Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040959 | ||
Relator: | PINTO MONTEIRO | ||
Descritores: | CONDUÇÃO PERIGOSA DE MEIO DE TRANSPORTE TIPICIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200801230745668 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 297 - FLS 17. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Das violações grosseiras das regras da circulação rodoviária previstas na alínea b) do nº 1 do art. 291º do Código Penal só são restritas às auto-estradas e estradas fora de povoações as relativas à inversão do sentido de marcha e à marcha atrás. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em audiência, na 4.ª sec. (2.ª sec.criminal) no Tribunal da Relação do Porto: Inconformado com a sentença do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia na parte em que absolveu o arguido B………., devidamente identificado nos autos a fls. 116, da acusação quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. nos termos do art. 291.º, n.º1, al. b), do Código Penal, que lhe havia sido imputado, dela interpôs recurso o M.º P.º, cuja motivação concluiu nos termos seguintes: 1 – Mostra-se violado o art. 291.º n.º 1 al. b) do Cód. Penal. 2 – Porquanto na sentença se entendeu que a integração do tipo de crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291.º n.º 1 al. b) do Cód. Penal imputado ao arguido apenas ocorre quando a violação das regras de circulação rodoviária ali enumeradas tenha lugar em auto-estrada ou em estrada fora de povoações. 3 – Contudo, apenas relativamente a duas das violações enumeradas no artigo - a marcha atrás e a inversão do sentido de marcha – é que se exige que ocorram em auto-estrada ou em estrada fora de povoações. 4 – Relativamente às restantes violações das regras rodoviárias, o tipo legal de ilícito mostra-se integrado pela sua prática em qualquer via pública ou equiparada, sendo irrelevante a sua natureza ou local concreto. 5 – Os factos apurados em julgamento praticados pelo arguido reportam-se a infracções grosseiras relativas à obrigação de parar e de circular pela direita ocorridos na via pública – rotundas e ruas desta comarca. 6 – Pelo que se constituiu autor do crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art. 291.º n.º 1, al. b), do Código Penal, devendo portanto ser condenado pela sua prática. 7 – E atentos os seus antecedentes e desvalor da sua acção, a pena por tal crime não deverá ser inferior a um ano de prisão, assim se fazendo a costumada justiça. X X X Na 1.ª instância não houve resposta.Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve proceder. Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do C. P. Penal, não foi junta qualquer resposta ao processo. Foram colhidos os vistos legais. Procedeu-se à audiência de julgamento de harmonia com o formalismo legal, como consta da respectiva acta. Cumpre decidir. X X X Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única questão suscitada pelo M.º P.º a merecer apreciação diz respeito à qualificação jurídica da matéria de facto considerada provada, no que tange ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário por que o arguido foi acusado, mas de que foi absolvido.É a seguinte a matéria de facto provada constante da sentença recorrida: 1. No dia 18 de Fevereiro de 2006, pelas 11.30 horas, o arguido conduzia o veículo da marca Peugeot, de matrícula BQ-..-.., ligeiro de passageiros, pela Rua ………., nesta comarca, quando foi objecto de uma operação de fiscalização do trânsito por parte da GNR local; 2. Não obstante se ter apercebido do sinal de paragem que lhe foi efectuado pelo soldado da G.N.R. C………., ali em funções, o qual se encontrava visível, devidamente uniformizado, com colete reflector vestido e junto ao Jeep da corporação, o arguido continuou a sua marcha, sem acatar a ordem que aquele lhe dera; 3. No dia 16 de Março de 2006, pelas 13.50 horas, o arguido conduzia aquele mesmo veículo pela Rotunda ………. em ………., nesta comarca, quando foi novamente mandado parar por uma patrulha da GNR que por ali se encontrava em acção de fiscalização ao trânsito, mediante exibição da raquete de Stop; 4. Não obstante se ter apercebido daquela ordem, depois de reduzir a velocidade, o arguido acelerou, quando já se encontrava perto do agente, pondo-se em fuga, desrespeitando novamente uma ordem de paragem; 5. De imediato a patrulha foi em seu encalço na viatura da instituição, na qual foram accionados a sirene e as luzes rotativas, tendo-o perseguido durante cerca de 3 quilómetros; 