Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA SÁ LOPES | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO INADMISSIBILIDADE DE CLÁUSULA QUE LIMITE A ATIVIDADE DO PRATICANTE DESPORTIVO APÓS O TERMO DO VÍNCULO CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | RP20240418564/22.8T8FAR.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - É inadmissível no contrato de trabalho desportivo a existência de uma cláusula que limite a atividade do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual - artigo 19º da Lei nº 54/2017, de 14 de Julho (Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação -RJCTPD) II - Tratando-se de uma norma que não é compatível com a especificidade do contrato de trabalho desportivo, a norma do artigo 136º, nº2 do Código do Trabalho, não é aplicável, face ao disposto pelo artigo 9º do mesmo Código e pelo artigo 3º, nº 1 da Lei nº 54/2017. (da responsabilidade da relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 564/22.8T8FAR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2 Recorrente: A..., SAD Recorrido: AA Relatora: Teresa Sá Lopes 1º Adjunto: Nélson Fernandes 2ª Adjunta: Rita Romeira Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório (transcrevendo-se o relatório efetuado na sentença): “A..., SAD, com sede na Praça ..., Edifício sede, ... intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA, com domicílio na Rua ..., pretendendo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de €100.000,00, acrescida de IVA, por ter incumprido a cláusula terceira do acordo de revogação do contrato de trabalho desportivo celebrado em 2 de Novembro de 2021 ou, subsidiariamente, caso se considere a dita cláusula nula, que seja declarada a nulidade de todo o instrumento e revogação do contrato e, consequentemente, a inexistência de qualquer causa hábil, adequada ou suficiente para operar a rescisão do contrato de trabalho desportivo, sendo o réu condenado a pagar á autora a quantia de €200.000,00 a título de cláusula penal prevista no contrato de trabalho desportivo, por incumprimento do contrato por rescisão com justa causa. Para tanto alega que celebrou um contrato de trabalho desportivo com o réu para vigorar para as épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022, com início em Julho de 2020 e termo em Junho de 2022, para o exercício, por este, das funções de jogador profissional de futebol, mediante a retribuição anual de €72.000,00 líquidos, a pagar em 12 prestações mensais, incluindo subsídios de férias, de Natal e de alimentação, no valor unitário de €6.000,00 e que na segunda época, não demonstrando o réu motivação adequada para continuar ao serviço da autora, apesar de ser um dos atletas com maior potencial do plantel, não pretendendo a autora revogar o contrato, iniciaram negociações tendentes à revogação do contrato. Mais alega que era intenção do réu revogar o contrato, mas sem efectuar o pagamento de qualquer valor à autora, apesar da cláusula rescisória e da cláusula penal, no valor de €1.500.000,00 convencionadas no contrato. Por isso, a autora apenas aceitou a revogação do contrato mediante o compromisso do réu de que não jogaria para mais nenhum clube da 2ª Liga de Futebol Profissional na época em curso (2021/2022), tendo em 2 de Novembro de 2021 sido celebrado acordo de revogação do contrato de trabalho desportivo, obrigando-se a autora a pagar a quantia líquida de €7.800,03, a título de remuneração de Outubro e de compensação global pela revogação antecipada do contrato e, em contrapartida, o réu obrigou-se a pagar á autora a quantia de €100.000,00 acrescida de IVA, se ocorresse o registo ou assinatura de contrato de trabalho desportivo pelo réu com qualquer equipa a disputar naquela época a 2ª Liga de Futebol Profissional até 30 de Junho de 2022. Apesar disso, no dia 4 de Janeiro de 2022, o B..., que se encontrava a disputar a 2ª Liga de Futebol Profissional, registou contrato de trabalho desportivo com o réu junto da Liga Portugal e apesar de decorrido o prazo convencionado nem o réu nem o B..., efectuaram o pagamento da quantia acordada. Para o caso de se considerar que a cláusula inserida no acordo de revogação é nula, a autora alega que todo o acordo de revogação é nulo, pois não o teria celebrado sem a dita cláusula, pelo que, não produzindo efeitos a cessação do contrato, o réu, ao celebrar novo contrato de trabalho desportivo estaria constituído na obrigação de pagar à autora, por si ou por terceiro o montante estipulado no contrato de trabalho para a rescisão sem justa causa e simultaneamente a título de cláusula penal, cujo valor a autora reduz para € 200.000,00. Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, o réu contestou, invocando além da incompetência territorial, oportunamente decidida, a nulidade da cláusula terceira do acordo de revogação do contrato de trabalho desportivo por a mesma ser uma restrição inadmissível à sua liberdade de trabalho e alegando que a autora, face à má classificação da equipa tinha interesse em diminuir a carga salarial do plantel, já que apenas aspirava à manutenção na 2ª Liga, ao contrário do que era o seu objetivo no início da época, encontrando-se o réu desanimado com a classificação e ficando desagradado com a sua substituição no jogo, pelo que quando foi celebrado o acordo de revogação a autora poupou nos vencimento do réu até ao termo do contrato. Mais alega que a quantia paga a título de compensação correspondia afinal a parte do valor em falta relativo ao montante das rendas devidas pela habitação do réu que a autora se comprometeu a suportar, que a inserção da cláusula 3ª no acordo de revogação não foi discutida entre as partes, tendo o conteúdo do acordo sido da exclusiva autoria da autora, limitando-se o réu a apurar os valores em dívida e a assinar. O acrescenta ainda que o valor fixado na dita cláusula é manifestamente excessivo, pois é o único que aufere rendimentos com os quais suporta as despesas do agregado familiar, composta pela companheira, à data grávida. Por outro lado, o réu alega que mesmo que a cláusula fosse válida não se vislumbra qual o prejuízo da autora, que só celebrou o contrato com o B... porque nenhum outro clube manifestou interesse em contratá-lo, sujeitando-se a ficar sem emprego e sem rendimentos até ao final da época. Acrescenta que a limitação imposta pela cláusula supra referida não acautela qualquer interesse indispensável da autora, sendo o valor desproporcionado, que a celebração do contrato com o B... não acarretou qualquer prejuízo para a autora, que a nulidade da dita cláusula não é apta a gerar a nulidade de todo o acordo de revogação do contrato de trabalho, pois as partes efetivamente pretenderam pôr fim ao contrato de trabalho.” Foi proferida sentença de cujo dispositivo consta: “Por todo o exposto julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, decido absolver o réu de todos os pedidos contra o mesmo formulados. Custas pela autora – art. 527º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.” Inconformado com o assim decidido apelou a Autora, apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões: “1.ª - In casu, cremos que se imporia decisão diversa da matéria de facto considerada não provada face aos documentos constantes dos autos, bem como à prova produzida em sede de audiência; 2.ª O douto Tribunal a quo não deveria ter dado como não provada a matéria constante do seguinte facto: “a) A autora não pretendia revogar o contrato com o réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o réu demonstrou.” 3.ª - Não se afigura como lógico que o facto constante da aliena a) se considere como não provado, uma vez que, se considera provado na alínea n.º 7 que foi iniciativa do jogador a intenção de rescindir o contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, em virtude dos acontecimentos havidos no intervalo do jogo com o .... - V. Supra n.ºs 1 a 14; 4.ª – Cumpre atender às declarações de parte prestadas pelo Administrador da ora Recorrente, BB, uma vez que, a douta sentença ora recorrida se baseia neste depoimento para tentar justificar o porquê de considerar o facto da alínea a) como não provado, consagrando que “foi infirmada pelo próprio administrador da autora ao descrever as circunstâncias em que contactou o “empresário do réu”, sendo manifesto que das declarações de parte do Administrador da Recorrente resulta exatamente o contrário da conclusão sobre o referido facto plasmada na sentença recorrida. - V. Supra n.