve ser alterado pela razão anteriormente referida.
- o facto 26, não se registam contradições nos depoimentos citados que imponham a modificação pretendida, sendo que uma coisa é a não total coincidência entre os depoimentos outra é a contradição, para além de que a questão da confidencialidade resulta expressamente do teor da referida proposta da A..., Lda, subscrita por DD, como resulta do facto provado 21, e por outro lado, a redação integral do fato provado em 26 constitui o julgamento com as restrições e concretizações resultantes da conjugação da prova documental e da prova testemunha quanto à matéria do facto alegado em 13 da contestação.
- o ponto 30, a apelante limita-se a um mero jogo de palavras, pretendendo demonstrar significativas diferenças entre “renovação de interesse”, que consta da motivação da decisão, e “manifestação de vontade nova”, que resulta, na sua perspetiva, do teor daquele item 30. O dado como provado não está em contradição com a referida motivação e, como a apelante reconhece, apesar do referido jogo retórico, extrai- se do depoimento da testemunha DD. Também o facto de não ter sido junto aos autos o escrito com uma proposta em nada afeta o decidido. Com efeito, não está em crise que a A..., Lda comunicou à ré o interesse da aquisição dos prédios por duas entidades espanholas. Se foi através de uma proposta verbal ou por escrito afigura-se irrelevante para o que se acha provado.
- os factos 34, 35, 36, 37, 38 e 39 julgado não provados assim se devem manter pois “dos depoimentos selecionados, a propósito, pela recorrente não resulta provado que “BB solicitou a AA o agendamento de uma visita às instalações para que os clientes da A..., Lda, as conhecessem” e que “AA agendou com a ré a visita solicitada, comunicando o agendamento a BB, que, por sua vez, comunicou a DD”, que a visita agendada por AA foi integrada, designadamente, por BB e por DD, sendo também acompanhada por AA”, bem como que a “A proposta constante do documento transcrito no ponto 21 – factos provados – foi antecedida de duas visitas aos imóveis promovidos pela autora e que contaram com a presença conjunta do vice-presidente da ré, CC, de FF e AA, em representação da autora, de DD e de BB”, que na segunda visita aos imóveis esteve presente II da proponente D..., S.L”, que “A autora rentou junto dos diretores da ré saber qual o motivo da carta referida no ponto 28 – factos provados -, nunca tendo sido dada uma explicação clara sobre o ocorrido, e que, finalmente, “Foi a atividade desenvolvida pela autora que permitiu a concretização do negócio de compra e venda dos imóveis objeto dos contratos de mediação imobiliária celebrados com a ré”.
Como expressa o Mto Juiz a quo na motivação da decisão sobre a matéria de facto, concretamente sobre estes factos dados como não provados, “O lastro documental (junto) não oferece conforto à alegação da autora, no que ao âmago do litígio diz respeito. Ressalvada a retransmissão da proposta obtida por BB, não encontramos nenhuma outra atividade da autora respeitante ao futuro adquirente. Em especial, não existe, designadamente, nenhuma comunicação da autora para proceder ao agendamento de visitas (ou reuniões com os interessados) nem qualquer tipo de registo das visitas efetivamente realizadas.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora foram contraditórios e pouco firmes, no que respeita a saber quem esteve no local na data das alegadas visitas, quem acompanhou tais visitas no interior das instalações da ré e, acima de tudo, quem nelas estava presente como parte compradora. Da prova testemunhal produzida resulta a convicção de terocorrido uma visita coletiva (pelo menos) com inúmeros interessados não identificados – não sendo possível afirmar com um mínimo de certeza se nela estaria presente um representante da entidade que veio a adquirir aquelas instalações.
Não é sequer certo que tal putativa visita tenha ocorrido antes da apresentação da proposta veiculada pela A... ou no seu prazo de resposta. Note-se que a dita representante da interessada participante da futura adquirente surge no processo de negociação num momento em que a escola (dirigida pela C...) se encontra praticamente encerrada para férias – tornando implausível a alegação de que tal visita teria ocorrido com a presença de responsáveis da ré (e até com aulas a decorrer). Já a narrativa apresentada por algumas testemunhas, no sentido apenas ter sido realizada uma breve visita (pelo exterior) antes da apresentação da proposta, casa bem com o curto espaço de tempo que medeia entre a outorga dos contratos de mediação e a apresentação da proposta”.
Assim, bem andou o Mto Juiz a resolver a dúvida sobre a ocorrência dos factos em conformidade com o disposto nos arts. 414.º do CPC e 342.º, n.º 1, do C.C., “levando-se na devida consideração a doutrina que – sem qualquer explicação epistemológica – sustenta existir uma presunção de facto da causalidade entre a mediação e o negócio, na pendência do contrato com exclusividade”.