6. Durante a perseguição, que decorreu em várias artérias desta comarca, o arguido desrespeitou vários sinais de Stop, entrou em contra-mão na Rotunda ………., em ………., e não parou ao sinal vermelho dos semáforos colocados na Rua ………., naquela freguesia, tendo em todas estas situações obrigado os outros condutores a parar e a desviar-se dele para evitar a ocorrência de acidente; 7. Em face do tipo de condução adoptado pelo arguido e porque se apercebeu estar iminente a ocorrência de um desastre, a patrulha desistiu de o perseguir; 8. Também nesta ocasião o arguido conduzia o Peugeot sem que fosse titular de carta de condução ou de outro qualquer documento que lhe permitisse conduzir aquele tipo de veículos na via pública; 9. Aliás, o arguido é já useiro e vezeiro em conduzir veículos automóveis sem carta na estrada, tendo por via disso já sido por diversas vezes condenado e mesmo já chegado a cumprir pena de prisão; 10. Com efeito, o arguido sofreu as seguintes condenações: - por ter sido encontrado a conduzir ilegalmente, em 22/6/99, foi o arguido condenado em 100 dias de multa à taxa de 500$00, no processo sumário nº ../98, do Tribunal de Pequena Instância de Competência Específica Mista de Vila Nova de Gaia; - em 3/12/2000, por igual crime cometido em 1/11/2000, foi condenado na pena de 3 meses e 15 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, no processo comum singular nº …/00, do .º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia; - em 02/07/02, foi condenado na pena única de 180 dias à taxa de € 3,00, por crime da mesma natureza praticado e um crime de desobediência em 18/11/2000, no processo comum singular nº …/00.9GCVNG, do .º Juízo Criminal desta comarca; - em 17/11/03, foi condenado na pena única de 7 meses de prisão, por ter cometido em 13/1/01 os crimes de condução ilegal e desobediência, pena que cumpriu entre 20/06/04 e 20/01/05, no processo comum singular nº ../01.8GAVNG, do .º Juízo Criminal desta comarca; - em 03/11/04, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa à taxa de € 3,00, por ter cometido em 02/06/02 os crimes de condução ilegal e de desobediência, no processo comum singular nº …/02.1 PABCL, do .º Juízo Criminal do Tribunal judicial de Barcelos; - em 25/11/05, na pena de 7 meses, suspensa na sua execução por 2 anos, por ter praticado em 22/11/05 o crime de condução sem habilitação legal, no processo nº …./05.0PTPRT, do .° Juízo da Pequena Instância Criminal do Porto; 11. Apesar de ter estado ao seu alcance a escolha de uma conduta respeitadora dos valores comummente aceites pela sociedade e pelo direito, decidiu este arguido continuar a conduzir veículo automóvel na via pública sem para tal estar devidamente autorizado; 12. De nada valendo as condenações a que se fez referência e o facto de ter já cumprido pena de prisão por crime desta natureza, tendo com a conduta agora descrita demonstrado não terem aquelas sido suficientes para o afastar da criminalidade; 13. O arguido sabia que só os titulares de carta de condução ou de outro qualquer documento válido é que podem conduzir veículos automóveis na via pública e, das duas vezes, actuou querendo conduzir sem estar habilitado; 14. Sabia que ao conduzir nos termos atrás descritos poderia provocar acidente susceptível de causar ferimentos, a morte ou danos de valor elevado para os outros condutores e suas viaturas que se encontravam na via, e actuou querendo assim proceder; 15. Sabia ainda que por duas vezes os soldados da GNR lhe haviam dado ordem de paragem e quis desobedecer à mesma; 16. Actuou livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta não era permitida por lei; Mais se provou que: 17. O arguido é lavador de carros no E.P. do .........., onde se encontra a cumprir pena de prisão desde o dia 30/06/2006; 18. O arguido é titular da carta de condução nº P-……. (para as categorias de ligeiros e triciclo ou quadriciclo) desde o dia 13/12/2006; 19. Para além das condenações referidas no ponto 10, constam ainda do C.R.C. do arguido as seguintes condenações: - por sentença proferida no processo comum singular nº ../06.5PAVNG, do .