ºs 15 a 19; 5.ª - Em face da prova testemunhal produzida com os testemunhos de CC e DD, nos excertos melhor identificados nas alegações, conclui-se que não só o Recorrente não tinha intenção de revogar aquele contrato de trabalho desportivo, como esta revogação resultou de um pedido por parte do Recorrido na sequência de reiterados comportamentos inadequados. - V. Supra n.ºs 20 a 29; 6.ª - Deverá ser alterada a decisão do Tribunal a quo, dando-se como provado o facto identificado na alínea a) dos factos não provados, nos seguintes termos: “A autora não pretendia revogar o contrato com o réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o réu demonstrou”. - V. Supra n.ºs 30 a 32; 7.ª - A douta sentença recorrida enferma de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, e por violação de lei, ao considerar nula a cláusula terceira do acordo de revogação sem declarar a nulidade de todo o instrumento de revogação de contrato, tendo violado o disposto nos artigos 237.º, 289.º, n.º 1 e 292.º do CC. - V. Supra n.ºs 33 a 52; 8.ª - A douta sentença recorrida enferma de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei e por violação de lei ao considerar que deveria operar a redução do acordo revogação por aplicação dos critérios do artigo 239.º do CC, violando-se o disposto nos artigos 239.º e 292.º, ambos do Código Civil, V. Supra n.ºs 53 a 31. NESTES TERMOS, Deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. SÓ ASSIM SE DECIDINDO SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA.” Contra-alegou o Réu do modo seguinte: “1ª. O recurso interposto não tem condições de procedibilidade, sendo inatacável, de facto e de Direito, a mui douta e prudente decisão proferida e todos os fundamentos em que a mesma se estriba. I) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA 2ª. Pretende a Recorrente que a matéria constante da alínea a) dos Factos Não provados deveria ter sido dado como Facto Provado. Ou seja que “A Autora não pretendia revogar o contrato com o Réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o Réu demonstrou” E que tal estaria em contradição com o constante nas alíneas 7ª e 8ª do Factos Provados. 3ª. Em nenhuma das alíneas 7ª e 8ª, é referido falta de empenho do Réu. Na verdade a matéria constante da alínea 7ª, é respeitante a ocorrências posteriores ao jogo com o ..., onde o Réu demonstrou o seu desagrado por ter sido substituído, e por sua vez a matéria constante da alínea 8ª, são as consequências que a Autora tomou para fazer face à reação do Réu na sequência da sua atitude posterior ao mencionado jogo. 4ª. A intenção da Recorrente de revogar o contrato não foi consequência da falta de empenho do Recorrido, antes sim decorrente dos factos que ocorreram após o jogo com ... e elencados nas referidas alíneas 7ª e 8ª dos factos provados. Pelo que, não existe qualquer contradição entre as matérias de facto constante daquelas alíneas 7ª e 8ª dos factos provados e a referida na alínea a) dos factos não provados. Os mesmos reportam-se a períodos temporais diferentes. 5ª. A decisão do julgador encontra-se devidamente fundamentada quanto à opção tomada acerca do convencimento que os meios de prova criaram quanto ao sentido da decisão da matéria de facto. 6ª. Inexiste qualquer flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão proferida, assentando antes os fundamentos do recurso interposto na mera pretensão de fazer relevar prova testemunhal pela qual o sentido da decisão poderia ser diverso, mas que o tribunal a quo desconsiderou, fazendo-o, no entanto, justificadamente. 7ª. Não existe, pois, qualquer erro de julgamento da matéria de facto, antes a clara manifestação da livre convicção do julgador e da liberdade de julgamento, que não poderá ser sindicada em sede de recurso. 8ª. A recorrente pretende, com o recurso interposto, obter a alteração da matéria de facto, valendo-se de esparsos excertos de depoimentos testemunhais, de escassos segundos, sem atender aos depoimentos no seu todo, como teve oportunidade de os apreciar a Mmª Juiz a quo 9ª. Não há qualquer justificação minimamente séria nos argumentos da Recorrente que permitam pôr em causa tal decisão, não passando o recurso interposto de uma esforçada mas inconsistente tentativa de valorar depoimentos testemunhais cirurgicamente escolhidos para a sua conveniência. 10ª. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 607.º nº 5 do CPC: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da primeira instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação/transcrição. 11ª. A admissibilidade da alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará apenas nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respetiva fundamentação, o que nitidamente não é o caso. 12ª. Assim não haverá lugar a qualquer alteração da matéria de facto dada como provada. II) DA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO 13ª. A decisão em crise reconheceu a nulidade da cláusula terceira do acordo de revogação. Nulidade esta que a Recorrente não põe em causa. 14ª. Critica a Recorrente que a nulidade de tal cláusula deveria levar à nulidade de todo o documento de revogação. 15ª. Conforme referido pela Mmª Juíza do Tribunal a quo, “Não operar a redução do acordo de revogação mesmo contra a vontade hipotética da autora no momento da celebração do acordo (considerando consequentemente inválidas todas cláusulas dele constantes) seria, do ponto de vista do tribunal, manifestamente contrário aos limites impostos pela boa fé. 16ª. Para que seja possível, haver redução em conformidade com a boa fé, é essencial que estejamos perante um negócio divisível, no sentido de que seja possível dividi-lo numa parte que é inválida e noutra que se mantém válida. 17ª. No caso dos autos, nada impede que seja declarada nula a mencionada cláusula 3ª do acordo de revogação. A nulidade de tal cláusula apenas afeta o efeito sancionatório da mesma, assumindo a restante parte do contrato de revogação autonomia, não sendo afetada pelo vício da nulidade. 18ª. A nulidade tanto pode ser total como parcial, conforme afete todo o negócio jurídico ou, somente, uma parte ou qualquer cláusula do mesmo. 19ª. A nulidade total do acordo de revogação violaria os princípios da boa fé. 20ª. Conforme referido na decisão, declarar a nulidade do acordo, repristinando a manutenção do contrato de trabalho, seria ignorar os benefícios que a Recorrente teve com a revogação, ou seja não pagou os salários ao Recorrido entre o Mês de novembro de 2021 e Junho de 2022, evitou que a desmotivação deste com a manutenção do seu contrato de trabalho “contaminasse o ambiente do balneário” da equipa profissional da Recorrente, que poderiam causar prejuízos desportivos. 21ª. Por último, também será de referir que a Recorrente não teve qualquer prejuízo (Económico ou desportivo) com a celebração por parte do Recorrido de um contrato de trabalho com o B... seu rival na competição do campeonato da 2ª liga. 22ª. Mais, conforme referido na decisão “declarar a invalidade total do acordo de revogação repristinando a vigência do contrato de trabalho, implicaria que a autora tivesse colhido as restantes vantagens que obteve com a cessação do contrato do réu supra referidas e que ainda viesse a receber a quantia relativa à cláusula penal estabelecida no contrato de trabalho, a qual, mesmo que reduzida equitativamente, como não poderia deixar de acontecer, equivaleria, afinal, a que a autora, apesar da nulidade da cláusula obtivesse agora a mesma vantagem financeira que a nulidade da cláusula inviabilizou.” 23ª. Isto é, declarar a nulidade total do acordo de revogação equivaleria que a Recorrente recebesse uma vantagem económica decorrente de uma cláusula inválida. 