Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
361/16.0PJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
CLÁUSULA GERAL
EXEMPLOS-PADRÃO
ESPECIAL CENSURABILIDADE OU PERVERSIDADE
PESSOA PARTICULARMENTE INDEFESA
OFENSA CORPORAL DE QUE RESULTE A MORTE
Nº do Documento: RP20181115361/16.0PJPRT.P1
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 777, FLS 240-258)
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 145º do CP assume a técnica dos exemplos-padrão utilizada pelo legislador para a qualificação do crime de homicídio do art.º 132º do CP.
II – Tendo em vista sancionar mais gravemente determinados comportamentos violadores do bem jurídico-penal protegido - a vida no caso do crime de homicídio e a integridade física no caso do crime de ofensa à integridade física -, o legislador utilizou um método de subsunção de tais comportamentos por referência a um tipo de culpa mais grave, que configurou através de uma cláusula geral, descrevendo, se seguida, exemplificativamente, as circunstâncias que, sem prejuízo de terem de se sujeitar à confirmação do efetivo preenchimento da cláusula acima referida, logo à partida seriam indiciadoras de uma especial censurabilidade ou perversidade.
III – Só à luz das concretas circunstâncias do caso se pode afirmar que a dita combinação impõe um juízo agravado de censurabilidade, sendo ainda necessário que, relativamente à circunstância, o agente tenha atuado com dolo em qualquer uma das três modalidades: direto, necessário ou eventual.
IV – Para que se verifique a agravação da prática do facto contra pessoa particularmente indefesa, seja em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, exige-se que exista uma especial inferioridade da vítima, traduzida não numa qualquer dificuldade ou incapacidade em se defender, mas antes numa incapacidade que se revele como especial ou particular relativamente a outras incapacidades que pudessem existir, sendo ainda necessário que, em relação à sua verificação, o agente tenha actuado com dolo em qualquer das três modalidades.
V - A qualificação do tipo doloso de ofensa à integridade física pelo resultado morte (negligente), com a consequente agravação da pena prevista no art.º 147º, n.º 1 do C. Penal, assenta no facto de o bem jurídico atingido pela conduta do agente não se restringir já à mera integridade física do ofendido, cuja ofensa ilícita aquele representou e quis realizar, ou agiu representando-a como consequência necessária, ou ainda representando-a como consequência possível da sua conduta agiu conformando-se com aquela realização, mas também no resultado morte que a mesma conduta causou, sem que o mesmo agente, relativamente a este resultado tivesse agido com dolo, em qualquer das modalidades.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 361/16.0PJPRT.P1- 4ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
*
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO
1.1 Por acórdão de 03/05/2018, após realização da audiência de julgamento no Proc.º n.º 361-16.0PJPRT, que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 6, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi decidido o seguinte:
“- absolve-se o arguido B... da prática de um crime de ofensa à integridade física grave e qualificada, agravada pelo resultado, p. e p. pelos art.ºs 144º, al. d), 145º, nºs 1, al. c) e 2 - este último por referência ao preceituado no art.º 132º, nº 2, als c) e e) - e Art.º 147º, nº 1, todos do Código Penal.
- condena-se o arguido B...:
- na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º do CP.
Pena esta cuja execução se suspende pelo período de um ano.
O arguido suportará as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS.
DO PEDIDO CÍVEL
- Declara-se parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pela assistente C... e, consequentemente, condena-se o demandado B... no pagamento, a título de danos não patrimoniais, da quantia de 1.000 Euros (Mil euros); acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde o trânsito em julgado do presente acórdão e até efetivo pagamento.
Custas do pedido cível em causa a cargo do demandado e da demandante na proporção de 1/6 para o arguido/demandado e 5/6 para a demandante.”
1.2. Não se conformando com tal sentença, dela interpôs recurso o Ministério Público e a assistente, apresentando motivações que terminam com as seguintes conclusões:
Do recurso do Ministério Público
“A) Na elaboração da motivação do recurso temos a tarefa facilitada pois, aderimos á posição constante da Declaração de voto de vencido, tal como o Mmº Juiz entendemos que o arguido cometeu um crime de ofensa à integridade física qualificada e agravada pelo resultado p. e p. pelos artigos 143º, nº1, 145º, nº 1, al. a) e artigo 147º, nº 1, todos do Código Penal.
B) O tribunal coletivo condenou o arguido pelo crime de ofensa à integridade física simples.
C) Entendeu a acusação que a conduta do arguido teria preenchido a previsão do artigo 144º, d), do Código Penal já que com a agressão o arguido teria causado perigo para a vida da vítima.
D) Para que se verifique este ilícito - ofensa á integridade física grave - é necessário que o dolo do tipo fundamental seja extensível ao resultado que qualifica a ofensa, não resultou provado que o arguido tenha representado tal resultado, perigo para a vida, como possível consequência da sua ação e se tenha conformado com a sua realização.
E) A falta do elemento subjetivo afasta desde logo a condenação pela ofensa á integridade física grave (artigo 144º do CP).
F) Nesta parte não divergimos do acórdão.
Porém o arguido estava ainda acusado pelo crime de ofensa à integridade física qualificada e agravada pelo resultado p. e p. pelos artigos 143º, nº1, 145º, nºs 1, al. c), e 2, e artigo 147º, nº 1, todos do Código Penal.
G) Dispõe o artigo 145.º nºs 1, a), e 2, do Código Penal:
1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:
a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º;
b) …
c) …
2 - São suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º.
H) Por seu turno dispõe o artigo 132.º, nºs 1 e 2,
1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.
2 - É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:
c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;
I) Por especialmente censuráveis deve entender-se as circunstâncias que pela sua gravidade refletem uma atitude distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores.
J) Na especial perversidade tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitada pela sociedade.
L) O dolo do agente tem de abranger a condição reveladora da especial censurabilidade ou perversidade.
M) Da factualidade assente como provada resulta que as ofensas à integridade física praticadas pelo arguido foram produzidas em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade uma vez que a vítima era pessoa particularmente indefesa.
N) O tribunal coletivo, assentou como provado sobre tal matéria:
O ofendido tinha hábitos de consumo de álcool em excesso.
Durante o dia, fazia-se acompanhar por dois cães, passando o tempo a arrumar carros, a pedir esmola e a deambular pelas ruas, em especial, na zona ... sendo, por via desses hábitos, conhecido dos vigilantes/seguranças privados do parque de estacionamento e da praça comercial, ali situadas.
Por seu turno, o arguido, vinha há algum tempo, inclusive, à data dos factos que se descreverão infra, exercendo as funções de segurança/vigilante por conta da sociedade comercial “D..., Lda.” na zona comercial e parque de estacionamento citados.
Por força do exercício das suas funções naquele local, conhecia o ofendido e os seus hábitos de alcoolismo tendo, inclusive - por força de ordens dos seus superiores hierárquicos -, chegado a adverti-lo, em diferentes datas e ocasiões para que não entrasse nas lojas comerciais nem no parque de estacionamento com os cães que habitualmente o acompanhavam.
Por via desse contacto, o arguido sabia que muitas vezes o ofendido apresentava-se embriagado nas suas deambulações como, de resto, se apresentava na data dos factos que se descreverão infra.
O arguido também sabia que a vítima se dedicava a “arrumar carros” e a pedir esmola.
O ofendido media 1,75 metros e à data dos factos infra pesava 62 quilogramas.
O arguido, por seu turno, mede 1,77 e pesa cerca de 67 quilogramas.
No dia 18 de Março de 2016, cerca da 1.30 horas, o arguido, que se encontrava de serviço por conta da sua entidade patronal, ao ver o ofendido junto às escadas de acesso ao parque de estacionamento localizadas na Rua ..., transmitiu-lhe, uma vez mais, que não poderia entrar na zona comercial ... para “pedir” nem devia deixar os cães por ali andarem.
Por não ter acolhido a advertência do arguido, o ofendido insurgiu-se contra o mesmo, tendo havido entre ambos troca de palavras; no final das quais o arguido deu um empurrão com ambas as mãos nos ombros da vítima, empurrando-o para trás; quando o arguido já se afastava, a vítima chamou ao arguido “filho da puta” e mandou-o para “a puta que o pariu”.
Nesse contexto e de imediato, o arguido voltou-se e encontrando-se ambos em pé, no passeio, em cimento, afastados entre si cerca de um metro - a vítima com os cães seguros na mão pela trela -, o arguido, usando de intensa força muscular, desferiu uma bofetada no rosto do ofendido.
Mercê dessa bofetada a vítima deu um passo atrás, pisou a trela dos cães e em desequilíbrio, rodou sobre si próprio e caiu no chão sobre o seu ombro direito não chegando, todavia, a embater com a cabeça no chão.
O arguido estava ciente de que o ofendido estava alcoolizado.
Por força da agressão sofrida e do seu estado alcoolizado, o ofendido foi incapaz de, sozinho, levantar-se do chão.
