Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DUARTE TEIXEIRA | ||
Descritores: | AMBIGUIDADE OBSCURIDADE INSPECÇÃO JUDICIAL PROPRIEDADE HORIZONTAL OBRAS PARTES COMUNS | ||
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Nº do Documento: | RP202501096175/23.3T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A decisão é ambígua apenas quando seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente. Obscura é a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido. quando um despacho judicial se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão proferida. II - Não ocorre qualquer nulidade resultante da não realização da inspecção judicial quando essa diligência seja inútil para a boa decisão da causa face à existência nos autos de fotografias que demonstram a situação da fachada. III - A construção de uma marquise ou parede de vidro numa varanda, no caso concreto, afecta a linha arquitéctónica do imóvel e a harmonia estética da fachada. IV - O regime do licenciamento ou da comunicação prévia está especificamente regulado no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação em nada afecta essa conclusão por visar objectivos distintos. V - A previsão do art 1425º, nº 3 do CC não pode ser aplicada ao caso presente, pois, em rigor não se trata de qualquer extensão do teor literal da norma e, no caso de analogia, esta visa possibilitar o acesso à fracção mas não o aumento da área útil da mesma com a construção de uma marquise. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 6175/23.3T8VNG.P1
Sumário: ……………………………… ……………………………… ………………………………
1. Relatório CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO DENOMINADO DE “...”, intenta a presente acção declarativa de condenação contra AA, pedindo que se decrete a Remoção da construção realizada na varanda da fracção autónoma do réu sem prévia autorização prestada em assembleia-geral de condóminos; Limpeza e reparação da fachada e pavimento da varanda, decorrentes dos danos originados com os trabalhos da construção na varanda. O réu contestou alegando em suma ter uma incapacidade permanente global de 90%. Trabalhar na sua residência e necessitar da obra em causa porque sem ela a fracção é fria. E com a colocação da cortina de vidro, o problema do vento e frio ficou resolvido. Termina pedindo a sua absolvição do pedido. Apesar de ter sido impugnado o valor processual da acção este foi fixado por despacho transitado de forma tabelar. Foi saneado o processo, instruída a causa e procedeu-se a audiência de discussão e julgamento finda a qual o tribunal proferiu a seguinte decisão: julga totalmente procedente a presente acção declarativa comum e consequentemente condena o réu AA a remover os painéis de vidro e respectivo suporte colocados na varanda da sua fracção autónoma, repondo o estado anterior à colocação. Inconformado veio o réu interpor recurso o qual foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo, a subir imediatamente e nos próprios autos. * 2.1. Conclusões I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que julgou totalmente procedente a ação, condenando o Réu a remover os painéis de vidro e respetivo suporte colocados na varanda da sua fração autónoma, repondo o estado anterior à colocação. II. Salvo devido respeito por opinião contrária, o Recorrente considera existir uma manifesta ausência de fundamentação na sentença in crise, a qual não teve em consideração a prova produzida, nomeadamente testemunhal e documental, e foi desconsideradora dos mais elementares pilares do direito, na persecução de decisões justas. III. Não pode, ainda, aceitar o aqui Recorrente que o Tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre a admissibilidade de um meio de prova por si requerido na sua contestação, proferindo sentença, sem que antes tivesse admitido ou não este meio prova. IV. A Recorrida intentou ação judicial contra o Recorrente, peticionando a condenação do Recorrente na remoção da construção realizada na varanda da fração autónoma do Recorrente sem prévia autorização prestada em assembleia-geral de condóminos (a que chamaram de marquise), bem como, na condenação do Recorrente a proceder aos trabalhos de limpeza e reparação da fachada e pavimento da varanda, decorrentes dos danos originados com os trabalhos da construção que este realizou na aludida varanda. V. O Recorrente, confiante de que não infringira qualquer norma legal, contestou a ação que lhe era movida explicitando que, de facto, havia colocado um vidro que permitia a vedação da