Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5553/21.7T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: LOCAÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
PRAZO
Nº do Documento: RP202305305553/21.7T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de pagamento da renda com atraso igual ou superior a três meses confere ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento-cfr. art.º 1083.º, n.º 3 do CC.
II - O prazo de resolução do contrato, na hipótese da falta de pagamento da renda, que constitui um facto instantâneo e não continuado, é de três meses contado a partir do fim da mora, de igual prazo, sob pena de caducidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5553/21.7T8PRT.- C.P1

Relatora : Anabela Andrade Miranda
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
AA e BB, casados, residentes na Rua ..., ..., ... Maia, interpuseram a presente acção de despejo, contra CC, pedindo que se declare a resolução do contrato de arrendamento urbano celebrado entre Autores e Ré e se condene a Ré a proceder à desocupação do imóvel locado, devendo o mesmo ser entregue aos Autores, livre de pessoas e bens; mais pediram a condenação da Ré no pagamento das rendas vencidas e liquidadas até à data no montante de €17.523,00 e das rendas vincendas até efectiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora calculados sobre estas, à taxa de 4% ao ano, desde a data dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento e nos juros vencidos calculados atá à presente data no montante de €1.085,87.
Para tal alegou o que consta da sua petição, cujo teor se dá por reproduzido.
A Ré contestou alegando, em resumo, que a Autora celebrou em 21/09/2012 a compra e venda do locado, em substituição da Ré, no exercício do seu direito de preferência na qualidade de arrendatária do imóvel em causa; à data, a Autora demonstrou interesse e disponibilidade financeira para comprar o imóvel arrendado pela mãe, aqui Ré, que por estar onerado com um arrendamento foi vendido a um preço baixo e simultaneamente, proporcionar estabilidade à sua mãe e irmã deficiente, dando-lhes a possibilidade de ter assegurada a habitação no locado até ao fim das suas vidas ou enquanto entendessem; a compra e venda do locado pela Autora, em substituição da Ré, foi um acordo familiar, entre a Ré e as filhas AA e DD isto porque, para pagamento do preço do imóvel, foi necessário a filha DD emprestar à irmã, aqui Autora, a quantia de €4.750,00, tendo, para isso, contraído um crédito pessoal junto do Banco 1..., S.A. com o marido; foi assim que, num esforço familiar conjunto e com o acordo da anterior senhoria cuja família era amiga da Ré, foi possível a Autora adquirir o locado; após a aquisição do locado, tendo em conta a relação de mãe e filha existente, os Autores dispensaram a Ré do pagamento da renda, tendo ficado acordado que a Ré pagaria as despesas de condomínio e o IMI do locado, bem como suportaria os respectivos consumos de electricidade, água, gás e comunicações; no final do ano de 2016, começou o abuso de impor à Ré estadias da mãe do Autor, no locado, que na maioria das vezes se prolongavam por 8, 10 dias e tudo se agravou quando, no dia 22 de Maio de 2020, por imposição dos Autores e contra a vontade da Ré, a mãe do Autor se mudou para o locado, no qual passou a residir; essa atitude dos Autores perturbou gravemente os direitos de inquilina da Ré e da filha ali residente, que, subitamente, se viram obrigadas a “partilhar casa” e a responsabilizar-se pela saúde, alimentação e assistência de uma senhora que à data tinha 85 anos; a Ré insistiu inúmeras vezes junto da Autora, para ir buscar a sogra a sua casa, alegando precisamente que não podia assumir tamanha responsabilidade; após terem ido buscar a senhora em julho de 2020 e regressada de férias em Agosto constatou que, por iniciativa dos AA. foi cortada a electricidade do locado e apercebeu-se que não era reconhecida a sua situação de arrendatária; por esse motivo, interpelou-os para indicarem a conta bancária na qual pretendiam receber a renda mensal, e como tal não sucedeu, fez os depósitos na Banco 2... e notificou os Autores, que não impugnaram os depósitos.
Por excepção suscitou a prescrição das rendas alegadamente vencidas entre 01/10/2012 e 01/04/2016, defendendo que, ainda que se entendesse que a R. estava obrigada ao pagamento das rendas desde a compra do locado por parte da A., sempre estariam prescritas as rendas vencidas entre 01 de Outubro de 2012 e 01 de Abril de 2016, e correspondentes juros, nos termos do artigo 310.º, alínea b) do Código Civil.
