Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9785/21.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: RESTITUIÇÃO DO LOCADO
MORA
RESPONSABILIDADE DO FIADOR
FIADORES
Nº do Documento: RP202309289785/21.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se uma questão não foi tempestivamente invocada, nem existem nos autos documentos que permitam comprovar essa factualidade nos termos do art. 5º, do CPC, o recurso da matéria de facto não pode ser apreciado.
II - O Artigo 1045.º, do CC deve ser interpretado de forma literal como uma forma de sancionar a mora na devolução do locado, com o agravamento do valor da renda para o dobro.
III - Os fiadores que renunciaram ao benefício de excusão prévia são também responsabilizados pela mora na entrega do locado, porque desde logo essa responsabilidade resulta de uma previsão normativa cuja aplicação não foi excluída nos termos contratuais.
IV - Sendo que a fiança abarca não só a prestação devida mas também as consequências da mora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 9785/21.0T8VNG.P1

Sumário:
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1. Relatório
A..., LDA., id a fls. 2, intenta a presente acção declarativa de condenação contra AA e BB, CC e DD, id a fls. 2, pedindo:
- Declaração da cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, destinado a habitação dos primeiros réus;
- Condenação dos primeiros réus na entrega do local arrendado, completamente devoluto de pessoas e bens; Ou, em alternativa,
- Declaração da resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por mora no pagamento de todas as rendas vencidas desde 01/01/2021;
- Consequente, condenação dos primeiros réus a entregar à autora o locado arrendado, livre e desocupado de pessoas e bens.
Em ambos os casos,
- Condenação de todos os réus no pagamento solidário à autora da indemnização prevista no artigo 1045.º do C.C. no valor de 1.920,00€ e dos valores vincendos até efectiva e integral entrega do locado, acrescendo a condenação na indemnização por cada mês ou fracção que decorrer desde a 16/09/2021, no valor equivalente ao dobro da renda que vigorou nos últimos anos.
Os RR contestaram excepcionando-se a omissão de interpelação admonitória dos fiadores, o abuso do direito e o desconhecimento e falta de esclarecimento do significado da exclusão do benefício da excussão prévia.
Foi saneada e instruída a causa e, após julgamento proferida sentença que decidiu: Declara-se cessado, por verificação do termo fixado, o contrato de arrendamento urbano no dia 16/09/2021; Condenam-se todos os réus a pagar solidariamente à autora a quantia de 7.680,00€ (sete mil seiscentos e oitenta euros), a título de indemnização prevista e calculada nos termos do artigo 1045.º do C.C., devida pela ocupação do imóvel nos oito meses posteriores ao término do contrato.
Inconformados vieram os RR. recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos.
Foi proferida decisão sumária julgando a apelação improcedente.
De novo inconformados vieram os RR reclamar para a conferência, dizendo em suma que:
a) a decisão sumária nunca poderia ser proferida, pois, trata-se de uma relação contratual única
b) Como consta das alegações de recurso, o contrato de arrendamento dos presentes autos tinha uma cláusula pela qual a Senhoria se obrigava a informar os Recorrentes caso existisse um incumprimento no pagamento das rendas por prazo superior a 60 dias (cláusula 4ª, &Único do contrato de arrendamento), o que nunca aconteceu.
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2.1. A apelante inicialmente (Ré Sra. BB) apresentou as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos, que julgou a ação procedente, conhecendo do mérito;
II. A decisão recorrida incorre em violação do regime processual aplicável, incorrendo na sanção de nulidade, pelo fundamento ora acima exposto;
III. A sentença recorrida padece de nulidade por vício com fundamento na omissão de pronúncia, nos termos do Artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, porquanto: i) Ao proferir decisão de mérito, e consequentemente condenar a Apelante do pedido, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto as provas juntas ao processo em contestação; ii) A omissão de pronúncia fez com que da condenação do valor de 7.680,00€ (sete mil seiscentos e oitenta euros) não tenha havido o necessário e correto desconto dos valores das rendas pagas pela Apelante.
