Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
830/07.2TAAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AMÉLIA TEIXEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL FISCAL
QUESTÃO PREJUDICIAL DE NATUREZA FISCAL
PRAZO PRESCRICIONAL
Nº do Documento: RP20241107830/07.2TAAMT.P1
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Uma vez verificados os pressupostos do artigo 47.º, n.º 1 do RGIT, a suspensão do processo penal é decretada por força da lei e mantida até ao trânsito em julgado da decisão da questão prejudicial pela jurisdição tributária.
II - A suspensão do processo penal tributário prevista no artigo 47º do RGIT constituiu uma verdadeira regra especial e obrigatória, relativamente ao princípio geral da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7.º do Código de Processo Penal.
III - Contudo, não basta a existência de um qualquer processo tributário para dar lugar à suspensão do processo penal fiscal ou tributário, sendo ainda necessário que a questão nele suscitada seja “prejudicial” em relação ao objeto desse processo.
IV - Nos termos do artigo 21.º, n.º 4, do RGIT, uma vez suspenso o processo penal devido à pendência, nos tribunais administrativos e fiscais, de uma questão prejudicial de natureza fiscal, suspende-se também o respetivo prazo prescricional.
V - A suspensão do processo penal apenas ocorre a partir do momento em que o tribunal a determina, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do RGIT (ou o Ministério Público, nos termos do artigo 42.º, n.º 2, do RGIT).
VI - Quando nas impugnações judiciais apresentadas apenas por alguns dos arguidos se discutem questões relativas à situação tributária que influenciam a qualificação penal dos factos imputados a todos os arguidos, como coautores no processo por crime de fraude fiscal, verifica-se sua prejudicialidade substantiva.
VII - Estando todos os arguidos, incluindo os não impugnantes, pronunciados pela prática, em coautoria, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a) e nº 3 do RGIT, com base em factualidade estruturalmente comum, e verificados que sejam os sobreditos pressupostos, havendo lugar à suspensão do processo penal fiscal ou tributário, esta é extensível aos vários arguidos, independentemente de apenas um ou alguns deles terem impugnado em sede fiscal ou tributária a correspondente materialidade imputada.

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 830/07.2TAAMT.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Aamarante)




Acordam, em conferência, os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO

1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 830/07.2TAAMT, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Criminal de Amarante, por despacho proferido no dia 11.03.2024 (referência), foi decidido (transcrição):


Da prescrição do procedimento criminal
I.
Vieram os arguidos AA, BB e A..., S.A, em sede de contestação, invocar a prescrição do procedimento criminal.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se nos termos que antecedem.
*

II.
No que interessa à presente questão, compulsados os autos constatamos que:
1. Em 20/02/2009, na sequência de impugnações judiciais apresentadas pela sociedade B..., S.A. (atual A..., S.A), com os n.ºs ...93/07.1..., ...5/07.6..., ...8/07.8... e ...0/07.4..., foi proferido despacho pelo Ministério Público a determinar a suspensão do inquérito que se encontrava a decorrer, até que transitassem em julgado as respetivas sentenças (cfr. fls. 1610 e ss).
2. A decisão proferida no âmbito do processo n.º ...8/07.8... transitou em julgado no dia 22/03/2018 (cfr. fls. 1900).
3. Em 03/05/2018, o Ministério Público determinou a manutenção da suspensão do processo (cfr. fls. 1902 e ss.).
4. A decisão proferida no âmbito do processo n.º ...93/07.1... transitou em julgado a 29/03/2018 e a decisão proferida no processo n.º ...0/07.4... transitou em julgado a 09/12/2016 (cfr. fls. 2005).
5. Em 04/06/2018, o Ministério Público manteve a suspensão do processo até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo n.º ...5/07.6... (cfr. fls. 2005).
6. A decisão proferida no âmbito do processo n.º ...5/07.6... transitou em julgado a 26/05/2022 (cfr. fl. 2709).
7. Em 07/12/2022, o Ministério Público deduziu acusação (cfr. fls. 2796 e ss.) pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3 do Regime Geral das Infrações Tributárias, pela prática de factos ocorridos em 2003, 2004 e 2005, contra os arguidos:
- CC;
- AA, constituído como arguido em 21.01.2008;
- BB, constituído como arguido em 02/05/2019;
- DD, constituído como arguido em 22.02.2019;
- Sociedade A..., S.A., constituída como arguida em 28/02/2019;
- Sociedade C..., Lda., constituída como arguida a 22/02/2019;
- Sociedade D..., Unipessoal Lda., constituída como arguida a 02/05/2019.
8. Em 12/12/2022, foram expedidas cartas, com prova de depósito para notificação da acusação (cfr. fls. 2807 e ss.).
9. Foi requerida a abertura de instrução pelo arguido CC, tendo sido proferida decisão de não pronúncia quanto a tal arguido e de pronúncia relativamente aos demais arguidos identificados em 7 (cfr. fls. 2792 e ss.)
10. Em 31/07/2023, foram expedidas cartas, com prova de depósito para notificação da decisão instrutória (cfr. fls. 2809 e ss.).
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III.

1. Da incompetência material do Ministério Público
Veio o arguido AA invocar que o despacho de suspensão proferido pelo Ministério Público a 20/02/2009 é nulo porque proferido por entidade materialmente incompetente para o efeito.
Muito brevemente, e sem considerações de demais, diremos que o despacho em causa foi proferido no âmbito do inquérito, da competência única e exclusiva do Ministério Público, e ao abrigo do disposto no artigo 42.º, n.º 2 do RGIT, pelo que, não enferma de qualquer nulidade, tendo a suspensão em causa sido determinada por quem detinha a legitimidade para o proferir na fase processual em que os autos se encontravam.
Pelo que, indefere-se a nulidade arguida.
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2. Do crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo disposto nos artigos 103.º e 104.º, ambos do RGIT (na redação da Lei n.º 15/2001, de 05/06, em vigor na data dos factos).
Dispõe o artigo 103.º do RGIT que:
“1- Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria coletável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 7500.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”.
Por seu turno, preceitua o artigo 104.º do RGIT que:
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de faturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.
*