Suscitou igualmente a excepção da caducidade da impugnação do depósito das rendas, alegando que os AA. não facultaram à R. o número da conta bancária para depósito das rendas ou qualquer outro meio alternativo para a R. cumprir a sua prestação, o que constitui recusa no recebimento da prestação e não poderá deixar de configurar mora dos credores; a R. passou então a efectuar o depósito das rendas, por existir causa justificativa para a sua realização: recusa dos AA. em receber a renda; a realização desses depósitos foi devidamente comunicada aos AA., por carta datada de 10 de Dezembro de 2020; os AA. não impugnaram os depósitos que a R. fez das rendas; não tendo os depósitos da R. sido impugnados pelos AA., nomeadamente invocando um dos motivos fixados no artigo 919.º do CPC, não podem agora os AA. discutir a validade e eficácia dos mesmos; assim, terá de entender-se que os depósitos efectuados pela R. correspondem à prestação integralmente cumprida, sendo por isso definitivos e liberatórios. E invocou a excepção da caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento, argumentando que a R. fez o depósito das rendas que se venceram a partir de Setembro de 2020, pelo que não há qualquer facto continuado ou duradouro. Assim, o prazo de caducidade completou-se decorridos três meses a contar do conhecimento, por parte dos AA., do fundamento da resolução, sendo o prazo de um ano, previsto no n.º 3 do artigo 1085.º do CC, inaplicável à situação dos presentes autos.
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Em 14/02/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“No tocante à ausência de resposta dos Autores relativamente ao despacho proferido em 2JUL2021 – cujo teor é o seguinte “Notifique os Autores para, querendo, em face do teor da contestação apresentada, responder à matéria de exceção alegada pela Ré, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 3 e 547º do Código de Processo Civil” –, apreciemos as ilações a extrair, socorrendo-nos do decidido, por exemplo, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11OUT2018, acessível em www.dgsi.pt com o nº 166/17.0 T8AND.L1-6 e cujo sumário, neste particular, fazemos nosso: “II. A determinação pelo Juiz do cumprimento do artº 3º nº 3 do CPC, tendo em vista a pronuncia pelo Autora quanto às exceções deduzidas pelo réu, tem o efeito quer cominatório, previsto no artº 574º nº 2, ex vide artº 587º, nº 1 do CPC, quer preclusivo, esgotando-se a possibilidade de a parte responder em momento posterior.
III. Logo, tratando-se de matéria de exceção a falta de resposta do autor após a determinação do cumprimento do contraditório pelo juiz, determina a admissão por acordo dos novos fatos que consubstanciam e enformam a exceção deduzida pelo réu”.
O despacho por nós proferido, no exercício do poder de adequação formal inscrito no artigo 547º do Código de Processo Civil, visava proporcionar aos Autores o exercício do contraditório por escrito, uma vez que foram invocadas pela Ré exceções dotadas de alguma complexidade jurídica.
E, tendo sido proferida nos autos tal decisão, impunha-se à parte a resposta às exceções invocadas pela parte contrária.
Cremos ser evidente que a falta de resposta determinará o efeito cominatório previsto pelo artigo 574º, nº 2 do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 587º do mesmo Código.
Conforme se argumentou no mencionado aresto da Relação de Lisboa, “(…) não estamos perante um mero convite dirigido à parte, o processo passa efetivamente a integrar um 3º articulado, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 587º, nº 1 (posição do autor quanto aos factos articulados pelo réu), e 574º (…) existindo sempre o ónus de impugnação das exceções neste terceiro articulado, porque imposto por lei ao abrigo do principio da gestão processual. Assim, proferido o despacho supra aludido o juiz, ao abrigo do dever de gestão processual, adequou formalmente os autos, pelo que o cumprimento do contraditório ficou assegurado, ficando a parte obrigada ao ónus de impugnação dos factos alegados pelo réu que se reportassem às excepções, sob pena de preclusão na sua invocação. Ou seja, competia à Autora responder no articulado “criado” por iniciativa do juiz e não em audiência prévia, dado o efeito preclusivo contido no artº 587º do CPC.”
Aliás, não se compreenderia que, tendo o juiz ordenado o cumprimento do contraditório pelos Autores, sem qualquer resposta, esta inércia seja desprovida de efeito, sob pena da prática de um ato inútil (por parte do juiz).
Ante o exposto, a ausência de resposta dos Autores ao despacho proferido a 5JUL2021 determina a admissão por acordo da factualidade que consubstancia e enforma as exceções deduzidas pela Ré.”
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Os Autores interpuseram recurso concluindo da seguinte forma:
A - Os Autores não quiseram deixar de responder às excepções deduzidas pela Ré.
B - Não o fizeram no prazo que lhes foi concedido pelo douto despacho com a Refª CITIUS 426479548, porque o mandatário abaixo signatário não recebeu a notificação com a Refª CITIUS 426550526.