IV. Segundo a regra da substituição do Tribunal recorrido, cumprirá ao Tribunal a quem suprimir a omissão de pronuncia do Tribunal a quo, dando como assentes os factos já provados: i) Deve o Tribunal a quem, em substituição do Tribunal a quo, considerar as rendas pagas após o termo contratual; ii) Deve o Tribunal a quem suprir pela omissão de pronúncia do Tribunal a quo, e dar como provado, pelas provas juntas à contestação, que foram pagas pela Apelante as rendas concernentes aos meses de setembro de 2021; novembro de 2021; janeiro de 2022 e agosto de 2022.
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2.2. Os Apelantes CC e DD concluíram que:
A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida no âmbito de ação de processo comum que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, sob o número de processo 9785/21.0T8VNG, em que são Réus os aqui Apelantes, bem como os Senhores AA e BB e Autora a sociedade comercial A..., Lda..
B. Nos termos melhor descritos na referida Sentença, o Tribunal a quo decidiu condenar os aqui Apelantes no pagamento solidário da quantia de €7.680,00, a título de indemnização por ocupação do locado, nos termos do artigo 1045.º do Código Civil (doravante CC), mormente do n.º 2 por ter existido mora no cumprimento, sendo os Apelantes fiadores dos outros dois Réus, devendo assim garantir todas obrigações exigíveis aos devedores principais.
C. O presente recurso visa, então, sindicar a matéria de direito que sustenta a Sentença de que se recorre.
D. Na Sentença de que ora se recorre foi decidido que era devida uma indemnização por não desocupação do locado, valor esse que devia ser em dobro em virtude de ter existido mora no cumprimento, estando tal indemnização ao coberto da fiança prestada pelos Apelantes, não sendo exigível à Apelada dar cumprimento ao constante na cláusula 4ª & Único do contrato, porquanto não estava em causa o não pagamento de rendas, mas a indemnização por não entrega do locado.
E. Ora, se no caso dos autos não se trata de rendas, mas sim da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1045.º do CC, agravada para o dobro pela mora no pagamento, não se pode aceitar que a fiança se mantenha para essa situação no caso concreto.
F. No contrato de arrendamento aqui em crise, está escrito que: PELOS TERCEIROS OUTORGANTES FOI DECLARADO: Que, se constituem fiadores e principais pagadores perante a primeira outorgante, dita Sociedade, renunciando ao benefício da excussão prévia, garantindo, assim, solidariamente o cumprimento de todas as obrigações exigíveis aos segundos outorgantes (Inquilinos), emergentes do presente contrato.
G. Trata-se de contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de um ano, sem renovações, pelo que os Fiadores se comprometeram enquanto tal para o pagamento de 12 rendas, balizando dessa forma a sua responsabilidade, e era essa a sua convicção quando assinaram o referido contrato de arrendamento como fiadores com uma cláusula que refere que assumem o cumprimento solidário das obrigações emergentes do contrato.
H. Em nenhum momento no contrato se refere esta possibilidade prevista no artigo 1045.º do CC, ao contrário, por exemplo do que acontece com a indemnização de vinte por cento do valor em dívida, em caso de mora no pagamento superior a oito dias.
I. E tal questão, como se referiu, não é de somenos importância, porque há que discutir se os Apelantes, no momento do contrato, tinham consciência de que lhes podia ser assacada responsabilidade para além do ano de rendas e desta eventual indemnização em caso de mora no pagamento da renda em prazo superior a oito dias, resposta que será sempre negativa.
J. Os Apelantes apenas tomaram conhecimento da não entrega do locado no prazo que se encontrava expressamente estipulado no contrato, quando foram citados para a presente ação, pelo que, chegado o dia do término do contrato, estavam convictos que o contrato estava terminado e, nunca tendo sido interpelados, que as rendas tinham sido pontualmente pagas.
K. Veja-se o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 8520/20.4T8PRT-B.P2.S1 (disponível em www.dgsi.pt) que, em situação semelhante, decidiu que, em caso de dúvida sobre o alcance da fiança, in dúbio pro fideiussore, e que os fiadores não tinham assumido responsabilidade pela indemnização por não entrega do locado.
L. Assim, mal andou o Tribunal a quo quando considerou que a fiança continuava válida após o término do prazo aí fixado, pelo que deveria ter considerado que a fiança cessou com o término do prazo fixado no contrato, tendo os Apelantes ficado livres dessa obrigação, com a consequente absolvição dos pedidos contra eles formulados.