varanda mas que tal construção não se tratava de uma marquise, pois, no seu entendimento, que era coincidente com o entendimento da Câmara Municipal ... (A...), autoridade administrativa com competência para autorizar e fiscalizar a legalidade daquela obra, não existiam constrangimentos a levantar quanto à realização daquela obra através do mecanismo da comunicação de obras isentas de controlo prévio, uma vez que se tratava de uma obra qualificada como de escassa relevância urbanística. VI. Ora, pese embora a alegação e prova do supra retratado, o Tribunal a quo, de forma superficial e desajustada, considerou que a utilização pelo Recorrente de painéis de vidro, na “tonalidade de castanho”, altera a linha arquitetónica, e que tal se trata de uma inovação não legalmente autorizada. VII. Ora, os painéis de vidro colocados pelo Recorrente não têm, nunca tiveram “tonalidade de castanho”, ao contrário do que refere o Tribunal a quo. VIII. Alias, desconhece-se de onde é que o Tribunal a quo retirou tal constatação, que por sinal, resulta da sentença como facto dado como provado. IX. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nos pontos 4), 6) e 13) dos factos provados, deveriam ter sido dados como não provados, pois, tal como decorre da prova junta aos autos e da prova gravada produzida em audiência de julgamento, inexiste razão para que tenham sido aqueles factos como provados, conforme resulta do supra alegado. X. Entende também o Recorrente que os factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, nos pontos I), II), IV) e V), deveriam ter sido dados como provados, conforme resulta do supra alegado. XI. Logo no início da sentença, o Tribunal a quo delimita o objeto do litígio e as questões a resolver, enunciando que deverá resolver as seguintes questões: “Qualificação da obra”, “Existência de deliberação” e “Alteração da linha arquitectónica do prédio”. XII. Contudo, ao longo de toda a sentença, em momento algum é proferida decisão fundamentada quanto à alteração da linha arquitectónica do prédio, bem como, quanto à qualificação da obra realizada pelo aqui Recorrente. XIII. Aliás, o Tribunal a quo não fundamenta em que termos entende que a obra realizada é ou não uma marquise, e de que forma, seja pela extensão, seja pelos materiais utilizados na construção, a obra em discussão nos autos altera a linha arquitectónica do prédio. XIV. A verdade é que o Tribunal a quo pressupõe o carácter inovador da obra realizada pelo Recorrente sem demonstrar factualmente e fundamentar juridicamente em que termos criou a sua convicção, não chegando sequer a fazer o enquadramento jurídico dos factos quanto à qualificação desta obra. XV. O Tribunal a quo ao indicar que “a utilização dos painéis de vidro, na tonalidade de castanho, altera aquela linha arquitetónica” não chega para que se perceba onde é que aquela obra é ou não é uma inovação capaz de fazer alterar a linha arquitetónica. XVI. Importa salientar que, a decisão foi proferida sem que fosse admitida algum meio de prova pericial ou de inspeção, ainda que estes tivessem sido requeridos pelas partes, sendo que só através destes meios de prova seria possível responder a algumas dúvidas, designadamente, quanto ao tipo de materiais utlizados, bem como, a como estão aplicados os painéis de vidro. XVII. A não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão gera a nulidade da sentença, que se argui, conforme resulta do artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC. XVIII. Nulidade essa que deverá ser arguida em fase de recurso, uma vez que a decisão objeto de recurso admite recurso ordinário, como resulta do artigo 615º, n.º 4 do CPC. XIX. Acresce que, ao longo de toda a sentença deparamo-nos com várias situações em que não conseguimos compreender qual terá sido o raciocínio do Tribunal a quo para ter proferido decisão com tal teor. XX. A sentença está redigida e estruturada de uma forma confusa e de difícil interpretação, completamente ininteligível, tornando impossível ao Recorrente compreender se o próprio Tribunal a quo realmente percebeu na sua plenitude a extensão do litígio que as partes lhe trouxeram a discussão, bem como, as pretensões defendidas pelas mesmas. XXI. Tal circunstância, poderá ser uma consequência direta do facto do Tribunal a quo não se ter pronunciado quando à admissibilidade da realização de inspeção judicial ao local, mesmo que esta tivesse sido requerida pelo Recorrente na sua contestação. XXII. No despacho saneador, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto aos meios de prova, admitindo e indeferindo, fundamentadamente, o que entendeu, contudo, quanto à inspeção judicial requerida pelo Recorrente decidiu relegar para “momento ulterior a apreciação da inspeção judicial ao local”. XXIII. Acontece que, a audiência de julgamento foi realizada sem que o Tribunal a quo se pronunciasse quando à admissibilidade da realização da inspeção judicial ao local, o que não se estranhou, uma vez que, o Tribunal a quo pode, mesmo depois de encerrada a audiência final, se não se julgar suficientemente esclarecido, ordenar a reabertura da audiência, para ouvir as pessoas que entender e ordenar as demais diligências necessárias, conforme resulta do artigo 607º, n.º1 do CPC. XXIV. Só quando notificado da sentença é que o Recorrente tomou conhecimento de que o Tribunal a quo proferiu sentença sem que, todavia, tivesse produzido decisão quanto à admissibilidade da realização da inspeção judicial ao local. XXV. Considerando tudo o que se alegou até este momento, parece mais do que óbvio de que este meio de prova era essencial ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, até porque ressalta a ideia de que o próprio Tribunal a quo ficou com dúvidas quanto ao objeto de litígio e ao que realmente aconteceu. XXVI. Ora, a prova por inspeção tem por fim a perceção direta de factos pelo tribunal, conforme resulta do artigo 390º do CC, sendo esta a prova direta por excelência, onde o Tribunal é colocado em contacto direto e imediato com o próprio facto a provar. XXVII. A omissão de ato ou formalidade que a lei prescreva produz a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa – artigo 195º, n.º 1 do CPC. XXVIII. A decisão sobre a admissibilidade de meios probatórios traduz-se numa nulidade do processado a ser arguida pelo interessado em momento próprio – artigo 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1 do CPC. XXIX. O Tribunal a quo recorre-se da norma jurídica prevista no artigo 1422º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do CC para fazer o enquadramento jurídico dos factos. XXX. No entendimento do Tribunal a quo, é bastante a utilização de painéis de vidro numa varanda de uma das frações de um prédio, quando as demais varandas do prédio são abertas e destapadas. XXXI. Na obra em discussão nos presentes autos, o Recorrente limitou-se a colocar painéis de vidro, 100% transparentes, sem qualquer gradeamento ou estrutura em metal de suporte, de forma que não prejudicassem a estética da fachada do prédio. XXXII. Aliás, quando estão recolhidos, aqueles painéis de vidro praticamente deixam de ser passíveis de serem vistos, sendo que, da via pública, mesmo quando estão dispostos, são muito discretos e não destoam da estética global do prédio, não prejudicando a unidade sistemática do mesmo. XXXIII. Ora, é do conhecimento dos moradores, bem como, do Tribunal a quo, através do depoimento prestado pela testemunha BB que, a varanda do Recorrente não foi a única que sofreu modificações que não foram sujeitas a aprovação em assembleia de condomínio. XXXIV. Assim sendo, desconhecesse a razão pela qual a construção do aqui Recorrente afeta a linha arquitetónica e o arranjo estético do prédio, mas as construções realizadas pelos demais condóminos nas suas frações, ainda que nas traseiras do prédio, mas ainda assim, visíveis da via pública, já não. XXXV. A ratio legis por detrás da previsão legal inscrita no artigo 1422º, n.º 2 do CC, ao estabelecer um conjunto de limites aos poderes dos condóminos, fá-lo, não porque as regras da compropriedade o exigem, mas antes porque, estando as diversas frações autónomas integradas na mesma unidade predial, há entre elas uma inerente relação de interdependência e de vizinhança. XXXVI. A estreita comunhão em que vivem os condóminos, como co-utentes de um mesmo edifício, sujeita-os a limitações que a lei não impõe ao proprietário normal e que são reclamadas pela necessidade de conciliar os interesses de todos. XXXVII. Contudo, não nos parece que a lei possa ser diferentemente interpretada dependendo apenas a quem esta aproveita, pois todos os condóminos estão sujeitos à mesma lei e às mesmas regras, podendo existir dois pesos e duas medidas diferentes para o que se reputa de igual. XXXVIII. Assim sendo, se é possível a alguns condóminos realizar obras, ainda que nas traseiras do prédio, que de alguma forma alteram a fachada do prédio, modificando a linha arquitectónica do prédio, então, a pretensão defendida pela aqui Recorrida mais não é que um contrassenso, ao que a lei reputa de uma conduta de má-fé. XXXIX. Por tudo o que se alegou, entende o Recorrente que foi feita uma incorreta interpretação da norma jurídica prevista no artigo 1422º, n.