Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOAQUIM GOMES | ||
| Descritores: | FURTO CONSUMAÇÃO TENTATIVA | ||
| Nº do Documento: | RP20130508830/12.0GCSTS.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/08/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Há consumação do crime de furto quando o agente passa a ter, direta ou indiretamente, a disponibilidade da coisa subtraída. II - Configura um caso de tentativa a atuação do agente que, no interior de um estabelecimento comercial, se apodera de peças de roupa, retira-lhes o alarme, dissimula-as junto da roupa que envergava e de seguida dirige-se para o exterior da loja sem se deslocar à caixa registadora e sem efetuar o pagamento. III - Se a sentença não especifica o local onde o arguido foi intercetado com os objetos subtraídos, como de resto já sucedia com a acusação, não estamos perante um vício do julgamento mas antes perante uma omissão da descrição factual da acusação, cujo reenvio do processo para novo julgamento poderia conduzir a uma alteração substancial dos factos, pois de uma tentativa do cometimento do crime de furto, como resulta, pelo menos, dos factos provados, sempre se poderia passar para a sua consumação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 830/12.0GCSTS.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No PCA n.º 830/12.0GCSTS do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Santo Tirso, em que são: Recorrente/Arguido: B….. Recorrido: Ministério Público foi proferida sentença em 2012/Dez./13 e constante a fls. 87-93 que, para além das custas e taxa de justiça condenou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de furto da previsão do artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, numa pena de 13 meses de prisão. 2. O arguido interpôs recurso em 2013/Jan./14 a fls. 96-100, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição “por outra que, atendendo às atenuantes elencadas, reconduza a condenação do recorrente à pena mínima, suspensa na sua execução ou substituída por outro regime previsto na legislação processual penal que não afecte a estrutura familiar, profissional e habitacional do arguido/recorrente”, concluindo essencialmente que: 1.º) O recorrente tem, de facto, antecedentes criminais por prática de crimes da mesma natureza daquele porque foi julgado e condenado, aceitando-se, por isso, que seja condenado em pena de prisão (1-3); 2.º) O recorrente cumpriu integralmente as penas pelas quais foi condenado (4); 3.º) O Recorrente confessou livre e espontaneamente o crime não ocultando nada ao Tribunal, mostrando-se natural e profundamente arrependimento (5, 6); 4.º) Os objectos furtados tinham o valor de 120€ (7); 5.º) O arguido vive com a sua mãe, uma pessoa só, já de idade avançada, sendo o seu único suporte, numa casa que agora lhes foi recentemente disponibilizada e que cumpre a necessidades de ambos (T 2), tem um emprego estável, contribuindo com o produto do seu trabalho para as despesas domésticas e auxílio dos encargos da habitação, alimentação e medicação (8, 9, 10, 11); 6.º) Em substituição da pena de prisão efectiva poderiam ser aplicadas ao recorrente outras medidas, nomeadamente o regime de permanência na habitação, prisão por dias livres, semidetenção, prestação de trabalho a favor da comunidade, que não pusessem em causa a sua ressocialização, a sua estrutura familiar e o emprego estável que conseguiu recentemente (12, 13); 7.º) Disposições violadas: as referidas supra e nomeadamente os artigos 41.º a 49.º, 50.º a 55.º, 58.º, 70.º, 71.º e 72.º do Código de Processo Penal e 203.º do Código Penal (14); 3. O Ministério Público respondeu em 2013/Fev./05 a fls. 106-114 pugnando que se negue provimento ao recurso. 4. Remetidos os autos para esta Relação, onde foram registados em 2013/Fev./18, veio pelo Ministério Público a ser emitido parecer em 2013/Fev./21 a fls. 121-122 no sentido de ser negado provimento ao recurso. 5. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e colheram-se os vistos legais. * O objecto do recurso passa pela integração da conduta do arguido no crime de furto, na forma consumada, que aqui se suscita oficiosamente (a) e pela escolha e medida da pena (b).