Com efeito, foi através da ajuda de E... que o ofendido, cambaleante, foi auxiliado a levantar-se e, após, sempre nele apoiado bem como em F..., conhecida de ambos que, entretanto, igualmente ali acorreu, abandonou o local.
O arguido, por seu turno, regressou ao interior do parque de estacionamento, não mais pensando em quaisquer consequências da bofetada por si desferida no ofendido.
O) Resulta claro da factualidade provada que o arguido, conhecia os hábitos de alcoolismo do ofendido que o agrediu sabendo que este se encontrava embriagado, que aquando da agressão o ofendido tinha os cães seguros pela trela e que o arguido usou de intensa força muscular quando desferiu uma bofetada no rosto do ofendido fazendo com que este caísse e que este foi incapaz de se levantar sozinho face ao seu estado de alcoolizado.
P) Este quadro levado á factualidade provada é revelador de que o arguido praticou a agressão contra pessoa particularmente indefesa devido essencialmente ao estado de embriaguez, que lhe retirava qualquer capacidade de defesa, note-se que o ofendido foi incapaz de se levantar sozinho. Tinha os cães seguros pela trela o que também diminuía a capacidade de defesa do ofendido.
Q) Cabe ainda referir que na bofetada desferida pelo arguido foi usada intensa força muscular, sendo que a pessoa visada se encontrava embriagada o que revela a especial perversidade com que o arguido atuou.
R) Resulta da factualidade provada que todo este circunstancialismo era do conhecimento do arguido e que este agiu dolosamente.
S) Assim, haverá que concluir, que o comportamento do arguido preenche a agravante da ofensa à integridade física qualificada prevista no artigo 145º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
T) Na acusação referia-se que deveria haver lugar á aplicação do disposto no artigo 147º, nº 1, do Código Penal.
Dispõe este normativo:
1 - Se das ofensas previstas nos artigos 143.º a 146.º resultar a morte da vítima, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
U) Na factualidade assente como provada refere-se:
Em consequência das descritas agressões, sofreu o ofendido G... as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 115 a 119/126 – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos - que determinaram direta e necessariamente para o mesmo, a morte.

1º A morte de G... foi devida às lesões traumáticas meningo-encefálicas atrás descritas.
2º O resultado de exame histológico revelou “Lesões de broncopneumonia aguda e edema pulmonar. Lesões de hemorragia recente intraparenquimatosa. Lesões de necrose aguda tubular renal. Lesões de esteatose hepática.”
3º As lesões traumáticas meningo-encefálicas atrás referidas podem ter resultado de violento traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ter sido devido a agressão por mecanismo contundente (agressão à bofetada/murro) seguido de queda da vítima da sua própria altura (…)
4º Na hipótese de agressão, conforme o referido na conclusão anterior, a morte resultou como efeito da ofensa.
V) Resulta claramente da factualidade assente como provada que a morte resultou como efeito da ofensa, mostrando-se assim preenchido o elemento objetivo.
X) Sem culpa (dolo ou negligência) não pode haver responsabilidade criminal é um principio basilar do Direito Penal.
Z) O artigo 18º do Código Penal dispõe:
Quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
AA) No caso, o arguido só teve intenção de praticar o crime de ofensa à integridade física qualificada (artigos 143º e 145º do CP), exigindo-se negligência quanto á produção do resultado mais grave.
BB) Estamos no domínio da preterintencionalidade, o resultado excede a intenção do agente.
CC) A negligência não resulta diretamente da factualidade assente como provada.
DD) Mas, como bem se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/9/2014 em que é relatora a Juíza Desembargadora Elsa Paixão
“Efetivamente os elementos do tipo subjetivo provam-se – prova indireta – a partir da constatação dos factos objetivos, conjugada com as regras da experiência comum: da situação objetiva se há de retirar o elemento objetivo, a intenção de atuação do arguido.”
EE) É no seguimento do agora referido que Mmº Juiz que votou vencido concluiu:
Ora, tratando-se a vítima, com 51 anos de idade, de pessoa com hábitos de alcoolismo, facto esse que, tal como resultou provado, era do conhecimento do arguido por força das funções que exercia no local dos factos, local esse por onde o ofendido costumava deambular. E sendo do conhecimento comum que o alcoolismo torna as pessoas mais frágeis, nomeadamente na resistência fisiológica à agressão, especialmente se a parte visada for a cabeça, o arguido, atendendo às características da vítima, podia e devia ter previsto que a bofetada que lhe deu no rosto e nas circunstâncias em que o fez, usando de intensa força muscular, com as lesões consequentemente daí resultantes poderia potenciar o perigo de ocorrência da morte do ofendido.
FF) Acresce que o arguido tem um conhecimento acima do homem comum pois como resulta da factualidade provada. Este recebeu formação para o exercício de segurança privada para vigiar e proteger pessoas e bens bem como prevenir a pática de crimes.
GG) Como já acima referimos, não resultou provado que o arguido tenha representado o resultado, perigo para a vida, como possível consequência da sua ação e se tenha conformado com a sua realização o que afasta desde logo a condenação pela ofensa á integridade física grave (artigo 144º do CP).
HH) Contudo, cabe acrescentar que embora o arguido não tenha chegado, sequer, a representar a possibilidade de realização daquele grave resultado não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, abstendo-se da conduta penalmente proibida, a qual não se limitou a criar um risco proibido para a integridade física de outra pessoa, antes concretizou esse risco, desencadeando adequadamente o resultado ilícito. E daí que este resultado lhe seja imputável a título de negligência inconsciente, em conformidade com o preceitua o art.º 15º do C. Penal.
II) Temos, pois, que, apesar de o resultado da ação do arguido ter excedido a sua intenção, já que o mesmo, dolosamente, apenas cometeu um crime de ofensa á integridade física qualificada, aquele resultado (morte) é-lhe imputável a título de negligência e, por isso, pode afirmar-se que a sua conduta preenche o crime de ofensa à integridade física qualificada agravado pelo resultado, p. e p. pelo art.º 147º, do C. Penal.
JJ) Por tudo que se deixou exposto, entendemos que o arguido deveria ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, agravado pelo resultado p. e p. pelos artigos 143º, nº1, 145º, nºs 1, al. a), e 2 , este último por referência ao preceituado no art.º 132º, nº 2, als c), e 147º, nº 1, todos do Código Penal.
LL) Esta condenação só não ocorreu porque o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 145º, nºs 1, al. a), e 2, este último por referência ao preceituado no art.º 132º, nº 2, al. c), e 147º, nº 1, todos do Código Penal fazendo uma incorreta interpretação de tais dispositivos.
MM) Reparando-se a qualificação, como entendemos que deve ser reparada, necessariamente haverá que alterar a reação criminal.
NN) O arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa á integridade física simples p. p. pelo artigo143º do CP numa pena de 3 anos de prisão no âmbito de uma moldura penal abstrata de 1 mês a 3 anos de prisão.
OO) Reparando-se o acórdão pela forma por nós proposta, condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, agravado pelo resultado p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145º, nºs 1, al. a), e 2, este último por referência ao preceituado no art.º 132º, nº 2, als c) e 147º, nº 1, todos do Código Penal o arguido haverá que ser condenado numa pena cujos limites são 1 mês e 10 dias a 5 anos e 4 meses de prisão.
PP) Tendo em conta o referido no acórdão quanto á fundamentação da dosimetria penal, entendemos que a pena deverá ser fixada nos 2 anos e 3 meses de prisão, um pouco abaixo do meio da pena abstratamente aplicável.
QQ) Mais se entende que a pena deverá ser suspensa na sua execução pelas razões constantes no acórdão recorrido que julgamos se mantêm válidas.”
