Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO RAMOS LOPES | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM COLOCAÇÃO DE PLATAFORMA ELEVATÓRIA DIREITOS DE PERSONALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP2023011013301/22.8T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O morador com mobilidade condicionada deve observar, na colocação de plataforma elevatória em edifício não dotado de elevador, as normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, mormente as normas técnicas instituídas no regime jurídico de segurança contra incêndio em edifícios. II - Tal solução legal é o resultado duma equilibrada ponderação dos interesses em confronto - dum lado, o interesse das pessoas que se vêem confrontadas com barreiras arquitectónicas, considerando a sua mobilidade condicionada; do outro, o interesse de todos os moradores e ocupantes de edifícios habitacionais de fracção habitacional em ver respeitadas regras destinadas a salvaguardá-los em caso de incêndio (regras destinadas a facilitar a evacuação e o salvamento e a permitir a intervenção eficaz e segura dos meios de socorro). III - Solução legal que realiza a concordância prática dos direitos constitucionalmente garantidos (a coordenação e a combinação dos bens jurídicos em presença de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros), conciliando de modo harmonioso os referidos interesses – um interesse geral e transversal, comum a todas as pessoas (portadoras de deficiência e não portadoras de deficiência), de habitar em edifícios aptos a proporcionar-lhes condições de segurança e a salvaguardar as suas vidas em caso de incêndio e o interesse próprio das pessoas afectadas por deficiência motora (mobilidade condicionada) de verem arredadas barreiras arquitectónicas no acesso às suas fracções. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 13301/22.8T8PRT.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Rui Moreira João Diogo Rodrigues Acordam no Tribunal da Relação do Porto * Apelante: AA (requerente). Apelada: Associação de Moradores ... (requerida). Juízo local cível do Porto (lugar de provimento de Juiz 8) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto. * Intentou o requerente procedimento cautelar comum pedindo seja ordenada a colocação, a expensas suas, de cadeira elevatória nas escadas do imóvel em que se situa a fracção que é sua habitação, abstraindo-se a requerida de qualquer comportamento que ponha em causa a colocação da mesma.Solicitando a não audição [prévia] da requerida e a inversão do contencioso, alego como fundamento da pretensão de tutela cautelar, em síntese, ter perdido, em razão de doença, autonomia de locomoção, pretendendo colocar no imóvel de três pisos em cujo segundo piso se situa a fracção que é sua habitação uma cadeira elevatória, consubstanciando a oposição da requerida a tal pretensão uma desconsideração dos seus direitos de personalidade e uma prática discriminatória indirecta. Determinada a sua audição prévia, deduziu oposição a requerida, argumentando que a sua oposição à pretensão do requerente tem por fundamento a circunstância da cadeira elevatória que o requerente pretende colocar não observar as normas técnicas de acessibilidade previstas na legislação pertinente (como resulta de parecer técnico emitido pela entidade com competência para tal e junto aos autos com o requerimento inicial). Realizada a audiência, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente o procedimento e concedeu ao requerente autorização para ‘colocação de uma plataforma (cadeira) elevatória nas escadas do imóvel na qual se encontra a fracção onde reside, desde que salvaguardadas, por observadas, as normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica (nos termos legal e expressamente impostos pelo art. 1425º, nº 3 do CC), concretamente, e na medida em que o prédio pertence à 1ª categoria de risco, nos termos do Decreto-lei nº 220/2008, de 12 de Novembro, e da Portaria nº 1532/2008, de 29 de Dezembro, que permita que o espaço livre para evacuação do imóvel através das escadas tenha uma largura mínima de 90 cm, devendo a Associação de moradores requerida abstrair-se de qualquer comportamento que ponha em causa a colocação da mesma’. Do assim decidido apela o requerente em vista da integral procedência da sua pretensão, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões: 1. Veio o requerente nos presentes autos, pedir que seja ordenada a colocação de cadeira elevatória nas escadas do imóvel onde este habita, devendo a requerida abstrair-se de qualquer comportamento que ponha em causa a colocação da mesma. 