M. Mesmo que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera hipótese académica, sempre se dirá que nunca os Apelantes poderiam ser condenados a pagar a indemnização em dobro, por força do n.º 2 do artigo 1045.º, porquanto nunca foram notificados da mora no pagamento, ou sequer da não entrega do locado no prazo estipulado.
N. Destarte, e atendendo ao incumprimento da obrigação de notificar os Apelantes em caso de mora no cumprimento do pagamento, nunca lhes poderá ser exigida a indemnização prevista no artigo 1045.º do CC em dobro.
O. Desta forma, caso se entenda que os Apelantes podiam ser condenados ao pagamento de qualquer quantia nos presentes autos, o que apenas se admite por hipótese de raciocínio, nunca poderiam ter sido condenados ao pagamento da quantia de €7.680,00, mas tão-só ao pagamento da quantia de €3.840,00, porquanto nunca foram interpelados para a mora no pagamento da indemnização por ocupação indevida do locado.
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2.3. A parte contrária contra-alegou, nos seguintes termos:
1) A ora recorrida entende, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a sentença que condenou todos os RR a pagar solidariamente à autora a quantia de € 7.680,00 sete mil seiscentos e oitenta euros) a título de indemnização prevista e calculada nos termos do artigo 1045.º do C.C., devida pela ocupação do imóvel nos oito meses posteriores ao término do contrato, interpretou de forma correcta os factos provados.
2) A douta sentença proferida nos presentes autos não padece de qualquer omissão de pronúncia ou violação de qualquer norma legal, ao contrário do que pretende fazer crer a apelante.
3) No caso jub-judice, entre outros factos, dá-se como provado que a fração dada de arrendamento pelo contrato de arrendamento celebrado entre a A/Recorrente e Réus, pelo prazo fixo de um ano, que cessou em 16 de setembro de 202, não foi entregue à A, a data da sua cessação;
4) Que os 1ºs RR, inquilinos só procederam à entrega das chaves, deixadas na caixa do correio, em 16 de maio de 2022.
5) Que, na contestação apresentada pela Ré/ apelante não é referido que procedeu a qualquer pagamento desde a data da cessação do contrato, tendo procedido à junção de 2 documentos- DOc-1 e Doc-2, o primeiro respeitante a um recibo de renda de um lugar de garagem e o segundo à nomeação pela Ordem dos Advogados da Patrona que a representa.
6) A Ré/ Apelante, até à audiência de julgamento, jamais sequer alegou ter efetuado pagamentos de renda respeitantes aos meses de Setembro e Novembro de 2021 e janeiro e Agosto de 2022, (este três meses após a entrega do locado).
7) Na elaboração da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, foi dado cumprimento integral ao disposto n artº. 607.º do CPC, designadamente, o que dispõe os nºs. 4, 5 e 6, deste artigo
8) Entendemos, salvo o devido respeito por opinião contrária não se verificar nenhuma causa e nulidade da sentença, a que alude o artº. 615º. do CPC, designadamente na alínea d) do nº. 1, já que o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido, pronunciou-se sobre todas as questões que foram temas de prova e sobre todo a documentação apresentada como meio de prova 9) Pelo que, a decisão do Tribunal “a quo” não merece reparo.
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3. Questões a decidir:
1. Apurar se existe ou não a nulidade invocada
2. Averiguar depois se deve ou não ser alterada a decisão de facto
3. Determinar o montante devido por aplicação do art. 1045º, do CC
4. Averiguar, por fim, se os fiadores 2º apelantes devem ou não ser condenados nesse montante.
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4. Da nulidade por omissão de pronúncia
Esta existe, nos termos do art. 615, nº1, al d), do CPC quando o tribunal se deixe de pronunciar sobre questões que devesse ter apreciado.
Este vício pressupõe assim a omissão de conhecimento de questão que o Tribunal deva conhecer por força do nº2 do artigo 608, do CPC.
Ora, esta norma dispõe que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Lendo as contestações e seus documentos, vemos que os apelantes fiadores juntaram o contrato de arrendamento, e nada alegam sobre a questão do pagamento de rendas posteriores.
Por seu turno a apelante Sra BB na sua contestação alega apenas que “a Ré passou a efetuar o pagamento por meio de transferências bancárias para uma conta à ordem de propriedade do Autor” e junta um documento referente ao pagamento de renda de uma garagem e outro referente à concessão de apoio judiciário.