Do recurso da assistente
“1. O ofendido encontrava-se incapaz de esboçar um gesto de defesa ou proteção/reação defensiva por estar embriagado, por não gozar da agilidade do arguido e por, aquando da bofetada, segurar na mão os cães pela trela;
2. O alcoolismo do ofendido, a diferença de idade e peso entre aquele e o arguido permite concluir que este molestou fisicamente um ser especialmente indefeso em virtude da sua compleição física;
3. Por força do exercício da sua atividade, o arguido devia, pelo menos, presumir a condição de "sem abrigo" do ofendido que, aliás, conhecia pela sua visualização quotidiana;
4. A debilidade física, estado de embriaguez e incapacidade de reação defensiva do ofendido, aliadas à intensa força muscular usada pelo arguido, permitiam a este prever o derrube desamparado daquele;
5. Pelos mesmos motivos e pela zona em que o arguido desferiu a bofetada - a cabeça - sendo conhecedor do alcoolismo do ofendido, aquele devia ter previsto a morte deste como consequência passível da sua conduta;
6. O arguido não é, para este efeito, um homem médio;
7. Excluído o dolo quanto ao resultado da ofensa à integridade física, mostram-se preenchidos os elementos do artigo 143° C.P.;
8. Deve aplicar-se o artigo 145°, n° 1, a), do C.P. em virtude da especial censurabilidade do arguido, decorrente do artigo 132°, n° 2, c), do C.P., ex vi artigo 145º, n° 2, C.P., atendendo à idade e alcoolismo do ofendido;
9. Pelo carácter meramente exemplificativo do artigo 145°, n° 2, do C.P., a conduta do arguido é ainda especialmente censurável em razão da sua formação profissional bem como pelo facto de o ofendido, aquando da bofetada, ter os cães seguros pela trela;
10. O resultado é imputável a título de negligência porquanto o arguido podia e devia-o ter previsto - conforme se sustentou;
11. Atuando antagonicamente à suas funções, o arguido violou o dever de cuidado a que estava obrigado pelo que se verifica a agravação pelo resultado prevista no artigo 147°, n° 1, do C.P.;
12. Mostram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, devendo a recorrente ser ressarcida pelos danos patrimoniais referidos nas páginas 10 e 11 da decisão;
13. Considerando os danos não patrimoniais em causa e a culpabilidade do arguido, a indemnização atribuída à recorrente é manifestamente insuficiente, devendo a quantia indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, ser fixada no montante peticionado e em relação aos itens que o fundamentam.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogado o aliás douto Acórdão recorrido e, em consequência, deve o arguido ser condenado:
a) Pela prática do crime p.p. pelos artigos 143°, n° 1, 145°, n° 1, a), e 147°, n° 1, todos do C. P.;
b) A indemnizar os danos patrimoniais da recorrente no valor de 1.480,00€, a que acrescem juros de mora;
c) A indemnizar a recorrente pelos danos não-patrimoniais, em valor nunca inferior a 70.000,00€, a que acrescem juros de mora.”
1.3. O Ministério Público respondeu ao recurso da assistente remetendo para a motivação do seu próprio recurso.
1.4. O arguido não respondeu aos recursos.
1.5. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, concluindo pelo provimento dos recursos, nos seguintes termos:
“(…)
Apreciando, aderimos à essência das razões expostas nos recursos, mormente no do M. P. que por inteiro se subscreve e sufraga, cuja argumentação, fundamentada em minuciosa e profícua análise da prova produzida e estribada, de resto no já citado voto de vencido da lavra de um dos Ex.mos Juízes que integraram o Tribunal Coletivo e que aqui se dá por integralmente reproduzido, evidencia convincentemente a existência dos vícios assacados ao acórdão sub judicio sintetizados na conclusão LL) do recurso do M. P. (fis.505), a impor decisão diversa da recorrida, qual seja a condenação do Arguido nos termos impetrados e na pena de prisão sugerida pelo M.P. (2 anos e 3 meses), mantendo-se embora a suspensão da respetiva execução por tempo nunca inferior ao da pena a cominar (cf. art.º 50º, n° 5, do CP – redação introduzida pela Lei n° 94/2017, de 23/08), nada mais de relevante se nos afigurando dever acrescentar.”
1.6. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público e pela assistente e os poderes de cognição deste tribunal, tendo em conta ademais que o recurso visa apenas matéria de direito, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
1.6.1. Subsunção dos factos dados como provados ao tipo-de-ilícito de ofensa à integridade física qualificada do art.º 145º, nº 1, al. a), e nº 2, por via do preenchimento do exemplo-padrão do art.º 132º, nº 2, al. c), do CP
1.6.2. Agravação do ilícito praticado, pelo resultado morte, ao abrigo do disposto no art.º 147º, nº 1, do CP;
1.6.3. Montantes indemnizatórios fixados, no âmbito da pretensão deduzida pela demandante cível.
1. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos a considerar
2.1.1. No acórdão condenatório foi considerada provada a seguinte factualidade (que passamos a ordenar numericamente - num dos sentidos possíveis de interpretação da norma do art.º 374º, nº 2, do CPP):
1. O ofendido G... durante, pelo menos, 7 anos viveu na rua, como sem-abrigo, sendo que, desde, pelo menos, finais de 2015, pernoitava numa casa abandonada não muito longe da ..., mais precisamente no ..., nesta cidade e comarca do Porto.
2. O ofendido tinha hábitos de consumo de álcool em excesso.
3. Durante o dia, fazia-se acompanhar por dois cães, passando o tempo a arrumar carros, a pedir esmola e a deambular pelas ruas, em especial, na zona ... sendo, por via desses hábitos, conhecido dos vigilantes/seguranças privados do parque de estacionamento e da praça comercial, ali situadas.
4. Por seu turno, o arguido, vinha há algum tempo, inclusive, à data dos factos que se descreverão infra, exercendo as funções de segurança/vigilante por conta da sociedade comercial “D..., Lda.” na zona comercial e parque de estacionamento citados.
5. Por força do exercício das suas funções naquele local, conhecia o ofendido e os seus hábitos de alcoolismo tendo, inclusive - por força de ordens dos seus superiores hierárquicos - chegado a adverti-lo, em diferentes datas e ocasiões para que não entrasse nas lojas comerciais nem no parque de estacionamento com os cães que habitualmente o acompanhavam.
6. Por via desse contacto, o arguido sabia que muitas vezes o ofendido apresentava-se embriagado nas suas deambulações como, de resto, se apresentava na data dos factos que se descreverão infra.
7. O arguido também sabia que a vítima se dedicava a “arrumar carros” e a pedir esmola.
8. O ofendido media 1,75 metros e à data dos factos infra pesava 62 quilogramas.
9. O arguido, por seu turno, mede 1,77 e pesa cerca de 67 quilogramas.
10. No dia 18 de março de 2016, cerca da 1.30 horas, o arguido, que se encontrava de serviço por conta da sua entidade patronal, ao ver o ofendido junto às escadas de acesso ao parque de estacionamento localizadas na Rua ..., transmitiu-lhe, uma vez mais, que não poderia entrar na zona comercial ... para “pedir” nem devia deixar os cães por ali andarem.
11. Por não ter acolhido a advertência do arguido, o ofendido insurgiu-se contra o mesmo, tendo havido entre ambos troca de palavras; no final das quais o arguido deu um empurrão com ambas as mãos nos ombros da vítima, empurrando-o para trás; quando o arguido já se afastava, a vítima chamou ao arguido “filho da puta” e mandou-o para “a puta que o pariu”.
12. Nesse contexto e de imediato, o arguido voltou-se e encontrando-se ambos em pé, no passeio, em cimento, afastados entre si cerca de um metro - a vítima com os cães seguros na mão pela trela -, o arguido, usando de intensa força muscular, desferiu uma bofetada no rosto do ofendido.
13. Mercê dessa bofetada a vítima deu um passo atrás, pisou a trela dos cães e em desequilíbrio, rodou sobre si próprio e caiu no chão sobre o seu ombro direito não chegando, todavia, a embater com a cabeça no chão.
14. O arguido estava ciente de que o ofendido estava alcoolizado.
15. Por força da agressão sofrida e do seu estado alcoolizado, o ofendido foi incapaz de sozinho levantar-se do chão.
16. Com efeito, foi através da ajuda de E... que o ofendido, cambaleante, foi auxiliado a levantar-se e, após, sempre nele apoiado bem como em F..., conhecida de ambos que, entretanto, igualmente ali acorreu, abandonou o local.
17. O arguido, por seu turno, regressou ao interior do parque de estacionamento, não mais pensando em quaisquer consequências da bofetada por si desferida no ofendido.
18. Apesar de se mostrar queixoso, especialmente de dores na cabeça, o ofendido não recebeu tratamento médico hospitalar, recolhendo, antes, ao local onde pernoitava com o E....
19. Porque se sentisse progressivamente mal ao longo da noite, no início da manhã desse mesmo dia 18 de março de 2016, pelas 10.30 horas deu entrada – inconsciente e com insuficiência respiratória - no Hospital ..., cujo diagnóstico aquando da admissão foi o de “enfarte do tronco cerebral”, tendo sido entubado e ventilado. (cf. fls. 71 e 75)
20. Cerca das 15.40 horas desse dia 18 de março de 2016, faleceu.
21. Em consequência das descritas agressões, sofreu o ofendido E... as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 115 a 119/126 – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos - que determinaram direta e necessariamente para o mesmo, a morte. A saber:
“F. Exame do hábito externo:
(…)
Cabeça: Sem sinais de lesões traumáticas;
Pescoço: Sem sinais de lesões traumáticas;
(…)
G. Exame do hábito interno:
Cabeça:
Partes moles:
Ossos da cabeça – Abóbada: Ausência de lesões traumáticas;
Ossos da Cabeça – Base: Ausência de lesões traumáticas;
Meninges: Observa-se extenso hematoma subdural agudo hemisférico direito com um peso total de 150g. Observa-se hemorragia subdural “em toalha fina” frontal esquerda, interhemisférica e infratentorial e áreas de hemorragia subaracnóideia dispersas, bilateralmente.
Encéfalo: Apagamento dos sulcos existentes entre circunvalações cerebrais, hérnia do uncus temporal direito e hérnias das amígdalas cerebelares – aspeto compatível com edema cerebral. Observa-se importante efeito de massa em relação com o hematoma subdural agudo hemisférico direito, atrás descrito, que se traduz por um desvio da linha média para a esquerda.