* II. FUNDAMENTAÇÃO* * 1. A sentença recorrida Na mesma foram dados como provados os seguintes factos: “a) Cerca das 14.00h do dia 3.11.2012, o arguido B..... dirigiu-se à loja de vestuário dos Hipermercados C…., denominada “D.....”, na Rua …., …., Trofa e retirou dos expositores que nela se encontravam três camisas e uma parka, no valor global de € 120,00. b) Na posse de tais produtos, o arguido logrou retirar, por meios não concretamente apurados os alarmes que nelas se encontravam apostos, após o que as escondeu dissimulando-as na roupa que envergava. c) Seguidamente dirigiu-se para o exterior da loja sem se deslocar previamente à caixa registadora e sem efectuar o pagamento do preço respectivo e devido por tais produtos, pertencentes à sociedade ofendida. d) Agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de fazer seus os artigos referidos, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo dono. e) Sabia que a sua conduta era proibida e criminalmente punida. f) Os artigos em causa foram apreendidos e devolvidos à ofendida. Resultou ainda provado que: g) O arguido nasceu no dia 26.7.1966. h) É solteiro e não tem filhos, vivendo em casa da mãe. i) Recebe a quantia mensal de € 149,00 a título de rendimento social de inserção. j)Confessou, na íntegra, os factos que lhe vinham imputados. l) Tem os antecedentes criminais constantes do CRC junto aos autos e que aqui se dá por reproduzido.” * 2. Os fundamentos do recursoa) O crime de furto O Código Penal[1] pune no seu artigo 203.º, n.º 1 “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia” numa pena de multa, que é até 360 dias (47.º, n.º 1), ou numa pena de prisão até 3 anos – aqui encontramos a noção legal de furto, enquanto subtracção de coisa móvel alheia. Neste ilícito o que está em causa é a tutela do direito de propriedade, consubstanciada no direito de gozo, fruição e de disposição sobre a generalidade das coisas móveis, ainda que exista uma situação de mera posse ou de detenção em nome de outrem por parte do visado, ou então e caso se prefira a disponibilidade de fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação. A sua acção típica central, a qual está descrita no seu tipo-base e nos dá a noção legal de furto, corresponde à subtracção de coisa móvel alheia. Esta acção de subtracção deve ser entendida num duplo sentido, ou seja, enquanto privação da disponibilidade da coisa por parte do sujeito passivo (i), seguindo-se concomitantemente um novo “empossamento” por parte do sujeito activo (ii), passando este a ter agora um novo domínio de facto em relação ao bem subtraído. E esse novo domínio terá que ser factual, muito embora tanto possa ter uma incidência mais próxima (brevi manus) ou então mais distante, mas ainda de disponibilidade (longa manus). Daí que ocorra a consumação de um crime de furto quando a conduta do agente tipifica todos os elementos do respectivo tipo legal, independentemente daquele ter atingido ou não os seus propósitos com a realização de tal ilícito. Basta, por isso, a sua mera consumação formal através da respectiva acção típica, em contraponto com a sua consumação material ou terminação. Por sua vez e como resulta do artigo 22.º, n.º 1 do Código Penal “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, precisando-se no seu n.º 2 o que são actos de execução. Assim, já haverá crime tentado ou tentativa propriamente dita quando se está perante a realização parcial do correspondente crime, indo-se, no entanto, para além do respectivo acto preparatório. A propósito do crime de furto têm surgido várias conceitualizações para se precisar ou destrinçar a consumação da tentativa, que vão desde a “teoria da contretação” (contrectatio), em que basta pegar ou tocar na coisa, passando quer pela “teoria da apreensão”, onde é necessário que a coisa seja colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, quer pela “teoria da ablação” (ablatio), em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local do domínio do anterior detentor, até se chegar à “teoria da ilação” (illatio), segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacífico na esfera de domínio do novo detentor. A jurisprudência tem, de um modo generalizado e persistente, excluído categoricamente aquela primeira posição, surgindo no entanto dividida entre os demais posicionamentos, o que dá para ver que a solução desta controvérsia está longe de ser pacífica. A propósito chegou-se a sustentar que “Não é necessária à consumação do crime de furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, pelo que o arguido que chegou a apropriar-se dos objectos subtraídos colocando-os dentro de um saco e que depois foi interpelado por agentes da autoridade, comete um crime de furto na forma consumada”, ainda que esteja no interior do