24ª. Tendo em conta o exposto, decidiu bem o Tribunal recorrido, não merecendo qualquer censura a sentença proferida, declarando apenas a nulidade da cláusula terceira do acordo de revogação, sem que tal afete a subsistência da parte restante do acordo. TERMOS EM QUE E SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO. MANTENDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NOS SEUS PRECISOS TERMOS POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA.” * O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. Subidos os autos a este Tribunal da Relação do Porto, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer no qual nomeadamente se lê: “2. Em relação à impugnação da decisão da matéria de facto, da leitura da decisão e demais elementos, entende-se que não merece qualquer censura a douta sentença, como melhor se pode ver pelas razões que determinaram a “convicção do Tribunal”. Nem há contradição na matéria de facto provada, pois entende-se que, na verdade, a partir de determinado momento era vontade, quer da Autora quer do Réu, de por fim ao contrato. E, ambos ganhavam com isso; a Autora (i)porque se libertava de um jogador que, desmotivado, podia prejudicar o bom ambiente da equipa e (ii)porque deixava de pagar as retribuições até final do contrato, cortando nas despesas, e o Réu porque não jogando ou sendo substituído, deixava de ter visibilidade, prejudicando o seu futuro como jogador. 3. Quanto ao direito, entende-se que também não merece censura ou reparo a douta sentença recorrida. Na verdade, ambos reconhecem e aceitam que esta cláusula 3ª do acordo entre Autora e Réu alcançado é nula. A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada – art.º 292º do CC. E, mesmo em alguns casos em que a vontade de uma das partes fosse a da invalidade total, o negócio não teria sido concluído, mesmo assim deve ter lugar a redução. Neste caso a cláusula considerada nula resulta de proibição de clausulas “anti rivais”, proibição que era do conhecimento da A., e de proteção do Réu, além de que, na verdade, é mais conforme à boa-fé (porque mais próxima, também, da vontade de ambas as partes), a manutenção do negócio – art.º 239º do CC – (Ac. do STJ de 29.09.2015 Proc. n.º 261/12.2TBABF.E1.S1, www.dgsi.pt, citado pelo réu) Por isso, salvo melhor opinião, deverá ser confirmada a douta sentença em recurso. * 4. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.” Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir. - Questão a resolver: a) Impugnação da matéria de facto. b) Saber se a nulidade reconhecida da cláusula terceira do acordo de revogação da determina a invalidade total do acordo de revogação repristinando a vigência do contrato de trabalho. * 2. Fundamentação: 2.1. Fundamentação de facto: 2.1.1. Foi esta a decisão de facto do Tribunal a quo: “Factos provados 1) Por documento escrito com o teor de fls. 19 a 21 que se reproduz, datado de 12 de Junho de 2020, o réu obrigou-se a prestar a actividade de jogador profissional à autora, na categoria de sénior, pelo período de 2 (duas) épocas desportivas – épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2020, com início em 1 de Julho de 2020 e termo em 30 de Junho de 2022, mediante a remuneração líquida em cada uma das épocas de €72.000,00, a pagar em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, na qual se encontra incluído o valor eferente ao subsídio de férias, subsídio de Natal e subsídio de alimentação, no valor unitário de €6.000,00, vencendo-se a primeira em 5 de Agosto e a última até ao dia 5 dos meses subsequentes. 2) Da cláusula décima primeira do referido documento ficou ainda a constar o seguinte: “Se alguma das partes rescindir, resolver ou revogar o presente contrato (sem justa causa) antes do seu término, ficará constituída na obrigação de indemnizar a contraparte pelos prejuízos causados pela conduta, fixando-se, desde já, a título de cláusula penal, o montante indemnizatório a pagar, e que será o seguinte: a. Se o A..., promover indevidamente o despedimento do Jogador, por ausência de processo disciplinar ou falta de justa causa, ou incorrer em comportamento que constitua o Jogador no direito de rescindir o contrato com justa causa, fica obrigado a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das retribuições que lhe seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo, deduzidas das que eventualmente o Jogador venha a auferir pela mesma actividade durante o período em causa, nada mais tendo a exigir o Jogador a título de remunerações, indemnizações ou qualquer outro ao A...; (…) c. Por mútuo acordo as Partes estabelecem a presente cláusula de rescisão (revogação antecipada), mediante a qual é conferido ao Jogador o direito de, durante o período de vigência do presente contrato e antes do prazo de caducidade do mesmo, sem necessidade de justa causa ou consentimento do A... rescindir (revogar) livre e discricionariamente o presente contrato, desde que o Jogador ao rescindir (revogar), para além do envio da comunicação rescisória (revogatória), comprove ter efectuado por si ou por outrem o pagamento único da quantia de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), estabelecendo-se o mesmo valor a título de cláusula penal, na eventualidade da rescisão sem justa causa operar por iniciativa do Jogador; (…)”. 3) Ainda no mesmo documento, desta feita na cláusula décima segunda ficou a constar que “Os casos e situações não previstos no presente contrato regem-se pelo C.C.T. outorgado entre o Sindicato Nacional de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e pela Lei nº 54/2017 de 14 de Julho, independentemente da sindicalização ou não do Jogador.” 4) Com data de 9 de Junho de 2020, a autora e o réu subscreveram o documento escrito com o teor de fls. 22 que se reproduz, pelo qual, como adicional ao contrato de trabalho desportivo outorgado, e passando a fazer parte integrante deste, as partes estipularam que adicionalmente às remunerações estipuladas no contrato de trabalho desportivo, em cada uma das épocas, o réu teria direito por cada bloco de 10 jogos oficiais na I Liga em que participasse no mínimo 45 minutos, ao montante de €5.000,00 líquidos e ainda que nas duas épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022 o A... se obrigava a disponibilizar ao Jogador um apartamento mobiliado durante toda a vigência do contrato. 5) Na 1ª época de duração do contrato, o A... disputou a 1ª Liga de Futebol Profissional, tendo sido despromovido para a 2ª Liga no final da época. 6) O réu, sendo um dos atletas com maior potencial do plantel do A..., na 2ª época de prestação do trabalho, fruto dos maus resultados da equipa, pelo menos a partir de Setembro de 2021, manifestou alguma desmotivação e vontade de cessar ou renegociar o contrato. 7) No dia 1 de Novembro de 2021 ocorreu um jogo entre a equipa profissional de futebol da autora e o ..., no qual o réu foi substituído ao intervalo, tendo manifestado o seu desagrado, dito que não jogava mais no A... o que o director desportivo transmitiu à administração da autora. 8) A administração da autora, face ao comportamento adoptado pelo réu, que entendeu que seria merecedor da instauração de um processo disciplinar, decidiu que era melhor falar com o empresário do jogador com vista à cessação do contrato com o réu, aceitando a perdê-lo para não contaminar os outros jogadores, evitando também continuar a pagar-lhe, desde que ele não fosse jogar para um clube rival, informando o empresário do jogador de que moveria um processo disciplinar ao réu ou em alternativa cessariam o contrato de trabalho com aquela condição, o que o empresário aceitou. 9) Em 2 de Novembro de 2021 a equipa profissional de futebol da autora estava classificada no 15º lugar com 9 pontos, no campeonato da 2ª liga de Futebol Profissional, sendo reduzidas as suas expectativas de promoção à 1ª Liga, a que tinha aspirado no inicio da época. 10) Com data de 2 de Novembro de 2021 a autora e o réu subscreveram, com reconhecimento presencial das assinaturas, o documento de fls. 11, cujo teor se reproduz, pelo qual declararam revogar, por mútuo acordo o contrato de trabalho desportivo que entre ambos vigorava desde 1 de Julho de 2020, bem como revogar todos e quaisquer acordos e aditamentos entre ambos celebrados. 11) Mais declararam que o A... pagaria ao Jogador a quantia liquida total de €7.800,03, sendo €6.000,03 referente à remuneração mensal do Jogador do mês de Outubro de 2021 e €1.800,00 a título de compensação pecuniária de carácter global pela revogação antecipada do contrato. 12) Declararam ainda na cláusula terceira do referido documento que “As partes acordam que haverá lugar ao pagamento da quantia de €100.000,00 (cem mil euros) acrescido de IVA à taxa legal, se ocorrer o registo ou simples assinatura de contrato de trabalho desportivo do Jogador com qualquer equipa a disputar a 2ª Liga de Futebol Profissional (Liga Portugal SABSEG) na presente época desportiva 2021/2022, a contar da data de assinatura da presente revogação até ao dia 30 de Junho de 2022. O pagamento da apresentada quantia terá lugar nos dois dias úteis subsequentes ao registo ou assinatura do contrato de trabalho desportivo com qualquer das mencionadas sociedades desportivas.” 