Coloração avermelhada do parênquima nas áreas corticais e subcorticais do hemisfério cerebral direito.
Observam-se múltiplas áreas de hemorragia no tronco cerebral e que também são observáveis no pedúnculo cerebelar direito e em parte do hemisfério cerebelar direito. Áreas de hemorragia subaracnóideia nos hemisférios cerebelares. Hemorragia intraventricular mais evidente nos cornos posteriores dos ventrículos laterais e no IV ventrículo, Peso: 1270g.”
(…)
K Conclusões:
1º A morte de G... foi devida às lesões traumáticas meningo-encefálicas atrás descritas.
2º O resultado de exame histológico revelou “Lesões de broncopneumonia aguda e edema pulmonar. Lesões de hemorragia recente intraparenquimatosa. Lesões de necrose aguda tubular renal. Lesões de esteatose hepática.”
3º As lesões traumáticas meningo-encefálicas atrás referidas podem ter resultado de violento traumatismo de natureza contundente, tal como o que pode ter sido devido a agressão por mecanismo contundente (agressão à bofetada/murro) seguido de queda da vítima da sua própria altura (…)
4º Na hipótese de agressão, conforme o referido na conclusão anterior, a morte resultou como efeito da ofensa.
5º O exame toxicológico feito ao sangue periférico revelou a presença de álcool etílico na concentração de 0,31 +/-0,04g/L.
6º O exame toxicológico feito ao sangue periférico revelou a presença de Lidocaína na concentração <500ng/L (o valor encontrado foi inferior ao primeiro nível da curva de calibração (500 ng/mL).
7º O exame toxicológico feito ao sangue periférico não revelou a presença de opiáceos, nem de cocaína e metabolitos, nem de canabinoídes, nem de anfetaminas, nem de metanfetaminas e nem de benzodiazepinas.”
21. O arguido recebera formação profissional para o exercício da atividade de segurança privado de acordo, entre o mais, com o que está estipulado na Portaria nº 1325/2001 de 4/12, para os módulos 3º, 4º e 6º aí referidos com as correspondentes matérias e carga horária, ou seja, no que ora releva, em Direito constitucional [título II da parte I da Constituição da República Portuguesa (direitos, liberdades e garantias dos cidadãos)] — doze horas de formação teórico-prática e Deontologia do vigilante — seis horas de formação teórico-prática – cfr. fls. 219 e 223.
22. Aliás, tal formação está de harmonia com o conteúdo funcional do vigilante estipulado no Art.º 18º, nº 2 da Lei 34/2013 de 16/5, segundo o qual ao vigilante cabe vigiar e proteger pessoas e bens bem como prevenir a prática de crimes.
23. O arguido estava ciente do leque e conteúdo das suas funções e, portanto, da sua posição profissional e deveres de garante perante terceiros.
24. O arguido estava ciente de que deveria abster-se de adotar comportamentos como os que adotou na data em causa para com o ofendido, agredindo-o.
25. O arguido atuou com o propósito, concretizado, de atingir corporalmente o ofendido.
26. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
27. O falecido G... vivia da atividade de arrumador de carros, pedir esmola e do RSI.
- ANTECEDENTES CRIMINAIS
28. O arguido não tem antecedentes criminais.
Das condições pessoais do arguido B...
29. Oriundo de núcleo familiar de modesta condição socioeconómica, B... experimentou durante o seu processo de desenvolvimento psico-educativo vivência familiar estável, na presença de ambos progenitores e de dois irmãos, numa dinâmica afetiva e relacional que referencia como coesa e estruturada.
30. O arguido ingressou no sistema formal de ensino na idade prevista, mantendo um percurso escolar onde revelou positiva adaptação disciplinar e relacional, embora algumas dificuldades de aprendizagem com anos de insucesso letivo, tendo frequentado o ensino regular até ao 8º ano de escolaridade. Posteriormente, frequentou, na Escola Profissional ..., um curso de educação/formação (CEF) que lhe permitiu a conclusão do 9º ano de escolaridade. Depois da desistência de um curso de formação profissional da área de informática que frequentou sequentemente, adquiriu na empresa H..., formação qualificante para a profissão de vigilante/segurança.
31. Depois de algumas experiências profissionais iniciais indiferenciadas e de curta duração, iniciou-se profissionalmente como vigilante/segurança, por curto período na empresa I..., Lda. e depois na empresa D..., Lda., desenvolvendo funções no Centro Comercial J... na cidade do Porto, local onde viriam a acontecer as ocorrências que originaram os autos em referência e na sequência dos quais foi despedido em Março de 2016.
32. À data dos factos B... apresentava enquadramento familiar junto do agregado de origem, similar ao atual e profissionalmente desenvolvia atividade na empresa D..., atrás referida.
33. Após a saída desta empresa, continuou a desenvolver função de vigilante/segurança, atividade que o realiza profissionalmente e relativamente à qual parece manter motivação e adaptação funcional e relacional ajustada, primeiro na empresa K..., Lda. exercendo funções na área metropolitana do Porto, em instalações do Ministério da Saúde e sociedade L..., Lda. e após o término de contrato, ingressando, em Maio do ano em curso, na empresa M..., Lda., do mesmo ramo de atividade, exercendo categoria profissional similar, em instituições publicas, designadamente nas instalações da faculdade de Engenharia ... e Centro de Saúde ....
34. B... continua a integrar, como sempre, o agregado familiar de origem constituído pelos pais, com, respetivamente, quarenta e nove e quarenta e seis anos de idade e duas irmãs, com vinte e sete e treze anos de idade, com quem mantém relacionamento de entreajuda e vinculação afetiva próxima.
35. Residem em habitação própria, de construção antiga, tipologia T3, com razoáveis condições de conforto e habitabilidade embora exígua, situada em meio pacato de características suburbanas do concelho de Matosinhos, sem indicadores de fenómenos de disfunção ou exclusão social.
36. O arguido mantém inserção laboral ativa, com contrato de trabalho estabelecido com a atrás referida empresa M..., auferindo aproximadamente 650€ mensais, partilhando esses proventos com os familiares coabitantes, cujos elementos adultos se encontram também profissionalmente ativos, com vencimentos laborais correspondentes ao salário mínimo nacional, permitindo, segundo os próprios, situação económica restrita, fazendo face com dificuldade aos encargos fixos assumidos, dos quais avulta a amortização do empréstimo bancário relativo à aquisição da habitação.
37. Parecendo manifestar adaptação ajustada à comunidade de inserção sócio-residencial, mantém rede informal de suporte social na interação com amigos e colegas de trabalho, com quem se encontra em cafés próximos e pratica desporto.
38. Verbaliza forte constrangimento face a este contacto com o sistema de administração da justiça penal, reconhecendo, em abstrato, a censurabilidade e desvalor das condutas similares às que estiveram na origem nos presentes autos.
39. Manifesta preocupação e ansiedade face às eventuais consequências do desfecho do processo judicial, designadamente nos entraves que poderá constituir ao desempenho da sua atividade laboral, vindo a experimentar desde a ocorrência dos factos estado de ânimo deprimido.
40. Os familiares encararam com consternação este confronto com o sistema de administração da justiça protagonizado pelo arguido, continuando a disponibilizar-lhe apoio e solidariedade.
DO PEDIDO CÍVEL
41. O falecido G..., à data dos factos era divorciado, tendo como única e universal herdeira a sua filha, aqui assistente, C....
42. Após o divórcio, o falecido G..., trabalhou em diversos locais, intercalando longos períodos de ausência com outros também longos períodos de permanência em casa de sua mãe (avó da assistente).
43. E depois da morte desta passava na casa materna, longos períodos de tempo na companhia do irmão O... que faleceu durante o ano de 2016.
44. Esses períodos de permanência eram umas vezes de semanas, outras de dois meses e outras ainda de três meses; e depois regressava à cidade do Porto.
45. Sempre que o falecido regressava à casa materna, logo o tio ou os primos comunicavam à aqui assistente que o pai estava em casa.
46. E esta lá se deslocava para estar com o falecido (seu pai); e fazia-o várias vezes durante tais períodos de permanência.
47. Normalmente fazia-se acompanhar de seus filhos P... e Q... para que o avô os visse e para que eles conhecessem e convivessem com o avô G....
48. Assim aconteceu no Natal e Ano Novo de 2015 em que o falecido G... esteve na casa materna, na companhia da família (o irmão O... e filhos deste) e a assistente o visitou com os seus filhos.
49. Pouco tempo depois do Ano Novo o falecido G... voltou a regressar ao Porto e ao seu “modo de vida”.
50. A assistente contava com a visita do pai, o falecido G..., no fim de semana a seguir à sua morte, por ser o dia do Pai (19/3).
51. O falecido nas datas simbólicas, tais como Natal, Páscoa, Dia do Pai, aniversários e outras costumava regressar à casa materna para passar lá algum tempo.