º 2, al. a) e n.º 3 do CC e aplicada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão. XXXX. Pelo que, considera o Recorrente que esta norma deveria ter sido interpretada no sentido de que a obra efetuada pelo aqui Recorrente não é capaz de alterar a linha arquitetónica ou o arranjo estético do prédio, pelo menos, não de forma que prejudique os demais condóminos daquele prédio * 2.2. A parte contrária contra-alegou, concluindo em suma que: Da matéria de facto dada como provada, resulta cristalino que, desde logo, o recorrente não cuidou de realizar a dita obra ao abrigo de uma deliberação da assembleia de condóminos tomada pela maioria requerida legalmente. Tendo inclusivamente realizado esta obra sem qualquer autorização prévia da assembleia geral de condóminos do recorrido. E isto porque a colocação dos vidros, conforme o recorrente fez, constitui algo que não encontra paralelo em qualquer outra fracção autónoma existente no referido edifício, em que todas as varandas, ab initio, são destapadas. Por isso, a simples colocação de painéis em vidro, por mais discretos que possam ser, na cor que possam ser, constitui uma alteração ao arranjo do prédio visto como um todo. * * 3. Questões a decidir 1. Apreciar as nulidades invocadas quanto à sentença. 2. Apurar depois se foi cometida a nulidade processual arguida e se esta pode ser conhecida nesta fase. 3. Conhecer do recurso sobre a matéria de facto. 4. Por fim, valorar a factualidade provada ponderando se a mesma implica ou não a alteração da decisão proferida. * 4. Das nulidades da sentença Pretende o apelante que a sentença é nula por dois motivos. Em primeiro lugar, porque “a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão gera a nulidade da sentença, que se arguiu, conforme resulta do artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC”. E, depois, porque “a sentença está redigida e estruturada de uma forma confusa e de difícil interpretação, completamente ininteligível, tornando impossível ao Recorrente compreender se o próprio Tribunal a quo realmente percebeu na sua plenitude a extensão do litígio que as partes lhe trouxeram a discussão, bem como, as pretensões defendidas pelas mesmas. Quanto à falta de fundamentação parece evidente que só por lapso essa questão foi suscitada. A sentença possui motivação de facto e respetiva fundamentação e, na subsunção jurídica cita duas normas e uma decisão como precedente. É, pois, evidente que inexiste qualquer falta de fundamentação absoluta. Quanto à inintegibilidade bastará referir que esta nulidade, prevista no art 615.º, n.º 1, al. e), 2.ª parte do CPC, pressupõe ambiguidade e/ou obscuridade num trecho decisivo da sentença. Entre nós[1] ambígua é a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente. Obscura é a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido. Ora, nas suas 40 conclusões e 39 páginas de alegações (numa acção cujo valor processual era, alegadamente de mil euros), o apelante demonstrou ter compreendido perfeitamente o sentido da decisão pelo que a única obscuridade processual será mesmo essa sua alegação. Quanto à suposta ambiguidade não se vislumbra qual a frase que possa merecer duas interpretações opostas, nem esta foi sequer referida pelo apelante. É, pois inequívoca a improcedência desta questão. * 5. Da nulidade processual Nestes autos o tribunal relegou a determinação da inspeção judicial para ulterior momento .[2] E no decurso do processo mais nenhum despacho foi proferido sobre esta matéria tendo sido encerrada a audiência de discussão e julgamento e proferida sentença. Deste modo o “Tribunal acabou por não se pronunciar expressamente sobre a inspecção judicial ao local”.[3] * 5. 1 Da tempestividade da arguição desta questão. Pretende o tribunal a quo que a mesma deveria ter sido arguida após o encerramento da audiência, pois, foi nessa data que o apelante teve conhecimento de que a inspecção não seria realizada. Em rigor a arguição da nulidade relativa à omissão da realização da diligência assume a natureza de nulidade processual. Mas, neste e noutros casos semelhantes tem sido entendimento dos nossos tribunais (incluindo desta secção) que: “quando um despacho judicial se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão proferida”.