13) O acordo de revogação foi integralmente redigido pelos serviços jurídicos da autora e apresentado ao réu e respectivo empresário para analisarem antes da assinatura. 14) A autora apenas aceitou a revogação do contrato mediante a aceitação pelo réu da dita cláusula 3ª do acordo de revogação do contrato. 15) O réu aceitou a inserção da cláusula 3ª no acordo de revogação do contrato porque estava absolutamente convencido de que iria jogar para a 1ª Liga. 16) No dia 4 de Janeiro de 2022, a B..., registou contrato de trabalho desportivo celebrado com o réu junto da Liga Portugal, tendo já anunciado no dia 3 de Janeiro de 2022 através da sua página de internet, a contratação do réu. 17) A B... encontrava-se naquela data a disputar a 2ª Liga de Futebol Profissional (Liga Portugal SABSEG). 18) Apesar de interpelado para o efeito, por carta de 30/01/2022, enviada em 01/02/2022, com o teor de fls. 16 que se reproduz, o réu não efectuou o pagamento à autora da quantia de €100.000,00, acrescida de IVA prevista pela cláusula 3ª do acordo de revogação do contrato. 19) Na data da assinatura do contrato celebrado entre o réu e o B..., a autora estaria disposta a negociar a rescisão do contrato que mantivesse com o réu, permitindo que este assinasse contrato de trabalho desportivo com outra sociedade desportiva que disputasse a 2ª Liga de Futebol Profissional por montante inferior ao previsto na al. c) da cláusula 11ª do contrato celebrado em 09/06/2020. 20) O agregado familiar do réu é composto, além dele próprio, pela esposa, com a qual vivia em união de facto durante a vigência do contrato com a autora e por um filho nascido em Abril de 2022. 21) Após a cessação do contrato com a autora, nenhum clube da 1ª Liga Portuguesa de Futebol mostrou interesse na contratação do réu e só esgotada tal possibilidade o réu aceitou a celebração do contrato com o B..., na falta de qualquer outra proposta relevante. 22) Na época desportiva 2021/2022 a segunda “janela de inscrições” ocorreu de 03/01/2022 a 31/01/2022. * Factos não provados a) A autora não pretendia revogar o contrato com o réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o réu demonstrou. b) Era intenção do réu revogar o contrato celebrado com a autora sem efectuar o pagamento de qualquer valor. c) O réu informou a autora de que o B..., assumiu o pagamento dos montantes por aquele devidos pela assinatura do contrato com aquela sociedade desportiva. d) De acordo com os contactos havidos entre os representantes da autora e o B..., os representantes desta assumiram a sua responsabilidade solidaria pelo pagamento dos montantes devidos pelo réu à autora, mas nunca vieram a encetar qualquer pagamento. e) O réu solicitou ao director desportivo uma reunião para manifestar a sua insatisfação pela substituição no intervalo do jogo com o .... f) Em 2 de Novembro de 2021 a autora tinha interesse em diminuir a carga salarial do seu plantel da equipa profissional de futebol. g) A inserção da cláusula 3ª no acordo de revogação do contrato não foi discutida entre as partes. h) O réu é o único elemento do agregado familiar que aufere rendimentos fruto da sua actividade profissional. i) Por já saber que seria pai em Abril de 2022 e viver em Portugal há cerca de 4 anos, o réu só tinha interesse em celebrar contrato de trabalho desportivo com sociedades desportivas sediadas em Portugal. * Fundamentação da decisão da matéria de facto A decisão da matéria de facto foi precedida da análise das posições das partes assumidas nos articulados, bem como da ponderação, que se quis crítica, dos meios de prova produzidos. Assim, a matéria dos pontos 1) a 3) reproduzem na parte relevante o documento de fls. 19 a 21, o contrato de trabalho celebrado entre as partes, que não foi impugnado. A matéria do ponto 4) reproduz o teor do documento de fls. 22, igualmente não impugnado. Quanto ao ponto 5) foram determinantes as declarações da testemunha CC, à data diretor de operações ou diretor desportivo como era considerado pelo réu e pela própria autora, de acordo com o depoimento do Presidente do Conselho de Administração da autora, as declarações da testemunha EE, advogado e responsável do departamento jurídico da autora, as declarações de parte da autora através do administrador, FF e as próprias declarações e depoimento de parte do réu. O ponto 6) considerou-se provado face às declarações dos supra referidos CC e do administrador da autora que detalhadamente descreveu a posição assumida pelo réu desde o início da época desportiva 2021/2022, após a descida do clube para a 2ª Liga de desagrado e até os contactos para cessar o contrato, situando a partir de Setembro a quebra de rendimento do réu. O próprio réu, na contestação, reconheceu a desmotivação. Quanto ao ponto 7) relevou o documento de fls. 33 quanto à data do jogo, confirmada como sendo na véspera do acordo de revogação, quer pelo réu, quer pela testemunha CC, tendo este descrito o que se passou no intervalo do jogo, em consonância com as declarações do próprio autor, relevando ainda as declarações da testemunha DD, “empresário” do réu, na parte em que confirmou que o réu lhe havia transmitido que após a substituição no jogo com o ..., tinha dito que se queria ir embora do A.... Relativamente à matéria do ponto 8) foram essenciais as declarações do administrador da autora, corroboradas pela testemunha DD, ainda que o contacto referido com o empresário tenha sido efetuado com o seu pai, igualmente “empresário” do réu, ao referir que, antes de o réu ter recebido o contacto da autora dizendo-lhe que estavam prontos para rescindir o contrato, tinha havido um contacto com o referido DD, descrevendo a informação que lhe foi prestada pela autora. Foi ainda relevante o depoimento da testemunha EE ao confirmar que a intenção da autora de cessar o contrato era a de não continuação do mau ambiente e de que o réu não contaminasse o balneário. O ponto 9) resultou provado face ao teor do documento de fls. 33 verso. Já a matéria dos pontos 10), 11) e 12) ficou provada com base no documento de fls. 11. O ponto 13) foi confirmado pela testemunha EE que redigiu o documento de acordo com as instruções da administração da autora, tendo-se ainda em conta as declarações do réu e da testemunha DD. A matéria do ponto 14) além da afirmada perentoriamente pelo administrador da autora, inferiu-se também das declarações do réu, segundo o qual tendo tomado conhecimento do teor da cláusula terceira, lhe foi dito que ou assinava o acordo ou então lhe moveriam um processo disciplinar, o eu pressupõe que se o réu não aceitasse a dita cláusula a autora não aceitaria a revogação do contrato de trabalho. O mesmo se inferiu das declarações da testemunha DD que confirmou que na reunião em que o réu assinou a o acordo de revogação, na qual esteve presente, que se o réu não assinasse o dito acordo, poderiam mover-lhe um processo disciplinar e apesar de ter dito que a dita cláusula não foi discutida, disse também que o réu assinou o acoro com a cláusula porque quis, pois, ou a aceitava ou a autora não aceitaria a revogação, dizendo também que no momento da revogação a ideia era o réu ir jogar para um clube da 1ª Liga ou para o estrangeiro, ao que a dita cláusula não era obstáculo. Finalmente o que se considerou provado é o que faz sentido no contexto retratado nos autos, não sendo razoável admitir que, a autora acordasse na revogação do contrato de um contrato de trabalho no qual existia uma cláusula penal no valor de €1.500. 