52. A assistente pagou 1.260 euros de despesas com o funeral.
53. Pagou 220 euros de taxa de inumação no cemitério ....
54. O falecido G... à data dos factos que determinaram a sua morte tinha 51 anos.
55. A assistente amava o seu pai e ensinou os seus filhos a amar e respeitar o avô.
56. A assistente sentiu profundamente a morte do pai; causou-lhe dor, sofrimento, a sensação das perdas de convívio passadas e futuras expectáveis.
57. O falecido gostava da filha e dos netos”
2.2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
2.2.1. Da subsunção dos factos dados como provados ao tipo-de-ilícito de ofensa à integridade física qualificada do art.º 145º, nº 1, al. a), e nº 2, por via do preenchimento do exemplo-padrão do art.º 132º, nº 2, al. c), do CP
Pretendem ambos os recorrentes ver aplicada ao caso dos autos a agravante qualificativa do art.º 145º, nº 1, al. a), por via do preenchimento da circunstância agravante prevista no art.º 132º, nº 2, al. c) do CP.
Diz o art.º 145º, nº 1, al. a), do CP que se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até 4 anos no caso do art.º 143º. Acrescentando-se no nº 2 do mesmo artigo que são suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º do mesmo diploma. E entre elas a da al. c), ora invocada pelos recorrentes, ou seja, o agente “praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez”.
O art.º 145º do CP assume assim a mesma técnica dos exemplos-padrão utilizada pelo legislador para a qualificação do crime de homicídio do art.º 132º do CP. Isto é, tendo em vista sancionar mais gravemente determinados comportamentos violadores do bem jurídico-penal (a vida no caso do crime de homicídio e a integridade física no caso do crime de ofensa à integridade física), o legislador utilizou um método de subsunção de tais comportamentos por referência a um tipo de culpa mais grave, que configurou através de uma cláusula geral, quer no nº 1 do art.º 145º, quer no nº 1 do art.º 132º, falando-se em ambos os normativos, como fundamento para a aplicação da pena mais grave aí prevista, no facto de a morte ou a ofensa à integridade física terem sido produzidas “em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”. Mas de seguida descrevendo, exemplificativamente, circunstâncias que, sem prejuízo de terem de se sujeitar à confirmação do efetivo preenchimento da cláusula acima referida, logo à partida seriam indiciadoras desse mesmo preenchimento. Ou seja, verificada alguma dessas circunstâncias, aberto fica o caminho para se poder considerar a conduta do autor do crime como portadora de uma especial censurabilidade ou perversidade, pese embora uma tal qualificação haja de ser, a posteriori, e à luz das concretas circunstâncias do caso, efetivamente confirmada, à luz daquela cláusula geral[1]. Sendo por isso que também se pode afirmar que uma tal combinação de um tipo de culpa constituído por uma cláusula geral com um catálogo meramente exemplificativo de circunstâncias, faz com que a verificação de tais circunstâncias, só por si, nem sempre se possa impor ou revelar como qualificadora[2].
Por outro lado, não basta que a circunstância qualificativa agravante objetivamente se verifique. É necessário ainda que o agente tenha em relação à sua verificação atuado com dolo[3], nas três modalidades que o mesmo possa assumir, nos termos do art.º 14º do CP – direto, necessário ou eventual -, ou seja, que aquele tivesse representado e quisesse realizar o facto ilícito, naquelas circunstâncias de especial censurabilidade ou perversidade, ou agisse representando essa realização como consequência necessária da sua conduta, ou ainda representando-a como consequência possível da sua conduta, e ainda assim tivesse agido conformando-se com a possibilidade daquela realização.
Como referimos supra, e em contrário do que entendeu o Tribunal a quo, defendem os recorrentes que, no caso dos autos, se verifica o cometimento do crime de ofensa à integridade física, qualificada pela especial censurabilidade e perversidade revelada nas circunstâncias em que o arguido consumou a sua conduta, e designadamente porque, no entender dos recorrentes, aquele praticou o facto contra pessoa particularmente indefesa, nos termos do art.º 145º, nº 1, al. a), e nº 2, e 132º, nº 2, al. c), do CP.
Vejamos antes de mais o sentido e alcance da norma da al. c) do nº 2 do art.º 132º, e no que à partida esta possa ter enquanto efeito indiciador da culpa qualificada a que alude o nº 1 desse artigo e do art.º 145º, nº 1, do CP, que é o mesmo que perguntar o que significa, à luz da norma, e nas circunstâncias de ataque ao bem jurídico, ser-se uma pessoa particularmente indefesa, seja em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez.
À pergunta sobre que idade ou idades serão essas a que a norma se está a referir ou sobre que deficiência ou doença ou estado de gravidez poderão indiciar, num primeiro passo, a especial gravidade da conduta do agente, em termos de culpa, sempre se poderá responder que será ou serão aquelas que concretamente determinarem, não uma qualquer incapacidade de se defender mas antes uma particular incapacidade de a vítima se defender. Ou, nas palavras do Senhor Juiz Conselheiro Sousa e Brito, embora no âmbito da crítica que então dirigia à formulação da al. a) do nº 2 do art.º 132º do Projeto de Revisão do Código Penal, mas que se considera ter estado na origem da al. c) agora em análise, “a agravação só se justifica quando exista uma especial inferioridade da vítima”[4]. Ou seja, não uma qualquer dificuldade ou incapacidade em se defender, mas antes uma incapacidade que se revele como especial ou particular relativamente a outras incapacidades que pudessem existir, ainda que também em razão da idade, de deficiência, doença ou gravidez, para a função de defesa que a conduta do agente concretamente exigisse da vítima. Entendimento que mereceu a expressa concordância do Professor Jorge de Figueiredo Dias, na abordagem interpretativa à atual al. c) do nº 2 do art.º 132º do CP, ao afirmar que a estrutura valorativa de tal exemplo-padrão “se liga de forma clara, à situação de desamparo da vítima, em razão da idade, deficiência (física ou psíquica), doença ou gravidez, independentemente do meio insidioso ou não utilizado”, acrescentando que “nem por ser assim, todavia, se dirá que a situação objetiva da vítima desencadeia por si só a agravação”, exemplificando o mesmo autor: “a morte infligida por razões de misericórdia a uma criança ou a um ancião moribundos e em sofrimento, por exemplo, não terá a força qualificadora correspondente à estrutura valorativa desta alínea; mas já a poderá ter, porventura, uma ausência total de defesa derivada de uma situação de desamparo profundo e irreversível.”[5] Ou seja, pese embora a ação do agente dirigida a criança ou ancião moribundos (estando por isso particularmente indefesos em razão da idade e do seu estado de saúde), a circunstância de o agente ter atuado movido por misericórdia, obnubila o indício da especial censurabilidade ou perversidade que o preenchimento daquele exemplo-padrão à partida indicaria. Já tal não sucedendo no segundo caso, porquanto, na avaliação definitiva do preenchimento daquela cláusula geral do nº 1 do art.º 132º do CP, nenhuma circunstância vinha infirmar ou atenuar a valoração negativa que ao nível da culpa já resultava da situação previamente enquadrada naquele exemplo-padrão, confirmando-se, pelo contrário, a especial culpabilidade ou perversidade da atuação do agente, que aquela, numa abordagem inicial já indiciava[6]. Ou seja, a verificação de um grau especialmente elevado de culpa para a qualificação típica em causa, além de exigir que o facto se enquadre num dos exemplos-padrão do catálogo legal, exige ainda uma confirmação efetuada à luz da cláusula geral consagrada no nº 1 dos artigos citados, isto é de que o resultado típico no crime praticado foi produzido em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, juízo que não poderá ser alcançado automaticamente, pelo mero preenchimento do respetivo exemplo-padrão, e, ainda que não exclusivamente “através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto”, sempre se terão de ter em conta todas essas circunstâncias, na medida em que serão elas que permitirão um completo juízo sobre a determinação da culpa qualificada tipicamente punível, no caso concreto, e com ela a aplicação de uma pena mais grave, seja porque se censura que o agente, ao atuar, enquanto “ser-total-que-age”[7], e enquanto pessoa concreta, nas circunstâncias em que atuou, assim como nas possibilidades alternativas que se lhe ofereciam de determinar a sua vontade nessas circunstâncias, o fez numa desconformidade com os valores fundamentais do direito que “refletem uma atitude profundamente distanciada do agenteem relação àquela que seria norma exigir a um cidadão comum, naquelas mesmas circunstâncias, ou que, ao agir nos termos em que o fez, tivesse revelado características desvaliosas da sua personalidade reconduzíveis a uma atitude de pura maldade ou “atitude má, eticamente falando, de crasso e puro egoísmo do autor”, para assim concluirmos que num caso ou no outro estaríamos perante uma conduta reveladora de especial censurabilidade ou perversidade. Devendo por isso uma tal censurabilidade ou perversidade ser “distintas (pela sua anormal gravidade) daquelas que, em maior ou menor grau, se revelem na autoria”[8] do crime simples ou matricial (seja ele o crime de ofensa à integridade física, seja o de homicídio). Sendo útil, na condução da análise, in casu, do sentido e alcance da culpa jurídico-penal qualificada, atender às palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias, a propósito da função da culpa jurídico-penal: em primeiro lugar, o desempenho que a mesma deve ter enquanto “limitação do arbítrio estatal, fundada na eminente dignidade da pessoa do agente”; em segundo lugar, porque, sendo o seu conteúdo de natureza ética ou ético-existencial, deverá antes de tudo ser respeitadora dos direitos, liberdades e garantias das pessoas; em terceiro, porque a culpa se refere ao facto, que para ser incriminado, tem de obedecer a pressupostos estritos e cogentes de validade e legitimação; e quarto, porque “a culpa é ter que responder pelas qualidades pessoais – juridicamente censuráveis – que se exprimem no concreto ilícito típico e o fundamenta”.