º Juízo Criminal desta comarca, foi condenado pela prática, em 22/03/2006, do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses e 15 dias de prisão efectiva; - por sentença proferida no processo comum singular nº ./06.5PEVNG, deste Juízo, foi condenado pela prática, em 10/01/2006, do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão efectiva; - por sentença proferida no processo comum singular nº …/02.3GDVNG, deste Juízo, foi condenado pela prática, em 19/08/2002, do crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão efectiva; - por sentença proferida no processo comum singular nº ..../06.9PTPRT, deste Juízo, foi condenado pela prática, em 24/01/2006 e 25/01/2006, dos crimes de condução sem habilitação legal e desobediência, na pena única de 10 meses de prisão efectiva. X X X É a seguinte a fundamentação de direito da sentença recorrida na parte em que absolveu o arguido do crime de condução perigosa de veículo rodoviário:O arguido encontra-se acusado da autoria material, e em concurso real, de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01, e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p., pelo art. 291º n° 1, al. b) do Código Penal, com a redacção introduzida pela Lei n° 77/2001, de 13/07, agravados pela reincidência, e em duas contra-ordenações ao art. 4º, nº 1, do Código da Estrada. Vejamos. a) Quanto ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário. O arguido vem acusado da prática, em autoria material, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p., pelo art. 291º, nº 1, al. b) do Código Penal. Dispõe o art. 291º, nº 1, al. b) do Código Penal, com a redacção introduzida pela Lei nº 77/01 de 13/7, em vigor à data da prática dos factos, que “quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”. Com esta incriminação pretendeu-se evitar a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar no nosso país e punir aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança da circulação rodoviária e que, simultaneamente, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado (cfr. Actas 1993, nº 49, art. 286º). Relativamente ao tipo objectivo descrevem-se aqui aqueles comportamentos que, no âmbito da circulação rodoviária, se mostram susceptíveis de colocar em perigo os bens jurídicos protegidos. Como ensina Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo III, pág. 1080, o legislador considerou capazes de determinarem insegurança na condução dois tipos de condutas: 1 - A falta de condições para a condução; e 2 - A violação grosseira das regras de circulação rodoviária descritas. Todavia, como refere a mesma autora (ob. e loc. cit.), a punição do agente depende da verificação de um perigo concreto para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado - trata-se, portanto, de um crime de perigo concreto - ao contrário do ilícito previsto pelo art. 292º que é um crime de perigo abstracto - isto porque a exigência de uma situação de perigo está expressa no tipo, como seu elemento essencial constituindo o evento da acção. A nível subjectivo o tipo legal pode ser doloso ou culposo admitindo ainda a combinação entre o dolo e a negligência de tal modo que a conduta pode ser dolosa e a criação do perigo também dolosa e aí a conduta cai no âmbito no n.º 1 do art. 291º, ou a conduta ser dolosa e a criação do perigo meramente culposa e ainda a conduta e a criação do perigo serem ambas meramente culposas. De acordo com o nº 1 do art. 291°, é necessário o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo, por conseguinte, a criação de perigo para os bens jurídicos enumerados. É suficiente o dolo eventual, pelo que basta que o agente tenha a consciência do perigo decorrente da sua conduta para outras pessoas ou para bens alheios de valor elevado, e se tenha conformado com essa situação. Na medida em que se exige um perigo concreto, não basta que ele represente que é fonte de um possível perigo (abstractamente entendido, portanto); terá que conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que o aceitar nos seus contornos concretos. Dos factos provados resulta que, no dia 16 de Março de 2006, pelas 13.50, o arguido conduzia o veículo automóvel BQ pela Rotunda ………., em ………., nesta comarca, quando foi mandado parar por uma patrulha da GNR que por ali se encontrava em acção de fiscalização ao trânsito, mediante exibição da raquete de Stop; Porém, o arguido ao aperceber-se da acção dos agentes da autoridade, que reconheceu como tais, colocou-se em fuga do local; seguidamente, a patrulha foi em seu encalço na viatura da instituição, na qual foram accionados a sirene e as luzes rotativas, tendo-o perseguido durante cerca de 3 quilómetros. Durante a perseguição, que decorreu em várias artérias desta comarca, o arguido desrespeitou vários sinais de Stop, entrou em contra-mão na Rotunda ………., em ………. e não parou ao sinal vermelho dos semáforos colocados na Rua ………., naquela