3. Da prescrição
No âmbito do RGIT, sob a epígrafe Prescrição, interrupção e suspensão do procedimento criminal, dispõe o artigo 21.º:
“1 - O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos.
3 - O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
4 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º”.
No presente caso, considerando a moldura penal do crime pelo qual os arguidos vêm acusados (pena de prisão até cinco anos) concluímos que o prazo de prescrição é de dez anos (artigo 21.º, n.º 2, do RGIT e artigo 118.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal).
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4. Da consumação do crime
A fim de se fazer a contagem do prazo de prescrição, necessário é determinar o momento a partir do qual começa a correr tal prazo. E tal prazo começa a correr com a consumação do crime. Mister é, pois, aferir a data da consumação do crime sub judice.
O momento da consumação do crime de fraude fiscal ocorre em muitas situações em momentos anteriores ao da entrega da declaração de imposto, como acontece, por exemplo, com a emissão e escrituração de faturas falsas ou com a celebração de negócio simulado (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2023, processo nº 1/15.4IDPRT.P2, disponível em www.dgsi.pt).
Esta questão tem sido muito debatida na doutrina e na jurisprudência, aceitando aquela, de forma maioritária, que a consumação ocorre com a entrega das declarações de imposto ou com a efetiva liquidação e esta, também de forma preponderante, que a consumação nem sempre ocorre com a entrega da declaração, mas antes, por exemplo, na data da celebração do negócio simulado ou na da emissão da fatura falsa.
A posição adotada pela jurisprudência indicada é a nosso ver mais consentânea com a letra dos artigos 5.º e 103.º do RGIT e com a evolução deste preceito desde a redação original do artigo 23.º do RGIFNA, onde ressalta um crescente endurecimento da penalização e também a objetivação dos elementos do tipo.
O texto do artigo 103.º do RGIT demonstra uma clara antecipação da tutela penal (típica dos crimes de perigo) a momentos anteriores ao da entrega da declaração de imposto, como seja a alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração ou a celebração de negócio simulado, desde que a conduta vise a não liquidação, entrega ou pagamento de prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
Ora, para além da previsão das condutas enunciadas no artigo 103.º do RGIT apontarem para uma tutela efetiva em momentos anteriores à entrega da declaração, como se deduz do próprio texto da norma quando refere, por exemplo, a alteração de valores que devam constar dos livros de contabilidade ou a celebração do negócio simulado, também o próprio artigo 5.º do RGIT, ao prever a consumação quando o agente atuou ou quando o resultado típico se tiver produzido, é, quanto a nós, indiciador de que o legislador consagrou a possibilidade de consumação do crime antes da entrega da declaração.
E na verdade, procurando compreender a perspetiva de quem acolhe a posição de que a consumação ocorre com a entrega da declaração, não vemos razão para o legislador não se ter expressado de forma mais clara e evidente na redação do artigo 103.º do RGIT, prevendo simplesmente a entrega de declarações com alteração ou omissão de factos e valores ou com menção de negócios simulados.
Mas mais. A exigência de que ocorra entrega da declaração para que haja consumação do crime de fraude fiscal, na prática, torna este ilícito, de feição manifesta de crime de perigo, quase um crime de resultado, pois é certo que verificada a finalidade das ações e a sua aptidão para a diminuição de receitas fiscais, vista a exigência que a doutrina coloca nas condutas que serão penalmente relevantes, se torna praticamente inevitável aquele desfecho, isto é, a diminuição da receita fiscal, caso contrário dificilmente serão condutas com aptidão para alcançar esse resultado.
Consideramos, pois, à semelhança da jurisprudência indicada, que o momento da consumação do crime de fraude fiscal ocorre em muitas situações em momentos anteriores ao da entrega da declaração de imposto, como, por exemplo, acontece com a emissão e escrituração de faturas falsas ou com a celebração de negócio simulado. Nestes casos, a finalidade da conduta, no sentido de se alcançar a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais e a suscetibilidade da mesma para a verificação do resultado (diminuição das receitas fiscais) é tão evidente que o legislador entendeu antecipar a esse momento o da consumação do crime. E caso ocorra entrega de declaração com menção desses elementos deturpadores da verdade em consonância com as faturas falsas ou o negócio simulado estaremos apenas perante o exaurimento de um crime já consumado, representando esse o último ato de execução.
Também o momento da consumação do crime de fraude fiscal cometido através da celebração de negócio simulado, é o da data da sua celebração e, consequentemente, o prazo da prescrição começa a correr nessa data (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2021, processo nº 159/04.8IDAVR.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Quando é que se consumou o crime em causa nos presentes autos?
No presente caso, a data da última fatura alegadamente falsa é 31.12.2005 (cfr. fls. 837).
Em suma, no presente caso, o crime consumou-se (e começou a contagem do prazo de prescrição) em 31.12.2005.
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5. Da prescrição no presente caso
No presente caso, o prazo de prescrição iniciou-se em 31/12/2005.
Em 21.01.2008, interrompeu-se o prazo de prescrição relativamente ao arguido AA, reiniciando-se nessa data a contagem do prazo de prescrição – artigo 121.º, nº 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal.
Os demais arguidos foram constituídos como tal fevereiro e maio de 2019.
Sendo o prazo de prescrição de 10 anos, e não lhes sendo aplicável qualquer causa de suspensão/interrupção entretanto ocorrida, completou-se o prazo de prescrição em:
- 21.01.2018, (ou 31.12.2020 se consideramos o disposto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal) relativamente ao arguido AA;
- 31/12/2015 (ou 31.12.2020 se consideramos o disposto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal), relativamente aos demais arguidos.
Será de aplicar, in casu, a suspensão da prescrição, prevista no artigo 47.º do RGIT?
Nos termos do disposto no artigo 21.º, nº 4, do RGIT: O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º.
Dispõe o n.º 2, do artigo 42.º do RGIT que, no caso de ser intentado procedimento, contestação técnica aduaneira ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não será encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior.
Por sua vez, dispõe o artigo 47.º do RGIT que, se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças.
No presente caso, em 20.02.2009, na sequência de impugnações judiciais apresentadas pela sociedade arguida A..., S.A. foi proferido despacho de suspensão do inquérito, despacho que foi sendo renovado a 03.05.2018 e a 04.06.2018.
Vejamos qual tem sido a posição dominante da nossa jurisprudência relativamente à (in)oponibilidade da suspensão a arguido não impugnante:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20-05-2009, proc. número 0818024, disponível em www.dgsi.pt:
“Sendo vários os arguidos no mesmo processo, e tendo uns impugnado a liquidação tributária e outros não, a suspensão da prescrição prevista no art. 47º do RGIT não ocorre em relação aos arguidos que não impugnaram essa liquidação”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03-07-2013, proc. número 47/08.9IDPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt:
“I - Do art.º 47º do RGIT resulta que, ocorrendo impugnação judicial de determinada situação tributária, o processo penal tributário suspende-se até ao trânsito em julgado, constituindo essa decisão caso julgado material no processo penal tributário;
II - Tal situação só faz sentido havendo repercussão de um processo no outro - causa prejudicial -, pelo que o objeto de ambos tem de ser o mesmo ou estar numa relação de dependência direta e necessária;
III - Sendo a impugnação estritamente pessoal, não pode ela beneficiar ou prejudicar terceiros sob pena de, assim não acontecendo, se poder vir a responsabilizar outrem pela prática de factos alheios, o que, de todo em todo, é proibido no âmbito do direito penal e respetivo processo”.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20-11-2019, proc. número 342/16.3IDAVR-BB.P1, disponível em www.dgsi.pt:
“Sendo a impugnação estritamente pessoal, não pode ela beneficiar ou prejudicar terceiros sob pena de, assim não acontecendo, se poder vir a responsabilizar outrem pela prática de condutas alheias, o que, de todo em todo é proibido no âmbito do direito penal e respetivo processo”.
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2022, proc. número 64/08.9IDSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt:
“É de salientar o carácter individual do decurso dos prazos de prescrição do procedimento criminal, pois que, como princípio geral, a prescrição do procedimento criminal reveste – tem de revestir - natureza individual, aplicando-se e adaptando-se à específica situação de cada um dos arguidos no processo. Na situação colocada neste processo, em que não estamos sequer perante um crime de comparticipação necessária, nada justifica a postergação do assinalado princípio geral (de individualidade na aplicação das regras relativas ao decurso dos prazos de prescrição do procedimento criminal). In casu, tendo a impugnação sido feita estritamente pela arguida “BB”, e estando em discussão nessa impugnação questões não objetivamente atinentes ao arguido AA, a mesma não pode prejudicar este arguido, sob pena de, a entender-se o contrário, serem colocados em crise princípios e regras essenciais do direito penal e respetivo processo. Em jeito de síntese: a impugnação judicial deduzida pela coarguida “BB” não constitui causa suspensiva da prescrição do procedimento criminal relativamente ao arguido AA, uma vez que este arguido é totalmente alheio a tal impugnação judicial”.
Ora, assim sendo, uma vez que os arguidos AA, DD, C... Lda. e D..., Unipessoal Lda. não apresentaram impugnação, a suspensão do decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal respeita apenas à impugnante, não produzindo efeitos relativamente estes arguidos, os quais não são parte nas referidas impugnações, não intervieram nas mesmas, não podendo colher delas qualquer vantagem, nem podem ver alterada a respetiva situação tributária com base na decisão nela proferida.
Em jeito de síntese: a impugnação judicial deduzida pela arguida A..., S.A. não constitui causa suspensiva da prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos AA, DD, C... Lda. e D..., Unipessoal Lda.
Como se deixou expresso supra, sendo o prazo de prescrição de 10 anos, completou-se o prazo de prescrição em 21/01/2018, relativamente ao arguido
Já não quanto à sociedade A..., S.A., e por inerência, ao seu representante legal à data BB, uma vez que, desde 20/02/2009 a 26/05/2022, o processo se encontrou suspenso.
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IV.
Pelo exposto, declaro extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto aos arguidos AA, DD, C... Lda. e D..., Unipessoal Lda., mais determinando o prosseguimento dos autos relativamente à sociedade arguida A..., S.A. e ao arguido BB.
Notifique e comunique em conformidade.»