Sendo que a culpa, neste caso, sempre teria de assentar no dolo do agente, porquanto a respetiva conduta só seria punível a título de dolo, direto, necessário ou eventual[9].
Dito isto, e vertendo agora a nossa compreensão e análise para o caso dos autos, tendo em conta os concretos factos dados como provados, que não já os juízos de valor ou os juízos fáctico-conclusivos a partir deles produzidos (sendo que em relação a alguns destes juízos, como melhor veremos adiante, se poderá pôr em causa a própria construção lógico-dedutiva em que os mesmos se basearam), somos levados a concluir pela inexistência de fundamento para se considerar a conduta do arguido subsumível ao tipo de ofensa à integridade física qualificada, a que aludem as disposições conjugadas dos art.ºs 145º e 132º, nº 2, al. c), do CP.
Em verdade, ainda que se considerasse que a conduta do arguido pudesse ser, de um ponto de vista objetivo, subsumível ao exemplo padrão contido na al. c) do nº 2 do art.º 132º do CP, isto é, que a vítima se não pudesse defender do ataque contra ela dirigido pelo arguido ao desferir-lhe a bofetada, nos termos em que o fez, por se encontrar numa situação de “desamparo profundo”, e pretendendo-se reportar tal desamparo, mais que a uma hipotética situação de indefesa, principalmente ao estado de saúde com reflexo no resultado que a ofensa pudesse causar, ficaria por demonstrar que o arguido soubesse ou devesse saber qual esse concreto estado de saúde da vítima, e referimo-nos ao que se escondia nos órgãos internos do seu corpo, ou que o mesmo fosse tal que poderia impossibilitar o ofendido de se defender do ataque contra si dirigido, porque no caso, estando em avaliação a capacidade de defesa da vítima, e a relação de conhecimento que o arguido tinha para em função dela desferir a bofetada e aquela desta se defender, tem de ser vista nas circunstâncias de possibilidade em que se dá o ataque ao bem jurídico e de êxito desse mesmo ataque, face à condição da vítima, não vendo nós como neste âmbito possam ser chamados fatores, como o resultado que para a vítima adveio da agressão realizada ou até qualificar tal agressão como violenta, como pretendem os recorrentes, e considerou o Tribunal a quo nos factos provados, conclusivamente diga-se, afirmando que o arguido “usou de intensa força muscular”, num claro exercício de inversão lógica da ordem de fatores, isto é partindo do resultado, numa análise de caráter essencialmente impressionista, para, sem mais, qualificar o modo ou a intensidade da ação que teria levado àquele resultado, mas descurando os elementos que concretamente foram dados como provados nos autos, e concorreram para a sua verificação, e em especial os diretamente reveladores da intensidade com que foi desferida aquela bofetada, ou a falta dela, como designadamente resultar da autópsia médico-legal que do exame do hábito externo, nomeadamente à cabeça e ao pescoço, não foi dado verificar sinais de lesões traumáticas, isto é, nem sequer um hematoma ou qualquer traumatismo a que a alegada “intensa” violência daquela bofetada pudesse estar ligada, como seria normal, sobretudo porque a morte da vítima só ocorreu bastantes horas depois, sendo certo ainda que, como já acima se deixou referido, não foi diretamente a bofetada que derrubou o ofendido ao chão, o que seria também normal que acontecesse se a mesma tivesse sido desferida com intensa violência, ainda mais estando o ofendido alcoolizado, mas o facto de, na sequência dela, a vítima ter dado um passo atrás, pisado a trela dos cães[10] e em desequilíbrio ter rodado sobre si próprio, caindo no chão sobre o seu ombro direito, não chegando todavia a embater sequer com a cabeça no chão, o que também por si só diz muito sobre o reduzido grau da violência com que o mesmo caiu ou com que terá sido previamente atingido pela dita bofetada, exercício de inversão lógica esse que nem sequer ponderou o facto de o resultado morte, em tais circunstâncias, em termos de normalidade do acontecer, poder ter sido sobretudo o resultado do estado de degradação dos órgãos vitais internos da vítima. Ou seja, relevante para o apuramento da situação de desamparo da vítima, e repetimos, não um qualquer desamparo, mas um desamparo que, nas palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias, fosse “profundo” ou “irreversível”, e por isso a colocasse numa particular, singular ou especial situação de indefesa, era a existência de factos reveladores de que a vítima se encontrava de facto “à mercê do agente, incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, em função de qualquer das qualidades previstas na norma”[11]. Ora, uma tal situação não resultou meridianamente provada nos autos, sendo que só nos poderemos basear nos factos dados como provados, isto é, a circunstância do ofendido ter vivido na rua como sem-abrigo, pernoitando desde finais de 2015 numa casa abandonada e ter hábitos de consumo de álcool em excesso, assim como fazer-se acompanhar por dois cães, passando o tempo a arrumar carros, a pedir esmola e a deambular pela rua, e ainda na data dos factos apresentar-se embriagado, não vemos como possa considerar-se, só por si, e ademais porque era o que externamente surgia como visível e apreensível pelos sentidos de qualquer sujeito, como uma doença ou deficiência, ou estado a estes análogo, que o colocasse numa situação de particular incapacidade de se defender, nos termos e com o alcance supra referidos. Sobretudo quando a defesa que poderia ser encetada seria relativamente a uma bofetada que lhe foi dada no rosto, na sequência de ter dito ao ofendido que não poderia estar na zona Comercial onde se encontrava para “pedir”, nem para deixar ali andarem os cães, local onde o arguido exercia a profissão de segurança, e após o ofendido se ter insurgido contra ele, gerando-se entre ambos troca de palavras, no final das quais o arguido deu um empurrão nos ombros do ofendido com ambas as mãos, empurrando-o para trás, sendo que foi quando o arguido já se afastava que o ofendido o chamou de “filho da puta” e o mandou para “a puta que o pariu”, tendo sido neste contexto que o arguido, estando ambos de pé e a cerca de um metro de distância entre si, se voltou e lhe deu uma bofetada. Não fora o resultado morte, ocorrido em circunstâncias anómalas, como melhor analisaremos a seguir, e pondo de lado a possibilidade de aplicação do instituto da retorsão e dispensa de pena, a que alude o art.º 143º, nº 3, al. b), do CP, cujos pressupostos de facto se não se verificam, face às circunstâncias do caso, e nomeadamente a qualidade de agente de segurança do arguido, assim como o estado de embriaguez[12] do ofendido (embora em termos não concretamente apurados, sendo certo que apesar do empurrão que lhe foi dado com as duas mãos nos ombros, manteve-se em pé, e mesmo tendo caído após a bofetada, o facto é que tal se deveu, ou deveu essencialmente, a ter dado um passo atrás, pisando a trela dos cães, entrando em desequilíbrio), mas a impor, em qualquer caso, a eventual ponderação de um menor grau de ilicitude e da culpa do agente, atendendo ao comportamento ilícito que esteve na origem da agressão, e a circunstância de esta se ter traduzido numa resposta, ainda que desproporcionada, às expressões injuriosas que imediatamente antes haviam sido dirigidas ao arguido pelo ofendido. Sendo precisamente neste contexto que jamais se poderia considerar possível um juízo de censura ético-jurídico tal, de uma tão elevada gravidade, que pudesse ser compaginável com o preenchimento da cláusula geral do art.º 145º, nº 1, do CP, isto é, que a atitude do arguido pudesse ser vista como perversa ou especialmente censurável, com o sentido e alcance acima referidos, e em termos tais que, ao nível da sua culpa (avaliada numa dimensão estritamente jurídico-penal, de um modo prudente, atendendo a todas as circunstâncias relevantes do caso, e sem se cair em perspetivas marcadas por uma excessiva sensibilidade, especialmente embotada ou particularmente requintada, ou estereotipada, seja de índole psicológica, sociológica ou outra), permitissem afirmar que agiu expressando no facto, e nessa medida fundamentando-o, qualidades pessoais especialmente desvaliosas, e que as mesmas seriam reflexo de uma atitude profundamente distanciada em relação à que poderia tomar uma pessoa comum, naquelas mesmas circunstâncias, e serem assim reconduzíveis a uma atitude de pura maldade, de “de crasso e puro egoísmo do autor”. Não vemos nós como para tal pudesse sequer contribuir a circunstância de o arguido ser 2 centímetros mais alto que o ofendido (medindo 1,77m e 1,75m de altura, respetivamente) ou de este pesar menos 5 quilos que o primeiro (67 e 62 quilogramas, respetivamente), ou a idade do ofendido, que era de 51 anos à data dos factos. O facto praticado, sem deixar de ser crime, nos termos em que o considerou o Tribunal a quo, e por isso foi o arguido por ele condenado, não pode, todavia, ser tido como um crime qualificado por uma especial censurabilidade ou perversidade do arguido, para a qual, em concreto, não se encontra fundamento, tando ao nível objetivo do tipo, como ao nível subjetivo, o qual, como referimos supra, exige o dolo, e a factualidade atinente ao dolo foi considerada não provada, mais precisamente “que o arguido estivesse ciente que o impacto da bofetada que desferiu ao ofendido era idónea a provocar o seu derrube desamparado ao chão, face ao estado de debilidade física que patenteava associado à circunstância de se revelar embriagado e, com isso, incapaz de se proteger”.