000,00, se não tivesse uma contrapartida relevante para além de deixar de pagar os salários do réu. O ponto 15), foi confirmado pelas próprias declarações do réu e pelo depoimento da testemunha DD, como referido a propósito do ponto 13). De realçar que o próprio réu referiu que o acordo era bom porque podia ser jogador livre e ir jogar para a 1ª Liga Relativamente aos factos constantes dos pontos 16) e 17) relevou o acordo das partes nos articulados. Também por acordo das partes e secundado pelo documento de fls. 16, se considerou provada a matéria do ponto 18). A matéria do ponto 19) foi confirmada pelo administrador da autora, de tal forma que não deixou ao tribunal qualquer margem para dúvida, afigurando-se no mínimo expectável que se o réu continuasse ao serviço da autora, após o que se deixa relatado, a autora não colocaria obstáculos à sua saída do clube, estando inevitavelmente disposta a receber um valor inferior ao clausulado no contrato de trabalho face ao tempo entretanto decorrido, à eventual desvalorização do jogador por estar a jogar na 2ª Liga, caso continuasse a jogar após os eventos descritos e face ao curto período de temo que faltaria até à caducidade do contrato que permitiria ao réu cessar a ligação ao clube sem qualquer custo. Quanto aos pontos 20) e 21) foram relevantes as declarações do réu, corroboradas pelo depoimento da testemunha DD. Finalmente a matéria do ponto 22) não tendo sido impugnada, ficou também demonstrada pelo documento de fls. 34. A matéria que não se considerou provada foi a que se considerou incompatível com a matéria de facto prova, a que foi infirmada pela prova produzida e aquela que não foi sequer objeto de prova. Assim, a al. a) foi infirmada pelo próprio administrador da autora ao descrever as circunstâncias em que contactou o “empresário” do réu. Quanto á alínea b) não resultou dos depoimentos e declarações prestados que tal matéria tenha sido sequer equacionada, nem se pode inferir, sem mais, de qualquer prova produzida ou dos factos que se consideraram demonstrados. Quanto às alíneas c) e d) reportam-se a matéria que ninguém confirmou, sendo que o que foi referido a esse respeito pelo administrador da autora foi a existência de contactos com o B..., mas que se goraram por a autora não aceitar o que foi proposto. A matéria da alínea e) não foi confirmada por nenhum meio de prova, resultando até infirmada pela sucessão dos acontecimentos subsequentes à substituição do réu no jogo com o .... Quanto à alínea f) não se ignorando que a redução dos custos com o plantel poderia ser uma vantagem para a autora, não resultou da prova que tenha sido esse o motivo que levou a autora à revogação do contrato, tal como foi confirmado pela testemunha EE, segundo o qual até fizeram novas contratações e como resulta da explicação dada pelo administrador da autora segundo o qual se fosse essa a intenção da autora então o réu teria sido abrangido pelas revogações que, na sequência da descida de divisão, e no início da época, fizeram com outros jogadores. A matéria da alínea h) foi infirmada pelas declarações do administrador da autora, pelas declarações do réu que admitiu que quando assinou o acordo de revogação sabia do teor da cláusula e pelas declarações da testemunha DD. O que resultou de todas as declarações é que a inserção da cláusula foi da iniciativa da autora, que não houve negociações quanto ao teor, designadamente quanto ao âmbito de aplicação, quanto ao valor fixado para o seu incumprimento, mas também que se tal não aconteceu foi porque o réu e o seu empresário desvalorizaram a importância da cláusula, aceitando-a tal como lhes foi apresentada porque a alternativa era o réu não passar a ser um jogador livre por continuar vinculado ao A... e sobretudo porque nem admitiram a possibilidade de o réu ter de continuar a jogar na 2ª Liga, estado convencidos de que ele iria jogar para a 1ª Liga. Quanto à alínea h) não foi produzida qualquer prova e a matéria da alínea i) foi infirmada elo próprio réu ao afirmar que além de Portugal aceitaria ir jogar para França de onde é nacional, o que não aconteceu por não haver propostas.” 2.1.2. Impugnação da matéria de facto: De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil. Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”. Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º. Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil: «1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)». No recurso, em análise, conclui a Apelante que: - Não deveria ter dado como não provada a matéria constante do seguinte facto: “a) A autora não pretendia revogar o contrato com o réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o réu demonstrou.” - Uma vez que, se considera provado na alínea nº7 que foi iniciativa do jogador a intenção de rescindir o contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, em virtude dos acontecimentos havidos no intervalo do jogo com o .... – Invoca as declarações de parte prestadas pelo Administrador da ora Recorrente, BB, uma vez que, a douta sentença ora recorrida se baseia neste depoimento para tentar justificar o porquê de considerar o facto da alínea a) como não provado, consagrando que “foi infirmada pelo próprio administrador da autora ao descrever as circunstâncias em que contactou o “empresário do réu”, sendo manifesto que das declarações de parte do Administrador da Recorrente resulta exatamente o contrário da conclusão sobre o referido facto plasmada na sentença recorrida. - Invoca ainda os depoimentos das testemunhas CC e DD. - Conclui-se que não só o Recorrente não tinha intenção de revogar aquele contrato de trabalho desportivo, como esta revogação resultou de um pedido por parte do Recorrido na sequência de reiterados comportamentos inadequados. - Deverá dar-se como provado o facto identificado na alínea a) dos factos não provados, nos seguintes termos: “A autora não pretendia revogar o contrato com o réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o réu demonstrou”. Concluiu, por seu turno o Réu: - A intenção da Recorrente de revogar o contrato não foi consequência da falta de empenho do Recorrido, antes sim decorrente dos factos que ocorreram após o jogo com ... e elencados nas alíneas 7ª e 8ª dos factos provados. - Pelo que não existe qualquer contradição entre as matérias de facto constante daquelas alíneas 7ª e 8ª dos factos provados e a referida na alínea a) dos factos não provados. Os mesmos reportam-se a períodos temporais diferentes. - A recorrente pretende obter a alteração da matéria de facto, valendo-se de esparsos excertos de depoimentos testemunhais, de escassos segundos, sem atender aos depoimentos no seu todo. Já o Exm.º Procurador pronunciou-se no sentido de que: - Não há contradição na matéria de facto provada, pois entende-se que a partir de determinado momento era vontade, quer da Autora quer do Réu, de por fim ao contrato. Ambos ganhavam com isso; a Autora (i)porque se libertava de um jogador que, desmotivado, podia prejudicar o bom ambiente da equipa e (ii)porque deixava de pagar as retribuições até final do contrato, cortando nas despesas, e o Réu porque não jogando ou sendo substituído, deixava de ter visibilidade, prejudicando o seu futuro como jogador. A respeito da matéria em causa, lê-se na motivação da decisão de facto da sentença recorrida: “A matéria que não se considerou provada foi a que se considerou incompatível com a matéria de facto prova, a que foi infirmada pela prova produzida e aquela que não foi sequer objeto de prova. Assim, a al. a) foi infirmada pelo próprio administrador da autora ao descrever as circunstâncias em que contactou o “empresário” do réu. Quanto á alínea b) não resultou dos depoimentos e declarações prestados que tal matéria tenha sido sequer equacionada, nem se pode inferir, sem mais, de qualquer prova produzida ou dos factos que se consideraram demonstrados.” Cumpre decidir. A Apelante transcreve os excertos das referidas declarações e dos referidos depoimentos, tidos por relevantes, os quais integralmente lemos, indicando ainda os minutos da gravação onde ficaram registados. Não chegamos a uma convicção diferente que permita dar como provada a matéria da alínea a) dos factos não provados. Explicitando: Desde já referimos que não ocorre a apontada contradição em dar-se como não provada a matéria dessa alínea a), com a matéria assente em 7) e 8) dos factos provados. Uma coisa é o que o Réu disse ao seu Empresário e mesmo ao próprio Diretor Desportivo – que queria ir embora “que não jogava mais no A...”