2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público tendo extraído da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1. O Tribunal a quo não interpretou de forma correcta o disposto nos artigos 42º, nº2 e 47º, nº 1 e 2, do RGIT;
2. Nas impugnações judiciais interpostas junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... pela arguida A... S.A, que constam Fls. 1324 e ss (referente à liquidação adicional de IRC de 2003), Fls. 1349 e ss. (referente à liquidação adicional de IRC de 2005), Fls. 1398 e ss (impugnação judicial em sede IVA relativamente aos exercícios de 2003, 2004 e 2005) e Fls. 1504 e ss (impugnação judicial relativamente às liquidações adicionais ...20 no valor de 1.1512.061,79€ (IRC e IVA), a arguida A... pugna por demostrar que as facturas em causa nestes autos emitidas pelas arguidas E... Unipessoal Lda., F... Unipessoal Lda. e C... Lda. correspondem a facturas emitidas por serviços efectivamente prestados e nessa medida deveriam ser aceites como correctamente contabilizadas e os seus valores serem levados em conta para fixação da matéria colectável em sede de IRC e bem assim para apuramento do IVA devido;
3. Contrariamente ao que foi o entendimento do Tribunal, afigura-se-nos que a suspensão do processo penal nos termos do art.º 47º do RGIT opera relativamente aos impugnantes e bem assim aos que possam beneficiar com o provimento da impugnação, o que só não ocorrerá se os fundamentos da impugnação forem estritamente pessoais, não sendo então passíveis de constituir questão prejudicial relativamente aos arguidos não impugnantes;
4. Diferente entendimento resultaria numa substancial diminuição dos direitos de defesa dos arguidos que não têm legitimidade para impugnar judicialmente as liquidações adicionais efectuadas pela administração tributária à empresa que “alegadamente” contabilizou facturas que não correspondem a serviços efectivamente prestados;
5. Acresce que tal entendimento, que pressupõe a separação do inquérito relativamente aos arguidos que emitiram as facturas ”alegadamente” falsas, é passível de resultar em decisões penais contraditórias entre si e bem assim contraditórias com a decisão da jurisdição administrativa e fiscal, o que redunda numa situação de potencial injustiça e esvaziamento da reserva da jurisdição administrativa e fiscal consagrada nos artigos 42º e 47º do RGIT;
6. Afigura-se-nos ser mais consentâneo com critérios de justiça material, a letra e o espírito da lei o entendimento sufragado pelo Acórdão TRG 27-05-2019, processo 198/05.IDBRG.G1 (http://www.gde.mj.pt/), mormente na parte em que se afirma apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada. Assim, a questão de saber se a impugnação judicial apresentada por um arguido junto dos tribunais fiscais apenas se repercute na sua esfera jurídica e, por isso, não suspende o processo penal tributário e o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente a outros arguidos não obtém uma solução genérica e abstracta, antes depende da averiguação, caso a caso, sobre se entre o processo penal tributário e aquele procedimento tributário existe a relação de prejudicialidade que justifica a excepção ao princípio da suficiência do processo penal.
7. Tendo a arguida impugnante fundamentado a sua pretensão alegando, nomeadamente, que as facturas em causa nos presentes correspondiam a serviços efectivamente prestados e nessa medida não eram “falsas”, é manifesto que tal constitui uma questão prejudicial da competência da jurisdição administrativa e fiscal que, caso a impugnação tivesse sido procedente por este fundamento, aproveitaria à sociedade arguida impugnante e bem assim às sociedades arguidas emitentes das facturas em causa nos autos e respectivos gerentes, sendo certo que os arguidos estão pronunciados pela prática em co-autoria de crime de fraude fiscal qualificada;
8. O efeito suspensivo previsto no artº 47º do RGIT é, portanto aplicável aos arguidos AA, DD, C... Lda. e D..., Unipessoal Lda.
Termos que deverá o recurso merecer provimento, revogando-se o despacho de 11 de Março de 2024 que declarou a prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos AA, DD, C... Lda. e D..., Unipessoal Lda.
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3. Após a admissão do referido recurso, o arguido DD respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, em função do entendimento de que a impugnação judicial deduzida pela arguida “A..., S.A.” não constitui relativamente a ele causa suspensiva da prescrição do procedimento criminal.
Por sua vez, a arguida “A..., S.A.” respondeu ao recurso pugnando pela sua procedência
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Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral emitiu parecer, no sentido de que recurso deve ser julgado procedente.
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A arguida “A..., S.A.” apresentou resposta reiterando a sua posição.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Questões a decidir
Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.
No caso concreto, é a seguinte a questão suscitada:
- Deve-se estender a suspensão do processo penal tributário, ou do prazo de investigação (que suspende igualmente o prazo de prescrição do procedimento criminal), aos arguidos AA, DD, “C..., Lda.”, e “D..., Unipessoal, Lda.”, que não impugnaram as liquidações dos impostos.
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II.2. Apreciação da questão acima enunciada