Razão por que, nesta parte, deve ser negado provimento ao recurso.
2.2.2. Da agravação do ilícito praticado, pelo resultado morte, ao abrigo do disposto no art.º 147º, nº 1, do CP
Diz o art.º 147º, nº 1, do CP:
“Se das ofensas previstas nos artigos 143º a 146º resultar a morte da vítima, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.”
A qualificação do tipo fundamental (doloso), pelo resultado morte (negligente), com a consequente agravação da pena nele prevista, assenta no facto de o bem jurídico atingido pela conduta do agente não se restringir já à mera integridade física do ofendido, cuja ofensa ilícita aquele representou e quis realizar, ou agiu representando-a como consequência necessária, ou ainda representando-a como consequência possível da sua conduta agiu conformando-se com aquela realização, mas no resultado morte que a mesma conduta causou, sem que o mesmo agente, relativamente a este resultado tivesse agido com dolo, em qualquer das modalidades acima referidas, isto é, dolo direto, necessário ou eventual – cf. art.º 14º do CP. E pela simples razão de que se tivesse agido com dolo quanto ao resultado morte teria incorrido num crime de homicídio doloso consumado (dando-se então entre este e o crime de ofensa à integridade física um concurso legal ou aparente de crimes)[13], por efeito da consunção, do crime de homicídio relativamente ao de ofensa à integridade física. Assim sendo, à pergunta que pudesse ser feita quanto ao fundamento, ao nível do tipo subjetivo, da punição agravada pelo resultado morte, que não fosse provocado por dolo do agente, embora tivesse sido a ofensa à integridade física que lhe deu causa, responde o art.º 18º do CP, dizendo que “quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência”. Ou seja, exige-se, no caso do art.º 147º do CP, que a morte tenha sido desencadeada involuntariamente, mas em termos tais que permitam concluir que o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, seja representando aquela morte como consequência possível da sua conduta, mas não se conformando com a sua realização, seja nem sequer representando a possibilidade dessa realização – atuando assim, num caso ou noutro, com negligência consciente ou inconsciente, nos termos do art.º 15º, al. a) e b), do CP.
Por isso mesmo é decisivo, para a decisão do mérito do recurso, nesta parte, apurar antes de mais, no âmbito da imputação objetiva do resultado morte à conduta do arguido, se foi com a bofetada desferida no rosto do ofendido que se deu causa a essa morte, ou seja, se a morte ocorrida foi o resultado do processo causal gerado pela conduta do arguido, sem a qual a mesma não teria tido lugar. O que implica saber se, segundo as máximas da experiência comum e “a normalidade do acontecer”, a conduta do arguido é idónea a produzir aquele resultado, ou se, pelo contrário, o mesmo ocorreu de modo improvável ou imprevisível, mesmo que se considerasse que a bofetada concretamente desferida, ou outra qualquer em idênticas circunstâncias, pudesse ter levado a esse resultado, de molde a que pudéssemos também dizer que o potencial de uma tal agressão, ainda que com um certo grau de contingência, sempre seria plausível, e que por tal se tornaria normalmente previsível, inserindo-se tal resultado morte na conexão do risco criado pela conduta do arguido[14].
Acontece que uma tal conclusão não se nos afigura possível.
Em verdade, não nos parece que uma bofetada desferida, nos termos em que aquela o foi, já acima referidos e que aqui damos por reproduzidos, e sem que se vislumbre que o haja sido com especial violência, face ademais ao modo como a ela reagiu o ofendido, dando um passo atrás, pisando a trela dos cães que trazia consigo e só depois caindo sobre o ombro direito no chão, mas sem que batesse com a cabeça nesse mesmo chão, possa, segundo as regras da experiência comum, e aquelas que o próprio arguido representou, ser “expressão de um perigo específico” para o bem jurídico vida do ofendido, ou que a morte, aos olhos do agente ou de qualquer pessoa com as suas qualidades e formação, colocada na sua situação, se pudesse inserir no âmbito de uma “previsibilidade subjetivamente possível”[15], em termos de a mesma se poder considerar como um resultado da bofetada desferida, e poder ter o arguido assumido desse modo o domínio do processo causal, e pudesse também por isso, tal bofetada, em tais circunstâncias, passar a ser considerada causa adequada da morte registada, nos termos e para os efeitos do art.º 10º do CP, assim como se não vislumbra que a morte, agora ao nível da culpa, pudesse ser algo que o arguido devesse representar, de molde a poder afirmar-se que aquele não tinha agido com o cuidado a que, segundo as circunstâncias estava obrigado e de que era capaz, como também o exige o art.º 15º do CP.
A morte, como a nosso ver meridianamente resulta dos autos, deveu-se fundamentalmente a circunstâncias que não eram previsíveis, e mais precisamente ao grau de degradação dos órgãos vitais internos provocados pelo alcoolismo da vítima, que segundo o Sr. perito, ouvido em audiência de julgamento, como resulta da motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, a fls. 457, “lhe dá alterações da coagulação que podem promover o aparecimento da hemorragia e que, neste caso concreto, levaram ao edema e a todas as complicações descritas”.
Ou seja, ainda que se considerasse que a bofetada ou a queda que se lhe seguiu foram conditio sine qua non da morte registada, nada nos autos nos habilita a considerar que as mesmas foram causa adequada e necessária dessa morte, num sentido rigoroso, jurídico-penal, isto é, com o sentido e alcance que deve ser extraído da chamada causalidade jurídica sob a forma da teoria da adequação, que tem expressão positiva no art.º 10º do CP. E desde logo segundo um critério de adequação que deve ser geral e objetivo. Ou, segundo as palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias: “Tal significa que o juiz se deve colocar mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada a conduta a ponderar, enquanto observador objetivo, se, dadas as regras gerais da experiência e o normal acontecer dos factos (o id quod plerumque accidit), a ação praticada teria como consequência a produção do resultado. Se entender que a produção do resultado era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação não deverá ter lugar”[16].
Razão por que entendemos que o resultado morte não pode ser imputado ao comportamento do arguido, ou que este pudesse ser considerado causa adequada daquele resultado, e muito menos que tal resultado fosse por ele previsível e, nesses termos, se pudesse também afirmar que o arguido agiu com negligência na produção desse resultado. Sendo despiciendo, porque sem a virtualidade de alterar as circunstâncias determinantes da ausência de possibilidade de imputação objetiva e subjetiva do resultado morte à conduta do arguido, o facto de este exercer a profissão de segurança, de harmonia com os factos dados como provados, ou ter tido formação para o exercício profissional dessa atividade, nomeadamente em direito constitucional, formação teórico-prática e deontologia do vigilante, e segundo a qual cabia ao arguido vigiar e proteger pessoas, bem como prevenir a prática de crimes, pois não resulta que de uma tal formação lhe adviesse qualquer conhecimento específico que lhe permitisse tornar subjetivamente previsível que, como consequência da bofetada que desferiu no ofendido, e para além da ofensa à integridade física que com ela visou, plausivelmente pudesse advir o resultado morte, nos termos em que este concretamente ocorreu.
Devendo, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso interposto por ambos os recorrentes, também nesta parte.
2.2.3. Dos montantes indemnizatórios fixados, no âmbito da pretensão deduzida pela demandante cível.
Entende a recorrente que o quantum indemnizatório devido pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da conduta ilícita e culposa do arguido deveria ser fixado em € 1.480,00, enquanto o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais deveria ser estabelecido em € 70.000,00.
Nos termos do disposto no art.º 483º do Código Civil (CC) (sendo esta e as disposições normativas a seguir referidas aqui aplicáveis por força do disposto no art.º 129º do CP), "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
Os pressupostos da responsabilidade civil, no que toca ao dano morte, não ficaram demonstrados, nos mesmos termos em que o não ficaram no âmbito da determinação da responsabilidade penal.