. Outra que a Autora não pretendia revogar o contrato com o Réu e que só acedeu negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o Réu demonstrou. Com efeito, quer a Autora quer o Réu podiam ter pretendido a cessação do contrato, desde logo por ser do interesse da Autora que o Réu fosse embora para não contaminar o balneário, evitando continuar a pagar-lhe. Aliás isso mesmo ficou assente em 8) assim como que a administração da Autora, face ao comportamento adotado pelo Réu, decidiu que era melhor falar com o empresário do jogador com vista à cessação do contrato com o réu. Isto independentemente de ter sido também equacionado pela Autora a instauração de um processo disciplinar. E independentemente, também, de ser verbalizado pelo Réu no referenciado jogo com o ... “eu não fico aqui mais um dia, Vou embora, vou embora, vou embora” como referido pela testemunha CC. Ou ter desabafado com o seu Empresário “que não estava contente de estar ali, de estar na 2ª liga, de não estar a jogar, de sair ao intervalo…”, como referido pela testemunha DD. Tais afirmações do Réu, não permitem concluir que foi iniciativa deste colocar termo ao contrato de trabalho, nem que a Autora não pretendia revogar o contrato com o Réu, apenas tendo acedido a negociar a revogação do contrato em virtude da falta de empenho que o réu demonstrou. De resto, a testemunha CC disse que o Réu “(…) era jogador titular do A..., nós queríamos que o jogador continuasse”, sem explicitar se tal vontade continuava a verificar-se aquando das negociações para a cessação do contrato. Aliás à pergunta “Então porque é que o A... aceitou avançar com a revogação?” a mesma testemunha não negou que assim tivesse sucedido, antes respondeu “Ele não queria continuar a jogar, um jogador contrariado é sempre um problema para o treinador”. Em suma, não aferimos ser de dar como assente a matéria da alínea a) dos factos não provados. Improcede como tal, nesta parte, a apelação. 2.2. Fundamentação de direito: No direito aplicável começa por ler-se na sentença recorrida: «Antes de mais, importa referir que o litígio dos autos ocorre no âmbito de um contrato de trabalho desportivo, pelo qual o réu se obrigou a prestar à autora as funções de jogador profissional de futebol nas épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022. Trata-se de um contrato de trabalho especial cujo regime se encontra regulado pela Lei nº 54/2012 de 14/07, ao qual são ainda aplicáveis as regras gerais do Código do Trabalho que sejam compatíveis com a especificidade do contrato de trabalho desportivo, nos termos do art. 9º do Código do Trabalho e do art. 3º, nº 1 da citada Lei, sujeito, ainda, no caso concreto, às regras resultantes da CCT outorgada entre o Sindicato Nacional de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional publicada no BTE nº 20 de 29/05/2012 e subsequentes alterações, designadamente a publicada no BTE nº 21 de 08/06/2020, por força do disposto pela cláusula décima segunda do contrato de trabalho celebrado entre a autora e o réu.» Na decisão julgou a Mm.ª Juiz a quo a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos contra o mesmo formulados. Com remissão para as alegações, lidas, foram estas as conclusões da Apelante: - A sentença recorrida enferma de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, e por violação de lei, ao considerar nula a cláusula terceira do acordo de revogação sem declarar a nulidade de todo o instrumento de revogação de contrato, tendo violado o disposto nos artigos 237º, 289º, n.º 1 e 292º do Código Civil. - A douta sentença recorrida enferma de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei e por violação de lei ao considerar que deveria operar a redução do acordo revogação por aplicação dos critérios do artigo 239.º do CC, violando-se o disposto nos artigos 239º e 292º, ambos do Código Civil. Conclui, por seu turno, em suma o Apelado: - A nulidade tanto pode ser total como parcial, conforme afete todo o negócio jurídico ou, somente, uma parte ou qualquer cláusula do mesmo. - Para que seja possível, haver redução em conformidade com a boa fé, é essencial que estejamos perante um negócio divisível, no sentido de que seja possível dividi-lo numa parte que é inválida e noutra que se mantém válida. - No caso dos autos, nada impede que seja declarada nula a mencionada cláusula 3ª do acordo de revogação. A nulidade de tal cláusula apenas afeta o efeito sancionatório da mesma, assumindo a restante parte do contrato de revogação autonomia. - A nulidade total do acordo de revogação violaria os princípios da boa fé. Seria ignorar os benefícios que a Recorrente teve com a revogação: não pagou os salários ao Recorrido entre o Mês de novembro de 2021 e Junho de 2022, evitou que a desmotivação deste com a manutenção do seu contrato de trabalho “contaminasse o ambiente do balneário” da equipa profissional da Recorrente. - A Recorrente não teve qualquer prejuízo (Económico ou desportivo) com a celebração por parte do Recorrido de um contrato de trabalho com o B... seu rival na competição do campeonato da 2ª liga. - Declarar a nulidade total do acordo de revogação equivaleria que a Recorrente recebesse uma vantagem económica decorrente de uma cláusula inválida. Assim o entendemos nós. Assim se pronunciou também o Ministério Público: “Na verdade, ambos reconhecem e aceitam que esta cláusula 3ª do acordo entre Autora e Réu alcançado é nula. (…) Neste caso a cláusula considerada nula resulta de proibição de clausulas “anti rivais”, proibição que era do conhecimento da A., e de proteção do Réu, além de que, na verdade, é mais conforme à boa-fé (porque mais próxima, também, da vontade de ambas as partes), a manutenção do negócio – art.º 239º do CC (…)”. Cumpre decidir. Começando pelo primeiro segmento das conclusões da Apelante que se recopilaram. O Réu obrigou-se a prestar a atividade de jogador profissional à Autora, na categoria de sénior, pelo período de 2 (duas) épocas desportivas – épocas desportivas 2020/2021 e 2021/2022, com início em 1 de Julho de 2020 e termo em 30 de Junho de 2022, (item 1º dos factos provados). Está em causa a clausula 3ª do acordo de revogação de tal contrato. Com efeito, «O contrato dos autos veio a cessar por acordo escrito de revogação - forma de cessação prevista pelo art. 23º, nº 1, al. b) da Lei 54/2017 e pelo art. 39º, al. a) da CCT aplicável – com efeitos em 02/11/2021, data da celebração do acordo. De tal acordo consta uma cláusula com o seguinte teor: “As partes acordam que haverá lugar ao pagamento da quantia de € 100 000,00 (cem mil euros) acrescido de IVA à taxa legal, se ocorrer o registo ou simples assinatura de contrato de trabalho desportivo do Jogador com qualquer equipa a disputar a 2ª Liga de Futebol Profissional (Liga Portugal SABSEG) na presente época desportiva 2021/2022, a contar da data de assinatura da presente revogação até ao dia 30 de Junho de 2022. O pagamento da apresentada quantia terá lugar nos dois dias úteis subsequentes ao registo ou assinatura do contrato de trabalho desportivo com qualquer das mencionadas sociedades desportivas.” Ora, em 4 de Janeiro de 2022, o B... registou contrato de trabalho desportivo celebrado com o réu junto da Liga Portugal, sendo certo que o B..., disputava naquela época a 2ª Liga de Futebol Profissional, e que o contrato celebrado com o réu tinha a validade de época e meia, ou seja, teria inicio em Janeiro de 2022 e terminaria em Junho de 2023, mostrando-se, pois, objetivamente verificada a condição de que a referida cláusula fazia depender a obrigação de o réu pagar à autora a quantia peticionada. (…)” (texto da sentença recorrida, segmento que não é questionado no recurso). Prevê o artigo 136º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Pacto de não concorrência»: «1 - É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato. 2 - É lícita a limitação da atividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições: a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste; b) Tratar-se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador; c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da actividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional. (…)» O artigo 19º da Lei nº 54/2017, de 14 de Julho (Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação -RJCTPD), contempla uma norma especial estabelecendo, sob a epígrafe «Liberdade de trabalho»: «1 - São nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual. 2 - Pode ser estabelecida por convenção coletiva a obrigação de pagamento à anterior entidade empregadora de uma justa compensação a título de promoção ou valorização de um jovem praticante desportivo, por parte da entidade empregadora que com esse praticante venha a celebrar um contrato de trabalho desportivo, após a cessação do anterior. 3 - A convenção coletiva referida no número anterior é aplicável apenas em relação às transferências de praticantes que ocorram entre entidades empregadoras portuguesas com sede em território nacional. 4 - O valor da compensação referida no n.