[4] Acresce que só nesse momento é que os efeitos da nulidade se tornam patentes para todos os restantes sujeitos processuais que desconhecem se estamos perante um lapso ou omissão inócuo ou algo com relevância processual. Por fim, neste caso a nulidade processual integra-se na sentença cujas nulidades são de conhecimento oficioso. Logo a questão foi tempestivamente arguida. * 5.2. Da realização ou não da diligência A inspeção judicial é uma forma de prova directa na medida que permite a percepção directa da realidade pelo tribunal (art. 390º do C.C e 490º do C.P.C). Assume, pois, em certos casos importante relevância sendo a sua força probatória livremente apreciada pelo tribunal [art. 391º do C.C]. O seu campo de aplicação principal, nos termos do art. 490º, do CPC, é esclarecer o juiz sobre facto que interesse à decisão da causa quando esteja em causa a perceção de coisas ou pessoas[5]. Mas, como todos os meios de prova a sua realização depende da sua efectiva utilidade e necessidade no concreto processo. A utilidade probatória significa a aptidão directa ou indirecta para comprovar ou não, uma parte relevante do objecto probatório. A necessidade implica que a produção dessa prova não possa ser substituída por qualquer outro meio probatória constante do processo. Como salienta, por exemplo, o Ac da Rc de 12.9.23, nº 1193/21.9T8CVL.C1 (Luís Cravo) “A inspeção judicial é um meio probatório que só deve ser afastado quando não contribuir, ou contribuir pouco para o esclarecimento da matéria de facto sobre que incide, ou seja, quando não tenha relevância para a descoberta da verdade material. Ora, é isso que acontece no presente caso. Na verdade, a inspecção judicial visaria permitir ao tribunal constatar a forma dimensão e cor da “marquise” construído pelo apelante e aferir a sua inserção na fachada do edifício da apelada. Ora, estão já juntas aos autos várias fotografias juntas pelas duas partes e aceites por ambas que permitem aferir de forma suficiente estes elementos[6]. Nessa medida a deslocação do tribunal ao local é manifestamente inútil já que a realização da mesma pouco acrescenta face aos documentos que já constam do processo e que, note-se, estão aceites por ambas as partes. Podemos, por isso concluir que, apesar de não ter sido proferido despacho expresso sobre essa matéria, a não realização da inspecção judicial foi correcta e adequada, pois, a diligencia em causa é, face aos demais elementos probatórios, desnecessária ou inútil para a descoberta da verdade. Improcede, pois, a questão suscitada. * 6. Do recurso sobre a matéria de facto Pretende o apelante que sejam alterados os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nos pontos 4), 6) e 13)”. E, “Entende também o Recorrente que os factos dados como não provados pelo Tribunal a quo, nos pontos I), II), IV) e V)”. Decidindo Nos termos do art.º 341º do Código Civil “as provas têm por função a demonstração da realidade dos fatos”, e a convicção, que se quer objectiva e racional, do tribunal nasce e forma-se com base nas provas constantes dos autos. Ora, quanto ao facto nº 4 “4) Painéis transparentes de cor escura” é evidente que estamos perante um lapso do tribunal a quo, pois, as fotos que, como vimos tornam inútil a inspecção judicial, demonstram a cor desses painéis que não é escura. Tanto é assim que a matéria de facto, incluiu também no ponto 6) “o vidro é 100% transparente”. Portanto, é evidente a procedência desta parte do recurso com a consequente eliminação do facto em causa dos factos provados. Pelo contrário, o facto nº 6, independentemente de qualquer depoimento testemunhal está também demonstrado pelas fotos em causa as quais comprovam a dimensão e altura dos vidros. Quanto à restante parte desta factualidade, teremos de notar que a mesma foi alegada pelo apelante que no art 31 da sua contestação alegou que “os vidros são do teto ao chão da varanda pelo lado de dentro do parapeito de segurança que existe, com materiais modernos, não existe nenhum caixilho e o vidro é 100% transparente”. Logo, não se vislumbra como pode o mesmo pretender agora que essa realidade por si alegada, e demonstrada parcialmente pelas fotos que também juntou seja considerada não provada. Por fim, o facto nº 13 dispõe “No dia 06/01/2021, o réu solicitou, via email, ao condomínio autorização para a colocação da referida cortina de vidro”. Esta realidade baseia-se no documento junto pelo apelante na sua contestação (doc nº 3). Estranha-se, pois, que o apelante pretenda que essa factualidade por si alegada e demostrada seja considerada, agora, não provada.