2. Alegou em síntese habita num prédio de 3 andares, sita na Rua ..., Porto, encontrando-se a fracção onde reside no 2.º andar desse mesmo prédio, não sendo este equipado com qualquer ascensor ou plataforma de elevação, realizando-se o acesso entre pisos através de escadas. 3. O requerente foi vítima de Acidente Isquémico Transitório e posteriormente de Acidente Vascular Cerebral. 4. Esteve internado em diversas unidades hospitalares entre o dia 19 de Outubro de 2021 e 23 de Maio de 2022, altura em que regressou a casa. 5. Os acidentes de que foi vítima causaram-lhe lesões profundas, inclusive locomotoras, que o colocaram numa cadeira de rodas. 6. A incapacidade e consequente deficiência de que padece, obrigam-no a realizar semanalmente três sessões de fisioterapia, tendo de recorrer à ajuda dos Bombeiros para que possa sair de casa. 7. Antes da nota de alta e do seu regresso a habitação, diligenciaram os seus familiares pela instalação de uma cadeira elevatória no prédio onde se encontra a fracção do requerente, atento às limitações do mesmo. 8. Cadeira essa que, tem como dimensão aproximada o comprimento de 50 cm, que correria sobre uma calha dupla a ser fixa às escadas e que ocuparia um espaço de 12-13 cm. 9. Para tanto, procederam à notificação da requerida, informando-a da referida colocação, bem como do facto que suportariam todos os custos associados à instalação da mesma. 10. Procederam ainda a um pedido prévio junto do Pelouro do Urbanismo e Espaço Publico e Pelouro da Habitação da Câmara Municipal do Porto, quanto à viabilidade de instalação do referido equipamento, tendo esta entidade se pronunciado favoravelmente quanto à referida instalação. 11. Opôs-se a requerida à referida instalação, tendo sido acordado entre as partes que tal questão fosse debatida e votada em Assembleia Geral. 12. Realizada a referida Assembleia, foi a proposta de colocação da plataforma elevatória rejeitada, tendo sido proposto pelo corpo gerente da Associação:“- Que deverá ser garantida que cumpre todas as exigências legais nomeadamente parecer da protecção civil, bombeiros e outra unidade orgânica”, entre outros questões que se mostram irrelevantes para a discussão em causa. 13. Foi requerido um parecer junto da protecção civil. 14. Parecer esse que foi emitido pela Batalhão Sapadores dos Bombeiros do Porto, e cujo conteúdo tem por base o Decreto-lei n.º 220/2008 de 12 de Novembro e a Portaria 1532/20008 de 29 de Dezembro, classificando o edifício habitacional como de 1ª Categoria de risco, devendo as vias e evacuação ter uma largura mínima de 90 Cm. 15. Não foi garantido pela empresa instaladora, o cumprimento da largura mínima imposta, acautelando apenas a medida aproximada de 844 mm a 861 mm entre o lado mais intrusivo da pista e o rodapé à direita. 16. Opôs-se a requerida à referida instalação com fundamento no não cumprimento da medida de 0,90 cm estipulada na portaria 1532/2008 de 29 de Dezembro, o que causaria impedimentos/dificuldades na passagem de macas para transporte de alguém imobilizado no prédio em questão, bem como poria em risco os utilizadores desse mesmo prédio. 17. A divergência que dista as partes assenta no enquadramento jurídico de tais factos, pois entende o requerente não ter de acautelar o comprimento de 90 cm na largura das escadas, por se mostrar tecnicamente impossível e estarmos perante a violação de direitos de personalidade titulados pelo mesmo, entendendo a requerida que tal medida (ainda que impossível de acautelar), deverá ser sempre respeitada pela imposição legal que resulta do artigo 213.