C - Tentaram fazê-lo na diligência agendada para o dia 07/12/2021, mas tal não lhes foi permitido, porque tal diligência não de destinava à realização de uma audiência prévia.
D - Fizeram-no nesse mesmo dia 07/12 /2021 por meio de requerimento enviado aos autos via CITIUS, com a Refª 40690055.
E – A matéria alegada nas excepções deduzidas pela Ré está em manifesta oposição com a matéria alegada na PI pelos Autores, pelo que, tem aqui cabal aplicação o disposto nos artºs 587º, nº 1 e 574º, nº 2, (2ª parte), do CPC, que não permite que se considerem admitidos por acordo os factos que não tenham sido ou se considere como não sendo impugnados que estejam em oposição com a defesa (ou a posição contrária) considerada no seu conjunto.
O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão e sobre a “a existência ou não de impugnação da matéria das excepções na petição apresentada” escreveu-se o seguinte:
“O disposto nos arts 567º e art. 574, do CPC é aplicável ao autor.
Destas normas decorre que a aceitação ou silêncio do réu importa a confissão ficta dos factos alegados ou não impugnados. Como tal, ter-se-à de averiguar se existem ou não factos alegados na petição que ponham em causa a matéria excepcional.
Não estamos, por isso, perante um meio de prova mas de um efeito que a nossa lei retira de uma determinada atitude processual da parte, neste caso o autor.
Ora, in casu é evidente que essa impugnação terá de ser aferida casuisticamente. A matéria das excepções, como se referiu, diz respeito:
a) à prescrição das rendas até 2016;
b) ao depósito das rendas alegando-se que “Como alegado no precedente artigo 51.º, aos Autores não facultaram à Ré o número da conta bancária para depósito das rendas ou qualquer outro meio alternativo para a Ré cumprir a sua prestação, o que constitui recusa no recebimento da prestação e não poderá deixar de configurar mora dos credores”.
c) e a considerações jurídicas com base na mesma factualidade mas com enquadramento jurídico na excepção de caducidade da resolução por falta de pagamento das rendas.
Ora, nos 76 artigos da petição vemos que 4 dos depósitos são admitidos (art. 19 a 33) e que o fundamento para o mesmo foi impugnado apenas quando se alegou que “Os Autores recusaram e recusam os depósitos efectuados” (art. 25) mas nada se disse sobre a não comunicação da conta bancária. Esta, apesar de ser referido que foi alegada no art 51 da contestação (por sua vez impugnado na réplica) é matéria exclusivamente alegada no art. 78 da contestação. Logo é matéria factual que, em nenhum lado, foi posta em causa pelos AA. Acresce que nada foi alegado que possa ser configurado como causa impeditiva ou interruptiva da prescrição. Por isso, assiste razão ao despacho recorrido quando entende que nenhum dos factos alegados na excepção foi impugnado na matéria alegada na petição.
Improcede, pois, a questão suscitada.”
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No saneador foram julgadas procedentes as excepções de prescrição e caducidade e consequentemente, declararam-se prescritas as rendas e os juros peticionados pelos AA. vencidos até 13/04/2016, declarou-se a eficácia liberatória dos depósitos relativamente às prestações (rendas) a que respeitam e julgaram-se improcedentes os pedidos de declaração da resolução do contrato de arrendamento urbano da fracção autónoma descrita no art.º 1.º da petição inicial e de condenação da R. a proceder à desocupação da mesma fracção e à sua entrega aos AA., livre de pessoas e bens, com a consequente absolvição da R. deste pedido.
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Inconformados com a decisão das excepções, os Autores interpuseram recurso finalizando com as seguintes
Conclusões
A - As rendas vencidas entre 01/10/2012 e 01/04/2016 são efectivamente devidas e não foram pagas.
B - Dispõe o artº 325º do Código Civil que: “1 – A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido. 2 – O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.”
C - O acto do pagamento de rendas por parte da Apelada aos Apelantes constitui cabal e completo reconhecimento da Arrendatária/Ré da sua obrigação de pagamento das rendas aos Senhorios/Autores e do direito destes em as receber.
D - Mas, no caso de se entender que o pagamento das rendas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 não constitui ou não pode ser considerado como o “reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido” plasmado no nº 1, do artº 325º do Código Civil, o que não se concede, sempre tal pagamento de rendas constituirá ou não pode deixar de ser considerado como um reconhecimento tácito relevante do direito dos Apelantes ao recebimento das rendas, efectuado perante estes por aquela contra quem o direito pode ser exercido, a Apelada.
E - O pagamento das rendas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, efectuado pela Ré, em 09/12/2020, interrompeu a invocada prescrição prevista no artº 310º, al. b), do Código Civil.