Com vista à apreciação da questão acima enunciada, importa transcrever o despacho de pronúncia proferido em 31-07-2023, ao qual alude o despacho recorrido (transcrição parcial nas partes relevantes):
«Nos termos dos fundamentos descritos, ao abrigo do disposto no art. 308º, nº 1, do Código de Processo Penal, decide este Tribunal pela pronúncia, para julgamento, em Processo Comum, perante Tribunal Singular, dos arguidos:
AA, titular do cartão de cidadão n.º ...26, nascido em ../../1970, natural da freguesia ..., concelho ..., filho de EE e de FF, casado, residente no Edifício ..., ..., ...;
BB, titular do cartão de cidadão n.º ...76, nascido em ../../1953, natural de ..., filho de GG e de HH, casado, com domicílio profissional na sociedade B..., S.A., sita no Parque Empresarial ..., Lote ...,..., ... ...;
DD, titular do cartão de cidadão n.º ...63, nascido em ../../1983, natural de ..., filho de II e de JJ, residente na Rua ..., ..., ... ...;
Sociedade A..., S.A., pessoa coletiva número ...45, com sede no ..., ... ...;
Sociedade C..., Lda., pessoa coletiva número ...91, com sede na Rua ..., ..., ..., ...;
Sociedade D..., Unipessoal Lda. (NIF ...44...), com sede na Rua ..., ..., ..., ... ....
Porquanto, indiciam os autos que:
I – Das sociedades
i. Sociedade arguida A..., S.A.
1. A sociedade arguida A..., S.A., pessoa coletiva número ...45, foi constituída em 9 de outubro de 1987 e tem atualmente sede em ..., ... ....
2. A aludida sociedade tem por objeto a construção de obras públicas ou privadas, nomeadamente: construção civil ou industrial, barragens, hidráulica, marítima e fluvial, aeroportos e bases aéreas, estradas e autoestradas, vias férreas, túneis, canais de irrigação, pontes, abastecimento de águas e saneamento, instalações elétricas e mecânicas, montagem de equipamentos, elaboração de projetos de engenharia civil, construção de edifícios, compra e venda de imóveis, incluindo a compra para revenda dos adquiridos para esse fim.
3. À data dos factos que infra se descreverão, situados nos anos de 2003, 2004 e 2005, a sociedade tinha a designação de B..., S.A. e tinha sede na Rua ..., ... ....
4. À data dos factos que infra se descreverão, situados nos anos de 2003, 2004 e 2005, o arguido BB exercia a gerência da sociedade.
5. A partir de 21 de outubro de 2005, a gerência da sociedade foi igualmente exercida por CC, data em que foi formalmente nomeado como vogal do Conselho de Administração sob a inscrição nº ...0, Ap. .../20051021, assumindo os pelouros financeiro, administrativo e recursos humanos, acumulando essas funções com os cargos que desempenhava na Madeira.
6. Enquanto gerente da aludida sociedade, durante os anos de 2003, 2004 e 2005, era o arguido BB que tomava as decisões sobre os negócios da empresa, contratava trabalhadores, emitia orientações sobre o trabalho, pagava os salários e contactava fornecedores e clientes,
7. Sendo igualmente o responsável pela liquidação, retenção e posterior colocação dos impostos à disposição da Administração Tributária.
8. A sociedade encontrava-se nos anos de 2003, 2004 e 2005 enquadrada no regime normal de periodicidade mensal em sede de imposto de valor acrescentado, e no regime geral em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
ii. Sociedade C..., Lda.
9. A sociedade arguida C..., Lda., pessoa coletiva número ...91, foi constituída em 1 de outubro de 2002 e tem sede em ..., freguesia ..., concelho ....
10. À data dos factos que infra se descreverão, situados nos anos de 2003, 2004 e 2005, KK e DD exerciam a gerência da sociedade.
11. Assim, eram KK e DD que tratavam da faturação da sociedade e da sua apresentação para efeitos de elaboração da contabilidade.
iii. Sociedade E... Unipessoal, Lda.
12. A sociedade E... Unipessoal, Lda., pessoa coletiva número ...91, foi constituída em 8 de janeiro de 2003 e tinha sede na Rua ..., ... ....
13. A aludida sociedade tinha por objeto a construção civil e a reparação de edifícios e subempreiteiro para construção civil.
14. À data dos factos que infra se descreverão, o arguido AA exercia a gerência da sociedade.
15. Assim, era o arguido AA que tomava as decisões sobre os negócios da empresa, contratava trabalhadores, emitia orientações sobre o trabalho, pagava os salários e contactava fornecedores e clientes,
16. Sendo igualmente o responsável pela liquidação, retenção e posterior colocação dos impostos à disposição da Administração Tributária.
iv. Sociedade arguida D..., Sociedade Unipessoal, Lda.
17. A sociedade arguida D..., Sociedade Unipessoal, Lda. (NIF ...44...) tem sede na Rua ..., ..., ..., ... ....
18. À data dos factos que infra se descreverão, LL exercia a gerência da sociedade.
19. Assim, era LL que tomava as decisões sobre os negócios da empresa, contratava trabalhadores, emitia orientações sobre o trabalho, pagava os salários e contactava fornecedores e clientes,
20. Sendo igualmente o responsável pela liquidação, retenção e posterior colocação dos impostos à disposição da Administração Tributária.
v. Sociedade F... Unipessoal, Lda.
21. A sociedade F... Unipessoal, Lda., pessoa coletiva número ...50, foi constituída em 12 de julho de 2002 e tinha sede em ..., BL ..., ... ....
22. A aludida sociedade tinha por objeto a construção civil e obras públicas.
23. À data dos factos que infra se descreverão, MM exercia a gerência da sociedade.
24. Assim, era MM que tomava as decisões sobre os negócios da empresa, contratava trabalhadores, emitia orientações sobre o trabalho, pagava os salários e contactava fornecedores e clientes,
25. Sendo igualmente o responsável pela liquidação, retenção e posterior colocação dos impostos à disposição da Administração Tributária.
II – Dos factos
26. Em data não concretamente apurada, situada em 2003, o arguido BB decidiu aumentar os custos do exercício da atividade desenvolvida pela sociedade arguida A..., S.A..
27. Pretendia o mencionado arguido obter, dessa forma, deduções de imposto de valor acrescentado que sabia não ser legítimas.
28. Para concretizar tal desiderato, o arguido BB determinou-se a pedir a vários indivíduos que geriam outras sociedades que emitissem em nome das mesmas faturas concernentes a operações simuladas, liquidando, recebendo ou deduzindo o imposto sobre o valor acrescentado a elas respeitantes, e procedendo à sua inscrição na contabilidade e nas declarações de rendimentos anuais, com consequências ao nível do cálculo da matéria coletável e do imposto devido sobre o rendimento das pessoas coletivas.
29. Com o intuito de criar a convicção que as faturas que pretendia contabilizar respeitavam a verdeiros fornecimentos de bens e serviços, o arguido BB determinou-se ainda a emitir cheques sobre as contas bancárias tituladas pela sociedade arguida A..., S.A. à ordem de terceiros que nada tinham que ver com os emissores das faturas, que endossavam, com vista ao seu retorno às contas bancárias de origem, sem refletir tais operações bancárias na contabilidade das sociedades.
Assim:
i. Exercício de 2003
- Sociedade E... – Unipessoal, Lda.
30. Em data não concretamente apurada do ano de 2003, o arguido BB solicitou ao arguido AA que emitisse várias faturas em nome da sociedade E... – Unipessoal, Lda., gerida por este.
31. Aderindo ao plano gizado pelo arguido BB, durante o ano de 2003, o arguido AA emitiu diversas faturas em nome e em representação da sociedade E... – Unipessoal, Lda., no valor global de € 844.803,54 [correspondente ao valor de € 709.918,94, acrescido de € 134.884,60 de imposto de valor acrescentado – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 231 a 357 do volume II, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas)].
32. Tais faturas foram pagas através da emissão de cheques – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 104 a 125 do volume I, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas).
33. Ocorre que tais faturas não representam o fornecimento de qualquer bem ou serviço à sociedade arguida A..., S.A.