º 2 não poderá, em caso algum, afetar de forma desproporcionada, na prática, a liberdade de contratar do praticante. 5 - A validade e a eficácia do novo contrato não estão dependentes do pagamento da compensação devida nos termos do n.º 2. 6 - A compensação a que se refere o n.º 2 pode ser satisfeita pelo praticante desportivo. 7 - Não é devida a compensação referida no n.º 2 quando o contrato de trabalho desportivo seja resolvido com justa causa pelo praticante ou quando este seja despedido sem justa causa. 8 - Nas modalidades em que, por inexistência de interlocutor sindical, não seja possível celebrar convenção coletiva, a compensação a que se refere o n.º 2 pode ser estabelecida por regulamento federativo.» Decorre desta norma ser inadmissível no contrato de trabalho desportivo a existência de uma cláusula que limite a atividade do praticante desportivo. Aderimos ao entendimento plasmado na sentença recorrida, no sentido de que a norma do artigo 136º, nº2 do Código do Trabalho, não é aplicável, face ao disposto pelo artigo 9º do mesmo Código e pelo artigo 3º, nº 1 da Lei nº 54/2017 (RJCTPD), tratando-se de uma norma que não é compatível com a especificidade do contrato de trabalho desportivo. Mais ainda que assim não fosse, sempre a cláusula do acordo de revogação do contrato de trabalho desportivo, em causa, ainda que apenas aí incluída, se traduzia numa forma de limitar e condicionar a liberdade de trabalho do Réu abusiva, desde logo, por não atribuir ao Réu, durante o período de limitação da atividade, uma compensação. Tendo adiantado já aquela que é a nossa posição, transcreve-se ainda a este respeito a sentença recorrida, como fundamento bastante, mostrando-se nela respondidas todas as conclusões da Apelante. «O réu (…) não procedeu ao pagamento, argumentando nos autos que aquela cláusula é nula. E com razão, adiantamentos já. Através da cláusula em apreço, o réu estaria impedido, até ao final de época em curso no momento da cessação do contrato com o A..., ou seja, durante 8 meses, uma vez que a época acabaria a 30 de Junho de 2022, data em que igualmente caducaria o seu contrato com o A... se se mantivesse em vigor, de voltar a ser contratado e, consequentemente de exercer a sua profissão de jogador profissional de futebol, ao serviço de qualquer clube que estivesse nessa época a disputar a mesma competição que a autora, ou seja, a 2ª Liga de Futebol Profissional, sob pena de incorrer no pagamento da quantia de € 100.000,00 mais IVA à autora. Tal como o réu, consideramos que, a cláusula constante do acordo de revogação do contrato de trabalho, que se reconduz ao que tem vindo no “mundo do futebol” a ser designado como uma “cláusula anti rival”, constitui uma restrição inadmissível à liberdade de trabalho do réu, sendo, nula. E é nula, porque é contrária, desde logo à Constituição da República Portuguesa, quando nos seus arts. 47º, nº 1 e 58º garante a todos o direito ao trabalho e à livre escolha da profissão. É nula face aos arts. 19º e 42º da Lei 54/2017. Na verdade, o citado art. 19º, no seu nº 1 dispõe que “São nulas as cláusulas inseridas em contrato de trabalho desportivo visando condicionar ou limitar a liberdade de trabalho do praticante desportivo após o termo do vínculo contratual”. E se é certo que a cláusula em apreciação não foi inserida no contrato de trabalho, mas no acordo pelo qual o mesmo foi revogado, não se subsumindo, à partida, à previsão do mencionado art. 19º, não podemos ignorar que o art. 42º sob a epígrafe “Nulidades” estatui que “São nulas as cláusulas contratuais que contrariem o disposto nesta lei ou que produzam um efeito prático idêntico ao que a lei quis proibir”. Nesta última disposição legal estão em causa quaisquer estipulações contratuais, sejam elas inseridas no contrato de trabalho ou em qualquer outro instrumento contratual celebrado entre as partes e, logo, também naquele através do qual seja cessado o contrato. Só assim se poderá evitar que se permita no momento da cessação do contrato o que não se permite no momento da sua celebração, no que respeita à limitação da liberdade após o termo do vínculo. Com efeito, mal se compreenderia que fossem nulas as cláusulas limitativas da liberdade de trabalho após a cessação do vínculo estabelecidas no início do contrato de trabalho e que tal não acontecesse quando tal limitação viesse a ser estipulada em momento posterior, particularmente no momento em que o praticante desportivo, cessado um contrato regressa ao mercado em condições de iniciar novo contrato. Concluir de outro modo, seria numa expressão simplista «deixar entrar pela janela aquilo que não se quis deixar entrar pela porta…». É nula, face ao disposto pelas disposições conjugadas das cláusulas 14ª, al. f) e 18ª da CCT aplicável, a segunda estatuindo que “São nulas as cláusulas dos contratos individuais de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito de trabalho após a cessação do contrato” e a primeira consagrando como garantia do jogador a proibição da entidade patronal “Prejudicar, por qualquer forma, o exercício do direito ao trabalho após a cessação do contrato”, impondo a mesma conclusão retirada da conjugação entre o art. 19º e o art. 42º da Lei 54/2017. Não podemos ainda deixar de referir que, mesmo tendo em consideração que a cláusula inserida no acordo de revogação restringe o impedimento do exercício da atividade por parte do réu por um período limitado de tempo e apenas à 2ª Liga de Futebol português, não se tratando, pois, de uma limitação total do direito ao trabalho do réu, já que o mesmo, pelo menos em tese, sempre poderia continuar a trabalhar desde que contratado para o efeito por um clube que se encontrasse a disputar a 1ª Liga, ou por um clube estrangeiro e no limite poderia voltar a jogar num clube da 2ª Liga desde que apenas na época seguinte, a referida cláusula sempre teria de se considerar abusiva, na medida em que, contendo em si a possibilidade de o réu ficar sem trabalho pelo menos até Junho de 2022 (8 meses) e, consequentemente sem rendimentos, não previu qualquer compensação monetária a favor do mesmo, como contrapartida para o não exercício de qualquer atividade profissional se tal se viesse a verificar. Mas abusiva também porque se trata de uma cláusula contrária à essência do próprio do futebol profissional, atualmente transformado num verdadeiro espetáculo, cuja essência e sucesso são precisamente a competição, a rivalidade. De facto, admitir-se a estipulação de cláusulas da natureza da controvertida nos autos, seria admitir que os próprios intervenientes na atividade desportiva desvirtuassem aquilo que lhe está na génese, limitando a possibilidade de uma competição justa e equitativa, deferindo-se-lhes o poder de condicionar as possibilidades de os adversários fazerem escolhas livres, viciando a competição à partida. Neste sentido escreve o Professor Doutor João Zenha Martins, em Contrato de Trabalho Desportivo e (In)admissibilidade de Cláusulas Anti Rivais, acessível em https://portal.oa.pt/media/133307/joao-zenha-martins.pdf “Consentir que uma cláusula anti rivais, seja qual for a sua feição, possa valer no sistema laboral desportivo significa um oxímoro, uma vez que competição pressupõe rivalidade: no jogo, procura-se ganhar e sofre-se com o receio de perder, mas se não houvesse receio de perder e se existisse a certeza de ganhar, não havia jogo.” Por fim, importa acrescentar que mesmo que se considerasse subsidiariamente aplicável o disposto pelo art. 136º, nº 2 do Código do Trabalho que prevê as exceções à proibição de pactos de não concorrência - e não é essa a nossa posição, por entendermos que aquela norma não é aplicável, face ao disposto pelo art. 9º do Código do Trabalho e pelo art. 3º, nº 1 da Lei 54/2017, tratando-se de uma norma que não é compatível com a especificidade do contrato de trabalho desportivo, seja pelo que já afirmámos quanto ao papel da competição ou concorrência como essência da atividade desportiva, com particular ênfase no futebol profissional, seja pelas limitações a que estão sujeitos os praticantes desportivos, cujas carreiras são necessariamente mais curtas do que as da generalidade dos trabalhadores subordinados, e cujo desempenho e rendimento depende da manutenção de uma determinada condição física e técnica que só podem alcançar mantendo-se ligados às estruturas que lhe podem dar as imprescindíveis condições de treino – nunca a cláusula em apreciação poderia ser considerada