F - O fundamento e justificação da verificação da falta de pagamento das rendas e do direito dos Autores, aqui Apelantes, a recebê-las, foi alegado nos artigos 19º a 33º da Petição Inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
G - Os ali Autores, aqui Apelantes, não facultaram à ali Ré o número da conta bancária para depósito das rendas, mas só porque a Ré nunca lho solicitou.
H – Se a Ré estava convencida de que tinha sido dispensada do pagamento da renda, como alega no artigo 37º da sua Contestação/Reconvenção, então não tinha necessidade ou interesse em pedir o número da conta bancária dos Autores para proceder ao depósito das rendas, que a Ré entendia estar dispensada de pagar.
I - A Ré nunca se apresentou em casa dos Autores para proceder ao pagamento das rendas que tinha obrigação de pagar, nem se propôs fazê-lo por qualquer outro meio.
J - Os Autores, enquanto senhorios, nunca se recusaram a receber as rendas devidas pela Ré e em dívida.
L - Não existiu qualquer causa justificativa que, nos termos do disposto no nº 2, do artº 1042º do Código Civil, permitisse à Ré recorrer à consignação em depósito das rendas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021.
M - Também não estão verificados os pressupostos para o recurso, por parte da Ré, à consignação em depósito prevista no artº 841º do Código Civil.
N - Razão pela qual os Autores recusaram os depósitos efectuados, nunca tendo procedido ao levantamento dos respectivos montantes.
O - Ainda que se viesse a considerar que, por força dos depósitos efectuados em 09/12/2020 e de acordo com a disposição da Ré, os Autores tinham recebido as rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, o que não se concede, tal não lhes retirava o direito à resolução do contrato de arrendamento celebrado em 30 de Junho de 1974, como prevê o nº 4 do artº 1041º do Código Civil.
P - Além dos depósitos efectuados em 09 de Dezembro de 2020, a Ré não pagou, por qualquer via ou meio, nenhuma das rendas relativas aos meses de Novembro de 2012 a Setembro de 2021.
Q - O fundamento e justificação da recusa e impugnação dos depósitos das rendas efectuadas em 09 de Dezembro de 2020 foi alegado nos artigos 23º a 27º da Petição Inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
R - Prescreve o nº 3 do artº 1083º do Código Civil que: “3 – É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda,…”.
S - A mora no pagamento das rendas em atraso e da responsabilidade da Ré é muito superior a três meses.
T - Prescreve o artº 1085º do Código Civil: “1 – A resolução deve ser efectivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade. 2 – O prazo referido no número anterior é reduzido para três meses quando o fundamento da resolução seja o previsto nos nºs 3 ou 4 do artigo 1083º. 3 - Quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.”.
U - Tendo-se mantido a mora no pagamento das rendas desde 2 de Outubro de 2012 até à data da instauração da presente acção de despejo, de forma continuada e duradoura, os Autores estavam em tempo de resolver o contrato de arrendamento celebrado em 30 de Junho de 1974.
V - Ainda que se considerasse liberatório o depósito das rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, efectuado em 09/12/2020 pela Ré, o que não se concede, tal depósito só teria feito cessar a mora e seria liberatório em relação aos referidos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 e não às moras relativas à falta de pagamento de renda de todos os meses anteriores, contadas e calculadas desde 02/10/2012 até 09/12/2020, cálculo que, repete-se, não se concede.
X - O fundamento e causa de pedir da presente resolução do contrato de arrendamento celebrado em 30 de Junho de 1974 é o da mora (continuada e duradoura) no pagamento de rendas desde 02/10/2012 até 09/12/2020 (103 meses), que é muito superior aos três meses previstos no nº 3 do artº 1083º.do Código Civil.
Z - Dado que o facto continuado e duradouro da ocorrência e manutenção da mora no pagamento das rendas se mantinha desde 2/10/2012 até 09/12/2020, à data da propositura da presente acção (08/04/2021) não se verificava a ocorrência da caducidade do direito de resolução previsto no nº 2 do artº 1085º do Código Civil e, consequentemente, os Autores tinham fundamento e estavam em tempo para resolver o contrato de arrendamento celebrado em 30 de Junho de 1974.
AA - Prescreve o artº 1041º, nºs 1 a 4, do Código Civil: “1 – Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. 2 – Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo. 3 – Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o nº 1 se refere, o locador tem o direito de recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos. 4 – A receção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora.”
BB - A Ré nunca foi dispensada do pagamento das rendas, pelo que tinha a obrigação de as pagar, nas datas dos respectivos vencimentos e no domicílio dos seus senhorios, dado que não foi acordado qualquer outro meio.