freguesia, tendo em todas estas situações obrigado os outros condutores a parar e a desviar-se dele para evitar a ocorrência de acidente. Ora, perante esta factualidade e tendo em conta os elementos objectivos do tipo de ilícito previsto pelo art. 291º, nº 1, al. b) do Código Penal temos que concluir que o arguido, com a descrita conduta, não preencheu qualquer desses elementos, pois que não se provou que tivesse violado as normas de circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita. Na verdade pese embora se tenha provado que o arguido violou as regras relativas à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões e à inversão do sentido de marcha não o fez em auto-estrada ou em estrada fora de povoações como exige o tipo legal. Inexiste conduta típica da sua parte e, sem ela, em vão se procurarão preencher os restantes pressupostos de punibilidade do agente, impondo-se, por isso, a sua absolvição. X X X Considerou-se na sentença recorrida que os factos praticados pelo arguido não integram os elementos constitutivos do crime de condução perigosa de veículo rodoviário p.p. nos termos do art. 291.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, pese embora se tenha provado que violou regras de segurança rodoviária nele mencionadas, por tal violação não ter ocorrido em auto-estrada ou em estrada fora de povoação, ou seja, perfilhando-se o entendimento de que a violação das regras de segurança rodoviária a que alude aquela disposição legal só constitui crime, para além do mais, se ocorrer em auto-estradas ou em estradas fora de povoações. Não é este, porém, o entendimento consentido pela redacção do n.º 2 daquele artigo, nem faria qualquer sentido que assim fosse, pois caso contrário ficaria por punir a violação das regras de segurança rodoviária praticada dentro das povoações, não tendo sido esta, manifestamente, a intenção do legislador. Com efeito, visando a incriminação em causa evitar a sinistralidade rodoviária que tem vindo progressivamente a aumentar, com todas as consequências funestas daí decorrentes, tal como, aliás, se refere na fundamentação de direito da sentença recorrida, que remete para as actas das alterações ao Código Penal, certamente que o legislador não teve em conta apenas a sinistralidade rodoviária ocorrida nas auto-estradas e estradas fora das povoações, mas a sinistralidade rodoviária em todas as estradas. Tanto mais que é sabido que a sinistralidade rodoviária acontece até com mais frequência fora das auto-estradas e sobretudo em estradas dentro das povoações.Da redacção da al. b) do n.º 1 do art. 291.º do Código Penal conclui-se que o legislador apenas restringiu às auto-estradas e às estradas fora de povoações, para o cometimento do crime previsto naquela disposição legal, a violação das regras de inversão de marcha e de marcha-atrás. Quanto à violação das demais regras de segurança rodoviária não fez qualquer distinção entre auto-estradas e estradas fora de povoações ou qualquer outro tipo de estradas. Se fosse intenção do legislador que aquela disposição legal se aplicasse apenas às auto-estradas e estradas fora de povoações, mandava a boa técnica legislativa que apenas no fim da enumeração de todas as regras de segurança rodoviária nela enumeradas fizesse menção às auto-estradas e às estradas fora das povoações, e não colocando entre vírgulas as regras de segurança rodoviária de inversão de marcha e de marcha atrás seguidas da palavra auto-estrada e estradas fora de povoações. Tendo sido colocadas entre vírgulas as manobras de inversão de sentido de marcha e de marcha-atrás, seguidas de “auto-estradas e estradas fora de povoações”, é manifesto que a violação das outras regras de segurança se aplicam a outro tipo de estradas. Se fosse intenção do legislador restringir a prática do crime previsto na al. b) à violação das regras de segurança rodoviária nela elencadas cometidas tão só nas auto-estradas ou nas estradas fora das povoações, não teria tido necessidade de, no proémio do artigo, fazer referência a via pública ou equiparada, que, dada a forma como o artigo se encontra redigido, sem dúvida se aplica à alínea b). Fazendo uma análise da violação grosseira das regras de segurança rodoviária a que aludia, de forma genérica, o artigo 291.º, n.º1, al. b), do Código Penal, antes da alteração que lhe foi introduzida pela Lei n.