estabelecimento, mas com os objectos já dentro de um saco (Ac. STJ de 1989/Jul./05, BMJ 389/298), mesmo que essa loja estivesse aberta ao público nessa ocasião (Ac. STJ de 1988/Jan./13, BMJ 373/279). Mas também se seguiu uma posição mais exigente, ao decidir-se que “Não há consumação quando o objecto do furto não entra na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, embora aquele tenha actuado com intenção de apropriação e chegue a deslocá-la do local onde se encontra”, assentando que só há consumação quando o objecto subtraído chega a estar na posse do agente em pleno sossego ou em estado de tranquilidade (Ac. STJ de 1982/Nov./23, BMJ 312/316). A meio caminho entre um e outro destes posicionamentos temos aqueles segundo os quais “O crime de furto consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respectivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava” (Ac. STJ de 1990/Nov./21, BMJ 401/234), precisando-se “Comete um crime de furto, na forma tentada, o agente que entra numa ourivesaria, se apodera de vários objectos que retira de cima e do interior do balcão e os mete num saco que levava, mas, em virtude de se ter apercebido da presença de agentes da GNR, deixou ficar o saco junto ao balcão, dirigindo-se para a saída, onde foi detido” (Ac. TRCoimbra de 1985/Nov./06, CJ V/48). A propósito cremos que esta última corrente jurisprudencial é aquela que mais se aproxima da caracterização da subtracção como um acto de desapossamento e em que, consequentemente, passa a existir um novo domínio factual, de modo que ocorrerá a consumação de um crime de furto, quando o agente passa a ter, directa ou indirectamente, a disponibilidade da coisa subtraída (Ac. TRPorto de 2013/Fev./13, em www.dgsi.pt). Assim, não basta tocar na coisa ou mesmo o seu apoderamento material sem disponibilidade, em virtude do agente ter sido surpreendido in fragante. E isto mesmo que o agente consiga fugir, desde que seja desde logo perseguido, mantendo-se essa perseguição ininterrupta e de modo que o mesmo não tenha a disponibilidade efectiva, ainda que momentânea, dos objectos de que se pretende apropriar. Para melhor precisar este entendimento, consideramos que se a perseguição tem lugar depois de descoberto o furto, ainda que passados alguns momentos, mas o agente sempre teve a possibilidade de dispor, ainda que hipoteticamente dispor, do que foi por si subtraído, então existe consumação, mas se aquela perseguição se inicia no preciso momento em que aquele se apodera de tais bens, então já haverá tentativa. No caso em apreço, temos apenas demonstrado que o arguido “retirou dos expositores que nela se encontravam três camisas e uma parka, no valor global de € 120,00” (a), “Na posse de tais produtos, o arguido logrou retirar, por meios não concretamente apurados os alarmes que nelas se encontravam apostos, após o que as escondeu dissimulando-as na roupa que envergava” (b), “Seguidamente dirigiu-se para o exterior da loja sem se deslocar previamente à caixa registadora e sem efectuar o pagamento do preço respectivo e devido por tais produtos, pertencentes à sociedade ofendida” (c). Assim, não consta em nenhum momento dos factos provados onde é que o arguido foi precisamente surpreendido com os objectos em causa, sendo certo que essa “brecha” factual já vinha da acusação, como se pode constatar de fls. 51-52. Porém, do tempo verbal “dirigiu-se”, conjugado com a expressão “para o exterior” podemos certamente dar como assente, com toda a segurança e no mínimo do que é possível presumir a partir de indícios seguros e convicentes, que o arguido não chegou a atingir o exterior da loja ou quanto muito foi logo após a caixa registadora que o mesmo foi interceptado. A ser assim, podemos concluir que o arguido não chegou a consumar o crime de furto pelo qual foi sentenciado, mas apenas realizou a tentativa de o efectuar. Poder-se-ia, naturalmente, suscitar que os presentes autos fossem reenviados para novo julgamento, por existir uma insuficiência da matéria de facto para enquadrar a conduta do arguido no crime de furto, mas na forma consumada (426.º, n.º 1 C. P. Penal), de modo a vir a ser especificado onde é que o arguido foi efectivamente surpreendido. Porém e como já referimos esta eventual insuficiência já advém da acusação, pelo que não é propriamente o resultado de um vício de julgamento que seja susceptível de se encontrar na previsão do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Daí que o eventual reenvio para novo julgamento acabaria, na prática, por ser um “convite disfarçado” à correcção da acusação pública e possibilitar até uma alteração substancial dos factos, porquanto a descrição factual primitiva que tipifica um crime de furto na forma tentada, poderia ser renovada e ampliada para um crime de furto na forma consumada, o que conduziria à agravação dos limites máximo das sanção aplicável (1.