Quanto aos factos não provados O facto nº1: “Painéis que recolhem como uma cortina”. Teremos de louvar a imaginação da alegação que é, porém, totalmente destituída de consequências práticas e jurídicas. Na verdade a mesma nem esclarece sequer qual seria esse tipo de cortina (com varão? ou screen?), sendo que apesar da riqueza da língua portuguesa uma marquise/janela ainda é, comumente uma construção de vidro com elementos de sustentação (alumínio, pvc ou madeira) que pode ou não ser aberto e que protege um espaço da chuva, vento e temperatura exterior. Teremos de notar que esta versão da realidade por certo se trata de um lapso de comunicação entre a parte e o seu mandatário. Pois, como resulta do doc nº 3 junto pelo apelante este usa a expressão brasileira de cortina de vidro que é usada comumente nesse pais para descrever uma simples marquise. Acresce que as várias fotos juntas aos autos demonstram que essa alegação não é curial, nem sustentada em qualquer meio de prova credível.
2. Quanto ao pedido de autorização prévio ou deliberação, basta dizer que independentemente dos outros meios de prova o email escrito pelo apelante e junto pelo mesmo (doc nº 3) é claro quanto a isso: Logo, mantém-se o juízo probatório.
3. Por fim quanto à razão da colocação da “marquise” Bastará dizer que as fotos demonstram que existem várias fachadas semelhantes, todas voltadas para o mesmo lado sem que em nenhuma delas tenha existido a necessidade de colocar uma marquise ou, na alegação imaginativa “uma cortina de vidro”. Nesta matéria o tribunal a quo fundamentou que “Acresce que o réu conhecia o prédio por lá residir e que teve opção de verificar e informar-se se o apartamento seria ou não frio. Sobressai, por isso, a opinião dos réus e dos seus pais e não a demonstração objectiva de uma realidade que torne necessária a colocação dos vidros”. Logo é evidente que não existem meios de prova com suficiente credibilidade para demonstrar esta justificação para a colocação da “marquise”, já que note-se essa “cortina de vidro” é colocada precisamente para isolar uma determinada área do exterior em locais próximo do mar ou não. E, se de facto fosse o vento do mar a causa dessa acção então a protecção colocada não seria total fechando hermeticamente a varanda, mas bastar-se-ia com um tapa-vento ou resguardo parcial. Improcede, pois, na quase totalidade o recurso sobre a matéria de facto. * 7. Motivação factual. 1) O réu é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2.º andar direito, no bloco ..., inscrita na matriz urbana sob o artigo ...-F, que integra o prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia; 2) Na referida fracção autónoma existe uma varanda, de uso exclusivo da fracção autónoma titulada pelo réu; 3) O réu procedeu à construção e colocação de painéis de vidro, permitindo o fecho e cobertura da varanda, varanda afecta à respectiva fracção autónoma, em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido no decurso do mês de Março de 2021; 4) [7] 5) Foram realizados pontos para fixação à fachada e pavimento da varanda dos painéis implantados pelo réu; 6) Os vidros são do tecto ao chão da varanda pelo lado de dentro do parapeito de segurança que existe, não existe nenhum caixilho e o vidro é 100% transparente; 7) Construção e colocação o que o autor designa como marquise e que réu designa como cortinas de vidro; 8) Em assembleia geral de condóminos de 10/01/2022, tal matéria foi debatida e foi deliberada a adopção das medidas necessárias à respectiva remoção, com mandato para propositura de acção judicial; 9) O réu tem uma incapacidade permanente global de 90%; 10) O réu tem dificuldades motoras e para se movimentar tem que utilizar cadeira de rodas; 11) O réu é engenheiro de computadores e software; 12) O réu trabalha em casa em regime de teletrabalho; 13) No dia 06/01/2021, o réu solicitou, via email, ao condomínio autorização para a colocação da referida cortina de vidro; 14) Antes da instalação dos painéis de vidro foi solicitado à A... um pedido de comunicação de obras isentas de controlo prévio; 15) Tendo havido decisão da A..., datada de 19/03/2021, onde se refere que não existem constrangimentos a levantar refere que não existem constrangimentos a levantar. * 8. Motivação jurídica Está em causa neste caso mais um conflito inserido na relação de condomínio, cujo valor real é de aproximadamente mil euros[8], na qual a situação pessoal do apelante permitiria por certo esperar uma resposta mais cortês por parte da apelada. Sendo que esta questão terá sido agravado pelas diferenças linguísticas entre uma cortina de vidro versus marquise. Mas que a pretensão do apelante é improcedente, tal como decidido, pelo tribunal recorrido é manifesto. Desde