34. Com efeito, à data dos factos, a sociedade E... – Unipessoal, Lda. não tinha instalações.
35. Ao que acresce que nos anos de 2003 a 2005 a referida sociedade teve apenas entre dezoito e catorze funcionários.
36. Por outro lado, as faturas emitidas pela sociedade E... – Unipessoal, Lda. estão desacompanhadas de documentos comprovativos da prestação dos serviços nelas descritos, mormente orçamentos, projetos, propostas, etc.
- Sociedade arguida D... – Sociedade Unipessoal, Lda.
37. Em data não concretamente apurada do ano de 2003, o arguido BB solicitou a LL que emitisse várias faturas em nome da sociedade arguida D... – Sociedade Unipessoal, Lda.
38. Aderindo ao plano gizado pelo arguido BB, durante o ano de 2003, LL emitiu diversas faturas em nome e em representação da sociedade arguida D... – Sociedade Unipessoal, Lda., no valor global de € 203.174,65 [correspondente ao valor de € 170.735,00, acrescido de € 32.439,65 de imposto de valor acrescentado – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 931 a 950 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas)].
39. Tais faturas foram pagas através da emissão de cheques – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 956 a 988 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas).
40. Ocorre que tais faturas não representam o fornecimento de qualquer bem ou serviço à sociedade arguida A..., S.A.
41. Com efeito, a sociedade arguida D... – Sociedade Unipessoal, Lda. nunca apresentou declaração de início de atividade para efeitos fiscais, nem declarações de rendimentos.
42. Por outro lado, as faturas emitidas pela sociedade arguida D... – Sociedade Unipessoal, Lda. estão desacompanhadas de documentos comprovativos da prestação dos serviços nelas descritos, mormente orçamentos, mormente orçamentos, projetos, propostas, etc.
- Sociedade F..., Unipessoal Lda.
43. Em data não concretamente apurada do ano de 2003, o arguido BB solicitou a MM que emitisse várias faturas em nome da sociedade F..., Unipessoal Lda., gerida por este.
44. Aderindo ao plano gizado pelo arguido BB, durante o ano de 2003, MM emitiu diversas faturas em nome e em representação da sociedade F..., Unipessoal Lda., no valor global de € 272.563,00 [correspondente ao valor de € 229.045,00, acrescido de € 43.518,55 de imposto de valor acrescentado – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 1001 e 1002 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas)].
45. Tais faturas foram pagas através da emissão de cheques – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 1032 a 1035 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas).
46. Ocorre que tais faturas não representam o fornecimento de qualquer bem ou serviço à sociedade arguida A..., S.A.
47. Com efeito, à data dos factos, a sociedade F..., Unipessoal Lda. não tinha instalações nem equipamentos.
48. Ao que acresce que nesse período tinha um único trabalhador, que era o próprio MM.
49. Por outro lado, as faturas emitidas pela sociedade arguida F..., Unipessoal Lda. estão desacompanhadas de documentos comprovativos da prestação dos serviços nelas descritos, mormente orçamentos, projetos, propostas, etc.
ii. Exercício de 2004
- Sociedade E... – Unipessoal, Lda.
50. Em data não concretamente apurada do ano de 2004, o arguido BB solicitou ao arguido AA que emitisse várias faturas em nome da sociedade E... – Unipessoal, Lda., gerida por este.
51. Aderindo ao plano gizado pelo arguido BB, durante o ano de 2004, o arguido AA emitiu diversas faturas em nome e em representação da sociedade E... – Unipessoal, Lda., no valor global de € 2.380.379,05 [correspondente ao valor de € 2.000.318,53, acrescido de € 380.060,52 de imposto de valor acrescentado – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 542 a 672 do volume III, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas)].
52. Tais faturas foram pagas através da emissão de cheques – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 687 a 744 do volume III, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas).
53. Ocorre que tais faturas não representam o fornecimento de qualquer bem ou serviço à sociedade arguida A..., S.A., pelas razões descritas nos artigos 34 a 36 da presente acusação.
iii. Exercício de 2005
- Sociedade C..., Lda.
54. Em data não concretamente apurada do ano de 2005, o arguido BB solicitou a KK e a DD que emitissem várias faturas em nome da sociedade C..., Lda., gerida por este.
55. Aderindo ao plano gizado pelo arguido BB, durante o ano de 2005, KK e DD emitiram diversas faturas em nome e em representação da sociedade C..., Lda., no valor global de € 469.820,94 [correspondente ao valor de € 394.807,50, acrescido de € 75.013,44 de imposto de valor acrescentado – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 1046 a 1054 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas)].
56. Tais faturas foram pagas através da emissão de cheques – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 1099 a 1122 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas).
57. Ocorre que tais faturas não representam o fornecimento de qualquer bem ou serviço à sociedade A..., S.A.
58. Com efeito, as faturas emitidas pela sociedade C..., Lda. estão desacompanhadas de documentos comprovativos da prestação dos serviços nelas descritos, mormente orçamentos, mormente orçamentos, projetos, propostas, etc.
- Sociedade E... – Unipessoal, Lda.
59. Em data não concretamente apurada do ano de 2005, o arguido BB solicitou ao arguido AA que emitisse várias faturas em nome da sociedade E... – Unipessoal, Lda., gerida por este.
60. Aderindo ao plano gizado pelo arguido BB, durante o ano de 2005, o arguido AA emitiu diversas faturas em nome e em representação da sociedade E... – Unipessoal, Lda., no valor global de € 2.467.841,98 [correspondente ao valor de € 2.060.175,13, acrescido de € 407.666,85 de imposto de valor acrescentado – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 572 a 838 do volume III, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas)].
61. Tais faturas foram pagas através da emissão de cheques – (cfr. cópias que se encontram juntas a fls. 864 a 927 do volume IV, para onde remetemos e que aqui damos por integralmente reproduzidas).
62. Ocorre que tais faturas não representam o fornecimento de qualquer bem ou serviço à sociedade arguida A..., S.A., pelas razões descritas nos artigos 34 a 36 da presente acusação.
63. Ora, na posse de tais faturas, o arguido BB, inscreveu-as na contabilidade da sociedade A..., S.A., e deduziu o imposto sobre o valor acrescentado a elas respeitantes, com consequências ao nível do cálculo da matéria coletável e do imposto devido sobre o rendimento das pessoas coletiva, nos termos dos mapas/quadros constantes de fls. 2803v e 2804, cujo teor aqui se reproduz (cfr. fls. 2648 e 2649 do volume IX).
64. O arguido BB agiu de forma livre, deliberada e consciente, em nome e em representação da sociedade arguida A..., S.A., de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos AA e DD, com o propósito concretizado de beneficiar a dita sociedade com a dedução do imposto de valor acrescentado liquidado nas faturas que utilizava, que sabia não corresponderem a transações reais.
65. Agiram os arguidos AA e DD de forma livre, deliberada e consciente, em nome e em representação das sociedades E... – Unipessoal, Lda. e C..., Lda. aderindo aos desígnios do arguido BB, conhecendo o mecanismo do apuramento dos impostos, ciente que as faturas que emitiram não correspondiam a transações comerciais efetuadas pelas sociedades que representavam, e que iriam ser introduzidas na contabilidade da sociedade arguida A..., S.A. para efeitos de apuramento de impostos.
66. Atuaram os arguidos com o intuito de obterem um benefício patrimonial que sabiam não ser legítimo, o que conseguiram, com o que prejudicaram a Administração Tributária.
67. Agiram os arguidos sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
*

