Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00030931 | ||
Relator: | DURVAL MORAIS | ||
Descritores: | EMPRESA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA CRÉDITO ASSEMBLEIA DE CREDORES HOMOLOGAÇÃO FALTA DE PAGAMENTO CREDOR REQUERIMENTO FALÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP200104240120426 | ||
Data do Acordão: | 04/24/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 1 J CIV GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 424-A/94 | ||
Data Dec. Recorrida: | 03/01/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV - PROC ESP. | ||
Legislação Nacional: | CPEREF98 ART76 ART72 N3 ART87 ART94 ART95 ART75 ART77. | ||
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Sumário: | O credor pode requerer a falência contra a empresa em recuperação, no regime de reestruturação financeira, para cobrança de parte do crédito não pago mas aprovado em deliberação da assembleia, devidamente homologada, que aprovou aquela providência de recuperação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – Por apenso aos autos de Acção Especial de Recuperação de Empresa nº --/--, do Tribunal Judicial da Comarca de..... (-º Juízo), em que é requerente A......& Cª Ldª, hoje N....., Ldª, com sede na Rua....., ....., veio, em 12.12.2000, R....., Ldª, com sede em ....., ....., requerer a declaração de falência da mesma “N.....”, alegando, em síntese, que é um dos credores da requerida, tendo-lhe sido reconhecido um crédito de 1.955.285$00, do qual a requerida estava obrigada a pagar 20%, pagamento que teria de ocorrer em 12 anos e em 120 prestações mensais, após trânsito da sentença que homologou a proposta de viabilização; sucede, porém, que a requerida desde 11.6.99 que nada mais pagou, sendo que a falta de cumprimento das obrigações assumidas é fundamento para ver declarada falência - art. 76º do CPEREF. Tal requerimento foi liminarmente indeferido por despacho de 14.12.200. Inconformada, a requerente R..... agravou de tal despacho, formulando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: 1º) - A medida de reestruturação financeira é apenas uma das previstas para a recuperação da empresa. 2º) - Sempre que existe paridade ou identidade nas medidas adoptadas, deve ser aplicado o mesmo regimen; assim o impõe o princípio da unidade jurídica na interpretação das normas. 3º) - A medida de redução do crédito e a forma de pagamento do mesmo ainda que adoptada na medida de reestruturação, constitui igualmente verdadeira concordata, impondo-se, assim, que lhe seja aplicado o regímen previsto no art. 76º do referido Código. Corridos os vistos, cumpre decidir. II – Para além dos referidos em I), resultam dos autos com interesse os seguintes factos: 1 – No tribunal Cível da Comarca de....., -º Juízo, A..... & Cª Ldª, hoje denominada N....., Ldª, requereu em Juízo medida de recuperação de empresa. 2 – Em Assembleia de credores realizada em 20.06.95, foi aprovada a medida de reestruturação financeira da mesma, ao abrigo do art. 87º e sgs. Do D. L. nº 132/93, de 23/4, no seguimento do relatório do gestor judicial. 3 – Nessa assembleia, de entre os credores da “N.....”, contava-se a ora recorrente, R....., cujo crédito, reduzido a 20%, seria pago em 12 anos e 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira dois anos após o trânsito em julgado da sentença que homologou a proposta de viabilização. 4 – Essa sentença que homologou a reestruturação financeira transitou em julgado em 30.06.95. 5 – Por despacho de 03.11.95, foi declarado encerrado o referido processo, nos termos do art. 95º, nº 1 do D. L. nº 132/93, de 23/4, "cessando assim todos os efeitos decorrentes do despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 25º do citado diploma legal ?" O DIREITO Como é sabido, são as conclusões das alegações dos recorrentes que delimitam as questões a resolver por este Tribunal de recurso (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C. P. C.) No caso sujeito, a única questão a decidir consiste em saber se pode o credor requerer a falência contra a empresa em recuperação, no regime de reestruturação financeira, para cobrança de parte do crédito não pago, mas aprovado em deliberação da assembleia, devidamente homologada, que aprovou aquela providência de recuperação. Vejamos. São várias as providências de recuperação que o Gestor da falência pode propor à