logo, porque o apelante réu não põe em causa a construção da marquise nem que esta se encontra implantada numa área comum desse edifício. E a construção de uma marquise implantada na área comum (ainda que afectos ao uso exclusivo de uma fracção), constitui sem dúvida uma obra inovadora (cfr. Ac. RL de 17.11.94 in CJ, V, 105). * 2) Da linha arquitetónica ou arranjo estético do prédio Decorre do art. 1422º, nº2, al. a), do CC, nº 2, que é “especialmente vedado aos condóminos: Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício”. Comentam a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. Anotado, III, 1972, p. 366), o “nº 2 estabelece uma série de limitações aos poderes dos condóminos, cuja explicação se encontra, não nas regras sobre a compropriedade, mas antes no facto de, estando as diversas fracções autónomas integradas na mesma unidade predial, como propriedades sobrepostas ou confinantes, haver entre elas e no respectivo uso especiais relações de interdependência e de vizinhança. Desta última conexão deriva para cada um dos condóminos o direito de, em certas circunstâncias, obrigar os demais a realizar certas obras ou a abster-se da prática de determinados actos”. Quanto à construção de marquises é ainda hoje pacífico que “não há dúvidas que as varandas do prédio onde se situa a fracção autónoma propriedade do Autor são consideradas partes comuns desse mesmo prédio, não só por serem consideradas terraços de cobertura, à luz da transcrita alínea b), como também por comporem a fachada desse mesmo edifício (conforme a alínea a) da referida norma)”[9]. É vasta a nossa jurisprudência sobre esta questão face à predilecção nacional pela construção de marquises. Nesta parte seguimos de perto o acórdão da RP de 11.1.24, nº 1695/23.2T8MAI (Paulo Teixeira)[10] onde se escreveu: “A linha arquitectónica deve ser entendida como o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, e conferem (ou não) individualidade própria e específica. (….) é consensual na nossa jurisprudência que a modificação que produz desarmonia no conjunto do edifício constitui uma alteração das suas características e da sua estética”. Nessa medida o Ac do STJ de 22.6.2004, nº 04A2054 (Afonso de Melo), esclarece que “a modificação que produz desarmonia no conjunto do edifício constitui uma alteração das suas características e da sua estética”. De forma semelhante o Ac da RP de 7.7.2003, nº 0353912 (Caimoto Jacomé) considerou que: “Ao vedar completamente uma das varandas que integram a sua fracção, pese embora utilizando como materiais vidro e alumínio, semelhantes aos existentes no prédio, a ré, com essa obra nova, prejudicou o arranjo estético do prédio onde se integra a sua fracção”. Sendo que o Ac da RP de 7.6.21, nº 3106/20.6T8PRT.P1 (Manuel Domingos Fernandes) considerou também que “A marquise construída pela ré no terraço de cobertura do prédio configura uma alteração na substância e é uma parte comum do edifício”. Mais recentemente o Ac da RP de 8.4.24, nº 22126/22.0T8PRT-A.P1 (Miguel Baldaia) afirmou essa mesma natureza comum, ainda que parcial, da varanda. E, o Ac da RP de 21.10.24, nº 742/23.2T8PRT.P1 (Mendes Coelho) considerou que “a colocação de uma rede numa varanda e janelas se integrava no arranjo estético do edifício”. Sendo que em certas situações até a simples colocação de um vidro de cor diferente foi considerada como afectando esse arranjo estético: AC da RP de 13.1.2015, nº 334/12.1TBVLG.P1 (Anabela Silva), no qual a fachada de um edifício era constituída por vidros espelhados e se pretendia usar vidros translúcidos. Ora, aplicando estes princípios ao caso concreto parece manifesto, conforme se alcança da simples visão das fotografias juntas pelas partes que a construção da marquise constituiu uma saliente alteração do arranjo arquitetónico da fachada que, com esta isolada, face a todas as restantes fracções perdeu a harmonia e equilíbrio estético. Usando a foto junto pelo apelante vemos que o alumínio dessa marquise é de cor metálica quando todo o restante alumínio da caixilharia dessa fachada é preto; depois não é verdade que não possua qualquer elemento de fixação metálico, bem pelo contrário; em terceiro lugar o mesmo tem uma dimensão saliente (cerca de 4 metros de comprimento) e, por fim, é a única varanda que apresenta essa solução. Sendo que, por último, mas não menos importante se o fim da colocação era apenas a protecção do vento do mar não se percebe a razão pela qual não foi colocado apenas uma protecção menor e amovível. Ou seja, esta inovação afecta a linha arquitetónica ou arranjo estético das partes comuns e e/ou altera a edificação no seu estado original, provocando uma alteração saliente, relevante ou substancial da fachada.