Destarte, pela mencionada factualidade incorreram os arguidos AA, BB e DD, na prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, previsto e punido, pelas disposições conjugadas dos artigos 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a) e nº 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias (redação da Lei nº 15/2001, de 05/06, em vigor na data dos factos).
Sendo as sociedades arguidas “A..., S.A.”, “C..., Lda.” e “D..., Unipessoal, Lda.”, criminalmente responsáveis de acordo com o disposto no art. 7º, nº 1, do citado diploma legal (redação da Lei nº 15/2001, de 05/06, em vigor na data dos factos).

Importa ainda considerar que:
- Encontra-se junta aos autos a certidão da sentença proferida na impugnação judicial que correu termos no TAF de ... sob o nº ...8/07.8... em que era impugnante a sociedade B..., S.A. (actual “A..., S.A.”), bem como o acórdão que recaiu sobre o recurso da mesma interposto – cfr. fls. 1882 a 1900, para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Encontra-se junta aos autos a certidão da sentença proferida na impugnação judicial que correu termos no TAF de ... sob o nº ...93/07.1..., em que era impugnante a sociedade B..., S.A. (actual “A..., S.A.”), bem como o Acórdão que recaiu sobre o recurso da mesma interposto – cfr. fls. 1902, 1922 a 1961 para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Encontra-se junta aos autos a certidão da sentença proferida na impugnação judicial que correu termos no TAF de ... sob o nº ...0/07.4..., em que era impugnante a sociedade B..., S.A. (actual “A..., S.A.”), bem como o Acórdão que recaíu sobre o recurso da mesma interposto – cfr. fls. 1964 a 2003, para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Encontra-se junta aos autos a certidão da sentença proferida na impugnação judicial que correu termos n o TAF de ... sob o nº ...5/07.6..., em que era impugnante a sociedade B..., S.A. (actual “A..., S.A.”), bem como o Acórdão que recaíu sobre o recurso da mesma interposto – cfr. fls. 2048 a 2070 e 2088 a 2118, para cujo teor se remete e que aqui se dá por integralmente reproduzido
*