Note-se aliás que a resposta incidiu apenas, sobre o teor da contestação dos apelantes fiadores, tendo sido juntos dois documentos relativos à comunicação dos mesmos da situação de mora.
Logo, a questão sobre o pagamento desses montantes nunca foi alegada pelas partes, e por isso não constitui qualquer questão que o tribunal pudesse efetivamente conhecer, sendo que a parte processualmente relevante da mesma, foi expressamente conhecida através da matéria de facto não provada.
Improcede, pois, a nulidade invocada.
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5. Do recurso sobre a matéria de facto
Face ao exposto, impõe-se a conclusão que o pagamento dos montantes referidos nas alegações não foi uma questão tempestivamente suscitada, nem existem nos autos documentos que permitam comprovar essa factualidade nos termos do art. 5º, do CPC. Logo, o recurso da matéria de facto não pode ser apreciado e sempre seria improcedente, pois, existem nos autos documentos (juntos com a contestação) que não comprovam as datas e rendas a que se referem.
Improcede, pois, este segmento do recurso.

6. Motivação de facto
1) A autora outorgou com os primeiros réus um contrato de arrendamento para habitação, no dia 17/09/2020, na qualidade de dona e legitima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “P”, correspondente a uma habitação no terceiro andar esquerdo posterior, com entrada pelo número ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av.ª ..., freguesia ..., Vila Nova de Gaia, inscrita na respectiva matriz sob o artigo ......;
2) Contrato de arrendamento com a duração fixada em um ano, sem renovações, com início em 17/09/2020 e o seu término em 16/09/2021;
3) O valor da renda anual acordado foi de 5.760,00€, a serem pagos em duodécimos de 480,00€ no primeiro dia do mês anterior ao que respeitar;
4) Os segundos réus, renunciando ao benefício da excussão prévia, assumiram a posição de fiadores e principais pagadores de todas as obrigações decorrentes do contrato, constituíram-se solidariamente obrigados com os primeiros réus de tudo o que do mesmo resultasse;
5) Mais acordaram as partes na 4.ª cláusula & Único “Caso se verifique mora no pagamento da renda mensal superior a oito dias, os inquilinos obrigam-se a pagar à senhoria uma indemnização correspondente a vinte por cento do valor em dívida; Fica desde acordado entre as partes de que, caso os inquilinos se atrasem no pagamento das rendas mensais por mais de 60 dias, a senhoria comunicará, por carta registada, aos fiadores tal mora”;
6) A autora enviou comunicações aos primeiros réus, em 08/06/2021, por carta registada, a relembrar que na data da cessação do contrato, aguardava a entrega do locado;
7) Os primeiros réus vêm ocupando e usando o arrendado desde 17/09/2020 até à data da instauração da presente acção, 23/12/2022;
8) A autora recebeu as chaves do locado e o próprio locado livre de pessoas e bens no dia 16/05/2022, conforme declaração nos autos com a referência 32301490;

factos não provados:
I. Os primeiros réus pagaram sempre no primeiro dia útil dos meses de Janeiro a Agosto de 2021 a quantia de 480,00€;
II. Os primeiros réus procederam ao pagamento dos valores vencidos, correspondentes ao valor da renda fixada, pela ocupação após 16/09/2021, que à data de 23/12/2021, data da propositura da acção perfazia já a quantia de 1.920,00€;
III. A renúncia ao benefício da excussão prévia referida em 4) não foi informada, nem explicada aos fiadores;
IV. Os segundos réus, se tivessem sido informados de tal renúncia, em momento algum teriam sido fiadores.

7. Motivação Jurídica

1. Do montante devido nos termos do art. 1045 do CC
O Artigo 1045.º, do CC dispõe que “1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”.
Este tribunal e relator já decidiram no Ac da RP de 3.12.2020, nº 1581/18.8T8OVR (Paulo Teixeira) que esta “norma é interpretada de forma literal como uma forma de sancionar a mora na devolução do locado, com o agravamento do valor da renda para o dobro”.