º 77/2001, Paula Ribeiro de Faria, no Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, págs. 1079 e seguintes, estabelece já a distinção entre algumas daquelas infracções independentemente do local onde tenham sido praticadas e as praticadas em auto-estradas ou estradas fora de povoações. Assim, nos parágrafos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º analisa as infracções às regras de segurança rodoviária relativas à prioridade, à ultrapassagem, ao trânsito de peões e à velocidade excessiva, respectivamente, independentemente do tipo de estradas em que ocorram, e nos parágrafos 13.º e 14.º analisa a violação das regras de inversão de marcha em auto-estradas ou estradas fora de povoações e de violação da sinalização de veículos parados em auto-estradas ou estradas fora de povoações, respectivamente. Embora acrescentando mais regras de circulação rodoviária do que as referidas naquela obra, publicada em data anterior à das alterações ao art. 291.º do Código Penal, cuja violação grosseira pode integrar o crime previsto naquele artigo, o legislador acabou por acolher na sua redacção aquela diferenciação. Como refere o M.º P.º na motivação do recurso, a interpretação feita na sentença recorrida faria incorrer a lei em contradição, nomeadamente na parte em que estabeleceria a violação das regras relativas à passagem de peões apenas quando ocorrida em auto-estradas, quando é sabido que não pode haver passagem de peões em auto-estradas. De referir que nos diversos acórdãos de tribunais superiores publicados quer na CJ, quer na página da DGSI, na Internet, em que estão em causa crimes da mesma natureza do ora em análise, praticados em estradas que não auto-estradas ou estradas fora de povoações, não se levantou a questão do não preenchimento dos seus elementos típicos devido ao tipo de estrada em que os factos ocorreram, sendo certo que, mesmo que não fosse esse o objecto do recurso, sempre o tribunal de recurso, se considerasse que o enquadramento jurídico-penal não estava correcto, podia e devia corrigi-lo, já que conhece amplamente das questões de direito, mesmo que não se trate de questões suscitadas no recurso. O crime previsto no art. 291.º, n.º1, al. b), do Código Penal é um crime de perigo concreto, como, aliás, se deduz da parte final do n.º 1 (criação de perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de grande valor), e é jurisprudência praticamente unânime. No caso, para além de violar grosseiramente regras de circulação rodoviária das previstas na al. b) do n.º 1 do artigo 291.º do Código Penal, o arguido criou perigo concreto para a vida e a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de grande valor. Com efeito, por via da sua condução, obrigou outros condutores a parar e a desviar-se dele para evitar a ocorrência de acidentes e, face à iminência da ocorrência desses acidentes, os agentes da autoridade viram-se mesmo na contingência de desistir da perseguição que lhe moviam. Tudo isto para concluir que, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida, a matéria de facto provada preenche todos os elementos constitutivos, objectivos e subjectivo, da prática, pelo arguido, de um crime p.p. nos termos do art. 291.º, n.º1, al. b), do Código Penal, pelo que o recurso tem necessariamente de proceder. X X X Assim sendo, importa agora determinar qual a pena a aplicar ao arguido pela prática do crime e, depois, proceder ao seu cúmulo jurídico com as penas parcelares dos outros crimes por que também foi condenado.Foram as penas parcelares e única aplicadas ao arguido fundamentadas na sentença recorrida nos termos que se passam a transcrever: Uma vez feita a qualificação jurídica dos factos, é chegado o momento de determinar a medida concreta da pena aplicável ao arguido. Nos termos do art. 40º do C.P., a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71º do C. Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele. Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime”, pág. 234). Por outro lado, a lei estabelece uma preferência pela pena não privativa da liberdade sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º do C.P.). No caso, atendendo a todas as circunstâncias do caso e à concreta actuação do arguido, considerada em termos globais, verifica-se que são elevadas as exigências de prevenção especial, tendo em conta as inúmeras condenações anteriores que sofreu por ilícitos de idêntica natureza, o que torna mais premente a função de advertência e reposição da confiança na ordem jurídica que também subjaz à condenação a proferir, afigura-se-nos que a pena de multa não é susceptível de realizar de forma suficiente e adequada as finalidades