º, n.º 1, al. f) C. P. Penal). Por isso, esse reenvio acabaria por afrontar a estrutura acusatória do processo, enquanto garantia constitucional (32.º, n.º 5 Constituição), assim como a vinculação temática do processo à acusação e os poderes de cognição do tribunal (1.º, n.º 1, al. f), 309.º, n.º 1, 358.º, 359.º, 379.º, n.º 1, al. b) C. P. Penal). Mais acresce que a exigência de uma igualdade de armas e de um processo justo e leal, como decorrência do direito a um processo equitativo (20.º, n.º 4 da Constituição; 6.º CEDH), bem como a dimensão material do princípio da igualdade (13.º Constituição), impõe que se renove e aqui se aplique, por maioria de razão, a doutrina do STJ expressa no Acórdão n.º 7/2005, de 2005/Mai./12 de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art. 285.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamenta a aplicação de uma pena ao arguido”. Nesta conformidade, a insuficiência da descrição factual da acusação e posteriormente seguida pela sentença, deve, em sede de recurso, obstar ao reenvio do processo para novo julgamento e retirar da narrativa dos factos provados o enquadramento jurídico-penal que a mesma possibilita. * c) A escolha e a medida da penaA Constituição, através do seu 18.º, n.º 2, estabelece como um dos parâmetros da aplicação de qualquer reacção penal a sua necessidade, ao preceituar que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia também enuncia vinculativamente para os respectivos Estados Membros e através do seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”, podendo e devendo esta referência ser constitucionalmente convocada para o ordenamento jurídico nacional (8.º, n.º 2 Constituição). A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral (Ac.TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008[2]), seja especificamente no que concerne às reacções penais (Ac.TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97). Decorre da conjugação daqueles preceitos e da sua leitura os princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas. Mas também não nos podemos esquecer que estes preceitos tentam traduzir uma ideia de justiça, a qual é imanente a um Estado de Direito Democrático (2.º Constituição), que tem a sua matriz na Constituição, mormente quando estão em causa a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais. Por sua vez, tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á ter em atenção as finalidades da mesmas, que segundo o artigo 40.º do Código Penal, consiste na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral, seguindo-se as vertentes da prevenção especial. Aliás, este fundamento é renovado no artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal, ao enunciar que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”. Tudo isto reforça que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral, associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas com nítidas orientações de prevenção especial, tanto positiva na vertente da ressocialização do arguido, como negativa face à perigosidade revelada pelo arguido. Nesta conformidade e atento o referido princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal, sempre a determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade deverá restringir-se aos casos de manifesta idoneidade ou adequação (i), necessidade ou exigibilidade (ii) e, sempre, na sua justa medida, respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão (27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 Constituição), bem como as referidas finalidades de punição. Por isso é se deve sempre optar, como critério de escolha da pena fixado pelo artigo 70.º, do Código Penal, pelas penas não privativas da liberdade em detrimento das penas privativas (43.º Código Penal) ou então dirigir a reacção penal para aquelas que são menos restritivas da liberdade, como seja o regime de permanência na habitação (44.º Código Penal) a prisão por dias livres (45.º Código Penal) ou então o regime de semi-detenção (46.