assembleia de credores (Cap. II do CPEREF, de que serão todos os artigos que vierem a ser referidos sem menção especial de origem): 1 – A concordata (arts. 66º e segs.); 2 – O acordo de credores (arts. 78º e segs.); 3 – A reestruturação financeira (arts. 87º, e segs.); e 4 - A gestão controlada (arts. 97º e segs.). De entre todas, interessa-nos agora a concordata e a reestruturação financeira. A concordata é o meio de recuperação da empresa que consiste na simples redução ou modificação da totalidade ou de parte dos seus débitos, podendo a modificação limitar-se a uma simples moratória (art. 66º). Segundo o disposto no art. 76º : “1 – Os credores por créditos anteriores á deliberação da assembleia de credores que aprovou a concordata podem requerer a falência da empresa, quando se verifique algum dos seguintes factos: ----- c) Falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas na concordata. 2 – No caso da alínea c) do número anterior, são sempre ouvidos o devedor concordatário e os seus garantes, se os houver, os quais podem, antes de proferida a sentença, impedir a declaração de falência, satisfazendo os direitos do requerente." Neste preceito, há a destacar três aspectos diferentes: - Só há legitimidade para requerer a falência quando se achar incumprida a obrigação resultante da concordata; - Não é necessário apurar-se uma situação de inviabilidade económica da empresa, bastando a verificação do incumprimento de qualquer das obrigações assumidas; há como que uma presunção de insolvabilidade definitiva decorrente do facto de a empresa não estar sequer a satisfazer as obrigações assumidas no processo de recuperação; - A despeito de o preceito falar somente em obrigações da concordata, o preceito não pode, obviamente, deixar de considerar-se aplicável aos créditos mantidos após a concordata, e que ela não efectuou. Com o nº 2 do art. 76º, abre-se uma última oportunidade á empresa e a eventuais garantes, de evitarem a declaração de falência em caso de incumprimento de obrigações da concordata. Para o efeito, o devedor e os demais responsáveis são obrigatoriamente citados, podendo evitar a declaração de falência satisfazendo as obrigações do requerente. Normalmente, o credor tem acesso á certidão da sentença homologatória da concordata donde conste expressamente o seu crédito devidamente reconhecido e aprovado. A sentença homologatória, na medida em que reconhece e condena devedor concordatário a pagar os créditos acordados, constitui título executivo, assumindo o valor e significado de verdadeira sentença condenatória. Ora, como é sabido, a sentença condenatória é título executivo (art. 46º, a) do C. P. C.). Daí ser de aceitar que o credor mova execução singular contra a empresa em recuperação para cobrança de parte do crédito não pago e aprovado por concordata homologada. Finalmente, refira-se que, embora a lei não o diga, o requerimento de falência deve ser processado por apenso ao processo em que foi aprovada a concordata, à semelhança da anulação, hipótese em que a lei expressamente o refere no art. 72º, nº 3. Por sua vez, a reestruturação financeira vem definida no art. 87º, como meio de recuperação da empresa insolvente ou em situação económica difícil que consiste na adopção pelos credores de uma ou mais providências destinadas a modificar a situação do passivo da empresa ou a alterar o seu capital, em termos que assegurem, só por si, a superioridade do activo sobre o passivo e a existência de um fundo de maneio positivo. As providências de reestruturação financeira que a assembleia de credores pode aprovar, são, entre outras: A redução do valor dos créditos, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros; A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos. De notar que estes meios que podem ser adoptados na reestruturação financeira da empresa são, puramente, típicos da concordata. Dispõe, por sua vez, o art. 94º: “1 – A deliberação da assembleia de credores que aprove uma ou mais providências de reestruturação financeira, depois de homologada, vale não só nas relações entre os credores e a empresa mas também relativamente a terceiros. 