CC - A realização dos depósitos efectuados pela Ré em 09/12/2020, não teve outro intuito que o de lhe permitir invocar a prescrição das rendas vencidas entre 01/10/2012 e 01/04/2016 e, “en passant”, a cessação dos efeitos da mora da Ré devedora, designadamente, para efeito da resolução do contrato de arrendamento.
DD - O fundamento e justificação do direito de resolução dos Autores, aqui Apelantes, e da não ocorrência da sua caducidade foi alegado nos artigos 28º a 33º e 60º a 75º da Petição Inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
EE - Dispõe o artº 574º, nº 2, do CPC: “2 – Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, (…)”
FF - Os Apelantes entendem que o Meritíssimo Juiz a quo não pode entender e julgar decidido que, pelo facto de ter sido considerada como não apresentada a resposta que os Autores apresentaram em 07/12/2021, estes tenham admitido por acordo a “factualidade que consubstancia e enforma as excepções deduzidas pela Ré”.
GG - Relativamente à invocada excepção da “prescrição das rendas vencidas entre 01/10/2012 e 01/04/2016”, a demonstração da ocorrência das causas impeditivas para a respectiva verificação foram alegadas pelos Autores nos artigos 19º a 51º da PI, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os feitos legais.
HH - Relativamente à invocada excepção da “caducidade da impugnação do depósito das rendas”, se opõe o alegado artigos 52º a 59º da PI que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os feitos legais II - Relativamente à dedução da excepção da “caducidade do direito de resolução co contrato de arrendamento”, os Autores alegam e tomam posição bem definida relativamente ao seu direito à resolução do contrato de arrendamento celebrado nos artigos 60º e seguintes da PI, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os feitos legais, demonstrando igualmente que no caso sub judice não poderia ser invocada e reconhecida a verificação da caducidade de tal direito de resolução do contrato de arrendamento.
JJ – Por tudo o que acima fica alegado, não podem restar dúvidas de que a matéria alegada nas excepções deduzidas pela Ré está em manifesta oposição com a matéria alegada na PI pelos Autores, pelo que, e no que se refere aos sujeitos processuais, tem aqui cabal aplicação o disposto nos artºs 587º, nº 1 e 574º, nº 2, (2ª parte), do CPC, que não permite que se considerem admitidos por acordo os factos que não tenham sido ou se considere como não tendo sido impugnados que estejam em oposição com a defesa ou a posição contrária considerada no seu conjunto.
LL - Não se verificando a existência da dispensa da Ré do cumprimento da sua obrigação de pagamento de rendas e não tendo estas sido pagas pela Ré, o exercício do direito dos Autores à resolução do contrato de arrendamento celebrado, tem de considerar-se tutelado pela lei.
MM - O despacho de 02/07/2021 cujo teor era “Notifique os Autores para, querendo, em face do teor da contestação apresentada, responder à matéria de excepção alegada pela Ré, ao abrigo do disposto nos artigos 3º, nº 3 e 547º do Código de Processo Civil.”, não determinava qualquer cominação para a falta de resposta dos Autores às excepções.
NN - Pelo que é imoral e injusto que se tenha decidido que a falta de uma resposta para a qual não foi cominada qualquer consequência seja fundamento para a consequência de se considerarem admitidos por acordo os factos a que não se respondeu.
OO - Não se pode dar como provados factos que estão, manifestamente, em oposição e são, explicitamente, controvertidos quando consideradas as posições das partes no seu conjunto, como dispõe o artº 574º, nº 2, do CPC.
PP - Prescreve o nº 2 do artº 574º do Código do Processo Civil: “2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto (…)”, negrito e sublinhado nosso.
QQ – Os Apelantes entendem e defendem que, - nos termos do acima alegado e em face das posições perfeitamente antagónicas das partes, quando consideradas no seu conjunto (cfr. artigos da Petição Inicial: 19º a 33º, relativamente à prescrição das rendas, artigos 23º a 27º, relativamente à recusa e impugnação do depósito das rendas e artigos 28º a 33º e 60º a 75º, relativamente ao direito dos Autores à resolução do contrato de arrendamento) - no douto despacho recorrido, a Meritíssima Juiz a quo decidiu, erradamente, julgar procedentes “a excepção da prescrição suscitada pela R.” e declarar “prescritas as rendas e os juros peticionados pelos AA. vencidos até a 13/04/2016”, “ a excepção da caducidade da impugnação dos depósitos das rendas suscitada pela R., tendo, por consequência, tais depósitos uma eficácia liberatória relativamente às prestações (rendas) a que respeitam” e “verificada a caducidade do direito de os AA. resolverem o contrato de arrendamento e (…) improcedentes os pedidos de declaração de resolução do contrato de arrendamento (…) e de condenação da R. a proceder à desocupação da mesma fracção e à sua entrega aos AA., livre de pessoas e bens, com a consequente absolvição da Ré deste pedido”, pelo que o objectivo do pedido formulado no presente recurso é o de que as deduzidas excepções sejam apreciadas e decididas após a produção da prova realizada em audiência de julgamento.