º da Portaria 1532/2008 de 29 de Dezembro. Assim, 18. Entendeu o Douto Tribunal a quo em dar provimento parcial ao presente procedimento, concedendo autorização ao requerente para colocação de uma plataforma elevatória nas escadas do imóvel na qual se encontra a fracção onde reside, desde que salvaguardadas as normas técnicas vertidas no decreto-lei n.º 220/2008 de 12 de Novembro, e da Portaria 1532/2008 de 29 de Dezembro, mais concretamente, o respeito pela largura mínima de 90 cm nas escadas. 19. Para tanto, assenta a sua decisão no plasmado no n.º 3 do art.º 1425 do Código Civil (doravante CC), que ora e transcreve: “No caso de um dos membros do respetivo agregado familiar ser uma pessoa com mobilidade condicionada, qualquer condómino pode, mediante prévia comunicação nesse sentido ao administrador e observando as normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, efetuar as seguintes inovações: a) Colocação de rampas de acesso; b) Colocação de plataformas elevatórias, quando não exista ascensor com porta e cabina de dimensões que permitam a sua utilização por uma pessoa em cadeira de rodas.” Concretizando ainda que, “… a concessão de uma autorização generalizada para a colocação de uma cadeira elevatória abrangendo, inclusivamente, a colocação d uma cadeira que não permita a observância dessa largura mínima -90cm-, ainda que em alguns pontos, consubstanciaria a prolação de uma decisão ilegal”. 20. Entende o requerente apelante que a Douta Sentença recorrida, não tomou em consideração Direitos fundamentais nem de Personalidade, violando o disposto nos artigos 71º, 72º, 26º e 18º da CRP e artigos 70º e ss. do CC. 21. Dispõem o artigo 70º do CC, que: “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa lícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral” 22. Consagra o art.º 71 da CRP o gozo pleno dos direitos e deveres dos cidadãos portadores de deficiência, acrescentando o n.º 2 do referido artigo que “O Estado obriga-se a realizar uma politica nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência…” 23. A Lei 46/2006 de 28 de Agosto, versa sobre a proibição e punição da discriminação em razão da deficiência e de risco agravado de saúde. 24. Dispondo o nº 1 da referida Lei: “1 - A presente lei tem por objecto prevenir e proibir a discriminação, directa ou indirecta, em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e sancionar a prática de actos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, por quaisquer pessoas, em razão de uma qualquer deficiência. 25. 2 - O disposto na presente lei aplica-se igualmente à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde.” 26. Referindo ainda o artigo 4º, na sua alínea E), que integra como prática discriminatória a “recusa ou a limitação ao meio edificado” 27. Com efeito, a recusa assumida pela requerida quanto à pretensão do requerente constitui uma prática discriminatória indirecta; 28. Consagra o artigo 72º da CRP, o direito fundamental relativo à terceira idade, tendo as pessoas idosas direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitem a sua autonomia pessoal e evitem e superem o isolamento ou marginalização social. 29. Não deve o requerente depender de terceiros para o exercício pleno dos seus direitos, como o será de poder sair ou entrar em sua casa. 30. Tais preceitos emanam de igual forma do artigo do disposto no artigo 26º da CRP, onde é reconhecido a todos os direitos à identidade pessoal, à reserva da intimidade da vida privada familiar, bem como à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. 31. Naturalmente, estes direitos são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas privadas - artigo 18º nº 1, CRP. 32. Fundamenta o Tribunal a quo o provimento parcial da decisão de que se recorre, no cumprimento das normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, cuja remissão deriva da letra da lei do n.º 3, do artigo 1425 do CC. 33. Ora tal remissão para o Decreto-Lei 220/2008 de 12 de Novembro e da Portaria 1532/2008 de 29 de Dezembro, e no que ao regime de acessibilidade diz respeito, deriva do preceituado no n.º 4, do art.º 2 do Decreto-Lei n.º 163/2006 de 08 de Agosto. 