A nossa jurisprudência[1] e doutrina[2] têm considerado que se trata de uma indemnização fixada por referência ao valor da renda que foi o preço acordado pelas partes para a utilização do locado, e que essa norma enquadra duas situações diversas: “No primeiro caso (n.º 1 da disposição) o locador, não existindo mora na entrega da coisa por banda do locatário, fica com o direito de receber deste (que continua a fruir do locado) uma indemnização correspondente ao valor do arrendamento convencionado até ao momento da entrega da coisa. No segundo (n.º 2 do art.) existindo mora na entrega do locado, então o senhorio terá o direito a receber do locatário o dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição da mora e a efectiva entrega do locado.”
Diga-se aliás, que a constitucionalidade da norma já foi apreciada pelo Ac do TC de 24.11.99 in Proc. nº954/98, o qual considerou que “os critérios de determinação da indemnização devida pelo atraso na entrega do prédio locado dependem de uma lógica inerente a uma dada utilização económica do bem. Tal lógica fundamenta uma certa estabilidade de expectativas quanto às consequências do incumprimento, as quais são aceites por quem realiza um contrato de arrendamento ou sucede nessa posição contratual”.
Ora, decorre dos factos provados a data da entrega do locado que é posterior à data da resolução.
Logo é devida essa indemnização nos termos acrescidos do nº 2.
Acresce que, como bem considera o tribunal a quo, se posteriormente a apelante procedeu ao pagamento de outras quantias à apelada só terão as partes de deduzir as mesmas ao valor global em divida, tendo em conta que esses pagamentos não foram processualizados tempestivamente nestes autos.

2. Do montante em dívida pelos apelantes fiadores
Pretendiam estes, na sua contestação, que nem sequer teriam sido notificados do incumprimento/mora da arrendatária.
Esta questão improcedeu, na medida em que essa factualidade consta dos factos não provados.
Neste recurso, os apelantes fiadores põem apenas em causa o montante que deve ser por si suportado, aceitando, pois, a decisão quanto à existência e validade da fiança, e renúncia ao benefício da excusão prévia. Logo, formou-se caso julgado quanto a estas questões.
Resta, pois, determinar se os fiadores que renunciaram ao benefício de excusão prévia podem ou não ser responsabilizados pela mora na entrega do locado.
Ora, desde logo, o Ac do STJ[3] citado pelos apelantes diz respeito à questão de saber se o contrato celebrado pode ou não se excutido quanto aos fiadores, logo não incide sobre esta questão.
Mas, note-se, a sua fundamentação é até contrária à tese dos apelantes, na medida em que afirma: “A situação do fiador, enquanto executado, é neste contexto precisamente similar à do próprio arrendatário: ambos figuram no contrato de arrendamento; ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas; de ambos pode o credor senhorio exigir tal pagamento. Logo, o título executivo criado ex novo, com foros de especialidade, protegendo primordialmente o interesse do senhorio, deve valer contra ambos, a tal não se opondo o regime substantivo da fiança antes enunciado e que, nos termos do artigo 634º do Código Civil, prevê que a responsabilidade do fiador cubra as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, indiciando a própria desnecessidade da sua interpelação”.
E, na verdade, esta é a posição senão pacífica, pelo menos maioritária entre nós.
Desde logo, porque, o art. 1045º, do CC é uma previsão legal aplicável, como vimos à mora na entrega do locado. Por isso, resulta da mera aplicação de uma previsão normativa ao não cumprimento de uma obrigação do contrato. Ora, por um lado, a fiança tem por objecto precisamente garantir o pagamento dos danos provocados pelo inadimplemento dos locatários, e por outro a sua aplicação, limites e existência não pode ser invocada porque consiste na ignorância da lei (art. 6, do CC).
Em segundo lugar, o fiador, assegura, com o seu património, uma obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627, nº 1, do C.C.). Esta obrigação (acessória) tem, nos termos do art. 634 do C.C., o conteúdo da obrigação principal, cobrindo “as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.”
Ou seja, não pode ser mais, mas também não será menos, do que os danos derivados da mora, salvo estipulação contratual que, in casu, não existe.
Por isso, é consensual entre nós que a fiança incluirá a quantia devida nos termos do art. 1045º, do CC.