[50] Vide neste sentido CPC Anot. Lebre de Freitas, edição Coimbra Editora, Vol. I, p. 311 em anotação ao artigo 155º; Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, ed. 2014, p. 136.
[51] Na jurisprudência, vários têm sido os arestos que sobre esta questão têm sido proferidos, dos quais faremos uma breve resenha, elucidando o que se nos afigura ser o entendimento maioritário quanto à posição por nós assumida:
- Assim no TRP, vide Ac. de 30/04/2015, Relator José Amaral; Ac. 17/12/2014, Relatora Judite Pires; Ac. de 13/02/2014, Relator Aristides Rodrigues de Almeida, no qual e fazendo uma análise comparativa entre o novo e o anterior regime, se pode ler no respetivo sumário:
“I - Na vigência do anterior CPC a irregularidade da gravação dos meios de prova prestados na audiência constituía uma nulidade processual secundária, que devia ser arguida no prazo de 10 dias a contar do dia em que a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, desde que, neste último caso, devesse presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou podia ter tomado conhecimento dela, agindo com a necessária diligência.
II - A parte goza da faculdade de minutar as suas alegações de recurso até à data limite para a sua apresentação e, como tal, pode aperceber-se da falha da gravação apenas nesse último momento, razão pela qual podia invocar a irregularidade apenas nas alegação de recurso, exceto se se demonstrasse que teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo.
III - O art. 155.º do novo CPC consigna agora de forma expressa que o prazo de arguição do vício da deficiência da gravação é de 10 dias a contar da disponibilização da gravação, a qual, por sua vez, deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar da realização da gravação.”
- No TRL vide Ac. de 19/05/2016, Relator Jorge Leal e Ac. 30/05/2017, Relator Luís Filipe de Sousa em cujo sumário se pode ler: “I-A deficiência da gravação de inquirição de testemunha tem de ser arguida pela parte no tribunal a quo, no prazo de dez dias a partir do momento em que a gravação é disponibilizada (Artigo 155º, nº4, do Código de Processo Civil).
II-Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso.”;
- no TRC, vide Ac. de 10/07/2014, Relator Teles Pereira;
- no TRG, vide Ac. de 12/03/2015, Relatora Helena Melo; Ac. 11/09/2014, Relator Heitor Gonçalves;
- No TRE vide Ac. de 12/10/2017, Relator Vítor Sequinho dos Santos.
Vide ainda Ac. de 05/05/2016, Relator Canela Brás (neste se fazendo também ua resenha histórica das posições antes assumidas no âmbito do anterior CPC) no qual e ainda que neste se tenha defendido ser de contar o prazo dos 10 dias apenas após a disponibilização – entendida a disponibilização como “entrega” da gravação ao interessado que invoca a nulidade da gravação - retirando à parte o ónus de requerer essa mesma entrega da gravação dentro do prazo do artigo 155º nºs 3 e 4 a contar do fim da audiência, do que discordamos, seguiu o entendimento de que a nulidade tem de ser arguida nos 10 dias subsequentes, afastando assim a possibilidade de tal nulidade ser arguida em sede de alegações de recurso da decisão final.
[52] Aí se considera “Assim se decidiu também no Ac. RL de 12/11/2013 (também disponível em www.dgsi.pt) no qual se considerou que “…as anomalias na gravação das provas se podem considerar como uma irregularidade especial a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência. A especialidade mais saliente deste regime legal traduz-se justamente na circunstância da Relação poder ordenar por sua iniciativa a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade; no seu entendimento, sublinhe-se, que não no da parte apelante, necessário se mostrando que para formar a sua convicção, a Relação proceda à prévia audição da gravação…”.
Há, de facto, um claro interesse púbico nesta matéria (e não apenas interesses privados, das partes, na repetição dos depoimentos deficientemente gravados), ligado ao duplo grau de jurisdição, que visa a descoberta da verdade material, e que ficaria comprometida pela negligente gravação da prova, tarefa cuja realização não cabe às partes mas ao tribunal.
Ora, os interesses de ordem pública em questão exigem, em nosso entender, a possibilidade de conhecimento oficioso da nulidade em apreciação.
Por isso, cremos que foi de caso pensado que o legislador de 2013 manteve plenamente em vigor o art.º 9.º do DL n.º 39/95, de 15-02, o qual, lido conjugadamente com o citado artº 196º (parte final) do CPC, permite que a nulidade do ato de gravação deficiente seja de conhecimento oficioso pelo tribunal – quer na primeira, quer na segunda instância.
Assim sendo, à luz do disposto, conjugadamente, no artº 9.º do DL n.º 39/95, e nos artºs 195.º n.º 1, 196.º “in fine”, e 662.º n.º 2 al. c), todos do CPC, e vista a filosofia que subjaz a este novo Código - dando prevalência a soluções de justiça material em detrimento da mera justiça formal -, é de perfilhar o entendimento jurisprudencial no sentido de as anomalias na gravação da prova consubstanciarem uma irregularidade especial, com aplicação de um regime também especial, particularmente expedito e oficioso, justificado por um interesse de ordem pública, que visa alcançar-se com a gravação da audiência, permitindo a efetivação do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.