34. O Decreto-Lei nº 163/2006, de 8 de Agosto, tem por objecto a definição das condições de acessibilidade a satisfazer no projecto e na construção de espaços públicos, equipamentos colectivos e edifícios públicos e habitacionais. 35. No anexo do referido diploma são aprovadas as normas técnicas, nomeadamente as relativas a acessibilidades, as quais se aplicam aos edifícios habitacionais – artigo 1º, nº 1 e nº 2, e artigo 2º, nº 2, alínea s) e nº 3, do mesmo diploma. 36. Para os espaços referidos no artigo 2º nº 1 e nº 2 existe um prazo para a sua adaptação às novas regras, que a requerida NUNCA adoptou. 37. A este respeito transcreve-se aqui, a posição assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido no processo 2345/10.2YXLSB.L1-1, relator Afonso Henrique, disponível em www.dgsi.pt: “Todavia, salvo melhor opinião, os edifícios habitacionais, referidos no artigo 2º, nº 3, não são abrangidos por tal previsão, pelo que se lhes aplica as seguintes regras: Nos termos do disposto no capítulo 3, secção 3.2.1., das referidas condições técnicas, nos edifícios de habitação com um número de pisos sobrepostos inferior a cinco podem não ser instalados meios mecânicos de comunicação vertical alternativos às escadas entre o piso do átrio principal de entrada/saída e os restantes pisos; isto é, em princípio, a lei estipula a obrigatoriedade de meios mecânicos alternativos à escada em prédios habitacionais (novos ou antigos), permitindo tal omissão quando se trate de prédios com menos de 5 andares. No caso, o prédio em causa tem menos de cinco pisos, pelo que os meios mecânicos de comunicação vertical alternativos à escada podem ser instalados.” 38. Equaciona o Tribunal a quo, o que faz por mero exercício de raciocínio, a hipótese da eventual existência de colisão de Direitos, ao abrigo do disposto no artigo 335.º do CC, concluindo que não existe qualquer colisão, e ainda que a houvesse, sempre a decisão seria em desfavor da pretensão do requerente. 39. Importará a este respeito referir o plasmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 778/11.6TYLSB.L1.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt: “Sendo os AA. confrontados com uma situação que dificulta gravemente a utilização do locado mas que pode ser ultrapassada mediante uma medida paliativa que passa pela colocação de uma cadeira elevatória amovível, é por demais evidente que os direitos de personalidade e o direito à habitação que assim pretendem acautelar, associados ainda ao direito que lhes advém da qualidade de arrendatários, lhes permite impor ao condomínio urbano a adopção dessa medida que nem sequer comporta custos de instalação ou de funcionamento para os RR. Em todos esses arestos se afirmou a prevalência dos direitos de natureza pessoal gravemente perturbados pelo exercício de actividades que, conquanto fossem lícitas, acabavam por ferir terceiros na sua esfera de direitos de personalidade. A compressão desses direitos em conflito com os direitos de propriedade ou com o direito de iniciativa privada foi a solução encontrada nesses e noutros arestos, em correspondência, aliás, com a tendência doutrinal (cfr. designadamente Menezes Cordeiro, Os direitos de personalidade na civilística portuguesa, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, vol. I, págs. 21 e segs., Maria de Fátima Ribeiro, no Comentário ao CC – Parte Geral, UC Editora, págs. 170 e segs., e Raymond Lindon, Les Droits de Personalité). 4.3. Da previsão abstracta do art. 335º do CC não é possível concluir assertivamente que as situações de conflito entre direitos de natureza pessoal, como os direitos de personalidade, e direitos de cariz patrimonial, como aqueles que os RR. invocaram, determinem invariavelmente a supremacia dos primeiros em relação aos segundos. Rejeitando esse automatismo, admite-se que em qualquer situação de conflito devem ser ponderadas as características intrínsecas de cada posição jurídica, avaliando quer os factores que permitem a valorização de determinados direitos, quer os que implicam uma desvalorização relativa. 