válida, por não estar verificado o requisito previsto pela al. c) daquele preceito legal. Conclui-se, pois, que a cláusula terceira do acordo de revogação do contrato de trabalho é nula e nessa medida improcede o pedido principal formulado pela autora de condenação do autor a pagar-lhe a quantia por aquela estipulada.” (realce e sublinhado nosso) Em conformidade com o entendimento supra assumido, não merece qualquer reparo e acréscimo, nesta parte, a fundamentação da sentença recorrida. Entrando agora no segundo segmento da Apelação. Dispõe, o artigo 292º, do Código Civil: «A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.» Em concreto, destaca-se ter ficado provado que: - A Autora apenas aceitou a revogação do contrato mediante a aceitação pelo Réu da dita cláusula 3ª do acordo de revogação do contrato. (item 14º dos factos provados). - O Réu aceitou a inserção da cláusula 3ª no acordo de revogação do contrato porque estava absolutamente convencido de que iria jogar para a 1ª Liga. (item 15º dos factos provados). - Na data da assinatura do contrato celebrado entre o Réu e o B..., a Autora estaria disposta a negociar a rescisão do contrato que mantivesse com o réu, permitindo que este assinasse contrato de trabalho desportivo com outra sociedade desportiva que disputasse a 2ª Liga de Futebol Profissional por montante inferior ao previsto na al. c) da cláusula 11ª do contrato celebrado em 09/06/2020. Para justificar a redução do mesmo negócio jurídico, são aqui decisivos ditames da boa fé e é aqui decisiva a interpretação teleológica das normas aplicáveis que se compreenderam supra. Como concluiu o Réu a nulidade total do acordo de revogação seria ignorar os benefícios que a Recorrente já teve com a revogação: não pagou os salários ao Recorrido entre o mês de Novembro de 2021 e Junho de 2022, evitou que a desmotivação deste com a manutenção do seu contrato de trabalho “contaminasse o ambiente do balneário” da equipa profissional da Recorrente. «Tratando-se de uma situação de invalidade parcial resultante da infração de uma norma destinada a proteger uma parte contra outra, sempre haveria redução do negócio jurídico, mesmo existindo vontade hipotética ou real, em sentido contrário, a denominada «redução teleológica», baseada na necessidade de alcançar, plenamente, as finalidades visadas pela norma imperativa atingida.» - Cfr. Acórdão do STJ de 29.09.2015, proferido no Processo nº 261/12.2TBABF.E1.S1, in www.dgsi.pt. Também nesta parte é irrepreensível a subsunção dos factos ao direito efetuada na sentença recorrida, aderindo nós ao aí refletido que se transcreve como fundamento bastante, mostrando-se nela respondidas todas as conclusões da Apelante a este respeito. “A regra do nosso direito civil é, pois, a de que a invalidade de uma parte do negócio jurídico não determina a invalidade de todo o negócio. Admite-se, no entanto, que, tal regra seja afastada em função da vontade das partes, no sentido de que ocorrerá a invalidade de todo o negócio se se demonstrar que as partes, ou pelo menos uma delas, teria preferido não realizar o negócio sem a parte viciada, ou se soubesse que ela não poderia valer integralmente, impendendo sobre a parte que pretende a declaração de invalidade total o ónus de demonstrar essa vontade hipotética. Pois bem, no caso dos autos, tal ónus foi cumprido pela autora, já que ficou demonstrado que a autora apenas aceitou a revogação do contrato mediante a aceitação pelo réu da dita cláusula 3ª do acordo de revogação do contrato. Porém, do nosso ponto de vista, nem por isso, no caso dos autos, a pretensão da autora de declaração de invalidade total do acordo de revogação deverá ser julgada procedente. Com efeito, como escreve o Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pag. 637 “por vezes a redução deve ter lugar mesmo que a vontade hipotética fosse no sentido da invalidade total. Assim: (…) b) Quando, verificada a invalidade parcial, seja conforme à boa fé, uma apreciação atual, que o restante conteúdo do negócio se mantenha, ainda que a vontade hipotética, reportada ao momento da conclusão do negócio, fosse diversa. (…) Trata-se, pois, nas palavras de Manuel de Andrade, de apurar se é «justo (conforme a boa fé contratual) que, uma vez concluído o negócio, se mantenha o seu restante conteúdo, independentemente de ser nesse sentido a vontade hipotética das partes.» Hoje, a redução em conformidade com a boa fé fundar-se-á nos critérios constantes do art. 239º: aí se impõe a observância dos ditames da boa fé no problema da integração do negócio jurídico, sendo inegável que o problema da redução se pode reconduzir a um problema de integração, pois as partes podiam ter resolvido expressamente o problema, se o tivessem previsto; pode invocar-se também o artigo 762º, e, em última análise, a cláusula geral do artigo 334º.” Pois bem, no caso dos autos, do ponto de vista do tribunal, não operar a redução do acordo de revogação mesmo contra a vontade hipotética da autora no momento da celebração do acordo (considerando consequentemente inválidas todas cláusulas dele constantes) seria, do ponto de vista do tribunal, manifestamente contrário aos limites impostos pela boa fé. Com efeito, declarar a invalidade do acordo de revogação do contrato de trabalho, repristinando a manutenção do contrato de trabalho, seria ignorar que a revogação do contrato teve também para a autora outros benefício para além do que pretendia alcançar com a cláusula “anti rival” e que já se produziram na sua esfera: economizou nos salários que teria de pagar ao réu e evitou que a desmotivação do réu e o seu desagrado com a sua manutenção ao serviço da autora contaminasse os restantes jogadores do plantel, o que, de resto, de acordo com o que ficou provado, foi o que determinou a administração da autora a avançar para a cessação do contrato. Por outro lado, não se demonstrou, nem sequer foi alegado que, em concreto, a autora tenha sofrido qualquer prejuízo efetivo pelo facto de o réu ter passado a jogar ao serviço de um seu rival na mesma competição (e como se demonstrou após a cessação do contrato com a autora, nenhum clube da 1ª Liga Portuguesa de Futebol mostrou interesse na contratação do réu e este aceitou a celebração do contrato com o B..., na falta de qualquer outra proposta relevante), ou seja, não se provou, nem a autora alegou que, o facto de o réu ter passado a jogar no B... teve qualquer influência no desempenho do A... a partir de Janeiro de 2022 e até Junho de 2022 ou qualquer impacto na sua classificação na competição, isto é, que se tenha produzido o resultado que a autora pretendia evitar com a “cláusula anti rival”. Acresce que, como também se provou, na data da assinatura do contrato celebrado entre o réu e o B..., a autora estaria disposta a negociar a rescisão do contrato que mantivesse com o réu, permitindo que este assinasse contrato de trabalho desportivo com outra sociedade desportiva que disputasse a 2ª Liga de Futebol Profissional por montante inferior ao previsto na al. c) da cláusula 11ª do contrato celebrado em 09/06/2020. Ou seja, ainda que mediante o pagamento de uma quantia que não apurou, em concreto, a autora, nessa altura, já estaria disposta a que o réu fosse jogar para um clube rival. Finalmente, declarar a invalidade total do acordo de revogação repristinando a vigência do contrato de trabalho, implicaria que a autora tivesse colhido as restantes vantagens que obteve com a cessação do contrato do réu supra referidas e que ainda viesse a receber a quantia relativa à cláusula penal estabelecida no contrato de trabalho, a qual, mesmo que reduzida equitativamente, como não poderia deixar de acontecer, equivaleria, afinal, a que a autora, apesar da nulidade da cláusula obtivesse agora a mesma vantagem financeira que a nulidade da cláusula inviabilizou. Tudo considerado, afigura-se-nos que, numa perspetiva atual, não operar a redução do acordo de revogação do contrato de trabalho, seria manifestamente contrário à boa fé, declarando-se, por isso, apenas a nulidade da sua cláusula terceira, sem que tal afete a subsistência da parte restante do acordo, nomeadamente a cessação do contrato, improcedendo, pois, a pretensão subsidiária da autora.” (realce e sublinhado nosso) Improcede assim a Apelação. 3. Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida. Custas da apelação pelo Recorrente. Porto, 18.04.2024 Teresa Sá Lopes Nélson Fernandes Rita Romeira |