3) da relevância da autorização camarária O apelante parece continuar a confundir o regime das obras no âmbito da propriedade horizontal e ao regime do direito do Urbanismo, os quais são de aplicação paralela entre si e não excludente. Com efeito a simples comunicação à entidade camarária visa a defesa do interesse público, em geral, através da aplicação das normas que regulamentam o ordenamento do território e urbanismo. Pelo contrário, o regime da propriedade horizontal pretende regular os eventuais conflitos e interesses daquele edifício concreto, sendo que sobre esse prisma a fachada do prédio pode assumir uma relevante importância. Pelo contrário, os entes administrativos podem (ou não) qualificar a criação de uma marquise como obras de escassa relevância urbanística, submetidas apenas ao seu “controlo prévio” das autarquias, através do procedimento de comunicação prévia. Daí não resulta, pois, que a autorização administrativa se imponha aos restantes condóminos ou que, por exemplo, caso haja autorização destes a comunicação e autorização administrativa seja inútil e irrelevante. Concluímos, pois que a conclusão administrativa sobre a escassa importância urbanística da obra em nada influiu a anterior conclusão.
4) da incapacidade do apelante e sua relevância neste caso Foi alegado e provado que o apelante padece de um elevado grau de incapacidade (90%). Entre nós é um primado social: “A inclusão plena dos cidadãos e cidadãs com deficiência, bem como o pleno reconhecimento e promoção dos seus direitos fundamentais”.[11] Com esse objectivo as entidades públicas devem garantir métodos de acesso e comunicação adequados. Desde 2012 que existe até um regime especial para a realização de obras em edifícios constituídos em propriedade horizontal. Nestes termos o art 1425º, nº 3 do CC dispõe que: “ No caso de um dos membros do respetivo agregado familiar ser uma pessoa com mobilidade condicionada, qualquer condómino pode, mediante prévia comunicação nesse sentido ao administrador e observando as normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, efetuar as seguintes inovações: a) Colocação de rampas de acesso; b) Colocação de plataformas elevatórias, quando não exista ascensor com porta e cabina de dimensões que permitam a sua utilização por uma pessoa em cadeira de rodas”. Mas, como vemos do teor literal desta norma, a mesma diz respeito à realização de obras para facilitar o acesso e movimentação dos cidadãos com deficiência motora, não para aqueles que pretendem utilizar uma varanda com a construção de uma marquise. Por certo o apelante reconhece que não existe analogia nas duas situações, sendo aliás que na construção da marquise nunca foi alegado qualquer impossibilidade de acesso mas sim que o vento do mar que impede a sua fruição. E, mesmo que o fosse ter-se-ia de obter uma harmonia de interesses entre os dois direitos em jogo através da aplicação do art. 335º, do CC e nunca a simples preponderância do interesse do apelante[12]. Logo, o grau de incapacidade do apelante é sem duvida uma circunstância que deveria ter sido tomada em conta em termos sociais e humanos, mas que não permite, quanto à construção da marquise, a derrogação das normas gerais relativas ao uso das partes comuns. Porque as normas especiais que concedem um direito de realização de obras na propriedade horizontal fundamentam-se no exercício do direito de acesso de pessoas com incapacidade e, não, como neste caso, numa maior fruição do espaço de uma varanda. Por isso a teleologia dessa excepção não pode ser aplicável à presente situação, sendo que, em rigor, o teor literal da norma não permite, neste caso a sua aplicação extensiva. Improcede, pois, esta questão. * * 6. Deliberação Pelo exposto, este tribunal colectivo julga o presente recurso de apelação não provido e, por via disso, confirma a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante porque decaiu inteiramente. |