Assim: Ac da RP de 15.9.22 (Carlos Portela) nº 1413/21.0T8VLG-A.P1: “A situação do fiador, enquanto executado, é similar à do próprio arrendatário, pois ambos figuram no contrato de arrendamento, ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas e de ambos pode o credor/senhorio exigir tal pagamento. II - O título executivo complexo formado nos termos do artigo 14º-A do NRAU abrange não apenas o arrendatário, mas também o fiador, cabendo no seu âmbito todas as rendas devidas e demais encargos até à restituição do respectivo locado. (nosso sublinhado).[4]
Ac da RP de 11.10.22 (Fernando Vilares) 309/22.2T8VLG-A.P1: “para além das rendas em dívida, incluindo as vincendas até restituição do locado, também a indemnização por mora, nos termos do n.º 2 do art. 1045.º do Código Civil, é suscetível de ser abrangida pela força executiva do título mencionado em I).
Ac da RP de 5.3.2018, nº 43/14.7T8PFR.P1, (Carlos Querido): “face à natureza e o âmbito de vinculação da garantia prestada por fiança no contrato de arrendamento, a responsabilidade do fiador molda-se, salvo estipulação em contrário, pela do devedor principal, abrangendo tudo aquilo a que este se encontra obrigado: não só a prestação devida mas também as consequências da mora (…)”. (nosso sublinhado).
Ac da RL de 27.9.22[5]” O título executivo complexo formado nos termos do art. 14-A do NRAU abrange, não só o arrendatário, mas também o fiador, e integra igualmente a indemnização devida pelo atraso na restituição do locado, nos termos do art. 1045 do C.C”.
Podemos, por isso concluir que a responsabilidade dos fiadores inclui as consequências legais do incumprimento contratual, sendo que algumas destas podem produzir efeitos (como a simples mora no pagamento das rendas), em data posterior à cessação do contrato e ao âmbito temporal inicial da fiança.
Terá, pois, de improceder a apelação dos fiadores.
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Por fim, salientam os apelantes que “Desta forma, caso se entenda que os Apelantes podiam ser condenados ao pagamento de qualquer quantia nos presentes autos, o que apenas se admite por hipótese de raciocínio, nunca poderiam ter sido condenados ao pagamento da quantia de €7.680,00, mas tão-só ao pagamento da quantia de €3.840,00, porquanto nunca foram interpelados para a mora no pagamento da indemnização por ocupação indevida do locado”.
Quanto ao montante das rendas essa questão já foi apreciada.
Quanto ao montante resultante da mora na entrega, essa questão nunca foi alegada tempestivamente na acção, sendo que na sua contestação foi apenas invocado que: “O presente pleito muito surpreende os 2.ºs Réus, porquanto os mesmos nunca foram interpelados para o pagamento das rendas vencidas” (art. 3 da contestação), “Cabia à Autora a interpelação para o pagamento das rendas vencidas e não pagas(art. 8 da contestação) (nosso sublinhado).
Logo trata-se de uma questão nova que não foi invocada no momento próprio e por isso não pode ser objecto deste recurso, já que nem sequer é de conhecimento oficioso (cfr. AC STJ DE 7.7.2016, n 156/12.0TTCSC.L1.S1 (Gonçalves Rocha).
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8. Decisão
Pelo exposto, este colectivo, julga as presentes apelações improcedentes, por não provadas e, por via disso, confirma integralmente a douta sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes porque decaíram inteiramente.
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Porto em 28.9.2023
Paulo Teixeira
Judite Pires
João Venade
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[1] Cfr. Ac do SJ de 20.11.2012, nº 1587/11.8TBCSC.L1.S1 (Garcia Calejo) e a respeito de um veículo Ac da RP de 22.1.2013, PROC. N.º 379/12.1TBLSD.P1, (Rui Moreira).
[2] Fernando Gravato Morais, Cadernos Direito Privado, nº 27, Jul-Set2009, págs. 64-69.
[3] De 20.5.21 (Manuel Capelo).
[4] Da mesma relação e relator Ac da RP de 16.12.2020, 3566/19.8T8LOU-A.P1.
[5] Nº 13610/21.3T8SNT-A.L1-7 (Conceição Saavedra), Ac da RL de 12.3.19 (Cristina Coelho), nº 15962/17.0T8LSB-A.L1-7. Ac do STJ de 29.5.2007 (Faria Antunes) Processo nº 07A1065 (apenas sobre o âmbito da fiança);