Apreciemos então a questão enunciada.
O recurso interposto pelo Ministério Público incide sobre o segmento do despacho recorrido [proferido em 11-03-2024] que declarou extinto, pelo efeito da prescrição, o procedimento criminal quanto aos arguidos AA, DD, C... Lda. e D..., Unipessoal Lda.
O recorrente alega, em breve síntese, que o procedimento criminal relativo aos referidos arguidos não se encontra prescrito, em virtude de a causa de suspensão decorrente das impugnações judiciais nos tribunais tributários, deduzidas pela arguida A..., S.A”, lhes ser aplicável.
Vejamos.
Diante da possibilidade de, num mesmo processo penal tributário, surgirem diversas situações tributárias envolvendo diferentes pessoas ou sociedades, ou relativas a diferentes impostos, a resposta à questão apresentada pode não ser a mesma para todas as situações. Tudo dependerá da averiguação concreta sobre «se, entre o processo penal tributário e o processo tributário, existe uma relação de prejudicialidade que justifique a exceção ao princípio da suficiência do processo penal» [como foi explicitado no Acórdão do TRG de 27-05-2029, proferido no P. 198/05.1IDBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt – tal como todos os que venham a ser indicados sem outra referência –, o qual seguimos de perto, dada a sua similitude com o presente caso].
Dispõe o artigo 21º do RGIT:
“1. O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos 5 anos.
2. O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a 5 anos.
3. O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo da caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.
4. O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no nº 2 do art. 42º e no art. 47º”.
No caso, vindo imputada aos arguidos, a coautoria de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a) e nº 3 do RGIT, o prazo de prescrição é de dez anos [cfr. art. 118º, nº 1, al. b), do C. Penal].
Dispõe o nº 2 do art. 42º:
«No caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária.»
E n.º 1 do art. 47º dispõe que:
1- Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças
Nesses casos, não há fixação de prazo para a suspensão, que perdura até que transite em julgado a sentença proferida no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução fiscal. Como vem sendo uniformemente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, a suspensão do processo penal tributário em decorrência de impugnação judicial ou oposição à execução fiscal não é automática, sendo obrigatória [e não facultativa, como no processo penal comum] apenas se a questão discutida na impugnação judicial tributária se configurar como uma verdadeira questão prejudicial nesse processo [neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste TRP de 01.02.2006, 06.06.2012, 28.03.2012, 23.09.2015, 11.01.2017 e 31.10.2018, e os do TRL de 15.01.2013 e 22.01.2019].
Conforme expresso nos Acórdãos da Relação do Porto de 23 de Setembro de 2015 e de 11 de janeiro de 2017, infere-se do regime previsto neste artigo 47º do RGIT que “existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.
O certo é que, uma vez verificados os pressupostos do artigo 47.º, n.º 1 do RGIT, a suspensão do processo penal é decretada por força da lei e mantida até ao trânsito em julgado da decisão da questão prejudicial pela jurisdição tributária. Isso configura um regime especial em relação ao previsto, em geral, na lei processual penal para os casos de prejudicialidade de questões não penais em processo penal, em que a suspensão é sempre decretada por um prazo, ainda que prorrogável, findo o qual a questão será decidida no processo penal.
Impõe-se assim o regime decorrente daquele artigo 47.º do RGIT como uma verdadeira regra especial e obrigatória, relativamente ao princípio geral da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7.º do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 21.º, n.º 4, do RGIT, uma vez suspenso o processo penal devido à pendência, nos tribunais administrativos e fiscais, de uma questão prejudicial de natureza fiscal, suspende-se também o respetivo prazo prescricional. A causa de suspensão da prescrição, prevista no artigo 21.º, n.º 4, do RGIT, é precisamente a suspensão do processo penal.

Por sua vez, a suspensão do processo penal apenas ocorre a partir do momento em que o tribunal a determina, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do RGIT (ou o Ministério Público, nos termos do artigo 42.º, n.º 2, do RGIT), conforme já mencionámos anteriormente.

Feito este enquadramento, ainda que de forma sintética, sobre o regime normativo aplicável à questão suscitada, é importante destacar que, no presente caso, existem dois grupos de arguidos:
- De um lado, o arguido BB, pronunciado na qualidade de gerente da sociedade arguida “A..., S.A.”;
- Do outro, os arguidos AA, que actuava como gerente da sociedade “E... Unipessoal, Lda” e DD, que actuava como gerente da sociedade arguida “C..., Lda”.
Das circunstâncias processuais apuradas nos autos, decorre que os arguidos AA, BB e DD foram pronunciados pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de Fraude Fiscal Qualificada, por terem, de comum acordo emitido facturas falsas, além de outras, pelas sociedades C..., Lda.” (da qual o arguido DD é gerente), E..., Unipessoal, Lda (da qual o arguido AA é sócio) e “D..., Unipessoal, Lda.”, a favor da sociedade arguida “A..., S.A.” (da qual o arguido BB é sócio gerente). As referidas facturas foram utilizadas na contabilidade desta última sociedade, permitindo a dedução do imposto sobre o valor acrescentado correspondente, com consequências no cálculo da matéria coletável e no imposto devido sobre o rendimento das pessoas coletivas, nos termos dos mapas/quadros constantes de fls. 2803v e 2804, cujo teor aqui se reproduz (cfr. fls. 2648 e 2649 do volume IX).
Sucede que a sociedade “A..., S.A.” veio a impugnar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... a liquidação adicional de IRC de 2003 (P. ..), liquidação adicional de IRC de 2005 (P. .. Fls. 1349 e ss.) (impugnação judicial em a liquidação de IVA relativamente aos exercícios de 2003, 2004 e 2005 (P. - Fls. 1398 e ss) e as liquidações adicionais ...20 de IRC e IVA (P. -fls. 1398 e ss.).
E foi precisamente nessa sequência que o Ministério Público [quando ainda nem sequer havia sido constituído qualquer arguido] proferiu o despacho de 20.02.2009. Nesse despacho, ponderando os fundamentos das impugnações pendentes no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., bem como as questões suscitadas no processo penal, determinou a suspensão do inquérito em curso até ao trânsito em julgado das respetivas sentenças, nos termos do art. 42º, nº 2 do RGIT
Como se pode constatar pelas certidões constantes dos autos, nas impugnações judiciais apresentadas, a arguida “A..., S.A.” procura, entre outros aspectos, demostrar que as facturas emitidas pelas arguidas “E... Unipessoal Lda.”, “F... Unipessoal Lda.” e “C... Lda.” correspondem a serviços efectivamente prestados. Nesse sentido, essas facturas deveriam ser aceites como devidamente contabilizadas e os seus valores considerados para fixação da matéria colectável em sede de IRC, assim como para o apuramento do IVA devido.
Ou seja, nas impugnações judiciais discute-se a legalidade da utilização dessas facturas, as quais sustentam o despacho de pronúncia, e que, por sua vez, as considera facturas falsas. Cremos, salvo melhor entendimento, que estão verificados os pressupostos de prejudicialidade anteriormente apontados, o que conduz, obrigatoriamente à suspensão do correspondente processo penal. De facto, nas impugnações judiciais apresentadas discutem-se questões relativas à situação tributária que influenciam a qualificação penal dos factos imputados a todos os arguidos, como autores no presente processo por crime tributário, verificando-se, portanto, a sua prejudicialidade substantiva.
Assim, respeitando sempre as opiniões divergentes, na situação concreta analisada nestes autos, e considerando os fundamentos expostos nas impugnações judiciais submetidas pela arguida “A..., S.A.” relativamente à tributação de IRC e IVA, bem como o objeto processual do presente processo criminal, deve-se concluir pela aplicabilidade da causa de suspensão do processo penal também aos arguidos AA, DD, “C... Lda”. e “D..., Unipessoal Lda.”, em virtude da pendência dessas impugnações judiciais, conforme o art. 47º, nº1, do RGIT.
No caso concreto, através das impugnações judiciais apresentadas, a arguida “A..., S.A.”, na qualidade de sujeito passivo do imposto, contestou a qualificação e quantificação dos factos tributários em causa nos presentes autos, uma vez que defendia a veracidade das facturas que sustentam a imputação da coautoria do crime a todos os arguidos, com o objectivo de obter a anulação (total ou parcial) dos atos tributários.
Assim, no presente caso, justifica-se a extensão da suspensão aos arguidos não impugnantes.
Como bem se assinala no referido Acórdão do TRG de 27-05-2019:
«Na verdade, como emerge coerentemente solidificado no analisado complexo normativo, a efectiva pretensão tributária, ainda que em termos de mera susceptibilidade, é parte integrante do elemento objectivo do tipo criminal: apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada.
Ora, no caso, como decorre com evidência do pertinente tido como assente em 1ª instância, as mencionadas impugnações judiciais tiveram como objecto as liquidações efectuadas do valor indevidamente obtido, a título de IVA e IRS, através da assacada coautoria (também) dos ora recorrentes da falsificação das facturas, em cuja inveracidade eram sustentadas tais liquidações.
Ou seja, a dedução das aludidas impugnações judiciais colocou em causa, pelo menos provisoriamente, a substantiva relação jurídica tributária, com manifesta incidência negativa na possibilidade de afirmação do crime de fraude fiscal imputado aos recorrentes
(…)
Com efeito, no apontado contexto, o apuramento da situação tributária e a concretização da vantagem indevidamente obtida eram necessários para a qualificação dos factos como crime: o resultado das impugnações judiciais instauradas poderia afectar, tanto a qualificação jurídica dos factos – era o caso dos autos porque se pugnava pela veracidade das facturas que sustentam aqui a imputação da coautoria do crime também aos recorrentes–, como, pelo menos, o objecto do processo penal, sendo certo que o desfecho das impugnações até efectivamente o alterou.»