4.4. No caso concreto, existem diversos elementos que nos permitem atribuir uma amplíssima valorização da posição em que os AA. se encontram, cabendo assinalar, dentro dos critérios enunciados pela doutrina e pela jurisprudência, os seguintes: - O elevadíssimo relevo que para a qualidade de vida dos AA. representa a instalação da estrutura elevatória; - O papel que tal estrutura representa na satisfação do direito de habitação e na tutela da dignidade humana; - A idade avançada dos AA., especialmente do A., associada aos problemas de saúde que afectam a sua mobilidade relativamente à prática de actos quotidianos, como descer e subir as escadas para aceder à sua habitação ou ao exterior, e também em relação à necessidade de receber tratamentos de fisioterapia;” 40. No caso sub judice sempre se questionará: Que limitações trará aos moradores a instalação de 1 calha metálica de 50 cm de altura encostada ao corrimão e que ocupará 12 cm de escadas? 41. Assim, não pode o Requerente conformar-se com a Sentença de que aqui se recorre, por violação do Douto Tribunal ad quo dos preceitos legais previstos nos artigos 71º, 72º, 26º e 18º da CRP e artigos 70º e ss. do CC, devendo assim o pedido proceder na sua totalidade e em consequência seja decretada a inversão do contencioso, por verificados os pressupostos do art.º 369, nº1 do CPC. 42. Por tudo supra exposto, deverá ser revogada e substituída a sentença de que se recorre, acolhendo os argumentos supra expendidos, julgando-se a presente apelação procedente. Contra-alega a requerida, pugnando pela improcedência do recurso e integral manutenção da decisão apelada. * Colhidos os vistos, cumpre decidir.* Delimitação do objecto do recurso.Considerando, conjugadamente, a decisão recorrida (ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), pode identificar-se a questão decidenda na seguinte proposição (enunciada, aliás, pelo apelante na conclusão 17ª, ao realçar a divergência entre as partes que justifica o presente recurso): - na colocação da plataforma elevatória (cadeira elevatória) tem ou não o apelante de respeitar as imposições estabelecidas nas normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, mormente a norma que respeita às larguras exigidas para as vias de evacuação dos imóveis – designadamente a que estabelece que a largura mínima das vias de evacuação que sirvam exclusivamente espaços afectos à utilização habitacional deve respeitar 0,90 m para a 1ª categoria de risco. * FUNDAMENTAÇÃO * Fundamentação de facto A decisão recorrida considerou indiciariamente provados (e com interesse para a decisão da causa) os seguintes factos: 1. O requerente habita no imóvel sito na Rua ..., ... Porto. 2. A referida fracção está inserida num prédio constituído por 3 pisos, cujo acesso entre os mesmos é realizado por escadas, não estando equipado com qualquer ascensor ou plataforma de elevação. 3. A 19 Outubro de 2021 o requerente foi vítima de Acidente Isquémico Transitório (AIT), que o levou a estar internado pelo período de 10 dias. 4. A 30 de Outubro de 2021, após a nota de alta do episódio referido, o requerente deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de Santo António, vítima de Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico. 5. Acidente esse que lhe provocou profundas lesões, inclusive locomotoras, que o colocaram numa cadeira de rodas. 6. O requerente esteve internado no Centro Hospitalar do Porto entre os dias 19 de Outubro de 2021 e o dia 26 de Janeiro de 2022. 7. Dia em que foi admitido nos Serviços do Hospital 2..., e no qual se encontrou internado até ao dia 22 de Fevereiro de 2022. 8. Tendo sido posteriormente admitido nos serviços de Cuidados Continuados do Hospital 3..., ficando nesta unidade Hospitalar entre os dias 22 de Fevereiro de 2022 e 23 de Maio de 2022. 9. Data em que regressou à sua habitação, vendo-se obrigado a recorrer três vezes por semana a ajuda dos Bombeiros, para que possa sair da sua habitação para a realização das sessões de fisioterapia. 10. Antes da nota de alta e do seu regresso à habitação, os seus familiares diligenciaram pela instalação de uma cadeira elevatória no prédio onde se encontra a fracção do requerente, atentos às limitações do mesmo. 11. Cadeira essa com uma dimensão aproximada de 50 cm de comprimento, a correr sobre uma calha dupla a ser fixa às escadas e a ocupar um espaço de 12-13 cm. 12. E, não estando a ser utilizada, a poder ser aparcada no Hall do prédio, do lado lateral das escadas. 