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A Ré respondeu invocando, além do mais, o caso julgado da admissão, por acordo, da matéria das excepções.
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Questão Prévia
Os Recorrentes defendem que pelo facto de ter sido aceite a resposta, o julgador não podia ter considerado a factualidade que integra as excepções como provada.
O tribunal a quo decidiu que a ausência de resposta dos Autores “determina a admissão por acordo da factualidade que consubstancia e enforma as exceções deduzidas pela Ré.”
Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, acima transcrita.
A decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, ficando a ter, sobre a relação material controvertida, força obrigatória dentro do processo e fora deles, com determinados limites (cfr. arts. 628.º e 619.º do C.P.C.).
O caso julgado, como referem A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora é o efeito mais importante a que pode conduzir a sentença e significa que a decisão nela contida se torna imodificável.[1]
Assim, em virtude do caso julgado formado sobre essa decisão, não poderá a mesma ser modificada, razão pela qual tal questão não irá ser objecto de reapreciação.
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II - Delimitação do Objecto do Recurso
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em saber se as excepções de prescrição das rendas e a caducidade do direito de resolução, invocadas pela Ré, têm fundamento fáctico-legal.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS
1- Os AA. intentaram a presente acção em 08/04/2021 e a R. foi citada em 13/04/2021;
2- Os Autores são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente a uma habitação tipo T2, no 2º andar esquerdo do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...04 da freguesia ... e inscrita na matriz predial urbana das freguesias de ... e ... do concelho do Porto, sob o artigo n.º ...68;
3- Por documento particular outorgado em 21 de Setembro de 2012 a Autora celebrou um contrato de compra e venda com EE, por via do qual adquiriu a propriedade da fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente a uma habitação tipo T2, no 2º andar esquerdo do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho do Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...80 da freguesia ... e, à data, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...91 (actualmente ...);
4- À data da celebração do contrato de compra e venda da fracção autónoma referida no artigo anterior, a aqui Ré era arrendatária da referida fracção autónoma, por força da transmissão do arrendamento operada por óbito do seu marido, primitivo arrendatário;
5- O aludido contrato de arrendamento foi celebrado em 30 de Junho de 1974 entre FF (falecido pai da vendedora EE) e GG (falecido marido da aqui Ré), com início em 01 de Julho de 1974 e pelo prazo de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes;
6- A renda estipulada aquando da celebração do contrato de arrendamento foi de 1.900$00 mensais (hoje equivalente a €9,48);
7- Ocorrido o óbito de GG (falecido marido da aqui Ré), o referido arrendamento não caducou e transmitiu-se para a sua mulher, a aqui Ré;
8- Por partilha subsequente ao óbito de FF sucedeu-lhe sua mulher EE como titular da propriedade da referida fração autónoma que, consequentemente, assumiu a qualidade de senhoria no contrato de arrendamento acima referido;
9- Quando EE, proprietária e senhoria da fracção autónoma acima descrita e identificada, decidiu vender esta sua propriedade, comunicou formalmente a sua intenção à aqui Ré, que exerceu o seu direito de preferência na compra e venda;
10- Sem prescindir do seu direito de preferência, em 30 de Agosto de 2012, a aqui Ré solicitou à proprietária e senhoria EE o seu acordo para que o contrato de compra e venda pudesse ser celebrado, em sua substituição, por sua filha, aqui Autora;
11- Os Autores não procederam a qualquer aumento de renda, pelo que esta se mantém, presentemente, no mesmo valor de €177,00 mensais;
12- Os AA. peticionam a condenação da R. no pagamento, além de outras, das rendas vencidas desde 01/10/2012 a 01/04/2016;
13- Desde, pelo menos, Setembro de 2020 a renda da referida fracção autónoma é de €177,00 mensais;
14- Em 09 de Dezembro de 2020 a Ré procedeu a quatro depósitos bancários no valor de €177,00 (cento e setenta e sete euros) cada, na ..., da Banco 2..., inscrevendo, nas respectivas guias de depósito, que eram relativos às rendas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 e, no depósito relativo à renda de Outubro de 2020 que este tinha sido motivado por “recusa em receber a renda”;
15- A Ré comunicou aos Autores os depósitos efectuados, por meio de carta registada com AR datada de 10 de Dezembro de 2020 que lhes enviou e que referia em Assunto: “Notificação de depósito de rendas, nos termos do artigo 19º, nº 1, do NRAU (Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro)”;
16- Por carta de 08 de Setembro de 2020 – que foi recepcionada pela A. –, junta com a contestação como doc. 30 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, a R. (através dos seus mandatários) instou os AA. a, até ao fim desse mês, indicarem o n.º da conta bancária na qual pretendiam receber a renda mensal de € 177,00, acrescentando que, a partir daquela data, deixaria de pagar o IMI e as despesas de condomínio referentes à fracção;
17- A Ré, em 2022, tinha 78 anos e é mãe da Autora;
18- No locado com a Ré vive e sempre viveu a sua Filha HH, portadora de deficiência com grau comprovado de incapacidade física e mental permanente, desde a nascença, de 60%: sofre de malformação congénita neurológica – encefalopatia congénita, com compromisso do desempenho cognitivo/executivo -, além de outras patologias, nomeadamente oftalmológicas (erro de refração), hipertensão e epilepsia.