Com relevo, também se decidiu no Ac. do S.T.J. de 17.01.2002 a propósito do crime de fraude fiscal (proferido no P. 4118/01-5): (2) – O prazo de prescrição do procedimento criminal é, no caso de crime fiscal, de 5 anos, contados da prática do facto, quer no domínio do RJIFNA, quer do RGIITe suspende-se, em ambos os casos, em caso de ser instaurado procedimento tributário gracioso, ou contencioso em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos praticados, como sucede se foi deduzida reclamação graciosa pela firma a quem teria o arguido adquirido máquinas, indevidamente tributadas com IVA, mais tarde recebido pelo recorrente, visando impugnar a veracidade dessa operação de venda, o que condicionava a decisão quanto à responsabilidade criminal do arguido. (3) – Não exige a lei que o procedimento que condiciona a suspensão seja intentado pelo arguido, o que releva sim é que no processo fiscal gracioso ou contencioso intentado se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos praticados. (…)
Temos, então, que no caso concreto, as impugnações judiciais deduzidas pela “A..., S.A.” colocam em causa, pelas razões expostas, a relação jurídica tributária substantiva dos arguidos não impugnantes, que poderiam ver alterada a sua situação tributária com base nas decisões que viessem a ser proferidas nesses processos.
Ora, estando todos os arguidos, incluindo os não impugnantes, pronunciados pela prática, em coautoria, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a) e nº 3 do RGIT, parece-nos indiscutível a influência que as decisões proferidas naqueles processos exerceriam sobre todos os comparticipantes na decisão do objeto processual do processo penal. Isto porque tais decisões se reflectem na determinação da própria existência do crime imputado, bem como do rendimento tributável, sendo, portanto, essenciais para o apuramento do imposto devido e/ou obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens de cariz patrimonial.
Acompanhamos, ainda, os argumentos da jurisprudência do Acórdão do TRG de 06.03.2023, proferido no P. 372/04.8IDBGR.G1, em caso tudo semelhante ao dos autos: No caso vertente, por via das impugnações judiciais deduzidas, os sujeitos passivos do imposto impugnantes, os aqui arguidos “Instituto de Estudos Superiores ..., Lda. e AA, refutaram a qualificação e quantificação dos factos tributários em apreço nos presentes autos de processo criminal com vista à anulação (total ou parcial) dos atos tributários. Assim sendo, e porque os arguidos, incluindo o não impugnante BB, vinham acusados nos autos da prática, em coautoria, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º/1/a) e c) e 104º/2 e 7, ambos do RGIT, afigura-se-nos indiscutível a influência do que viesse a ser decidido naqueloutros processos exercia, para todos os comparticipantes, sobre a decisão do objeto processual do processo penal, pois que tais decisões se refletem na determinação da própria existência do crime imputado e, sempre, do rendimento tributável e, em conformidade, apresentam-se como essenciais ao apuramento do imposto devido e/ou obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens de cariz patrimonial.

Assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos AA, DD, “C..., Lda” e D..., Unipessoal, Lda”, esteve suspenso por efeito da suspensão do processo penal tributário, nos termos previstos no art. 21º, nº 4, do RGIT, desde 20.02.2009 a 26.05.2022.
Nos termos previstos no art. 21º, nº 2, do RGIT e na al. b), do nº 1, do art. 118º do Código Penal, o prazo de prescrição aqui aplicável são 10 anos (considerando a moldura penal do crime pelo qual vêm os arguidos acusados – pena de prisão até 5 anos).
Ainda que na contagem do prazo de prescrição se parta da data mais favorável aos arguidos (data da última factura falsa: emitida a 31-12-2005), e atendendo às causas de suspensão e interrupção previstas na lei, é, pois, evidente que o procedimento criminal não se mostra prescrito.
Decorre do exposto e sem necessidade de adicionais considerandos que não se atingiu o termo do prazo aplicável de prescrição do procedimento criminal relativamente ao ilícito pelo qual os arguidos AA, DD, “C..., Lda” e D..., Unipessoal, Lda”, foram pronunciados.
Nestes termos, procede o recurso.

***



III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e revogar o despacho recorrido no segmento em que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto aos arguidos AA, DD, “C... Lda.” e “D..., Unipessoal Lda.”.

Sem custas.

Notifique nos termos legais.





Porto, 07 de Novembro de 2024
(anterior ortografia, salvo as transcrições ou citações, em que é respeitado o original)

Elaborado e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal)
Assinado digitalmente pela relatora e pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos

Amélia Carolina Teixeira
Ângela Reguengo da Luz
Paulo Costa