º Código Penal). Porém, só é possível escolher-se uma daquelas outras penas substitutivas da pena de prisão que não conduzem à privação da liberdade, como seja a pena de multa (43.º Código Penal), a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que sujeita a regime de prova (50.º e 53.º Código Penal) ou a prestação de trabalho a favor da comunidade (58.º Código Penal) se as mesmas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Esta exigência também sucede para as outras penas substitutivas da pena de prisão mas que continuam a ser de igual modo, mas não tão intensivamente, privativas da liberdade. O crime de furto na forma tentada é punido com uma pena de multa até 280 dias e uma pena de prisão até 2 anos (203.º, 22.º, 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, al. a) e b) Código Penal). No caso em apreço não está em causa a opção pela pena de prisão, mas antes a medida desta e aplicação de uma pena substitutiva, ainda que também seja restritiva da liberdade. Os critérios para a concretização judicial da pena estão enunciados no seu artigo 71.º, do Código Penal, os quais apontam para que, numa primeira fase, a pena seja encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção (n.º 1), atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente (n.º 2). Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras centrais: a primeira é que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, sendo através da mesma que se fixa a sua magnitude; a segunda é que deverá se ter em conta, os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada. Perante isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente para a punição dessa culpa, contribuindo ainda e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva), de modo que o mesmo possa levar no futuro uma vida ordenada e conforme a lei. Existem, ainda as apontadas razões de prevenção especial, uma vez que o arguido já revela antecedentes criminais. Traduzindo-se a conduta do arguido num patamar de culpa ligeiro, atento o desvalor da sua conduta, uma vez que o desvalor do resultado perfez 120€, tendo actuado com um dolo directo, consideramos ajustado aplicar-lhe uma pena de prisão de 7 (sete) meses de prisão. A questão que a seguir se coloca é se esta pena de prisão deve ou não ser suspensa na sua execução, face ao disposto no artigo 50.º do Código Penal. Só que o arguido já praticou diversos crimes de furto, mais precisamente quinze desses ilícitos criminais num período que ocorreu entre 1995 e 2003, tendo, na sequência da prática dos últimos, cumprido uma pena única de 4 anos de prisão (Processo 113/06.5TCPRT – 1.ª Vara Criminal do Porto). Após 2008/Jan./28 (fls. 354), altura em que foi considerada extinta e cumprida esta pena de prisão, já sofreu outras duas condenações pela prática de crimes de furto, sendo cada uma destas numa pena de 1 ano de prisão, cujas execução ficou suspensa igualmente por 1 ano e sujeita a regime de prova, tendo a última sentença sido proferida em 2012/Jul./24 (Processos 749/09.2PEGDM do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Gondomar e 622/12.7PCMTS do 4.º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos). Daí que o arguido tenha cometido o crime aqui em causa em pleno período desta última suspensão da execução da pena de prisão. Assim, existem fortes razões de prevenção especial negativa, face à perigosidade que o arguido tem evidenciado, para se manter como efectiva a pena de prisão a que agora foi condenado e sem que se recorra a qualquer outra pena substitutiva. * III. DECISÃO* * Nos termos e fundamentos expostos, concede-se, ainda que por outras razões, provimento parcial ao presente recurso interposto pelo arguido B..... e, em consequência, decide-se: 1.º) absolver o arguido da prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de furto da previsão dos artigos 203.º, n.º 1 do Código Penal; 2.º) condenar o arguido pela prática, como autor material e na forma tentada, de um crime de furto da previsão do artigo 203.º, n.º 1, 22.º, 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, al. a) e b) todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão. Não é de devida tributação pelo recurso (513.º n.º 1 e 514.º n.º 2 do Código de Processo Penal). Notifique. Porto, 08 de Maio de 2013 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro _____________________ [1] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação da sua origem. [2] Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt assim como os demais a que se fizer referência do Tribunal Constitucional. |