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IV - DIREITO
O tribunal a quo declarou prescritas as rendas e os juros peticionados, vencidos em data anterior a 13/04/2016, com fundamento no artigo 310.º, als. b) e d) do CCivil que consagra o prazo prescricional de cinco anos das rendas e dos juros devidos pelo locatário.
Por outro lado, considerou-se que inexiste qualquer causa interruptiva da prescrição uma vez que, na data em que a Ré foi citada, já havia decorrido o aludido prazo de cinco anos.
A obrigação principal do locatário, como contrapartida do gozo do locado, consiste no pagamento da renda ao locador, no tempo e lugar consagrados na lei, salvo estipulação em contrário-arts. 1038.º, al. a) e 1039.º, n.º 1 do C.Civil.
A renda é qualificada no art.º 1075.º, n.º 1 do C.Civil, como uma prestação pecuniária periódica e tem como característica fundamental, como esclarece Gravato Morais[2], a autonomia que releva a vários níveis, a saber :
- para efeito do exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda (art. 1083.º, n.º 3CC);
- para efeito de caducidade do direito de resolução (art. 1085.º CC);
- para efeito de contagem do prazo de prescrição (art. 310.º, al. b) CC);
- para efeito da imputabilidade das rendas em atraso.
Segundo o artigo 298.º, n.º 1 do C.Civil estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos.[3]
As rendas e os alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez, prescrevem, segundo o art. 310.º, al. b) do C.Civil, no prazo de cinco anos.
O prazo prescricional inicia-se quando o direito (do locador) puder ser exercido, ou seja, desde a data do vencimento da renda que não foi paga-cfr. art. 306.º, n.º 1 do C.Civil.
Os Autores, em 08/04/2021, intentaram a presente acção de despejo exigindo o pagamento das rendas alegadamente em dívida desde 21 de Setembro de 2012.
Considerando que a Ré foi citada em 13/04/2021 não há dúvida que estão prescritas, como se declarou na decisão, as rendas e os juros peticionados vencidos em data anterior àquela data.
Os Autores rebateram esta argumentação aduzindo que o pagamento das rendas dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, mediante depósito na Banco 2..., em 09/12/2020, significa que a Ré reconheceu o direito dos Autores ao recebimento das rendas.
A prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido-cfr. art. 325.º, n.º 1 do C.Civil.
Nesta matéria Vaz Serra esclareceu que “se o prescribente reconhece o direito do titular, é razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido: tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso que a demandar”.
As rendas são prestações pecuniárias, que se vencem periodicamente-cfr. 1075.º, n.º 1 do CC-iniciando-se o prazo de prescrição de cinco anos em relação a cada uma dessas prestações vencidas e não pagas.
Por conseguinte, não se pode extrair qualquer forma de reconhecimento (expresso ou tácito) do direito dos Autores a receberem as rendas vencidas em datas anteriores a 13 de Abril de 2016 por terem sido depositadas as rendas relativas aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, efectuados pela Ré.
Confirma-se, assim, a prescrição das rendas em causa.
Na decisão declarou-se a eficácia liberatória dos referidos depósitos das rendas por não terem sido validamente impugnados pelos Autores.
Os Recorrentes, nesta parte, apenas referem que não estão verificados os pressupostos para o recurso, por parte da Ré, à consignação em depósito prevista no artº 841º do Código Civil, razão pela qual recusaram os depósitos efectuados, nunca tendo procedido ao levantamento dos respectivos montantes.
A argumentação de natureza substantiva dos Recorrentes devia ter sido apresentada na impugnação dos depósitos, efectuada no prazo legal, o que não sucedeu.