Nesse âmbito, pode a Relação ordenar, oficiosamente, a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que tal se mostre, no seu entendimento, após audição da gravação, essencial ao apuramento da verdade, de molde a poder formar a sua autónoma convicção face à globalidade da prova relevante, no contexto da impugnação da decisão de facto.
Se o recurso assenta, desde logo, na impugnação da decisão de facto, com invocação de provas gravadas, e o tribunal de recurso não logra ter acesso a parte desses meios de prova, por inaudibilidade da gravação, impossibilitando uma decisão conscienciosa da impugnação e, por consequência, do recurso, deve este tribunal, oficiosamente, socorrendo-se dos dispositivos legais aludidos, anular o julgamento, na parte afetada, e a decisão recorrida, com vista ao suprimento do vício existente.
Continua a manter acuidade nesta matéria o decidido no Ac. STJ de 16/12/2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que o “…art. 9.º do DL 39/95, de 15-02, aponta no sentido de se poder considerar as anomalias na gravação das provas como uma irregularidade especial, a que se aplica um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que de resto se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência (…).
A especialidade mais saliente deste regime legal traduz-se, justamente, na circunstância de a Relação poder ordenar por sua iniciativa a repetição das provas que se encontrem imperceptíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, essencial ao apuramento da verdade (…).
A inaudibilidade de um ou mais depoimentos – facto que sempre terá de ser constatado pela 2.ª instância – equivale praticamente, quando esteja em causa reapreciar as provas em sede de apelação, à inexistência da prova produzida; e se a inaudibilidade for influente no exame da causa, ela é impeditiva da real concretização do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto (que, no caso, foi precisamente o direito que os recorrentes pretenderam exercer na apelação levada à Relação) (…).
Sem ouvir os depoimentos e proceder à sua análise crítica, segundo o princípio da livre apreciação das provas fixado no art. 655º n.º 1 do CPC, a Relação não pode optar com inteira segurança por manter ou modificar o julgado em 1.ª instância…”.
No mesmo sentido se pronunciou também o citado Ac. RL de 12/11/2013, no qual se refere que “Em conformidade, cabe a este Tribunal proceder à reapreciação da prova, com a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância, fazendo assim, de forma autónoma, o seu próprio juízo de valoração, que pode ser igual ou diferente do já produzido, procedendo à análise crítica das provas indicadas como fundamento da impugnação, quer testemunhal, quer documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível.
Configura-se, deste modo, que para tanto, deverá este tribunal ter acesso à prova produzida, na exata medida da sua produção, habilitando-o com todos os elementos probatórios que foram, ou podiam ter sido atendidos, por disponíveis, para a formulação da necessária convicção autónoma, sem prejuízo da maior ou menor abrangência da reapreciação a realizar…”.
Ora, na senda da jurisprudência citada, concordamos – à luz do disposto nos artºs 9.º do DL n.º 39/95, 195º nº 1, 196º parte final, e 662º, nº 2, al c), todos do actual CPC, e vista a filosofia que lhe está subjacente, dando prevalência a soluções de justiça material -, que as anomalias na gravação das provas produzidas consubstanciam uma irregularidade processual especial, a que se deve aplicar também um regime especial, que se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência.
Assim sendo, é nosso entendimento que pode a Relação ordenar, por sua iniciativa, ou seja, oficiosamente, a repetição de provas que se encontrem impercetíveis, sempre que isso se revele, no seu entendimento, após audição da gravação, essencial ao apuramento da verdade, de molde a poder formar a sua autónoma convicção, mesmo que se mostre já precludido para as partes o direito de arguirem o vício existente, nomeadamente por extemporaneidade (como aconteceu, no caso dos autos).
Reportando-nos agora novamente ao caso dos autos, como se referiu acima, não há dúvida de que a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas se mostram imperceptíveis (dado o ruído de fundo existente na gravação), sendo a audição daqueles depoimentos essencial para apreciação do recurso da matéria de facto, de que a recorrente lançou mão.
Ou seja, temos como seguro que, dada a relevância daquelas provas (registadas em gravação inaudível), a sua reapreciação é essencial ao apuramento da verdade material, não podendo neste momento este tribunal de recurso aceder ao que foi afirmado, para poder exercer plenamente a sua função de reapreciação da prova.
Resta pois determinar, oficiosamente, a repetição daqueles depoimentos, de molde a suprir a impercetibilidade existente, anulando-se, em conformidade, o julgamento, bem como a sentença subsequentemente proferida”.