13. Para tanto, procederam à notificação da requerida, informando que suportariam todos os custos associados à referida instalação. 14. Procederam ainda a um pedido junto do pelouro de Urbanismo e Espaço Público e Pelouro de Habitação da Camara Municipal do Porto, quanto à viabilidade de instalação do referido equipamento. 15. Entidade essa que respondeu nos seguintes termos: ‘Requerido o parecer deste Município, através NUD/ (...) e atento o exposto, venho por este meio informar V. Exias do seguinte: - No que à colocação de uma cadeira elevatória no espaço comum do edifício diz respeito, a mesma conforma uma obra de escassa relevância urbanística, logo isenta de controlo prévio municipal, (...); - Em relação à colocação de uma rampa no exterior do edifício, em frente à porta de entrada, atendendo a que o espaço exterior é do domínio privado municipal, não há qualquer inconveniente na colocação desta rampa, desde que esta se desenvolva paralelamente ao edifício, ocupando o canteiro existente, não interferindo com o caminho de utilização pública existente. Não obstante, o art. 1425.º do Código Civil, na versão vigente, consagra a possibilidade de qualquer condómino impor ao condomínio a colocação de rampas de acesso ou de plataformas elevatórias quando algum elemento do agregado familiar sofra de mobilidade condicionada, suportando aquele os custos da instalação. Assim, pelas razões que antecedem, não há qualquer inconveniente, da parte do Município, na colocação do referido equipamento nos acessos comuns.’ 16. Requerente e requerida, através de diligências entre os respectivos Mandatários, então acordaram que o requerente aguardaria a realização de uma Assembleia Geral de modo a que a sua pretensão fosse debatida e colocada em votação na mesma Assembleia. 17. Realizada a referida Assembleia, foram pontos de discussão e votação da mesma os seguintes: - Colocação de cadeiras elevatórias e rampas de acesso em todas as entradas da cooperativa; - Pedido do sócio n.º ... AA para colocação de cadeira elevatória + rampa de acesso entrada .... 18. Ambas as propostas foram rejeitadas, 19. Tendo o corpo gerente proposto: ‘- Que deverá ser garantida que cumpre todas as exigências legais nomeadamente parecer da protecção civil, bombeiros e outra unidade orgânica. - Caso este parecer seja favorável à sua colocação o sócio tem que garantir: 1- Para concretizar esta obra sócio tem de garantir o pagamento total da infra-estrutura e a rampa de acesso. 2- Deverá ser garantido o pagamento de todos os custos associados à utilização da mesma como energia, manutenção etc. 3- Deverá ser garantido que caso venha a ocorrer transmissão ou extinção do direito de uso e habitação por parte da Associação a infraestrutura deverá ser removida por conta do sócio. 4- Deverá ser garantida caso associação decida colocar cadeiras elevatórias em todas as entradas o sócio será obrigado a retirar a infra-estrutura. Não sendo imputado qualquer custo à Associação de Moradores ....’ 20. Nessa sequência, foi então requerido um parecer junto da Protecção Civil para que esta se pronunciasse sobre a viabilidade de instalação de tal equipamento. 21. Parecer esse que foi emitido pelo Batalhão Sapadores Bombeiros do Porto. 22. Salientando, com fundamento no Decreto-lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro, e da Portaria n.º 1532/2008, de 29 de Dezembro, que o edifício em questão, pertence à 1ª categoria de risco, devendo as vias de evacuação ter uma largura mínima de 0.90 m. 23. Subsequentemente, foi promovida uma inspecção ao local com a Administração da requerida e com um técnico da empresa ‘S...’, empresa que havia realizado o projecto de instalação da cadeira elevatória pretendida instalar pelo requerente e seus familiares. 24. Com o objectivo de aferir do cumprimento legal que resulta do parecer dos Bombeiros Sapadores dos Porto. 