De facto, no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, mais precisamente sobre o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, estabelece o artigo 563º do Código Civil que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Consagrando-se assim o princípio da causalidade adequada, na sua formulação negativa, fazendo-se um apelo à ideia da probabilidade do dano, assim como à distinção entre os danos que são consequência do facto lesivo e os que se teriam produzido independentemente da sua verificação - artigos 562º e 563º do CC. Isto é, os danos a considerar são aqueles que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão do seu direito ou interesse protegido, em termos de probabilidades do normal acontecer. Seguindo a doutrina do Ac. do STJ, de 02/03/95[17], “para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstrato ou em geral, seja causa adequada do mesmo”. Ora, é bom de ver que, em abstrato ou em geral, a bofetada desferida pelo demandado cível, nas circunstâncias em que o foi, não é causa adequada da morte ocorrida. E citando o Prof. Antunes Varela, “a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É este processo concreto (revelador do domínio do processo causal pelo agente, na consideração subjetiva possível da verificação do respetivo resultado, como vimos supra), que há de caber na aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano.[18] E no caso dos autos não coube.
Razão por que, e desde logo por falta deste pressuposto, deve ser negado provimento ao recurso, na parte em que a recorrente pretende basear a sua pretensão de indemnização por danos não patrimoniais, relativamente ao valor de € 70.000,00 e por danos patrimoniais, relativamente ao valor de € 1.480,00, resultantes da morte do ofendido. Porquanto, como vimos supra, essa morte, de um ponto de vista jurídico-penal e civil, não pode ser objetiva nem subjetivamente imputada ao arguido e demandado cível.
Resta-nos assim agora apurar o fundamento ou viabilidade do ressarcimento dos demais danos não patrimoniais registados, e já que em relação a eles não merece reparo a conclusão de que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos - a conduta do arguido, a ilicitude da mesma, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre a conduta e esses danos, nos termos do art.º 483º do CC - tal como o considerou o Tribunal a quo. Sendo a questão a resolver, portanto, apenas de determinação do montante da indemnização desses mesmos danos.
Relativamente aos danos, os mesmos podem ser de natureza patrimonial ou não patrimonial conforme digam ou não respeito a interesses materiais.
Só os danos resultantes direta e necessariamente da conduta do agente podem ser objeto de reparação.
No que respeita aos danos não patrimoniais, nos termos do art.º 496º do C.C., deverão os mesmos ser indemnizados quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Atendendo-se na fixação do seu montante a princípios de equidade e ainda ao preceituado no art.º 494º do C.C..
Relativamente aos danos não patrimoniais, a sua gravidade deve ser medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos ou de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada. Não justificando a indemnização por danos não patrimoniais, por exemplo, os simples incómodos ou contrariedades[19]. Por outro lado, deve “o montante da indemnização ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[20].
Ora, tendo em conta os factos dados como provados, é bom de ver que apenas os danos causados ao ofendido com a ofensa à integridade física podem ser indemnizados ou compensados, porquanto em relação aos outros, nomeadamente ao dano morte e aos danos com ela relacionados, os mesmos não são da responsabilidade do demandado cível.
Assim sendo, ponderando as circunstâncias em que a agressão, uma bofetada na cara, sem lesões externas ou internas que, segundo o princípio da causalidade adequada, pudessem a ela ser atribuídas, mas que certamente lhe causaram dor e constrangimento físico e psicológico, assim como com a queda que se lhe seguiu, mas sempre sem deixar de ter em conta o facto globalmente considerado, as circunstâncias em que tal agressão ocorreu, isto é, sabendo o demandado cível que o ofendido tinha hábitos de consumo excessivo de álcool, e encontrar-se etilizado na data dos factos, por um lado, mas por outro, também a circunstância de o ofendido não ter acolhido bem a advertência que o demandado cível lhe havia dirigido no exercício das suas funções de segurança privado, por indicações dos seus superiores hierárquicos, como anteriormente também já tinha acontecido, de que não podia entrar na zona comercial para pedir nem deixar os cães por ali andarem, tendo-se o arguido insurgido contra tal, e havido entre ambos uma troca de palavras, no final das quais o demandado cível deu um empurrão para trás ao ofendido, e, quando aquele já se afastava, chamou-lhe o ofendido de ”filho da puta”, mandando-o ainda “para a puta que o pariu”, sendo neste contexto que o demandado se voltou para trás e, encontrando-se ambos de pé, afastados entre si cerca de um metro, estando a vítima com os cães seguros na trela, lhe desferiu uma bofetada no rosto, e tendo em conta ainda os critérios estabelecidos no art.º 494º, ex vi do art.º 496º do CC, isto é, a culpa do demandado cível revelada nos factos praticados, e assim também o contributo que para eles deu a própria vítima, e ademais a situação económica do lesado, de grande precariedade, e a do demandado cível, que aufere € 650,00 por mês, não vemos como possível a fixação de montante superior ao que foi fixado pelo Tribunal a quo, de € 1.000,00, a título de compensação dos danos não patrimoniais causados com a bofetada registada, e o qual, pese embora seja bastante superior aos rendimentos que o demandado cível aufere por mês, justifica-se, todavia, pela dimensão sancionatória e preventiva que tal valor compensatório, agora numa perspetiva jurídico-civil, deve também acessoriamente assumir[21].
Não vemos, pelo exposto, como nesta parte possa merecer provimento o recurso interposto pela demandante cível, porquanto os princípios da equidade e proporcionalidade, assim como da “boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”, por referência ao disposto nos art.ºs 494º e 496º do CC, e aos critérios aí estabelecidos, e ainda a circunstância de o montante indemnizatório cumprir, no caso, uma função sancionatória acessória, como também frisou o Tribunal a quo, se mostram cumpridos.
2.3. Responsabilidade pelo pagamento das custas
Uma vez que a assistente e demandante cível decaiu totalmente no recurso interposto, é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 515, n.º 1, al. c), e 514.º, nº 3, do Código de Processo Penal).
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii. Ora, tendo em conta a reduzida complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC, suportando também a recorrente as custas na parte cível, por nela ter decaído – art.ºs 523º do CPP e 527º do Código de Processo Civil.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento aos recursos interpostos pelo Ministério Público e pela assistente e demandante cível C..., mantendo na integra a decisão recorrida.
b) Condenar a recorrente C... no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC, na parte crime, ficando ainda a seu cargo as custas na parte cível, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Porto, 15 de novembro de 2018
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
___________
[1] Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 60; Jorge de Figueiredo Dias e Paula Ribeiro de Faria, Cometário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 25, 26 e 250;
[2] Teresa Serra, Ibidem.
[3] Paula Ribeiro de Faria, idem, p. 252.
[4] Código Penal – Actas e Projeto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 1993, p. 190.
[5] Idem, p. 31.
[6] Sobre o efeito de indício do exemplo-padrão, Teresa Serra, idem, p. 66 e 67.
[7] Jorge de Figueiredo Dias, na conceção básica da “liberdade pessoal e a tese da culpa da pessoa”, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 522 e ss.
[8] Ac. do STJ, de 07/11/2011, Pº nº 830/09.8PBCTB.C1.S1, in www.dgs.pt/jstj.
[9] Por todos, Paula Ribeiro de Faria, idem, p. 252.
[10] Sobre isso é elucidativa a motivação da decisão da matéria de facto, na qual o Tribunal a quo analisa a prova produzida com elevado rigor e minúcia, não dando, todavia, nota de qualquer facto ou fundamento para que pudesse ter considerado com intensa força muscular a bofetada desferida, a qual, em função da prova produzida chega a ser referida como um “estalo”, sendo a queda da vítima justificada, não como efeito desse estalo ou bofetada, mas sim “mercê de a vítima ter pisado a ‘corrente de ferro ou aço’, que era a trela dos cães”, e de a rua ser a descer.
[11] Ac. do STJ, de 26/11/2015, Colectânea de Jurisprudência, N.º 267, Tomo III.
[12] No entendimento de que “a embriaguez, ainda que com um valor de alcoolemia muito elevado” não pode servir para se considerar que a pessoa nesse estado “se a colocou numa situação de especial fragilidade ou desamparo com o alcance previsto no exemplo-padrão da alínea c), tornando-a particularmente indefesa”, ver Ac. do STJ, de 14/10/2010, Procº Nº 494/09.9GDTVD, Colectânea de Jurisprudência, disponível in http://www.colectaneadejurisprudencia.com.
[13] Paula Ribeiro Faria, obra citada, p. 244.
[14] Sobre a matéria cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 322 e segs..
[15] Paula Ribeiro de Faria, Idem, p. 242.
[16] Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 329.
[17] BMJ, 445º, p. 445.
[18] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1993, p. 895.
[19] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4º edição, pág. 532, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª Edição revista e atualizada, Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, p. 499 e 501.
[20] Pires de Lima e Antunes Varela, Ibidem.
[21] Cf. Sousa Ribeiro, Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, com base nas Lições do Prof. Rui de Alarcão ao 3º Ano Jurídico, Direito das Obrigações, Datilografia e Impressão de João Abrantes, Coimbra, 1983, p. 275 e 276.