da punição. Pelo que, haverá que optar pela pena de prisão. Vejamos agora a medida concreta, atendendo às circunstâncias referidas no art. 71º, nº 2, do C.P.: - o arguido agiu com plena consciência da ilicitude da sua conduta; - actuou na forma de dolo (face à definição dada pelo art. 14º do C.P. e o facto provado no ponto 16); - as exigências de prevenção deste tipo de crime são sempre elevadas, desde logo pela recorrência com que os mesmos acontecem, e pelos possíveis prejuízos quer pessoais quer patrimoniais que daí podem advir para terceiros; - a favor do arguido, apenas a circunstância de, durante o cumprimento actual da pena, ter tirado a carta de condução. No caso vertente, o arguido encontra-se acusado como reincidente. Em face das circunstâncias ora elencadas e atenta a moldura penal do crime de condução sem habilitação legal (neste caso dois), a pena de prisão a aplicar ao arguido não deixará de ser efectiva e em medida necessariamente superior a 6 meses. Para além do mais, resultou provado que: - foi condenado nos processos referidos no ponto 10, tendo, inclusive cumprido pena efectiva num deles; - e, para além destas condenações, o arguido foi entretanto condenado pela prática de crimes de idêntica natureza no processo comum singular nº ../06.5PAVNG, do .º Juízo Criminal desta comarca na pena de 7 meses e 15 dias de prisão efectiva; no processo comum singular nº ./06.5PEVNG, deste Juízo, na pena de 9 meses de prisão efectiva; no processo comum singular nº …/02.3GDVNG, deste Juízo, na pena de 7 meses de prisão efectiva; e no processo comum singular nº …/06.9PTPRT, deste Juízo, na pena única de 10 meses de prisão efectiva. - simplesmente, as condenações referidas, acrescidas do cumprimento de pena de prisão efectiva, não serviram, no entanto, de suficiente advertência ao arguido para a não continuação de práticas delituosas. Vejamos. No Código Penal, a reincidência assume unicamente a natureza de uma causa de agravação da pena, avultando assim aí a “vertente da culpa agravada do agente”, cujo fundamento se encontra “no desrespeito ou desatenção do agente” pela advertência contra o crime que constitui a condenação anterior. Exige-se, assim, “uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa”, a qual poderá, “em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, págs. 262, 268 e 269). Ora, considerados os factos aludidos e atenta a igual natureza dos referidos crimes praticados pelo arguido, afigura-se-nos que este é de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime, estando desde logo verificado o requisito material exigido pela lei para a ocorrência de reincidência. E relativamente aos restantes pressupostos, ocorre que os crimes dos autos assumem a forma de crimes dolosos, a serem punidos com pena de prisão efectiva superior a 6 meses, como já se concluiu e que as referidas condenações anteriormente sofridas pelo arguido respeitam a crimes dolosos praticados em 1998 a 2005 e transitaram em julgado, sendo que a pena que lhe foi aplicada foi 7 meses de prisão, tendo arguido estado em cumprimento da mesma entre 20/06/2004 e 20/01/2005. Donde, estão preenchidos todos os pressupostos da punição como reincidente do arguido. De acordo com o disposto no art. 76º, nº 1, do C. Penal, em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, o que significa que no caso concreto a moldura penal abstracta da reincidência é de 1 mês e 10 dias a 2 anos de prisão. Pelo que, considerando todos os factores já anteriormente referidos que relevam para a determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido e a agravação da sua culpa resultante de se tratar de arguido reincidente, temos como adequado aplicar-lhes as seguintes penas concretas: 9 meses para cada um dos crimes. * Atento o disposto no art. 77º do Código Penal e uma vez que estamos perante um concurso efectivo de crimes há que aplicar ao arguido uma pena única.Face ao constante do art. 77º, nº 2 do Código Penal a moldura abstracta do concurso será de prisão de 9 meses a 1 ano e 6 meses. Assim, considerando os factos já referidos no seu conjunto, afigura-se adequado condenar o mesmo na pena única 1 ano e 3 meses de prisão efectiva. * Relativamente às contra-ordenações e considerando os factos já referidos considera-se adequada a coima concreta de € 500,00, para cada uma das contra-ordenações.Face ao disposto no art. 134º do Decreto-lei nº 44/2005, de 23/02 (Código da Estrada), haverá lugar a cúmulo material, pelo que se fixa a coima única no valor de € 