25. Não tendo sido garantido pelo técnico daquela empresa, o cumprimento da medida legal imposta de 0.90m. 26. Vindo a confirmar em nova inspecção ao local com simulação da colocação de uma cadeira elevatória para acesso à habitação do Requerente, que a sua colocação implica ‘larguras úteis de passagem ao longo da escada de aproximadamente 844 mm a 861 mm entre o lado mais intrusivo da pista e o rodapé à direita.’ 27. A requerida opôs-se à colocação de um tal sistema elevatório. 28. Fundando a sua oposição no facto de a cadeira elevatória pretendida instalar pelo requerente não cumprir as medidas legalmente impostas – 0,90 m. 29. E contender com as normas de segurança contra incêndios. 30. Impedindo e/ou dificultando a passagem de macas para transporte de alguém imobilizado no prédio em questão. 31. E, dessa forma, poder colocar os moradores ou os outros utilizadores do edifício em questão em risco. * Fundamentação jurídicaA questão suscitada pela presente apelação consiste em apurar se o direito de personalidade e o direito à não discriminação de cidadão portador de deficiência esgrimidos pelo apelante, que tem uma das suas projecções (ou objectivação específica) no nº 3 do art. 1425º do CC (na redacção introduzida pela Lei nº 32/2012, de 14/08), não está sujeito às imposições estabelecidas no regime jurídico de segurança contra incêndio em edifícios (regime jurídico constante da Lei 123/2019 de 18 de Outubro, que alterou o DL 220/2008, de 12 de Novembro, e da Portaria 1532/2008, de 29 de Dezembro, alterada e republicada pela Portaria 135/2020 de 2 de Junho, que institui o Regulamento Técnico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios), ou doutro modo, se a requerida (no fundo, os vizinhos do apelante, moradores das restantes fracções do edifício em que habita) deve sujeitar-se à colocação de plataforma elevatória (cadeira elevatória) que não observe as imposições estabelecidas em tais normas técnicas de acessibilidade, designadamente a norma que estabelece a largura mínima das vias de evacuação que sirvam exclusivamente espaços afectos à utilização habitacional (largura de 0,90 m para a 1ª categoria de risco). De modo simples: deve reconhecer-se ao requerente, ao abrigo da protecção da sua deficiência (da sua mobilidade condicionada ou reduzida), o direito de impor aos restantes moradores do edifício em que se situa a fracção em que habita, inovação (colocação de plataforma elevatória) que desrespeite regras e normas técnicas de acessibilidade, designadamente as normas técnicas instituídas no regime jurídico de segurança contra incêndio em edifícios? Ou, pelo contrário, tais normas técnicas também a si, requerente/apelante, se impõem (até porque também em vista da sua salvaguarda são estabelecidas)? A pretensão recursória só obterá procedência se for de reconhecer que o direito de personalidade do requerente (e o direito à protecção que deve ser-lhe garantido, enquanto portador de deficiência) se impõe ao interesse de segurança dos restantes moradores do prédio, sacrificando-o (suprimindo-o) totalmente. As normas técnicas instituídas no regime jurídico de segurança contra incêndio em edifícios (baseadas nos ‘princípios gerais da preservação da vida humana, do ambiente e do património cultural’ – art. 4º, nº 1 do DL 220/2008, de 12 de Novembro, alterado pela Lei 123/2019 de 18 de Outubro), visando, além do mais, facilitar a evacuação e o salvamento dos ocupantes em risco e permitir a intervenção eficaz e segura dos meios de socorro (art. 4º, nº 2, c) e d) do DL 220/2008), têm um campo de aplicação universal – ou seja, aplicam-se a todos os edifícios, mormente (como é o caso dos autos) aos edifícios habitacionais (arts. 1º, 2º, alíneas h), o) e r), 3º, nº 1, a), 4º, nº 2, 8º, nº 1, a) do DL 220/2008 – neste último preceito os edifícios são caracterizados e definidos pela sua utilização-tipo, correspondendo o Tipo i «habitacionais» a edifícios ou partes de edifícios destinados a habitação unifamiliar ou multifamiliar, incluindo os espaços comuns de acessos e as áreas não residenciais reservadas ao uso exclusivo dos residentes). O edifício de que faz parte a fracção em que o requerente habita está sujeito às referidas regras, designadamente a estabelecida no art. 213º da Portaria 135/2020, de 02 de Junho, que prescreve a largura mínima das vias de