Como bem se refere na decisão, nos termos do art. 21.º do NRAU, a impugnação do depósito deve ocorrer no prazo de 20 dias contados da comunicação, seguindo-se, depois, o disposto na lei de processo sobre a impugnação da consignação em depósito.
A Ré comunicou aos Autores, por carta registada com AR, datada de 10 de Dezembro de 2020, ter efectuado os depósitos das rendas em 09/12/2020.
Perante aquela comunicação, os Autores nada fizeram, e este comportamento omissivo, segundo Gravato Morais, “importa a caducidade do direito de impugnar.”[4]
Acrescenta este autor, com interesse, que “o efeito mediato da extinção do direito de impugnação é o de se considerar cumprida a obrigação de pagamento da renda, independentemente da decisão judicial a declará-lo.”
Confirma-se também a decisão na parte em que concluiu pela caducidade do direito de impugnarem os depósitos efectuados pela Ré e a consequente eficácia liberatória dos mesmos em relação às rendas em causa.
Finalmente, a terceira questão, prende-se com a caducidade do direito de resolverem o contrato de arrendamento, solução jurídica aplicada pelo tribunal a quo.
Os Autores contrapõem que, mesmo na hipótese de se considerar que receberam as rendas depositadas em 09/12/2020, continuam a ter direito de resolver o contrato de arrendamento por se encontrarem em dívida as rendas relativas aos meses de Novembro de 2012 a Setembro de 2021, sendo que o prazo de caducidade é de um ano por se tratar de facto continuado.
A falta de pagamento da renda com atraso igual ou superior a três meses confere ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento-cfr. art.º 1083.º, n.º 3 do CC.
A mora no pagamento da renda, com duração superior a três meses, constitui uma causa de inexigibilidade, ex lege, de manutenção do contrato de arrendamento.[5]
E nos termos do art. 1085.º, n.º 1, do CC a resolução deve ser efectivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.
Este prazo, na hipótese da falta de pagamento da renda, é reduzido para três meses (n.º 2) mas quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação (n.º 3).
Sobre esta matéria a sentença perfilhou a doutrina e jurisprudência dominante e sedimentada no sentido de que, face à autonomia da renda, exigível de per si,[6] a falta de pagamento de cada prestação pecuniária periódica constitui um facto instantâneo e não continuado.
Assim sendo, o exercício do direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda devia ter sido efectivado no prazo de três meses a contar da mora de três meses no pagamento de uma dessas rendas.
Como se refere no Ac. do TRP, de 07/02/2019[7], citado na decisão, a falta de pagamento de cada renda mensal por mais de três meses constitui fundamento de inexigibilidade ao senhorio de manutenção do contrato e justifica a sua resolução. É suficiente a falta de pagamento de uma renda mensal. Extrai-se da conjugação dos nºs 1 e 2 do art.º 1085º que é de três meses o prazo de caducidade do direito de resolução do contrato quando o fundamento de resolução seja o previsto no nº 3 do art.º 1083º, a contar do conhecimento, pelo senhorio, não da falta de pagamento da renda, mas do facto que serve de fundamento à resolução. Esse facto-fundamento não é a simples falta de pagamento da renda que o senhorio fica, por regra, a conhecer na data do seu vencimento, mas o decurso de um prazo igual ou superior a três meses no pagamento da renda vencida, ou seja, três meses após o início da mora (falta de pagamento atempado da renda e o decurso posterior do referido prazo). Se, porventura, relevássemos, para efeito de caducidade do direito de resolução o decurso de três meses a contar da data em que o senhorio tem conhecimento da falta de pagamento da renda, estaríamos, ad absurdum, a fazer iniciar um prazo de caducidade do exercício de direito antes da própria verificação desse direito.
Portanto, conclui-se que na data em que os Autores interpuseram a presente acção o prazo prescricional de 3 meses, contado após o decurso de 3 meses do vencimento de cada renda, já tinha sido ultrapassado, pelo que o direito à resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas caducou.
Perante as razões aduzidas, improcede in totum o recurso.
*
V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a decisão.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

Porto, 30/5/2023.
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
_________________
[1] V. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 701/702, Coimbra Editora.
[2] In Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, Almedina, pág. 48.
[3] Pugliese, La prescrizione extintiva, citado por Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1983, pág. 445.
[4] Morais, Fernando Gravato, Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, Almedina, pág. 41.
[5] RP Ac. de 10/11/2009 disponível em www.dgsi.pt.
[6] Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano, Almedina, 7.ª Ed., pág. 473.
[7] Disponível em www.dgsi.pt