1.000,00. X X X O crime de condução perigosa de veículo rodoviário é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.Os critérios e as circunstâncias a atender para a sua determinação concreta são os constantes da sentença recorrida, nada mais havendo a acrescentar-lhe. Face aos mesmos e, tal como foi decidido na sentença recorrida quanto aos outros crimes, a pena a aplicar ao arguido tem de ser de prisão efectiva e sempre superior a 6 meses, pelo que, pela mesma razão por que foi condenado como reincidente pelos crimes de condução ilegal, também o tem de ser pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, já que também quanto a este se verificam os pressupostos formal e material da reincidência. Vejamos. Como referem Leal-Henriques e Simas Santos no Código Penal Anotado, 1.º volume, pág. 597, em anotação ao artigo 75.º, a agravação da pena resultante da reincidência fica a dever-se ao mais elevado grau de censura de que o delinquente se tornou passível, uma vez que o novo facto demonstra que a anterior ou anteriores condenações não lhe serviram de prevenção contra o crime. O elemento fundamental da reincidência passa a ser o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior, logo numa maior culpa referida ao facto, e não uma reacção contra a perigosidade do delinquente que é prosseguida através da pena relativamente indeterminada. Referem mais que a prática do segundo crime pode não indiciar desrespeito pela condenação anterior, a reiteração criminosa pode ficar a dever-se a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas. Em tal caso, não deve ter lugar a agravação, uma vez que não pode afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. No caso, não se tratou de crimes cujas causas foram meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas. Tratou-se de uma actuação configuradora de manifesto desrespeito pela advertência contida nas condenações anteriores. Assim sendo, nos termos do art. 75.º, n.º 1, do Código Penal, o limite mínimo da pena de prisão é de 40 dias e o limite máximo é de 3 anos. Atendendo à moldura penal assim encontrada e às circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido já enunciadas na sentença recorrida, entendemos que pela prática do crime p.p. nos termos do art. 291.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, deve o arguido ser condenado numa pena de 15 (quinze) meses de prisão, cuja suspensão, face às enunciadas circunstâncias, também se não justifica. Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal, impõe-se efectuar o cúmulo jurídico desta pena com as penas parcelares fixadas na sentença recorrida pelos crimes de condução ilegal, desfazendo-se assim o cúmulo jurídico efectuado naquela sentença e procedendo-se agora a um novo cúmulo das três penas parcelares. A soma material das penas parcelares é de 33 meses de prisão. Para a efectuação do seu cúmulo jurídico importa atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido, tal como preceitua o art. 77.º do Código Penal. Os factos e a personalidade do arguido são os que decorrem da matéria de facto provada, sendo de relevar o grande número de condenações sofridas em datas anteriores à da prática dos factos a que respeitam estes autos, o elevado grau de perigo que criou para outras pessoas e bens e as circunstâncias de ter violado várias normas de segurança rodoviária e de a sua acção se ter prolongado por um percurso de cerca de 3 kms. Face a tais circunstâncias, entendemos que se justifica a aplicação ao arguido da pena única de dois anos de prisão, sendo esta a necessária e adequada a punir a sua actuação. X X X Deste modo, concede-se provimento ao recurso e, em consequência: a) julga-se procedente a acusação quanto ao arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo art. 291.º, n.º1, al. b), do Código Penal; b) pela sua prática condena-se o arguido na pena de 15 (quinze) meses de prisão; c) operando o cúmulo jurídico desta pena com as penas parcelares que lhe foram aplicadas pelos dois crimes de condução ilegal p.p. pelo art. 3.º, n.ºs 1 e 2, do D/L n.º 2/98, de 03/01, condena-se o arguido na pena única de 2 (dois) anos de prisão; d), no mais, mantém-se a sentença recorrida.Sem tributação, por o M.ºP.º estar isento e o arguido não ter dado causa ao recurso. Na 1.ª instância será ordenada a remessa de boletins ao registo criminal. X X X Honorários legais.Porto, 2008/01/23 David Pinto Monteiro José João Teixeira Coelho Vieira António Gama Ferreira Ramos Arlindo Manuel Teixeira Pinto |