evacuação (nos edifícios pertencentes à 1ª categoria de risco, de uma utilização-tipo i «habitacional», as vias de evacuação devem respeitar a largura mínima de 0,90 m). Por isso se conclui que o regime normativo não estabelece qualquer isenção que faculte ao apelante, na colocação da plataforma elevatória, a inobservância das normas técnicas instituídas no regime jurídico de segurança contra incêndio em edifícios. A solução da lei (dos normativos citados) é o resultado duma equilibrada ponderação dos interesses em confronto (dum lado, o interesse das pessoas que, como o requerente, se vêem confrontadas com barreiras arquitectónicas, considerando a sua mobilidade condicionada; do outro, o interesse de todos os moradores e ocupantes de edifícios habitacionais em ver respeitadas e observadas regras destinadas a salvaguardá-los em caso de incêndio – regras destinadas a facilitar a evacuação e o salvamento e a permitir a intervenção eficaz e segura dos meios de socorro), assim se realizando a concordância prática dos direitos constitucionalmente garantidos [a coordenação e a combinação dos bens jurídicos em presença de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros – subjacente a este este princípio da ‘concordância prática está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não de uma hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação a outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens’ constitucionalmente protegidos[1]]. Na verdade, a solução legal, concilia de modo harmonioso os referidos interesses – um interesse geral e transversal, comum a todas as pessoas (portadoras de deficiência e não portadoras de deficiência), de habitar em edifícios aptos a proporcionar-lhes condições de segurança e a salvaguardar as suas vidas em caso de incêndio e o interesse próprio das pessoas afectadas por deficiência motora (mobilidade condicionada) de verem arredadas barreiras arquitectónicas no acesso às suas fracções. A integral procedência da pretensão do apelante importaria o sacrifício do interesse da segurança de todos os moradores (incluindo da sua, requerente), das suas vidas (o interesse numa eficaz evacuação e no pronto socorro em caso de incêndio no edifício), e tal interesse tem de ser salvaguardado e garantido, como inequivocamente resulta do nº 3 do art. 1425 do CC. Mesmo que a pretensão recursória tivesse de ser analisada à luz do instituto da colisão de direitos (art. 335º do CC) – o que não pode concluir-se, pois não resulta provado que no local não possa ser colocada plataforma elevatória que observe tais normas técnicas (e assim que não se pode afirmar a impossibilidade de exercício simultâneo e integral de ambos os direitos/interesses) – a solução seria idêntica, pois que a coordenação entre a salvaguarda da segurança (no limite, a preservação do direito à vida) dos moradores do prédio e o direito a um acesso facilitado à sua fracção por parte do requerente não poderia nunca ser resolvido em detrimento daquele e em favor deste (seja em atenção ao critério do interesse – o interesse dos moradores visa garantir um direito mais valioso, no limite o direito à vida –, seja em atenção ao critério da minimização dos danos – o prejuízo advindo para todos os moradores da não observância das regras técnicas seria maior que o advindo para o apelante na sua observância[2]). Não pode, pois, ao apelante, ser reconhecido o direito de colocar plataforma elevatória sem observância das normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica. Improcede, pois, a apelação, podendo sumariar-se a decisão com as seguintes proposições: ………………………….. ………………………….. ………………………….. * Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo apelante. * Porto, 10/01/2023 João Ramos Lopes Rui Moreira João Diogo Rodrigues (por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) ___________________ [1] Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2003, pp. 457 e 1225. [2] Cfr., sobre a colisão de direitos, Elsa Vaz de Sequeira, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora (coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), anotação ao artigo 335º, pp. 789 a 793. |