2 – A certidão da deliberação tomada e da respectiva homologação judicial constitui título executivo, quanto às obrigações dele decorrentes, e serve de título bastante para a inscrição dos actos sujeitos a registo". Finalmente, estabelece o art. 95º, sob a epígrafe “Termo do Processo”: “1 – Compete ao Juiz, a requerimento do gestor, logo que esteja assegurada a execução integral da providência, mas nunca depois de 60 dias após a homologação da deliberação da assembleia, declarar encerrado o processo de recuperação, cessando nessa data todos os efeitos decorrentes do despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 25º”. Do que vem exposto, resulta que, quer o credor por crédito anterior à deliberação da assembleia que aprovou a concordata, quer o credor por crédito anterior á deliberação da assembleia que aprovou a reestruturação financeira, dispôem de um título bastante, podendo executar a empresa por falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas. Já vimos também que o credor por créditos anteriores à deliberação da assembleia de credores que aprovou a concordata pode requerer a falência da empresa quando se verifique a falta de cumprimento de alguma das obrigações assumidas na concordata (art. 76º, nº 1, alínea c)). E quanto ao credor por créditos anteriores à deliberação da assembleia de credores que aprovou a reestruturação financeira da empresa, como no caso dos autos? Também ele poderá requerer a falência da empresa em caso de falta de cumprimento das obrigações assumidas? Sustenta a apelante que à situação concreta dos autos seja aplicado o regime previsto no art. 76º do referido Código. Ao contrário, no douto despacho recorrido escreveu-se, a dado passo: “Não obstante poder haver alguma afinidade entre as medidas da concordata e da reestruturação financeira, uma vez que esta pode conter providências típicas daquela medida, a verdade é que se trata de medidas distintas, não se justificando em nosso entender a aplicação por analogia do regime do art. 76º”. Com o devido respeito, discordamos desta interpretação. Na verdade, é patente a analogia entre as duas providências agora em confronto, havendo até providências, como acima se viu, comuns às medidas da concordata e de reestruturação financeira. Ora, nos termos do disposto no nº 1 do art. 10º do Código Civil, “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”. E de harmonia com o nº 2, “há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”. Quer dizer, para a aplicação analógica, essencial é que a razão substancial justificativa da solução contida na norma proceda em relação ao caso omisso. Por nós, serão as mesmas as razões que justificam a possibilidade de requerer a falência, no caso dos credores por créditos anteriores à deliberação da assembleia de credores que aprovou a concordata, ou naquele caso em que aprovou a reestruturação financeira. Em ambos os casos, é de presumir, perante uma situação de não cumprimento das obrigações que assumiu, uma situação de insolvência da empresa. Por outro lado, os créditos anteriores à deliberação da assembleia que aprovou a concordata não merecem maior protecção do que os créditos anteriores à deliberação que aprovou a reestruturação financeira. Não há razões para pensar que uns merecem melhor protecção do que os outros. Segundo tal entendimento, aliás, sempre a empresa, em qualquer dos casos, poderá obviar à declaração da falência requerida, “ satisfazendo os direitos do requerente “, para o que, como vimos, ela e os demais responsáveis serão obrigatoriamente citados, de acordo com o comando do nº 2 do falado art. 76º. São do mesmo entendimento A Carvalho Fernandes e João Labareda, ao escrever, em anotação ao art. 95º (in Cód. dos Proc. Exp. de Rec. da Emp. e de Falência Anotado, 2ª edição, pág. 266): “terminado o processo, pode haver lugar a novo processo de recuperação ou de falência, se as circunstâncias o justificarem. Porém, no silêncio da lei, tendo em conta as afinidades que a providência da reestruturação financeira mantém com a concordata, queremos aplicável, por analogia, o regime dos arts. 75º a 77º” (sublinhado nosso). Também nós assim pensamos, razão pela qual não se pode manter o despacho agravado, procedendo, no essencial, as conclusões respectivas. III – Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso de agravo, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que mande citar a requerida devedora e demais responsáveis, se os houver, nos termos da lei. Custas pela agravada. PORTO, 24 de Abril de 2001 Durval dos Anjos Morais Mário de Sousa Cruz Augusto José Baptista Marques Castilho |